Não tinha certeza se ele falava na minha cabeça ou se sua voz vinha do espelho. Eu vivia mergulhado em confusão mental, e não era pra menos. Imagens surgiam em minha mente, uma pessoa em mortalha, linhas de trem, multidões, viagens, pessoas, falsa alegria, dúvidas, desespero, instintos. Uma surra de sentimentos que não eram meus. O reflexo no espelho ameaçava me consumi antes de eu quebrá-lo. Adicionei mais alguns anos de azar a minha cota. Aos poucos as imagens foram sumindo, assim como ele. Senti o barco parar de balançar. Senti o trem chegar na estação. Meu corpo era só meu de novo. Pelo menos por um breve momento.

Tentei me esconder dentro de minha mente. Ignorei as palavras vis, o humor sádico, a presença ameaçadora. Tentei salvar em mim o que não poderia ser roubado. Refleti sobre o monstro e pensei que nós, criaturas da terra, não nos diferenciamos tanto. O monstro (meu monstro) tinha sentimentos, apenas não sabia que os tinha. A prática que levou a perfeição. O tentar não sentir que o levou a sentir. Ele queria ser humano na aparência, mas conseguiu ser humano na essência. Sem desconfiar. Eu percebi uma vantagem e guardei para mim.