A Coisa Mais Importante escrita por Chiisana Hana


Capítulo 4
Realidade




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Capítulo IV - Realidade

 

Somos flores que cresceram das lágrimas

Você é todas aquelas coisas que nunca consigo dizer

Você encontrará um lugar melhor um passo depois do fim

Caminharemos de pés descalços sobre esses espinhos

Nos tornando fortes para pararmos de sofrer

Me leve para o alto como os aviões

Vamos saltar juntos, venha comigo

Ainda que tenham despedaçado nossas asas

Caminharemos sobre as nuvens

Esses temporais vão passar

Ainda que seja difícil

Amanhã será um dia melhor” (1)

 

 

Os primeiros meses de um bebê são sempre complicados, de muito amor mas também de muitos desafios, ainda mais para pais de primeira viagem. É ainda mais difícil quando eles se tornam pais da noite para o dia como Shiryu e Shunrei e os primeiros dez meses de vida de Shoryu foram especialmente desafiadores porque a saúde do cavaleiro se deteriorava rapidamente.

Shiryu acabara de fazer apenas dezenove anos, mas o corpo fustigado pelas batalhas cobrava um alto preço. As idas ao hospital tornaram-se frequentes por diversos motivos: dificuldade para respirar, dores musculares, dores articulares, perda temporária da visão, febres, tonturas, uma coisa de cada vez ou todas elas juntas. Na última internação, o cavaleiro passou quase quinze dias internado depois de operar o joelho esquerdo.

Shunrei desdobrava-se para cuidar do marido, do filho pequeno, da casa e ainda precisava lidar com coisas inevitáveis do dia a dia: fazer as compras, pagar as contas, levar Shoryu para consultas, na maioria das vezes sozinha pois Shiryu estava debilitado demais para acompanhá-la. Nunca reclamava e nem deixava transparecer qualquer cansaço ou aborrecimento, mas ele sabia que era um trabalho árduo que a esgotava.

Depois dessa última internação, os dois começaram a cogitar mudar da casinha no alto das montanhas para outra na parte de baixo do povoado, maior e mais desenvolvida, e principalmente, mais perto de tudo. Dessa forma, evitariam ir e vir nas longas escadarias que levavam ao topo da montanha ou gastar mais do que deviam com táxi.

Estavam justamente visitando uma das casas quando Shiryu teve um mal súbito e desmaiou.

Horas depois, quando recobrou a consciência, ele já estava em um quarto hospitalar. Ao lado dele estava Shunrei, que se aproximou e deu-lhe um beijinho no rosto.

— Como se sente? – ela perguntou com a doçura que lhe era comum. – Você está melhor?

— Tô – ele respondeu. – Eu acho. O que houve? Não consigo lembrar.

— Você desmaiou enquanto a gente olhava a casa e acabou batendo a cabeça quando caiu… – ela respondeu de um modo que deixava perceber que havia algo mais.

Ele deu um longo suspiro. Já estava cansado de tanto hospital, embora soubesse que merecia cada ida. Eram muitos os pecados de um cavaleiro e a vida parecia disposta a cobrar cada um deles, só não achava justo que Shunrei e Shoryu também pagassem por isso.

— O que foi dessa vez? – perguntou com um novo suspiro. O que é que eu tenho agora?

— Bom, o médico pediu mais alguns exames, mas ele adiantou que acha que pode ser algum problema no coração. Eu comentei que você teve uma lesão, aquela da luta com o Shura, que foi operado… Ele disse que é provável que você tenha que fazer outra cirurgia…

Novamente ela usou aquele tom que deixava entrever que havia mais, então ele a instigou a falar.

— O que mais?

— É que se for isso mesmo, além de ser uma cirurgia bem cara, não fazem aqui em Rozan.

— Maldição… não podia ser pior… – ele resmungou sem pensar e Shunrei não gostou nem um pouco.

— Claro que podia! Você está vivo, talvez precise de uma cirurgia, mas está vivo. Não gosto quando fala essas coisas...

— Desculpe… Não estou pensando direito. Eu vou ter que passar a noite aqui enquanto esperamos esses exames?

— Você bateu a cabeça quando desmaiou, vai ficar em observação essa noite.

De repente, o cavaleiro lembrou-se que Shoryu estava com eles na visita.

— E o Shoryu? – perguntou.

