Padaria Espiritual escrita por Machene


Capítulo 2
Coração e Alma




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Cap. 2

Coração e Alma

 

Depois de comparecerem juntas à Padaria Espiritual pela primeira vez, Holly e as amigas passaram a frequentar o local ao menos duas vezes por semana e comer um pouco de todas as guloseimas novas de Soul Eater, cujas receitas criativas se tornaram cada vez mais comuns. Seus amigos tiveram certeza com o passar do tempo que sua criatividade repentina era aguçada pela presença de Maka Albarn. Ele, é claro, negava veemente.

Para Black Star, as constantes visitas de Tsubaki Nakatsukasa eram divertidas, em especial pelas risadas verdadeiras dela quando escutava atentamente as piadas e histórias mais loucas que contava, coisa que ninguém mais fazia. Ele é do tipo que admite gostar da presença de uma garota como ela. Na verdade, Kid era o problema. Claro, a presença de sua ex prejudicava sua saúde mental para conseguir paciência.

Até os sorrisos reservados aos clientes mais chatos estavam difíceis de aparecer cotidianamente. Porém, mais do que apenas por ser sua ex, a presença de Holly trazia ao rapaz uma vontade alucinante de reviver o passado, um passado nunca esquecido, sempre preservado. Assim, durante três meses o trio de rapazes se esforçou a conhecer bem mais das belas visitantes, às vezes com a presença de Blair flertando sobre Soul atrevidamente.

Um dia desses, uma mulher magra, vestindo roupas brancas e com as unhas pintadas de preto, entrou na padaria.

— Aqui é a Padaria Espiritual de Death The Kid? – ela perguntou a Black Star.

— Sim. Tanto porque nem tem outra. – ela sorriu estranhamente e olhou o ambiente.

— Ora, olá. – o dito proprietário saiu da área de serviço e franziu as sobrancelhas, virando-se ao balcão – Eu achei que a porta estava trancada. Black Star, destrancou...?

— Eu não! Estava dormindo aqui na cadeira quando ouvi o sino badalar. Por isto achei que a porta já estava destrancada. – ao invés de ralhar com ele por estar dormindo, Kid se virou à sua cliente inesperada e sorriu com gentileza.

— Sinto muito, mas estamos fechados. Se quiser encomendar algo...

— Eu não quero encomendar nem comer algo. Só tenho uma dúvida. Conhece Holly?

— “Holly”? Se for a Holly com três listras no cabelo, sei quem é.

— Pois é. Ela tem as mesmas listras que você. Parece interessante.

— Quem é você? – nesse instante, Soul apareceu da cozinha já notando o clima tenso.

— Apenas uma amiga dela. Conheço a pequena Maka e a garota Tsubaki também.

— E o que quer? Se não veio comprar algo ou comer, quer discutir alguma coisa?

— Na verdade quero. É rápido. Estava interessada em saber o motivo de elas estarem felizes a ponto de saltar os degraus do condomínio onde moramos todos os dias. Vem cá, por acaso elas são namoradas dos três aqui presentes? Se Holly tem o mesmo tingimento no cabelo que você, devem ser daqueles namorados com a mania de fazer tudo igualzinho.

— Olha só, não sei exatamente qual sua intenção, mas vou ter que pedir pra se retirar.

— Ora, não fique nervoso! Meu único interesse é em pesquisar, e eu pesquiso o que me atrair interesse. No momento, minha vontade era em descobrir por que três vizinhas barulhentas, sem a menor sensibilidade auditiva para saber quando o volume do som está muito alto, estavam felizes. Agora que descobri, já posso ir embora. Até mais.

Passado esse incidente estranho, veio o Halloween, Dia das Bruxas. Logo Kid teve a chance de treinar suas habilidades artísticas dentro da culinária de Soul enquanto Black Star dormia sempre que tinha chance. Foi o caso no dia do evento, durante o almoço.

— E então Kid, vai demorar muito? Se enfeitar demais, este bolo não sai hoje!

— Pode esperar pelo menos eu colocar a lápide? Só preciso posicionar...

— Ah, dá logo isso aqui! – o cozinheiro tomou rapidamente o doce especial do evento antes que o viciado em simetria destruísse tudo na frustração de posicionar alinhadamente o enfeite – Se a Holly te visse agora, ia espirrar a cobertura de chocolate nos seus olhos!

— Ela fez isso uma vez... Sorte que eu fechei eles bem na hora.

— E como anda a relação entre vocês? – o chefe botou o bolo sobre uma bandeja, segurando-a na altura da cabeça com a mão esquerda.

