Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 38
Álcool, cigarro e cocaína




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7 dias antes.

—Vocês não vão acreditar no que eu acabei de ouvir! – Luana apareceu por trás de Rafa e Marina enquanto elas se encaminhavam para a sala de aula.

—Tenho até medo do que pode ser, com essa sua cara de felicidade provavelmente é uma coisa ilegal, estranha ou assustadora... – Marina comentou enquanto apertava os livros contra o peito.

—Os pais do Tiago vão viajar daqui a dois dias e ele prometeu dar a maior festa do ano na casa dele semana que vem! – Luana continuou ignorando o comentário da loira –Vai ser provavelmente nossa última chance de curtir uma festa de verdade antes de começarmos a nos preparar para os vestibulares, temos que ir!

—Luana – Rafa chamou a atenção –Eu e Marina estamos nos preparando para os vestibulares desde o começo do ano...

—Ok, ok – a loira abriu um sorriso despreocupado –Antes que EU comece a me preparar para os vestibulares...

—Aliás – Marina interrompeu a amiga –Terminei com Guilherme e ele é amigo do Tiago, lembra? E nenhum deles gosta muito de você... Não acho que vamos ser convidadas.

—Quem falou em convite? – Luana abriu um sorriso malicioso –Isso nunca nos impediu antes e não vai ser agora! Esqueceu de todos os lugares que invadimos? Incluindo essa nossa querida escola...

—Pelo amor de Deus – Marina puxou as duas amigas para perto dos armários enquanto reclamava baixinho –Quer tomar cuidado com o que fala? Eu não estou a fim de ser presa.

—Marina – Luana sustentou seu sorriso por mais tempo mesmo que a expressão de Marina e Rafaela fosse de preocupação –É nossa última chance.

—Última chance de que? – a outra loira perguntou confusa –Você andou bebendo? Não são nem 8 da manhã, Luana, pelo amor...

—A nossa dose violenta de qualquer coisa – Luana a cortou –Ou vocês esqueceram?

Rafa e Marina ficaram em silêncio encarando Luana. Definitivamente não haviam esquecido, ainda mais levando em conta o fato de que Luana insistia em lembrar isso quase o tempo todo. É como se essa busca tivesse um significado diferente para ela, como se fosse algo mais urgente do que era para as outras duas garotas. E era exatamente isso que aterrorizava Rafaela...

—Claro que não – Rafa por fim quebrou o silêncio –Mas nada de fazer loucuras, Luana. Dessa vez é sério!

—Exatamente – Marina concordou –Nada de invasões, brigas, provocações, destruição ou afins... Apenas nós três nos divertindo, ok?

Luana revirou os olhos mas sem tirar o sorriso do rosto.

—Meu Deus, vocês tem que tirar toda a graça mesmo? Tudo bem, já que precisa ser assim pra vocês toparem, nada de problemas dessa vez.

—Jura? – Marina a olhou com seriedade.

—Eu juro – a loira devolveu com o mesmo tom.

***

5 dias antes.

—Nós devíamos começar a olhar as coisas de São Paulo, sabe? – Marina comentou enquanto o sol esquentava seu rosto. Sentia a grama pinicando suas costas mas nada a faria sair do lugar onde estava, sentia-se relaxada e calma. Exceto pela perna de Luana que estava apoiada em cima da sua.

—Tipo o que? – Luana perguntou olhando para o céu, é como se ela não ligasse de verdade para o que estava dizendo, como se tivesse a certeza de que tudo se resolveria por conta própria –Onde morar? O que mais tem em São Paulo são apartamentos baratos, vamos dar um jeito nisso rápido...

—Marina tem razão – Rafa concordou, ela estava encostada na cerca do quintal de Luana enquanto as duas amigas estavam deitadas –Não deveríamos deixar pra última hora.

—Ok – Luana sentou-se e encarou Rafaela –Vamos olhar isso semana que vem, ok? Agora, tem mais uma coisa que quero falar com vocês...

—Ah, meu Deus, quando você acha que não pode piorar... – Marina comentou e levou um empurrão de Luana.

—Estava pensando que devíamos fazer um esquenta para a festa do Tiago e, segundo meus contatos, Gabriel vai dar uma festa daqui a alguns dias. Vamos?