Shunrei apontou para o sofá, onde o menino dormia, coberto por uma mantinha.

— É melhor ir pra casa com ele, Shunrei… Ele vai precisar comer…

— Eu já dei meu jeitinho. A gente anda tanto aqui que eu conheço todo mundo. Falei com o pessoal da cozinha e fizeram uma mamadeira bem gostosinha pra ele. Comeu tudo e dormiu como um anjinho.

Shiryu deu um sorriso cheio de amor e orgulho porque ela sempre dava jeito em tudo, por pior que fosse a situação, e fazia isso com um otimismo que ele gostaria de ter. No começo, achava que apenas ingenuidade dela, porém com o passar do tempo percebeu que não se tratava disso. Não era boba nem ingênua, ela simplesmente acreditava em algo maior, possuía uma fé inabalável que a fazia ver esperança no meio do caos.

— Certo – ele assentiu ainda com um sorriso, mas se sentia fraco, como se sua energia tivesse sido sugada, e ela percebeu.

— Volte a descansar – disse e fez um carinho no rosto dele. – Está tudo bem, meu amor. Está tudo bem.

Com o acalento dela, Shiryu adormeceu.

No dia seguinte, o médico retornou com o resultado dos exames e a confirmação de que ele precisaria da delicada cirurgia.

— E se eu não fizer? – o cavaleiro quis saber depois de ouvir o doutor.

— Seu coração vai ficar cada vez mais fraco e então algum dia vai parar. Você é muito novo, tem um filhinho. Se fizer a cirurgia, a probabilidade de se curar é muito grande.

— E de morrer também… – resmungou.

— Acho que essa é uma probabilidade bem menor. Não digo cem por cento de chance de ficar curado porque a medicina não funciona assim, mas se não fizer, é certo que vai piorar. Por ora, tenha cuidado, evite fazer esforço de qualquer tipo, alimente-se com comidas leves e saudáveis e, o mais importante, faça essa cirurgia o mais rápido que puder. Não demore.

— Ele vai fazer, doutor – Shunrei falou.

Shiryu deu um longo suspiro.

— Se ela está dizendo, eu não tenho opção a não ser fazer.

Shunrei e o médico sorriram.

— É assim quando se é casado – disse o profissional.

— É – Shiryu assentiu e de repente deu-se conta de algo importante.

Ainda não eram oficialmente casados, Shoryu não foi adotado legalmente, sequer possuía certidão de nascimento, e se ele morresse durante a cirurgia ou antes dela, não havia nada que o ligasse aos dois.

— Vou assinar sua alta – o médico confirmou –, mas só porque acho que sua esposa vai cuidar de mantê-lo na linha.

— Vou sim, doutor – garantiu Shunrei. – Obrigada por tudo.

Pouco depois, os dois deixaram o hospital e voltaram para casa de táxi.

Shunrei foi preparar algo para o almoço, enquanto Shiryu tentava acalmar Shoryu, que estava inquieto e chorando.

Quando ela chamou para a refeição, o menino já estava mais calmo, e o cavaleiro, calado e introspectivo.

— Não fica assim, amor – ela tentou animá-lo. – Você já passou por isso. Vai dar tudo certo.

— Não é a cirurgia… É que eu me dei conta de uma coisa… Na verdade, a coisa foi jogada na minha cara pelo médico hoje cedo.

Shunrei deu uma risadinha pois sabia do que ele estava falando.

— É por ele ter me chamado de esposa?

— É… – ele confirmou e se recostou na cadeira. De repente, sentiu-se cansado de novo. – Nós estávamos aqui, vivendo no nosso mundo de sonhos, como se ainda estivéssemos sobre aquela chuva de pétalas de quando eu retornei, achando que tudo bem, podíamos esperar, podíamos nos casar quando a idade legal chegasse… Mas acontece que não podemos! Se eu morrer, vocês dois não terão direito a nada. Nem ao dinheiro que economizei esses anos todos, nem a uma pensão da Fundação. O menino não ainda nem tem documentos… Está tudo errado, Shunrei...

— E como é que vamos fazer isso antes de termos a idade? – ela indagou. Também se sentia fortemente atingida pela realidade, especialmente no que dizia respeito a Shoryu, mas queria encontrar uma solução.

— Eu sei que deve haver um jeito e sei que a Saori tem os meios para nos ajudar.