— Na medida do possível. Talvez hoje, quando ela e as garotas chegarem uma hora, eu possa tentar pedi-la em namoro de novo. – do nada, Black Star acordou sobressaltado.

— Eu ouvi direito? Você disse que vai voltar com a sua ex?

— Você acordou só porque eu disse isso, ou estava fingindo dormir pra não trabalhar?

— Ah, qual é Kid! Nós nem estamos com muito movimento hoje, mesmo que já seja Halloween. A multidão só chega depois das nove da noite, e isto porque nós vamos manter a loja aberta especialmente pelo show ao vivo. – ele se justificou bocejando.

— Achei uma surpresa aquele músico religioso, Justin Law, saber cantar rock.

— De fato Soul, é curioso. – Kid falou – Bom, vamos logo abrir esta loja. Agora que esse bolo ficou pronto, podemos colocar em exposição e ver quem vai ganhar no sorteio.

Cerca de sete horas depois da reabertura do estabelecimento, o movimento passou a aumentar. Por volta das dez, foi então que surgiram Maka, Tsubaki e Holly.

— Aí, olha só quem acabou de chegar! – Black Star abriu um sorriso ao vê-las antes, chamando a atenção dos amigos próximos.

— Pensei que não viriam mais. – Kid comentou, porém, a alegria do trio murchou ao ver as expressões furiosas das recém-chegadas, que se aproximaram rápido do balcão.

— Kid, é verdade que você disse para a nossa vizinha que nós somos casados?

— Heim? Do que você está falando? – sua ex espalmou as mãos ao lado da caixa registradora, sem se incomodar com a atenção que estava chamando.

— Sabe muito bem do que eu estou falando! O que contou para aquela mulher?

— Mas eu não...! – ele enfim recordou do ocorrido dias atrás – Fala de uma loira?

— Então é verdade? Você disse para a Medusa isso mesmo?

— O nome dela é “Medusa”? Que bizarro! – o caixeiro riu.

— Eu não disse nada para ela, Holly. Aquela mulher chegou aqui reclamando que você e suas amigas estavam fazendo muito barulho no condomínio onde ela também mora e queria saber as razões. Nem sei como ela invadiu a padaria, porque tenho certeza de que fechei a porta nesse dia! Ela saiu daqui achando que vocês estavam namorando a gente.

— Nós o quê? – Maka corou violentamente – Aquela víbora fofoqueira! Não acredito que a maldita espalhou para o prédio inteiro que eu estou dormindo com o Soul! – tarde demais ela deu-se conta do público ouvindo e observando e ficou bem mais rubra.

— Será que podem se conter um pouco? – o proprietário local pediu em voz baixa.

— E sobre a gente? Ela inventou alguma coisa? – Black Star se virou para Tsubaki.

— Disse que eu tenho a ligeira possibilidade de estar grávida. – a jovem tapou o rosto com as bochechas quentes, sem perceber o estranho sorriso do rapaz igualmente nervoso.

— Resumindo, agora nós ficamos conhecidas como “a esposa secreta”, “a prostituta docinho” e, para melhorar, “eu gostaria de ser o pai”, porque é isto que todos os homens conhecidos e estranhos dizem da Tsubaki! – Holly bufou – Queria estrangular a Medusa!

— Fique à vontade, não vou impedir. Só queria saber por que achou que eu mentiria desse jeito sobre nós dois. Algum motivo em especial? – a moça suspirou, esfregando as têmporas em parte pela dor de cabeça e também para refletir sobre uma resposta.

— Agora não Kid. Tenho que pensar em como desmentir todas essas besteiras.

— Que mal pergunte Maka, o pessoal do seu prédio tem motivos para achar que você dormiria com o primeiro cara que conhecesse? – a loira abriu a boca revoltada, fazendo Soul se dar conta de seu questionamento equivocado – Não foi o que eu quis falar! Quer dizer... Queria saber se essa sua vizinha já inventou outra história do tipo...

— Que tornaria mais fácil as pessoas confirmarem o quanto sou depravada, é isto?

— Gente, por favor, não briguem! – Tsubaki já estava aflita, mas Black Star adorava.

— Responde logo Holly: você acha que sou mentiroso? Não tenho intenção de ferrar com a sua vida, mesmo que possa pensar o contrário.

— E eu muito menos, então, por favor, cale a boca e me deixe pensar!

— Pelo menos pensou bastante no nosso relacionamento antes de terminar comigo? – e mais uma vez os clientes olhavam toda a confusão com curiosidade.

— Você sabe por que tivemos que terminar! Não desenterre tudo!