—Eu adoraria me enfiar em confusão com você – Marina sentou-se para encarar a amiga –Mas tenho planos de ficar em casa fazendo vários nada com o Eli. Eu passo.

—Vários nada, é? Aposto que sei bem que vários nada são esses... – a loira provocou mas recebeu apenas uma careta da amiga em resposta –E você, Rafa? Vamos?

—Ah, Luana, eu tenho coisas da escola pra adiantar que, aliás, você deveria fazer também...

—Tudo bem, parece que vou ser só eu dessa vez – Luana voltou a se deitar na grama –Podem me abandonar, eu não ligo mesmo...

—Ok, então. Parece que não temos mais que ir na festa do Tiago, Rafa – Marina brincou.

—Ei, vocês podem pelo menos esperar depois da festa do Tiago pra me abandonarem, ok? – Luana respondeu com uma raiva fingida o que fez as garotas rirem.

—Ok – Rafa entrou na brincadeira –Depois da festa então.

***

3 dias antes.

 Marina acordou com o barulho do filme, deve ter dormido na metade e nem se deu conta. Os créditos começavam a subir na tela e, pela janela do seu quarto, podia ver que já havia escurecido.

—Você dormiu na primeira meia hora, isso é um absurdo – Eli reclamou quando viu que a garota abrira os olhos –Você não pode chamar seu namorado pra passar um tempo com você, deixar ele escolher um filme e dormir antes das partes emocionantes...

—A culpa não é minha se meu namorado tem um péssimo gosto – a loira rebateu e se aproximou do garoto. Eli deitou de lado para que pudesse olhá-la nos olhos.

—Eu não tenho um péssimo gosto, você que não sabe o que é arte.

—Se pessoas morrendo e sangue pode ser considerado arte, então nem quero saber – ela retrucou, Eli sorriu e beijou a testa dela.

—Nesse caso, peço desculpas por ter te incomodado com meu gosto terrível. Devo ter te deixado tão entediada que agora você precisa dormir, acho que é hora de ir embora.

—Já? – a loira enterrou o rosto na camisa dele, queria que ele ficasse mais tempo.

—Eu já estou aqui há bastante tempo, a culpa não é minha se você dormiu o dia todo – o garoto reclamou.

—Tá bom – ela cedeu mas logo se lembrou de algo –Ah, você vai pra festa do Tiago no sábado, não vai? Não quero ficar perto daquele pessoal sem você...

—Sabe que eu vou, Nina. E não vai acontecer nada, vai ser divertido, você vai ver. Luana vai ficar bêbada, Rafa vai se divertir e nós vamos dançar a noite toda.

—Parece bom demais pra ser verdade – a loira comentou.

—Mas é verdade, eu prometo – Eli beijou Marina carinhosamente e se levantou –Te vejo daqui a uns dias.

—É bom que a gente dance a noite toda mesmo, Eli, ou eu vou ficar bem decepcionada – a loira disse o que fez o garoto sorrir ao sair pela porta.

***

Luana conseguia sentir o arrependimento tomando conta do seu peito, fora uma péssima ideia ter ido sozinha pra essa festa. Tudo bem que Gabriel estava na faculdade e obviamente andava com pessoas mais velhas mas essa festa era muito mais adulta do que a loira esperara. Assim que entrara na casa alugada, todos os caras do lugar passaram a encará-la como se ela fosse uma intrusa ou coisa assim. Achou que se bebesse um pouco a sensação iria passar mas não tinha dado certo e agora, além de estar com uma sensação terrível, cambaleava bêbada pelo lugar tentando achar a saída.

Não conseguia deixar de pensar que tinha bebida demais nesse lugar, cada pessoa parecia ter dois copos na mão ou talvez fosse o efeito da bebida no seu cérebro fazendo ver tudo em dobro. Enquanto passava pela casa, via muita coisa acontecendo mas não conseguia processar tudo: garotas sem blusa cambaleando como ela, homens enfileirando um pó branco em colunas para depois fazê-los desaparecerem com o nariz, luzes brilhantes, cigarros acendendo e passando de lá para cá... Ela só queria sair dali.