— Por falar nela, enquanto você dormia, eu pensei muito. A gente estava planejando mudar de casa de qualquer jeito… E se fôssemos para Tóquio? Lá tem o hospital da Fundação, que foi onde você fez a primeira cirurgia… Poderia fazer a segunda sem custos. E também teríamos uma boa creche pra deixar o Shoryu e eu poder cuidar de você com tranquilidade.

— Você não se importaria de mudar pro Japão?

— Você precisa da cirurgia, não tem muito o que pensar. Eu quero o melhor pra você e para o nosso filho.

— Muita informação no dia de hoje… – ele suspirou.

— Sim, mas agora vamos almoçar, né? A comida está esfriando.

Ele concordou. Não estava com fome, mas comeu o macarrão com verduras que ela preparou às pressas. Assim que terminou, começou a tomar suas providências.

Primeiro telefonou para Shun, que se assustou com o inesperado contato, já que o cavaleiro de Dragão sempre foi reservado e, depois de voltar para Rozan, a única notícia que deu foi meses atrás, quando mandou uma carta falando sobre o inesperado filho adotivo.

— O que foi? – Shun perguntou um tanto aflito. – Algo com Shoryu?

— Não, ele está ótimo. Crescendo muito saudável. O problema é comigo. Eu preciso fazer uma cirurgia muito delicada no coração, que não é feita aqui, então nós três iremos para Tóquio em breve.

— Ah, que bom! Não o fato de você precisar ser operado, claro, mas o fato de que finalmente vou conhecer seu filhinho.

— É… Bom, como eu fui bastante para o hospital nos últimos meses, nós tomamos uma decisão. Vou me operar em Tóquio e, se tudo der certo, nós pretendemos ficar aí. Então liguei para saber se você pode nos ajudar com algumas coisas...

— Claro. No que precisarem – ele se prontificou, ainda tonto com tanta informação. Sequer sabia que o amigo não estava bem de saúde e, para ele decidir sair de Rozan, com certeza, tratava-se de algo muito sério.

— Preciso que veja pra nós uma casa, tem de ser casa, não queremos apartamento. Pode ser pequena a construção em si, só queremos que tenha um quintal. E não pode ser muito cara, não tenho tanto dinheiro assim...

— Certo. Vou olhar os classificados e ver o que encontro. Te ligo assim que souber. Estou um pouco chocado pela coisa da cirurgia, mas também feliz porque vocês vão ficar perto da gente. Tem sido solitário aqui…

— Eu posso imaginar. Desculpa incomodar com isso, sei que está ocupado com os estudos, mas é muito importante.

— Imagina. É um prazer ajudar.

Dias depois, Shun retornou o telefonema.

— Shiryu, encontrei algo. É uma casa muito boa, no meio de um terreno grande, onde vocês vão até poder plantar alguma coisa. E está com um preço muito bom, muito abaixo do que ela vale.

— Mas... Vai, fala. Sempre tem um mas...

— Mas está abandonada há muitos anos, precisa de uma boa reforma... Os donos morreram e os filhos moram no exterior. Agora eles querem vender e abaixaram o preço pra que seja rápido.

— Fecha o negócio – Shiryu respondeu porque já sabia que um terreno grande era o que Shunrei ia querer. – Vamos comprar essa.

Depois de terminar de falar com Shun, ele telefonou para a mansão Kido. Foi Tatsumi quem atendeu.

— Senhor Tatsumi, aqui é o Shiryu. Eu gostaria de falar com a senhorita Saori.

— Sinto muito – respondeu o mordomo do outro lado da linha em um tom quase robótico. – Ela não pode atender no momento.

Shiryu sabia que isso era invenção, então insistiu.

— Por favor, é muito importante.

— Eu que peço por favor para não voltar importunar a senhorita.

— Eu insisto, senhor. É realmente importante.

— Diga o que quer e eu decidirei se é importante ou não.

Shiryu respirou fundo, buscando todo o autocontrole que possuía para não soltar os cachorros em cima do mordomo.

— Olha, Tatsumi, eu realmente preciso falar com ela – ele disse pausadamente. – Somente com ela. E não vou parar de ligar até conseguir, então, para o bem de todos, passe a ligação.

Shiryu pôde ouvir o mordomo bufando do outro lado da linha. Em seguida, sons de rediscagem. O telefone tocou mais algumas vezes e finalmente Saori atendeu.

