Entre Linhas... escrita por Keila Lavigne


Capítulo 19
Cada amor em sua gaveta




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/745772/chapter/19

Estou fazendo uma faxina pesada nos últimos tempos... Deixei tanta coisa abandonada dentro de mim por tanto tempo... Tanta poeira com nomes e endereços diferentes... Tantas tralhas com cheiros e gostos acumulados, tanto sentimento contido, entulhado em uma só gaveta... Cheguei ao ponto de me sufocar, perder o ar, a paciência, a disposição. É preciso coragem para rever algumas lembranças e redistribuí-las, cada uma no seu canto, cada qual com sua importância, e eu, por tempos não tive. Custei acreditar que já estava na hora, na verdade já estava mais do que na hora.  E me faltou coragem, por muito tempo, para reviver certas verdades, certas mentiras e certas incertezas. Por isso ia empurrando, uma por uma, para cada vez mais fundo e mais inalcançável para mim. Me mantive numa bolha por mais tempo do que deveria, e por isso permaneci uma bagunça, achei que era uma bagunça boa, mas nem isso era. Tudo foi se misturando, se ajuntando como uma grande e pesada bola de neve, uma enorme confusão, feita por partes de mim e de terceiros, de sentimentos, tanto de um como do outro, e tanto dos dois juntos. Não nego que foi assustador num primeiro momento, pensei muitas vezes que não conseguiria, e outras muitas vezes em deixar por isso mesmo. Deixar que todo esse alvoroço se concertasse sozinho, se mantesse limpo e organizado por si só, mas é claro, isso não aconteceria, jamais. 

Respirei fundo, duas, três, dez vezes até arrumar coragem para fazer algo, sair da zona de conforto era preciso, era necessário, e necessariamente eu "alcei" as mangas e comecei. No começo eu não sabia exatamente  o que era o que, ou para onde iria cada coisa. Afinal, em que pote ou gaveta se guarda um amor que nunca foi seu? Ou aquele sentimento que vem e volta, fica e depois simplesmente sai? Eu não sabia. Mas pouco a pouco tive que aprender. É demorado, e exige um tanto de paciência. Pôr cada coisa em seu lugar pode ser desgastante, uma faxina nunca é algo rápido e fácil de se lidar. Soei a camisa, perdi alguns quilos e fiz o que podia, com o que tinha, e até onde deu. Ainda não posso dizer que tudo está em seu devido lugar... Tem muita coisa que precisa de seu espaço e com o tempo vou arranjando esse espaço, tirando um sentimento daqui, outra segurança de lá até que por fim me convide a mim mesma para me sentar e apreciar a leveza de um ambiente limpo e organizado. A sútil arte de me deliciar com uma obra demorada mas que me darão frutos. É como um agricultor, que demora meses preparando a terra, alguns outros meses para plantar e outros para colher tudo aquilo que sobreviveu ao espaço e tempo. Não devo me demorar muito. Já quase posso sentir o cheiro de coisas novas vindo, como um pão que acabara de sair do forno e seu cheiro se empregna por todos os cantos da casa. Meus amigos estão em ordem, meus estudos em dias, minhas batalhas diárias e alguns amores... Mas existe sempre aquele sentimentozinho insistente que cai da estante, se espatifa pelo chão e vai deixando marcas por todo o carpete... Esses, esses ainda não sei onde que ficam ou onde que os guardo. Talvez nunca descubra, ou talvez o descubra mas não saiba lidar com a sua ausência e por isso o guardarei em qualquer canto seguro, longe das minhas vistas, onde ninguém os toque ou os note. Sentimentos que simplesmente existem, mas não mudam muita coisa. Sentimentos em que os pegue, mate a saudade por algum tempo e depois os esconda novamente. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre Linhas..." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.