Hecatombe escrita por Bella Burckhardt


Capítulo 7
O herói ferido, o vilão carismático e a mocinha mentirosa


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoinhas!
Como passaram o natal? Espero que muito bem, considerem esse capítulo meu presente para vocês!
Enjoy it ;)



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Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Megan contava seus passos de um lado ao outro da lavanderia, aflita, mas não só pela situação. Sua cabeça vagava longe, por memórias distantes e o futuro incerto. “Fique aqui e tome cuidado” Will ordenou antes de continuar casa adentro, como se fosse muito fácil, e realmente seria, se não odiasse cômodos pequenos e claustrofóbicos como aquele, ainda mais estando sozinha com a pessoa que mais detestava no momento: ela mesma.

 Estavam em uma república estudantil, uma casa grande e, à primeira vista, sem nenhum morador restante. Porém, é claro, Will não se contentou com isso e foi revirar o lugar atrás de sua amada, e Megan, apesar da plena certeza de que ele não encontraria ninguém naquela cidade fantasma, não se opusera a nenhuma de suas ideias até então. A porta dos fundos dava ali e foi onde ela ficou.

 Por algum motivo, aquele total estranho estava disposto a ajudá-la mais do que qualquer um que já conhecera, uma parte sua achava muito suspeito e a aconselhava a correr dali, mas outra via sinceridade nele e precisava de ajuda para seguir em frente, mesmo que fosse apenas por mais um dia. Esse era o combinado, se recusando a deixar Megan partir por conta própria, Will decidiu que assim que encontrasse Gwen, a levaria até seu destino em Charlottesville.

 Impaciente, ela parou de andar e suspirou, encarando seu reflexo no vidro de um armário. Percebeu que uma pequena mancha de sangue se escondia perto de sua orelha e se apressou em remover de seu corpo o último vestígio da noite passada. Mais cedo, havia passado quase uma hora no chuveiro, esfregando cada canto de sua pele até sentir arder, tentando se livrar também da angústia, mas isso a água não levou.

 Desde o instante que abrira os olhos lutava para não desabar em lágrimas outra vez, como a criança chorona que fora acusada de ser. Sua mente estava uma bagunça. Deus, o que tinha feito? Quando a adrenalina e a raiva passaram, veio o desespero, a noção do que aconteceu. E que tipo de pessoa faria aquilo com a própria tia? Era tão ruim quanto ela, toda a repulsa que sentiu quando viu Diane matar aquela moça, agora sentia por si própria. 

— Foi um acidente, Megan, um acidente – fechou os olhos e passou as mãos pelo rosto –, só isso.

 Não, não foi, ela se sentiu bem fazendo aquilo. Mas continuava repetindo para si, em vão:

— Uma droga de acidente.

 O estilhaçar de um objeto no andar de cima chamou sua atenção, seguido de um grito incompreensível e outro baque. Espantada, Megan descumpriu a ordem e correu até a sala de estar ao mesmo tempo que Will marchava transtornado escada abaixo.

— O que foi?

— Ela não está aqui.

 Sorriu irônico e passou direto pela ruiva, deslizou a mão pelos cabelos e se voltou para ela.

— Ela não está aqui!

 Gritou encarando-a por um segundo, mas logo desviou o olhar, praguejou qualquer coisa e se sentou nos degraus, escondendo o rosto. Megan não sabia o que dizer, no caminho até ali haviam passado pela universidade da garota e estava devastada, havia sido lacrada e designada como área de quarentena, porém era óbvio que já não havia ninguém lá para ser isolado. Deram a volta na região e não encontraram nenhum vivo, aquela casa era a última esperança de Will, Megan já esperava por aquilo, mas assistir era bem pior do que imaginar. 

— Talvez ela esteja com a família ou com um de seus amigos, na capital – sugeriu, hesitante –, disse que iriam para lá, não é?

— A família dela está longe, o único que ela conhece em Richmond é o Justin e ele também desapareceu – respondeu desolado e respirou fundo, erguendo a cabeça. – A mochila dela está lá em cima, tem sangue pela casa toda e nenhum bilhete, nada. Ela sabia que eu viria, Megan, teria deixado algum sinal.