— Desculpe incomodá-la, senhorita. É o Shiryu. Não telefonaria se não fosse muito importante.

— Shiryu! É um prazer falar contigo – ela disse educadamente. Desde o fim da última guerra, estava totalmente reclusa na mansão, mantendo contato apenas com pouquíssimas pessoas. Deixou claro que os cavaleiros podiam entrar em contato quando quisessem, mas nenhum deles ousava fazer exceto quando era necessário. – Não é incômodo nenhum. Como você está? Precisa de algo?

— Na verdade, sim… Shunrei e eu iremos a Tóquio nos próximos dias com nosso filho...

— Filho? – ela interrompeu, muito surpresa.

Shiryu estranhou a pergunta. Meses atrás, quando mandou cartas para Hyoga e Shun, mandou para ela também, mas aparentemente ela não a recebeu.

— É, nós adotamos um bebê – ele continuou, sem mencionar que o bebê estava prestes a fazer um ano. – Um menino. Demos o nome de Shoryu.

— Meu Deus, que maravilha! Estou imensamente feliz por vocês e vou adorar conhecer seu filho.

— Obrigado, mas não iremos a Tóquio a passeio, iremos porque precisarei de uma cirurgia muito delicada. Será que posso contar com o hospital da Fundação?

— Lógico. E vocês vão se hospedar aqui em casa, claro.

— Melhor não, estamos com o bebê, vamos incomodar.

— Não aceito um não, Shiryu.

— Está bem. Saori, também precisarei dos seus advogados para resolver a minha situação com a Shunrei e com o menino. Queremos oficializar o casamento e a adoção, mas não sei se é possível...

— Creio que é. Não se preocupe, falarei com o meu melhor advogado. Contem comigo. Sei que ando meio… afastada… mas ainda somos amigos.

— Obrigado, Saori. Nos veremos em breve. Será uma honra revê-la.

 

Cerca de um mês depois, Shiryu desembarcou no Japão com sua pequena família. Passava das oito da noite quando o táxi que pegaram chegou à mansão Kido, onde Saori, em um raro momento de contato com outras pessoas, os recebeu. Sempre por perto, Tatsumi deu ordens a outro empregado para levar as malas e não falou mais nada, apenas ficou observando.

— Estou feliz por ter vocês aqui – a deusa falou ao cumprimentá-los. – Vocês e esse meninão lindo. Já jantaram?

— Sim, jantamos no avião – Shunrei respondeu. – É bom revê-la, Saori. Está sendo muito gentil conosco, mas será por pouco tempo, prometo. Visita demorada acaba virando um estorvo, ainda mais quando tem um bebê envolvido.

— Não, não. É bom. – Saori disse. – Vai alegrar um pouco essa casa. Eu fiquei tão surpresa quando Shiryu falou que vocês já tinham um filho!

— Pois é – Shiryu disse, fazendo um carinho em seu bebê. – Aconteceu.

— Venham – ela chamou, indicando o sofá. – Vamos nos sentar porque quero ouvir toda a história.

Eles acompanham a deusa e então Shunrei contou sobre o dia que encontrou o menino e como decidiu na hora que seria a mãe dele.

Saori ouviu com uma atenção delicada, interagiu, fez comentários, mas Shiryu a conhecia bem o suficiente para saber que ela estava fazendo um esforço enorme. Podia ver a tristeza claríssima no olhar dela e o motivo, ele sabia muito bem, tinha nome, sobrenome e armadura…

Educada, ela conversou por mais alguns minutos, mas logo se sentiu cansada pela interação social e foi aos assuntos importantes. Informou aos dois que estava tudo certo com o hospital, Shiryu podia consultar o médico, o melhor cardiologista do Japão, e começar a fazer os exames pré-operatórios. Depois pegou na mesinha uma pasta e entregou a eles. Era toda a documentação necessária para o casamento: a emancipação dos dois e alguns documentos forjados de Shunrei.

Sobre Shoryu, ela explicou que o advogado orientou a simplesmente registrá-lo como deles. Já que o menino não possuía nenhum documento nem parentes conhecidos, era mais rápido e seguro fazer isso a entrar com um processo de adoção que poderia se arrastar por anos à procura da mãe biológica.