Luana estava tão distraída que acabou trombando com um cara ao virar o corredor.

—Ei, docinho, cuidado – ele cheirava a álcool e alguma outra coisa que deixou Luana enjoada, a loira percebeu que as únicas coisas que ainda a mantinham de pé eram os braços dele –Não devia andar sozinha nesse estado, eu vou te ajudar...

—Eu já estou saindo – ela balbuciou mas não conseguiu se soltar, as paredes pareciam girar.

—Desse jeito? Não, é melhor você descansar no quarto – ele sussurrou no ouvido dela e a levou pelo corredor. Luana quis correr mas suas pernas não respondiam mais, tentou gritar mas sua boca estava seca demais e não seria ouvida por causa da música de qualquer forma.

O desespero enchia seu peito, o arrependimento por ter ido sozinha também mas, mais do que todas essas sensações, lembranças que lutara contra durante tanto tempo insistiam em voltar à sua mente. Lembranças de muitos anos atrás, antes de sua mãe ir embora, antes de seu pai ter câncer, antes de tudo começar a dar errado em sua vida...

Seu pai tinha viajado naquele final de semana, alguma coisa relacionada ao trabalho. Ficara sozinha em casa com sua mãe. Naquele dia, sua tia faria aniversário e havia convidado a família e alguns amigos para sua festa. Não seria nada demais, apenas um churrasco e algumas cervejas, talvez até um karaokê. Sua mãe a levou e, assim que chegaram lá, se distraiu com conversas com tias e primas e algumas cervejas.

Sua mãe não estava bêbada, longe disso, apenas se distraiu, ou pelo menos era nisso que Luana queria acreditar. Nenhuma mãe negligenciaria a filha desse jeito, certo? Ainda mais uma criança de apenas 10 anos...

Como qualquer garotinha da sua idade faria, Luana foi para o quintal e se concentrou nos brinquedos dos primos. Não se importava de estar brincando sozinha ali, nunca se importou.

—Ei, a gente pode brincar com você? – um cara mais velho se aproximou com dois amigos atrás dele. Luana nunca o tinha visto antes então pensou que ele deveria ser um amigo da família do qual nunca ouvira falar mas, já que estava naquela festa, deveria ser de confiança. Os olhos dele tinham um brilho estranho que a garota não soube identificar, anos mais tarde ela saberia que aquele brilho estranho era um dos efeitos da embriaguez. Mas ela não sabia disso na época então apenas balançou a cabeça positivamente para a pergunta dele, poderiam brincar juntos.

—Tem um quarto lá em cima cheio de coisas legais pra gente – ele continuou, os dois caras atrás dele sorriam, Luana os achou gentis, adultos não costumam tratar garotinhas tão bem, a garota sempre fora tratada como uma retardada mas agora sentia-se feliz por estarem conversando com ela de igual pra igual –Que tal nós quatro subirmos lá?

Luana se levantou concordando com um aceno de cabeça e abrindo um sorriso enorme, limpou a grama grudada na parte de trás do short enquanto se levantava. O homem dos olhos brilhantes segurou sua mão enquanto dizia:

—Mas você não pode contar pra ninguém, ok? Senão não vamos poder brincar...

—Eu não vou contar – a garota respondeu rindo e sorrisos voltaram a tomar conta dos lábios dos três homens.

—É uma boa garota – um deles falou, Luana sentiu-se feliz. Sempre quisera ser uma boa garota.

O homem de olhos brilhantes a levou até o segundo andar da casa enquanto os outros dois iam logo atrás. Pararam em frente a uma porta, o homem que segurava sua mão se virou para os outros dois e disse:

—Fiquem aqui fora e não deixem ninguém entrar, quando eu terminar vocês podem ter a vez de vocês.

Os outros dois resmungaram mas logo ficaram cada um de um lado da porta. Luana entrou no quarto de mãos dadas com o homem de olhos brilhantes.

O homem que a ajudava passou por um corredor longo e parou em frente a uma porta. Quando ia entrar com Luana, um rapaz gritou:

—Ei, não quer dividir essa aí? – houve risadas de ambos os homens até o “ajudante” de Luana responder:

—Depois que eu terminar você pode ter ela...