 Só então Megan se atentou à bagunça ao seu redor e principalmente à trilha de pegadas sangrentas que vinha de cima, seguindo pelas escadas e alcançando a porta. Franziu o cenho e mordeu o lábio apreensiva, uma ideia lhe passava pela cabeça, olhou para ele mais uma vez.

— Tem alguma ideia do que vai fazer agora? – Em resposta ele negou com a cabeça – olha, não perca as esperanças, não tem como ter certeza que ela está... bom, ela pode ter fugido às pressas e com certeza não foi sozinha, dá para ver que tinha muita gente por aqui. Pode ter ido para algum acampamento ou algo assim, em outra cidade.

 Os poucos centros de refugiados que viram ali haviam caído, sobre isso Diane estava certa. Sua fala chamou a atenção dele, que a fitou.

— Não sei se ainda vai ir para Richmond, mas, se quiser, eu tenho um lugar – ofereceu, ainda carregava o dobro do dinheiro. Duas entradas e o adicional das dívidas da falecida talvez fossem suficientes para Lance aceitar um desconhecido.

— Como assim?

— O lugar para onde estou indo é como um desses acampamentos, só que particular, digamos assim. É uma fábrica, muito bem protegida pelo que ouvi falar e eu, por acaso, fui convidada a me juntar a eles – tentou omitir o máximo da história, ao menos por enquanto ele não precisava saber de toda aquela podridão.

— Uma fábrica?

— É, estava desativada e o dono abriu as portas. Se quiser pode ir comigo, talvez até consiga ajuda para continuar procurando, pode falar com outros abrigos ou sei lá, pelo menos assim vai ter para onde voltar.

— E acha que me deixariam ficar?

— Ah, deixariam – afirmou certeira, se os últimos dias não lhes convenceram de que dinheiro já não tinha valor, jamais recusariam aquele montante.

— Você tem razão, tenho que continuar procurando – ele se ergueu. – E obrigado pelo lugar.

— É o mínimo que posso fazer – deu de ombros. Ele respirou fundo mais uma vez, olhando ao redor e depois de volta para ela.

— Então, Charlottesville?

— Charlottesville.

 Concordou e caminharam para a saída, para um carro velho e abandonado que encontraram mais cedo – por alguma razão, Will soube como ligá-lo sem as chaves, assim como soube consertar o braço dela. Lá fora uma chuva fina caía, aumentando mais e mais enquanto se afastavam do bairro nobre, dessa vez Will permanecia tão calado quanto Megan.

 Não haviam encontrado quase nenhum infectado, porém, se depararam com o horror explicito das ruas mais movimentadas. Era quase o mesmo em todas elas, haviam pilhas de corpos em cada canto, crianças, idosos, uma mulher grávida encabeçando uma delas, todos deformados e marcados na cabeça. Uma ou outra viatura policial abandonada contava a história do local, focos de incêndio eram apagados pela chuva e a fumaça encobria o cheiro podre do ar. O exército, assim como em outras cidades, também esteve ali, era visível – ao redor dos hospitais e escolas isolados por fita zebrada, os cadáveres fora dos sacos pretos eram dos militares.

 Deixaram para trás o centro embaixo de uma tempestade, que por pouco não abafou o aterrorizante som que os alcançava, ficando cada vez mais nítido à medida que se aproximavam da construção mais à frente.

 Vindos do Lynchburg City Stadium, uma sinfonia de grunhidos famintos se misturava ao som dos portões de ferro sendo esmurrados. Megan desembaçou a janela e ergueu seus olhos para as enormes faixas no topo, que anunciavam a superlotação do que passou a ser chamado de “Área de contenção Nº 28”.

— Acho que descobrimos porquê as ruas estão vazias.

 Will murmurou. O lugar causava arrepios, mas parecia inofensivo, até que, depois de um trovão, Megan percebeu uma movimentação no portão lateral, exatamente por onde passariam.

— O que é aquilo? – Forçou as vistas enquanto avançavam pela larga avenida.

— Onde?

— Meu Deus – sentiu-se gelar depois de mais um estrondo, que só fazia atiçar ainda mais os mortos, quando notou alguns se arrastando para fora por uma fresta –, aquilo não vai aguentar

— O que?