Shiryu não gostava nem um pouco de fazer as coisas desse modo, preferia fazer tudo dentro da lei, mas engoliu o orgulho porque era preciso. No caso de algum imprevisto em sua delicada cirurgia, era primordial que restassem garantidos todos os direitos hereditários para Shunrei e Shoryu.

— Nós agradecemos por tudo – ele disse.

— Não tem de quê. E não se preocupem por estarem aqui em casa, fiquem à vontade e pelo tempo que precisarem. Bom, agora preciso me recolher. Se precisarem de algo, podem falar com o Tatsumi.

— Tudo bem – Shunrei disse. – Nós também já vamos. Está na hora de Shoryu dormir.

Eles agradeceram mais uma vez e esperaram Saori se retirar. Em seguida, seguiram para o quarto, o mesmo onde Shiryu costumava ficar sempre que se hospedava na mansão, mas agora com uma cama de casal e um berço desmontável ao lado dela.

— Aqui estamos… – suspirou Shunrei abrindo uma das malas.

— Sim… – ele murmurou. Sentia-se cada dia mais cansado e agora, por conta da viagem e dos dias de arrumação para a mudança, estava verdadeiramente esgotado.

— Fica com o Shoryu um pouco. Vou preparar um banho relaxante e depois vamos dormir. Foi um dia bem longo.

Ele assentiu e pegou o filho no colo, mas de tão cansado acabou colocando ele na cama, deitou junto e ficou tentando distraí-lo com gracinhas.

Quando a banheira estava pronta, Shunrei o chamou e ficaram os três sentados na água morna e perfumada com uma lavanda relaxante. Shoryu ainda quis brincar, mas logo se rendeu ao cansaço e ficou sonolento. Então Shunrei o enxugou, pôs uma fralda e o colocou no berço. A seguir, voltou para Shiryu, sentou-se na beirada da banheira e começou a mexer nos longos cabelos dele, desembaraçando os nós com os dedos.

— Ela está triste, não achou? – ele perguntou. – A Saori.

— Muito. Eu também estaria se estivesse no lugar dela. A deusa ganhou a guerra, mas a mulher perdeu quase tudo, inclusive o grande amor…

— Pois é, gostaria de poder ajudar mas só ele poderia...

— Sim, só ele… Mas agora vamos lá? Já está tarde e amanhã você tem consulta com o médico, alguns exames, depois vamos encontrar Shun e Hyoga para vermos a casa… Vai ser um dia cheio.

Ele concordou e a acompanhou. O banho quente relaxou um pouco os músculos e diminuiu o cansaço e as dores, mas o deixou com bastante sono. Depois de vestir o pijama e dar um beijo em Shoryu, ele deitou e logo adormeceu.

Shunrei ainda se vestiu, separou as roupas dos três para o dia seguinte e cobriu o filho com uma manta. Lembrou-se que devia ter pedido um pouco de água quente para o caso de ele acordar e querer um pouco de leite, então pegou a garrafinha térmica e desceu. Achou que não encontraria ninguém lá embaixo, mas Tatsumi estava na copa, tomando um chá.

— Senhor Tatsumi, será que eu posso pegar um pouco de água para o leite do Shoryu?

O mordomo sequer levantou o olhar, apenas apontou a chaleira sobre o fogão.

— Obrigada. Às vezes ele nem acorda, mas se acordar não quero que incomode.

— Acho bom – ele resmungou em um tom que não era nada amigável.

Shunrei não respondeu, apenas encheu a garrafinha e retirou-se preocupada com os dias difíceis que estavam por vir. Além de toda a preocupação com a saúde de Shiryu e dos cuidados normais com o filho, ainda teria que lidar com a insatisfação do careca mal-encarado e dobrar a vigilância para que Shoryu não mexesse em nada na maravilhosa e impecável mansão que, para ela, não passava de um mausoléu.

Porém, assim que entrou no quarto, Shunrei rapidamente esqueceu o mal-estar provocado pelo encontro na copa. Parou ao lado da cama, ficou olhando para os dois homens de sua vida dormindo tranquilamente e se emocionou ao pensar no que sentia por eles.

