A menina olha para si mesma no espelho grande do banheiro com olhos atordoados.

Não sabe o que está acontecendo com o seu corpo. Não sabe porque a curva do nariz continua tão acentuada, não sabe porque a mandíbula ainda parece tão forte, porque as curvas do seu corpo ainda não apareceram.

Kelly não havia começado com o estrogênio muito antes dela, e nem era tão rigorosa com toda aquela rotina de medicação, mas, definitivamente, passando por um olhar rápido, ninguém duvidaria de que ela era mulher. Lavínia sequer tem essa sorte.

Kelly diz para ela não se excruciar com isso. Mas ela não liga.

Kelly pode achar que ela é bobeira. Ela tenta não ligar para isso também.

Mas, apesar do que vê no espelho, de uma coisa ela tem certeza.

Ela não é mais a mesma pessoa de alguns meses atrás.

É por isso que decide por um novo nome.

“Não, novo não”, ela sabe. Porque, claro, uma parte de si sempre soube que aquele nome de menino jamais tinha sido seu. Só precisou de tempo descobrir qual era o verdadeiro, afinal.

Mas não houve dúvidas, de qualquer maneira.

Lavínia.

“A que se purifica”.

É perfeito para ela.