E abriu a porta levando Luana para dentro do quarto.

Luana encarava suas roupas no chão com ansiedade, não estava gostando daquela brincadeira mas o homem que a levara até ali parecia estar se divertindo e ela não queria deixa-lo com raiva.

—Você pode deitar na cama, bebê. Não precisa ficar com medo, é só uma brincadeira.

A garota queria ir embora dali mas obedeceu, talvez se fizesse o que ele pedia poderia sair rápido daquele quarto. Deitou na cama e ficou olhando enquanto o homem tirava a própria roupa. Quando terminou, ele subiu na cama e olhou nos olhos da garota:

—Você não pode contar isso pra ninguém, nunca, Entendeu? – Luana balançou a cabeça timidamente o que fez um sorriso brotar no rosto do homem –Ótimo, vamos fazer isso rápido então pra dar tempo dos meus amigos brincarem também.

A dor que a garota sentiu quando ele começou foi algo que ela nunca esqueceu.

Luana estava jogada na cama, o homem que a havia levado até ali beijava seu pescoço e passava a mão debaixo da sua blusa. Ele tinha cheiro de álcool e cigarro e mãos ásperas demais, ela queria empurrá-lo pra longe mas estava paralisada. Só conseguia pensar no que havia acontecido há muito tempo, nos homens que a haviam arruinado...

Quando o segundo homem veio, ela chorou e pediu para que parasse mas foi ignorada. Quando a vez do terceiro homem chegou, ela gritou mas isso só o deixou irritado e fez com que ele tapasse sua boca com as mãos. A garota sentia dores no corpo todo e sua cabeça doía de tanto chorar mas, quando o último homem se levantou da cama e tirou as mãos da sua boca, achou que tinha acabado. Então o homem de olhos brilhantes voltou com o mesmo sorriso perturbador no rosto.

—Por que você está chorando, menininha? Não gostou da brincadeira? – ele acariciou o rosto dela, Luana estremeceu –Os meus amigos não foram gentis?A gente pode fazer uma última vez pra você não ir embora daqui insatisfeita...

Então ele virou a garota de costas e fez o que bem entendeu com ela enquanto os gritos de Luana eram sufocados pelo travesseiro. Quando enfim terminou, o homem se levantou e foi embora sem dizer nada. Luana escutou ele rindo nos corredores com os amigos enquanto se afastavam.

A garota continuou deitada por muito tempo, incapaz de se mexer devido ao choque e medo.

Luana sentiu as mãos do seu “ajudante” descendo em direção à sua saia e, antes que ele pudesse ir mais longe, a loira desferiu uma joelhada com o máximo de força que tinha em direção ao meio das pernas daquele homem. Escutou ele gemer de dor e se afastar dela, aproveitou o momento para cambalear para fora do quarto e sair da casa correndo.

Correu até não conseguir mais escutar a música mesmo sem ter ideia de para onde estava indo, apenas seguia em frente. Parou de correr quando percebeu que estava em um bairro conhecido e permitiu-se finalmente diminuir o ritmo. Não sabia para onde poderia ir, não podia voltar para casa no estado em que estava e o lago era longe demais para que pudesse ir a pé.

Sua mãe a encontrou no quarto. Luana voltou a chorar assim que a viu.

—O que você fez, Luana?! O que você fez?!

—Me desculpa, mamãe, me desculpa – era tudo que a garota conseguia responder enquanto a mãe gritava com ela e a sacudia pelos ombros. Sua mãe também chorava mas a garota não sabia porquê, talvez fosse por sentir culpa.

—Você não pode contar isso pra ninguém, ouviu?! Nem para o seu pai! – a mulher gritou enquanto vestia a filha –Olha pra mim, Luana, você não vai contar pra ninguém!

A garota sacudiu a cabeça concordando enquanto secava as lágrimas. Ela manteu a promessa, nunca contou pra ninguém.

A loira apenas continuou andando e depois de algum tempo percebeu para onde estava indo.

***

Rafa estava quase dormindo quando escutou batidinhas na sua janela. Já imaginando quem seria, ela foi abrir a janela com um enorme sorriso que logo desapareceu ao encontrar Luana com lágrimas escorrendo pelo seu rosto e a maquiagem toda borrada. A garota abriu a janela para deixar a amiga entrar, percebeu que Luana estava bêbada pelo jeito com que ela cambaleava pelo quarto.