Ela fez um carinho no filho, ajeitou a manta, em seguida também acarinhou Shiryu, deu-lhe um beijo no rosto e deitou-se ao lado dele. Antes de dormir, fez uma pequena prece onde pediu pela saúde dos dois e agradeceu por tudo, por estarem juntos, por terem feito a viagem em segurança e por esse amor imenso que a fazia se sentir forte, capaz de enfrentar qualquer coisa. Daria a vida por eles, não era um mordomo carrancudo que a intimidaria.

 

No dia seguinte, os três acordaram cedo e foram para o hospital da Fundação GRAAD. Depois dos compromissos médicos, os três encontraram-se com Shun e Hyoga na lanchonete do hospital. O russo os cumprimentou de modo contido, mas Shun não quis saber de discrição e abraçou os dois longamente, depois pegou Shoryu no colo.

— Ah, finalmente estou conhecendo esse meninão! – ele exclamou. – Ele é tão lindo!

— Não é? – perguntou Shunrei, orgulhosa do filho. – E ele é um amor. Muito bonzinho.

— Oh, meu Deus! Estou tão feliz por vocês! São uma família agora!

— Somos – Shiryu afirmou com um sorriso. – E vamos casar muito em breve, antes da cirurgia. É só o tempo de sair a papelada.

— Que notícia ótima! – Shun comemorou balançando Shoryu.

— Eu também estou feliz por vocês – Hyoga disse.

— E vocês dois, como estão? – Shiryu quis saber.

— Estudando loucamente – Shun respondeu. – É muito difícil correr atrás do tempo perdido, mas estou focado. Quero muito ser médico, mas antes tenho que passar no desafio do vestibular.

— Você vai conseguir, sim. Você é muito bom, muito inteligente e disciplinado.

— Tomara que eu seja metade disso tudo que você acha que eu sou, Shiryu.

— E como vai o bar, Hyoga? – Shunrei perguntou.

— Muito bem! É pequenininho, mas estou adorando, aprendendo muito lá. Ah, por falar nisso, trouxe o contrato com a empresa da reforma. É a mesma que fez a obra do bar. De confiança, preço bom, cumpre os prazos. É só assinar o contrato e o cheque, Shiryu.

— Claro, mas antes vamos lá ver a casa que comprei?

— Estou de carro, levo vocês – disse o loiro.

O grupo foi até o estacionamento e seguiu para o endereço que Shun indicou.

Shunrei e Shiryu deram um longo suspiro ao verem a pequena casa no meio do terreno.

A pintura estava tão gasta e manchada que não dava pra saber de que cor ela fora um dia. O telhado estava cheio de buracos e precisava ser completamente refeito. Pela vistoria feita antes de fecharem a compra, também teriam que trocar o piso, a encanação, a fiação elétrica, as portas e as janelas. Mas o terreno, embora coberto por um mato denso e alto, era grande como Shun descreveu e eles já vislumbravam tudo que poderiam fazer nele. Sabiam que teriam muito trabalho pela frente, mas era um bom lugar.

— A empresa deu um prazo de duas semanas para o serviço… – Hyoga explicou – Mas pela aparência acho que vão precisar de mais...

— Não, dá pra fazer nesse tempo – Shiryu falou. – É só o básico para entrarmos, só o essencial para segurança: telhado, fiação, encanamento. O resto eu mesmo vou fazer depois da cirurgia. Ela só tem que ficar segura para a gente morar com o Sho. Você gostou, Shunrei?

A chinesa manteve a resposta suspensa por alguns segundos e então abriu um sorriso.

— Ela vai ficar perfeita! Vai ser um ótimo lar para o nosso filho.

Shiryu respondeu com um sorriso e Shun suspirou aliviado.

— Estava com medo de não gostarem – disse o estudante. – Eu que indiquei e fechei o negócio.

— Nós adoramos! – os dois responderam em coro.

— Bom, agora vamos conhecer meu bar? – Hyoga chamou e eles entraram no carro outra vez.

O russo os levou até o prédio perto da estação de metrô onde ele instalou seu pequeno tesouro. Em uma sala do quinto andar ficava o espaço, que possuía poucas mesas e um balcão de madeira escura, e servia um cardápio simples de bebidas e petiscos.

O grupo acomodou-se na mesa mais perto do balcão.

— Se der certo, penso em ampliar – explicou Hyoga –, mas por enquanto é isso aqui.

— Vai dar certo – incentivou Shiryu. – Como o Shun, você também faz suas coisas com paixão e disciplina.

— Ah, isso é verdade – Shun concordou. – Ele até está fazendo curso de bartender.