 Ela não precisou repetir, estavam a um quarteirão do estádio quando o portão se escancarou e um mar de infectados escorregou por ele. Rastejando, atropelando uns aos outros, tentando se erguer e perdendo membros no meio da grande onda, que se estendeu até a avenida e forçou o rapaz a frear, praguejando todos os palavrões que conhecia ao se ver em uma fração de minuto sendo alcançado pelas criaturas. Voltou com o carro o máximo que conseguiu, mas as rodas se atolaram sobre um deles.

— Vamos ter que descer – ele soltou o cinto, enquanto a garota o observava de olhos arregalados. – Tem que ter alguma coisa lá atrás.

 De súbito, ele saltou do carro, derrubando um que arranhava sua porta e correu para o porta-malas. Mais um alcançou a janela do passageiro, assustando-a e batendo no vidro desesperado, com seu olho saltando para fora, o outro que estava no chão começou a se erguer e Megan também se soltou do cinto, pulando para o banco de trás. Foi quando alguma coisa acertou a cabeça do caolho, esmagando-a contra a janela.

— Vamos! – Will abriu a porta de trás, completamente encharcado, segurando um taco de beisebol banhado em sangue.

 Megan saiu para a chuva, ele agarrou sua mão e correram na direção oposta da que seguiam, com todos os reanimados que continuavam inteiros em seu encalço. Não estavam tão longe da saída, só precisavam dar a volta e logo estariam fora daquela cidade.

 Se a chuva atrasava os mortos, também se mostrou um problema para os dois. Ao se depararem com uma descida íngreme, a pequena enxurrada os desequilibrou, arrastando-os morro abaixo, assim como o grupo que continuava atrás deles. E a rua se transformou em um tobogã de mortos vivos.

— Will!

 Megan gritou quando um se prendeu ao pé dele, fazendo-o tombar mais uma vez e o puxando para baixo. Já estavam quase no fim da rua quando Will se segurou em uma placa, tentando sem sucesso livrar-se do infectado, a ruiva correu em sua direção e com um chute desprendeu a criatura faminta.

— Você está bem? – Perguntou quando conseguiram virar a esquina.

— Ele levou meu sapato!

 Will percebeu, indignado. Depois da encruzilhada, a descida continuava, levando os mortos para longe e tiveram um instante para respirar, observando a cena bizarra.

— Temos que ir, em pouco tempo as ruas estarão cheias.

 Megan alertou e eles voltaram a correr, estavam a apenas algumas quadras do estádio e ainda não era seguro. Quando se distanciaram o suficiente, diminuíram a velocidade, a essa altura Will já havia tirado o outro sapato.

— Se continuarmos a pé, não vamos chegar tão cedo – ele comentou.

— Acha que conseguimos outro carro?

— Vamos esperar a chuva diminuir e... – Se interrompeu quando outro infectado virou a rua mais à frente – procurar.

 Andava desengonçado, com um pedaço do intestino para fora e mancando de um pé, que em breve se descolaria totalmente do corpo. Will congelou no lugar, encarando-o.

— O que está fazendo? – Nenhuma resposta, apenas o olhar fixo na criatura – Will?

 A medida que a criatura chegava perto, o cheiro de carne podre se tornava nítido, as tripas caindo do abdômen estavam escuras e, em uma visão nojenta, uma mosca saiu dali e voou para longe. Sua pele tinha uma cor azeda, os dentes estavam sujos e totalmente à mostra. Os olhos amarelos o deixavam ainda mais aterrorizante. Com os braços esticados, o reanimado vinha voraz em sua direção e ao invés de derrubá-lo logo ou desviar, Will recuava a passos lentos, assim como Megan, que o encarava confusa.

— Não, não, não, não pode ser – seus olhos marejaram, ele continuava com o taco de beisebol e o apertava firme, mas sem sinal de que iria usá-lo contra o infectado. – Você não.

 Balançou a cabeça em negação e empurrou o morto quando se aproximou demais. Ficou claro que o conhecia apesar de não ter dado nenhuma explicação, Megan só não esperava o que ouviu a seguir.

— Amigo, você não! – Will o empurrou novamente e dessa vez, como previsto, o pé se soltou e ele foi ao chão, grunhindo voraz – Justin!