—Luana, o que aconteceu? – Rafa ajudou a amiga a se sentar em sua cama.

—Eu só faço merda – Luana fixou seus olhos cinzentos em Rafaela –Eu só estrago tudo, me desculpa. Eu sei que eu tenho que parar, isso só fica cada vez pior, eu só fico cada vez pior...

—Luana – Rafa chamou a atenção da amiga com delicadeza –Você precisa primeiro se acalmar, por favor.

A loira obedeceu e respirou fundo tentando segurar o choro. Rafa não sabia o que fazer, ela nunca sabia o que fazer quando via Luana desse jeito.

—Alguma coisa aconteceu na festa? Pode me contar, Lu... – Rafaela tocou o braço da loira que congelou.

Luana parecia olhar para a amiga pensando se deveria contar tudo ou não, Rafaela apenas esperou torcendo para que a loira percebesse que ela se importava, que podia confiar nela.

—Eu... – a loira tentou falar –Eu estrago tudo, Rafa. Eu estraguei tudo... Foi por isso que minha mãe foi embora e meu pai ficou sozinho, e é por isso que eu não consigo ficar muito tempo perto de alguém ou ser sincera sobre as coisas que aconteceram e eu não aguento... Eu não aguento o fato de ninguém ter me ajudado, todo mundo sabe que tem alguma coisa errada comigo mas ninguém nunca tentou perguntar, ninguém nunca perguntou o que aconteceu e eu não consigo entender por quê! Eu só queria que alguém me ajudasse, mas eu nunca soube pedir ajuda.

Luana soluçava, Rafa ouvia as coisas que ela falava mas não conseguia entender de onde vinha tudo isso então olhou fundo naqueles olhos cinzentos e perguntou com firmeza:

—Luana, o que aconteceu?

A loira congelou novamente. A boca aberta parecia querer dar passagem a um milhão de palavras de uma vez mas nada saía. Por fim, ela baixou a cabeça envergonhada e disse:

—Quer saber, não é nada, desculpa te incomodar. Eu só bebi demais, é melhor eu só ir pra casa... – Luana fez menção de se levantar mas Rafa segurou seus braços novamente e a parou.

—Ok, já que você não quer falar, eu falo – Luana a encarou –Eu sei que tem alguma coisa que você não conta pra ninguém e sei que você quer me contar isso. Quantas vezes você ficou perto de me contar essa coisa mas no final mudou de assunto?

—Rafa... – Luana tentou se afastar mas Rafa continuou segurando-a firmemente.

—Não, Luana. Tudo bem, eu entendo – a garota continuou –Sei que deve ser difícil pra você e tudo mais, sei que você nunca teve ninguém de verdade mas eu estou aqui, eu sempre estou aqui. E você pode me contar qualquer coisa. Mas não vai embora agora, por favor, e não tenta me afastar. Eu quero te ajudar mas você tem que me deixar fazer isso... Então eu vou perguntar uma última vez e quero que você responda com sinceridade, vou aceitar qualquer resposta que você quiser dar. Luana, o que aconteceu?

Mais uma lágrima escorreu pelo rosto de Luana até pingar no seu queixo, os olhos cinzentos da loira encaravam os castanhos de Rafa cheios de indecisão e dúvidas até que Luana finalmente desmoronou e recomeçou a soluçar com o rosto enterrado na blusa de Rafaela. A garota abraçou a amiga em silêncio e deixou que ela chorasse o tempo que precisava. Rafa já havia se convencido de que Luana não lhe daria resposta alguma quando a loira finalmente disse:

—Eu fui estuprada.

A garota congelou, o quarto pareceu repentinamente ficar mais gelado. Mas, à medida que a informação chegava ao seu cérebro, tudo fez sentido: a dificuldade em confiar nas pessoas, a promiscuidade... Estava estampado para quem quisesse ver mas ninguém nunca tinha percebido, nem mesmo Rafaela, e a garota se odiou por isso, por não ter sido capaz de ver o quanto a amiga estava sofrendo.