— Sim – Hyoga confirmou um tanto envergonhado pois não gostava de falar de si. – Quero criar uns drinques especiais que fiquem sendo a minha marca. E pretendo contratar um chef para criar um cardápio exclusivo.

— Está tão imerso nisso que nem leu a carta que vocês mandaram! Eu que contei que vocês adotaram o Shoryu!

Envergonhado, o loiro tentou se justificar:

— Ah, tinha um monte de correspondência acumulada, eu nem vi.

— A Saori também não leu a carta que mandamos… – Shiryu comentou. Em seu colo, Shoryu começou a ficar agitado. Shunrei sabia o motivo e pegou na bolsa térmica o potinho com o almoço do menino.

— O Tatsumi filtra tudo que chega até ela – Shun confirmou o que Shiryu já suspeitava.

— Ele não gostou nem um pouco de nos ver lá com um bebê – observou Shunrei, lembrando-se do encontro na copa.

— Posso imaginar… Queríamos poder receber vocês, mas estou morando em um dormitório estudantil e o Hyoga em um cubículo.

— Sala, cozinha, banheiro e cama no mezanino, escada sem corrimão – explicou o russo. – Não seria confortável nem seguro para o Shoryu.

— Não se preocupem com isso – Shunrei os tranquilizou.

— Serão só duas semanas, vamos sobreviver – Shiryu completou enquanto dava a comida ao filho.

— Que bonitinho esse novo Shiryu papai – Shun comentou observando-o. – Legal demais ver essa transformação. Por motivos óbvios, a gente sempre soube que você seria o primeiro a casar e ter filhos. – Shun apontou para Shunrei que sorria docemente. – Mas é bonito ver ao vivo, aquece o coração, dá a certeza de que podemos ser felizes.

O comentário deixou o casal encabulado, então Hyoga se levantou da mesa.

— Já que estamos juntos de novo – ele falou e foi para o lado de dentro do balcão –, que tal um drinque e uns petiscos para comemorar?

— Eu quero! – Shun se manifestou.

Shiryu franziu a testa.

— Hyoga, você já tem vinte anos, mas nós ainda não… Não podemos. É ilegal.

— Faz um daqueles mojitos deliciosos – Shun pediu rindo. Shiryu olhou como se ele estivesse planejando cometer um crime brutal. – Quê? Eu estudo que nem um louco a semana inteira. Tenho direito a um drinquezinho de vez em quando.

— Qual parte de “é ilegal” você não entendeu? – Shiryu perguntou indignado.

— Vou fazer um bem fraquinho pra você, Shiryu – disse o russo rindo dos dois enquanto pegava o rum e os limões. – Só um pouquinho de rum.

Shiryu não gostou da ideia.

— Não, não, de jeito nenhum. Me sirva qualquer coisa sem álcool.

— Ai, ai – suspirou Shun. – Me enganei, ainda é o velho Shiryu de sempre... Só um golinho, vai. Não seja careta.

— Ele é – riu Shunrei. – Mas vamos ficar no suco mesmo, né? Não por ser ilegal, mas porque ele está tomando remédios.

— Shunrei! – ele protestou. – Quer dizer que se não fossem os remédios você ia me incentivar a tomar álcool?

— Só um pouquinho, amor. Pra relaxar.

Espantado, Shiryu balançou a cabeça em negação. Depois, muito sério, falou:

— Mais tarde conversaremos sobre isso.

 

Continua…

 

 


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Notas finais do capítulo

(1) Mr. Rain – Fiori di Chernobyl https://youtu.be/BATH_RQFt3Q







Quarentena - dia 30



E aí, quarenteners? Como vocês estão?

Eu estou entre trabalhar e surtar, surtar e trabalhar, no meio de tudo, tento cozinhar, limpar a casa, escrever… Tudo muito difícil, mesmo assim consegui finalizar mais um cap.

A parte da Shu olhando Shi e Sho com tanto amor foi inspirada em um tuíte da Flora Paulita, dubladora da Aria no Omega. :3 A Shu só chegava lá, fazia a prece e ia deitar, mas a Flora postou uma declaração tão fofa sobre como ficou observando o marido dormindo que eu tive que arrumar a cena. :3

É isso!!

Fiquem bem, fiquem em casa, cuidem-se!!



Chii





 



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