 Justin, Megan se lembrava do nome, era ele quem o rapaz pretendia procurar em Richmond, entretanto, se por um lado a cena era comovente, por outro ela se sentia tensa pela ameaça em potencial. Will parecia cego, enxergava o amigo, mas não a praga.

— Will, nós temos que... – ela se aproximou, hesitante – eu sinto muito, mas não é mais o Justin. Não pode deixá-lo assim.

— Ele... como foi que ele veio parar aqui? – Justin continuava rastejando para eles e Will se afastando – Deus, mas que merda! Que grande merda de mundo!

 Tomou coragem, foi na direção do amigo e com um berro cheio de ódio e amargura acertou sua cabeça. As lágrimas se misturavam com a chuva insistente, em seu peito, a dor de ter perdido um irmão. Justin parou de se mover e ele se afastou depressa, respirava ofegante e engoliu em seco, observando o cadáver de seu melhor amigo estirado no asfalto. Naquele momento ele se lembrou de Colúmbia, do sacrifício de Joe Hartley e o desespero de sua irmã, agora ele podia entendê-la, sabia perfeitamente como se sentia.

 Não fazia ideia de como Justin foi parar ali, se havia achado Gwen, se sua morte tinha algo a ver com ela, só sabia que encontrá-lo fez diminuir ainda mais suas esperanças e, devastado, ele seguiu viagem ao lado de Megan. Andaram por mais de duas horas até conseguirem sair da cidade, os dois calados e cabisbaixos.

 O plano de achar um carro até então não havia se concretizado, a mochila de Will ficou para trás com todo o suprimento que tinham e, andando, a fábrica ficava a um dia de distância. A chuva havia passado, estava perto de anoitecer quando encontraram um bar e passaram a noite ali, mas desta vez em claro. Os dois estavam encharcados e com alguns arranhões depois do episódio no estádio, Will, porém, amanheceu muito pior que ela.

— Tem certeza que consegue continuar? – A garota perguntou enquanto se preparavam para partir – está com uma cara horrível.

— Devo ter comido alguma coisa estragada, logo passa.

— Desde ontem a tarde não comeu nada.

— Pode ser isso também.

 Ele revirava o bar atrás de outro calçado, não voltou a falar sobre Justin ou a namorada, não voltou a falar sobre coisa alguma na verdade e tentava agir como se nada houvesse acontecido.

— Não acho que guardariam um sapato aí em cima – ele se esticou para olhar sob uma prateleira e Megan, que permanecia sentada, notou um corte próximo ao seu pé, mais profundo que os outros. – Onde se machucou?

— O que?

 Desistiu e olhou para ela, que apontou a ferida.

— Ah, não é nada, devo ter pisado em alguma coisa.

— Não foi nessa perna que aquele infectado...

— Não é nada, Megan – Will a interrompeu, impaciente. – Vamos, não tem nada aqui.

 Seguiu para fora, realmente se sentia péssimo, mas não admitiria, ela o alcançou e voltaram a caminhar. Em compensação pela chuva do dia anterior, o clima naquela manhã era agradável, e iam a meio de uma estradinha de terra quando estranhamente Will resolveu vestir a pesada jaqueta de couro.

— O que está fazendo?

 Olhou chocada para ele, que retribuiu confuso.

— Esfriou, você não acha?

 Ele respirava com dificuldade, estava pálido e Megan levou uma mão ao seu rosto.

— Meu Deus, você está ardendo – se assustou com a temperatura –, eu sabia que tinha alguma coisa errada. É melhor a gente parar um pouco.

 Mal terminou a frase e ele correu para o acostamento, vomitando tudo o que nem havia comido.

— É, é melhor a gente parar um pouco – concordou, sentando-se escorado em uma árvore e sua visão ficou turva, as coisas dançavam à sua frente, a voz de Megan parecia cada vez mais distante. – Eu só vou fechar os olhos um pouco.

 E assim o fez, desmaiando ali mesmo, no meio do nada.

— Ah, não. Não faz isso não – Megan se ajoelhou ao seu lado, tentou acordá-lo, mas sem sucesso. – Droga.

 Suspirou, erguendo-se novamente. Olhou de um lado ao outro da estrada e de novo para Will, não havia nada por perto, não queria deixá-lo ali sozinho e não tinha a menor noção de primeiros socorros. Em sua cabeça, uma ideia terrível do que poderia ter causado a febre ia e vinha.

