Desabafos escrita por Yurie


Capítulo 8
Desculpa




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Eu sou pobre. 

Não, não passo fome. Não, não estudo em escola pública (embora eu não tenha condições de estudar em uma particular). Não, não sou um miserável. 

Mas eu estudo em uma particular boa pra caralho em Guarulhos. O que quer dizer que todos - e eu friso todos — os meus amigos são, bem, quase ricos. Semi-ricos.

Eles têm dinheiro. 

E eu? Bom, meu pai é professor. Minha mãe é artesã. Não temos exatamente dinheiro, sabe? 

Ok, mas não é o fim do mundo. Claro que não. 

Veja bem, não quero ficar reclamando. Não quero vir aqui e fazer parecer que coitadinho de mim, não tenho dinheiro para nada, não posso fazer nada e blábláblá. 

Não, não quero ser essa pessoa. 

Mas tem a viagem de formatura esse ano. Teve no ano re-retrasado, também, a do nono. Tem mil e uma idas para o cinema, tem as festas, tem o acantonamento. 

E eu? Eu não vou. 

Não vou nas festas porque ninguém me chamou. Não vou na viagem porque não tenho condições. Não vou no acantonamento porque não tenho dinheiro. 

Eu não vou fazer nada esse ano. Tenho sorte se conseguir pagar os vertibulares e o Enem. Eu vou ficar em casa, trancado, assistindo Netflix e me matando de estudar enquanto meus... Amigos (?) têm uma vida. 

E depois tem as fotos. Tem as conversas. Tem o intercâmbio da Bea, tem o filme que foi genial, tem aquela balada em Porto, tem o acantonamento que foi incrível... 

E eu não tive dinheiro. 

Dizem que felicidade não se compra, e eu sei muito bem disso. Não, não trocaria minha família por qualquer dinheiro no mundo e não acho que a vida dos meus colegas são um perfeito mar de rosas. 

Mas eu só queria... Ter alguma coisa. Sabe? 

Queria ter ido na festa do Felipe. Queria ter saído no aniversário da Ana. Queria que a Júlia tivesse me chamado pro dela. Queria que alguém se importasse. 

Às vezes, eu faço isso ir embora. Às vezes, eu esqueço de tudo e parece que tenho alguém de verdade. Mas aí o sinal toca. Eu vou para a casa e descubro tudo o que eu não pude fazer. 

E dói. 

A companhia faz tudo doer ainda mais, porque eu me lembro de como é. Ter amigos, ter companhia, ter gente que se importe. Eu me lembro de como parece que é real. 

E eu me pergunto o quanto isso é impressão. O quanto de repente eu sou só um porre. O quanto talvez fosse melhor se eu desaparecesse e parasse de encher o saco de geral. 

Queria dizer que sinto muito. 

Sinto muito por ser complicado. Sinto muito por ser carente. Sinto muito por me sentir confortável o suficiente para falar. 

Eu me arrependo de 70% do que faço e de 90% do que digo. 

Mas há três coisas que não voltam atrás: a palavra pronunciada, a oportunidade perdida e a atitude tomada [é um provérbio indígena, eu acho]. 

Bom, desculpa. Se me intrometi. Se fui chato. Se te faço desconfortável. Desculpa mesmo por existir. 

Juro que não foi minha intenção. 

Passo 90% do tempo achando que o que acabei de dizer é simplesmente inútil e ninguém liga. Os outros 10% me ocupo discorrendo de como sou egoísta por querer atenção. 

Talvez seja por isso que elas não falam mais comigo, que ninguém me chamou para a festa, que tudo parece tão desconexo. 

Eu me odeio. 

Positivamente, eu me odeio. 

Não adianta pensar que 'tá tudo bem. O fato de que nenhuma dessas amizades deve continuar depois da escola não é um consolo. As memórias e os alívios não mudam a minha companheira constante. 

A verdade? 

Eu sou uma pessoa extremamente solitária e ainda mais carente. Eu não sinto como se tivesse amigos, e não sei como eu me quebrei tanto. Também não acho que alguém vá se importar o suficiente. 

Tenho, o tempo todo, a nítida impressão de que estou quieto demais, triste demais. Vivo esperando que meu silêncio vai gritar e que alguém vai vir me perguntar o que houve. 

Mas não. Todo mundo tá ocupado demais pensando em Porto, ou no Acantonamento, ou no aniversário. 

Eu não vou estar lá, então, que importa? 

Eu sou positivamente um egoísta? Talvez. Mas é pedir demais uma mão estendida, uma companhia, um ombro para chorar? 

Parece que sim. 

Desculpa. 

Eu não queria ter me demorado tanto. Não queria ter dito aquilo. Não poderia ter ido na festa, mesmo... 

Desculpa se te atrapalhei em alguma coisa. 

Juro que não foi minha intenção.


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