—Quando? – foi a única coisa que conseguiu sair da boca dela, Rafa continuou a abraçando, não a soltaria por nada agora.

—Quando eu tinha 10 anos. A minha mãe sabia, por isso ela foi embora. Acho que era demais pra ela ter uma filha problemática – a loira respondeu, os soluços pareciam diminuir conforme ela contava mais.

—Nada disso é sua culpa, você sabe, não é? – Rafaela perguntou.

—Eu fui idiota – a loira disse –Eu segui aquelas caras...

—Foi mais de um? – Rafa a interrompeu horrorizada, Luana apenas balançou a cabeça concordando –Eu sinto muito, Luana. Você não merecia isso, ninguém merece.

A loira se afastou do abraço da amiga e deitou na sua cama parecendo exausta. Rafa se aproximou e deitou ao lado dela.

—Ela não me deixou contar para o meu pai e, algumas semanas depois daquilo ter acontecido, se separou dele e foi embora. Eu me senti... Abandonada, sabe?

Rafa balançou a cabeça concordando. Luana continuou em silêncio por bastante tempo apenas olhando para o teto, as lágrimas pararam de cair e os soluços cessaram, tudo que restava era um cansaço intenso no rosto da loira.

—Alguém só tem que te ajudar, alguém tem que cuidar de ti... – Rafa disse.

—Ninguém nunca se preocupou em ficar tempo suficiente pra fazer isso – Luana comentou.

Rafaela olhava para a amiga com o coração apertado, queria fazê-la entender o quanto se importava com ela e o quanto a amava. Juntou toda a coragem que tinha e confessou:

—Eu quero cuidar de você, se me deixar fazer isso.

A loira olhou em seus olhos e sorriu timidamente.

—Mas você já faz isso.

—Não, Luana, você não entendeu – Rafa se aproximou e tocou o rosto de Luana delicadamente, a loira pareceu surpresa mas não a afastou o que pareceu encorajar Rafaela a continuar –Eu... Eu quero cuidar de você, eu quero te ajudar, eu quero ficar perto de você...

Rafa percebeu o quanto as duas estavam perto agora, a respiração de Luana fazendo cócegas em seu rosto. Sem pensar, Rafaela se inclinou e encostou seus lábios nos de Luana, a loira pareceu surpresa mas logo relaxou. Rafa sentiu a maciez deles e o gosto salgado que as lágrimas tinham deixado. Luana se afastou um pouco e disse com a voz cheia de dor:

—Eu sou toda errada, Rafa.

—Não tem problema, Luana – a garota respondeu –Isso não é importante pra mim.

Luana continuou olhando para Rafa sem saber ao certo o que fazer. Finalmente, a loira se reaproximou e deixou a garota beijá-la de verdade. Não foi como os beijos que dava em festas ou como os beijos que deu em todos os garotos com quem ficou. Rafaela a beijou com delicadeza e ao mesmo tempo segurança, Luana suspirou e puxou a garota para mais perto pela cintura. Rafaela enterrou as mãos nos seus cabelos e correspondeu à urgência que a loira sentia, as duas queriam compensar o tempo que haviam perdido.

Luana se afastou um pouco novamente para falar:

—Eu não quero mais procurar a dose violenta de qualquer coisa, ok?

—Tudo bem – Rafa sentia-se tonta com aqueles beijos, era como se nada que estivesse acontecendo fosse real.

—Eu não quero mais fazer merda, não quero mais ficar sozinha, ok?

—Tudo bem – Rafa repetiu com um sorriso.

—A gente vai nessa última festa e depois chega. Eu só quero fazer as coisas certas daqui em diante, ok?

—Tudo bem – Luana sorriu e enterrou o rosto no pescoço de Rafaela enquanto todo o cansaço que sentia reivindicava seu sono.

***

2 dias antes.

Rafa ouviu o canto dos pássaros e sorriu, era como se o dia tivesse decidido amanhecer com mais beleza para ela. Mas essa sensação não durou muito.

Ao virar para o lado, notou que sua cama estava vazia. Não havia sinal de Luana, a loira desapareceu como sempre fazia.

E isso deixou Rafa sem saber o que pensar da noite passada.


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