 Não tinha outro jeito, teria que voltar, achar uma farmácia ou algo assim. Deixou a única garrafa d’água ao lado dele e torcendo para que nenhum morto-vivo aparecesse ali, correu de volta para a cidade à plenos pulmões. Desacelerou quando avistou o primeiro prédio, durante a noite escutaram alguns ruídos, era óbvio que haviam infectados por ali, porém, o que ela não esperava era ouvir ao longe o barulho de um motor. Um veículo, isso era bom, não era? Pessoas vivas. Ou não era?

 Resolveu se esconder a princípio, correu para atrás daquele prédio e se abaixou ali, observando um jipe parar mais à frente, seguido de uma minivan. Eram sete pessoas no total, todos vestindo preto, absolutamente mal-encarados e armados até os dentes. A única mulher parecia estar no comando, desceu primeiro e começou a despejar ordens.

— É a última parada segura antes de casa, as regras são as mesmas, não se separem e atirem no que quer que apareça. Você e você, vasculhem aquela casa – ela apontou dois de seus homens –, Lucas, você vem comigo e o resto vigia os carros.

— Ainda acho que devíamos parar em cidades maiores – o tal Lucas reclamou, ascendendo um cigarro.

— Mas não é você que tem que “achar” as coisas, é? – A mulher lhe tomou o cigarro e pisou sobre ele – se o Lance não quer arriscar as cidades grande, então não vamos arriscar.

 Megan ouviu desacreditada, eles trabalhavam para o Lance, aquela sorte toda não podia ser dela. Um pouco receosa ela deixou seu esconderijo e assim que a viram, todas as armas se voltaram para a garota.

— Esperem! – Ergueu os braços em rendição – por favor.

 A líder fez um sinal com a mão, pedindo que esperassem. Usava uma espécie de moicano e óculos escuros.

— Quem é você?

— Eu ouvi vocês conversando, estão com o Lance, não é? Eu conheço ele, estou indo para a fábrica.

 A mulher retirou os óculos e franziu a testa, se aproximando lentamente dela, baixou a arma, porém os outros continuavam alerta. Parou a uma distância segura e a analisou de cima abaixo.

— Como se chama?

— Megan Fraser.

— Megan? Você viu alguma Megan Fraser na lista de convidados, Lucas? – Ela se dirigiu ao subordinado, mas sem tirar os olhos da garota – o Lucas cuida da lista às vezes, sabe.

— Não me lembro de nenhuma Megan.

— Ah, ele não se lembra de nenhuma Megan – repetiu, fingindo tristeza.

— Diane, então, Diane Morrisen – engoliu em seco e a outra ergueu a sobrancelha, abrindo um sorriso sarcástico.

— É um pouco jovem demais para se passar por Diane Morrisen, querida.

— Ela é minha tia, viemos juntas para cá, Lance prometeu lugar para nós duas.

— E onde está sua tia, então?

— Morta – contou de uma vez. – Ficamos cercadas, eu consegui escapar e ela não. Mas eu tenho o dinheiro, está tudo aqui, pode ver.

 Abriu a bolsa e mostrou a ela, de alguma forma, tudo ainda estava intacto. A mulher acabou aceitando a história, sinalizou para os outros e eles abaixaram as armas.

— Tem mais alguém com você?

— Sim, um amigo, ele passou mal na estrada e eu voltei para procurar ajuda.

— Muito bem, vou levá-los até lá e ver o que o Lance acha, não garanto nada.

 Só isso já era um alívio, Megan agradeceu e ela modificou o plano, deixou Lucas encarregado e pegou o jipe, indo na frente com a garota. Se chamava Jordan, Megan descobriu, e por todo o percurso, manteve a arma no colo, pronta para se defender de qualquer movimento suspeito. Quando chegaram, Will continuava na mesma posição, Megan desceu e se aproximou dele, que havia acordado.

— Não achei que fosse voltar – ele sorriu, ainda meio grogue.

— Você voltou por mim, não foi?

 Lhe ajudou a ficar de pé e entrar no carro, Will não teve forças nem para perguntar o que acontecera, apenas apagou mais uma vez no banco de trás. Com a carona, o trajeto se tornou bem mais rápido, em meia hora já chegavam à fábrica.

 Não precisaram adentrar muito a cidade, o lugar ficava mais afastado, nos limites de Charlottesville. Quanto mais se aproximavam, mais desertas se tornavam as ruas de casas simples e prédios descuidados, aparentemente, quase todos ali se juntaram ao agiota. Vez ou outra passavam por alguém armado vigiando a movimentação, que cumprimentava a mulher ao volante.

 Logo a fábrica surgiu, ocupando um quarteirão inteiro, com altas chaminés que sobressaíam os muros, assim como os telhados de três construções mais ao fundo, um grande portão de grades dava melhor visão do lugar e cercado pelos três prédios havia um pátio, com dezenas de carros estacionados. O guarda abriu o portão assim que se aproximaram, Jordan estacionou e ordenou que Megan esperasse ali até que voltasse com Lance.

 Will parecia ainda pior agora, seu rosto estava molhado de suor e a febre persistia, estava pronta para retirar dele a jaqueta quando viu a mulher voltar, ao seu lado, aquela mesma figura peculiar da qual se lembrava – apenas, talvez, um pouco mais barrigudo. Com um sorriso no rosto e os braços abertos ele vinha saudoso em sua direção.

— Megan! Minha nossa, como você cresceu, menina – ele riu parando a sua frente. – Demoraram tanto que achei que não viriam. Onde está a Diane?

 Lance era um engomadinho careca e tudo o que não tinha de cabelo, tinha de lábia, conseguia sempre o que queria, saía por aí distribuindo favores como um anjo e na hora de cobrar tinha os requintes de um demônio, e ainda assim seus devedores o mantinham em alta conta.

— Ela não vem.

— Como assim não vem? Jordan disse que eram duas pessoas.

 Megan baixou os olhos, tentando fingir o luto. Não sabia até que ponto Lance sentiria a morte de Diane, mas talvez, vê-la abalada fosse uma razão para deixá-los ficar.

— Ela... Ela não conseguiu.

 Trazer de volta o choro não foi tão difícil, o sorriso do anfitrião se desmanchou de imediato e ele levou uma mão ao ombro dela.

— Ah, querida, isso é horrível.

— Sim – enxugou as lágrimas de crocodilo –, estávamos tão perto.

— Mas pelo menos você conseguiu chegar, não é? – Afagou seu braço – tenho certeza de que ela estaria orgulhosa.

 Sim, muito orgulhosa presa naquela picape, faminta, esperando sua vez de ir para o inferno.

— Lance, ela trouxe mais um.

 Jordan avisou, estavam a alguns metros do jipe e só então ele notou Will.

— Oh, e quem é esse? – Se aproximaram do carro – seu namorado?

— Não, é só um amigo.

— Hm, ele é mesmo um pouco velho para você – meneou a cabeça. – E parece doente, o que ele tem? Não me diga que foi mordido!

— Não faço ideia, só sei que ele me ajudou muito, sem ele não teria chegado aqui, então pensei se ele não poderia ficar também.

— Sabe que não faço caridade, querida, manter essa gente toda vai me sair bem caro.

— Diane negociou lugar para duas pessoas, ainda está tudo aqui.

 Retirou finalmente a bolsa e entregou a ele.

— E o resto que combinamos?

— Tudo aí, até o último centavo.

 Lance ergueu uma sobrancelha, abrindo para conferir. Quando se deu por satisfeito, pendurou-a no ombro e sorriu para Megan.

— Bem vinda à bordo, Meggy! Você e o nosso adorável herói, o senhor...?

— Will McDermont.

— Isso, o senhor McDermont. Vocês garotas adoram os heróis – ele sinalizou para um rapaz que passava por ali e abriu a porta traseira, erguendo Will com algum esforço –, é uma pena que na vida real sejam sempre os primeiros a morrer.

 O rapaz se aproximou e juntos eles o tiraram do carro, levando-o para dentro ainda desacordado. Com um aceno de cabeça, Megan agradeceu a Jordan mais uma vez e se afastou atrás deles, torcendo para que a frase de Lance estivesse errada.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? No próximo capítulo a Carson volta, caso estejam sentindo falta Kkk
Feliz ano novo e muitas coisas boas em 2019! ♥



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