— Desenterro sim, porque para começo de conversa eu não ajudei a enterrar! Você quer dar um fim definitivo a este assunto? Responde então o que te perguntei!

— Eu não acho que é mentiroso! Só vim confirmar se a Medusa tirou aquelas ideias de um comentário seu. Fiquei curiosa em saber por que você diria que somos casados.

— Eu não disse nada, ela quem inventou tudo sozinha.

— Eu sei que ela é capaz disto e mais. É uma bruxa!

— Tá bom vocês dois, nós estamos em um local público! – o chefe os repreendeu – Já sabemos que foi um mal-entendido, tudo bem.

— E você sabe se não teve nada a ver com isso também, Soul Eater?

— Lá vem você de novo mulher?! Não mandei aquela doida te chamar de prostituta!

— Mas comentou com alguém que eu estava te dando mole quando vinha aqui?

— Claro que não! – ele pausou para pensar – Por quê? Você estava? – ela enrubesceu e tirou risos de Black Star, que deu a volta no balcão e puxou o amigo junto.

— Não se envergonhe não Maka. Sabia que ele preparou uma lista enorme de receitas novas só para você experimentar? Deste jeito vai virar nossa degustadora profissional.

— Cala essa boca, Black Star! – Soul socou o queixo dele, fazendo-o morder a língua.

— Não seria má ideia, porque eu ando desempregada. Na verdade, nós três.

— E como estão se sustentando? Como se alimentam, pagam aluguel, se vestem?

— Água, ar e luz solar. O resto é besteira. – Holly disse sarcástica.

— Ser vagabunda tá na moda. – o caixeiro ironizou e recebeu um bolinho no rosto, jogado por uma risonha Tsubaki – Você não fez isto... Agora eu te pego!

...

E assim chegamos ao ponto inicial da história. A guerra de bolinhos desencadeou grande animação dos espectadores, e prejuízos após alguns clientes infiéis aproveitarem para comer de graça e fugirem. A causadora do começo da bagunça está impregnada de suor, se segurando no caixa para não cair no piso, escorregadio pelas tentativas frustradas da quase degustadora exclusiva da padaria de acertar os lanches atirados no cozinheiro.

Agora o local já está vazio, excerto pelo grupo. Isto porque, embora Holly achasse a bagunça divertida no começo, Kid deu os seus costumeiros chiliques sobre organização, então o clima entre eles voltou a ficar tenso. Percebendo ter retornado ao momento de quando o deixou, ela se viu obrigada a fechar a loja sozinha e pedir a saída de todos.

— Olha só minha padaria! Ficou destruída! – o quarteto brincalhão o observa quieto.

— Não pode levar tudo na esportiva, só para variar Kid?

— Holly, eu não posso rir com este prejuízo! Vocês vão arrumar tudo!

— Podemos ajudar. – Maka se oferece e Tsubaki confirma, as duas saindo de cena junto dos companheiros de guerra – Se precisarem de nós, estamos na área de serviço.

— Ok. – Holly responde, se voltando ao ex quando todos saem – Foi só hoje Kid.

— Pode ser, mas se eles resolverem se juntar é melhor que isto não aconteça de novo. – ele se senta em uma cadeira e suspira, passando as mãos no rosto – Pelo menos agora entendo certas coisas... Por exemplo, como a porta abriu. Aquela mulher é bruxa mesmo?

— É. – a moça senta ao seu lado – Medusa é terrível. Ah, elas estão aqui! – ela toca a testa dele, massageando um lugar, e sorri.

— O quê? – o rapaz pergunta já mais calmo, mesmo rubro.

— Suas ruguinhas de preocupação. – a jovem mostra os locais dos sinais na própria testa e os dois riem mais descontraídos.

— Desculpe a histeria. Eu penso que fiquei muito nervoso nesse tempo em que você não esteve comigo. Digo, no sentido de querer manter as coisas organizadas, numa rotina. Acho que pensei que... Só não queria correr o risco de fazer algo diferente e perder outra coisa, ou mais alguém, importante para mim.

— Verdade? – ele confirma com um aceno, desviando o olhar por vergonha, e a moça sorri – Eu também me senti muito sozinha sem você. Nós éramos amigos antes de tudo.

— Pois é... Aquela Medusa disse que você e as garotas pareciam mais felizes que o normal. Pensei que estava se virando bem, que não sentisse tanta saudade quanto eu.

— Aquela cobra venenosa só espalhou fofocas da gente porque é uma solteirona louca. Mas sim, nós três andamos mais contentes desde que começamos a frequentar a Padaria Espiritual. Quando começou, o seu desejo era justamente este, de fazer as pessoas saírem daqui sorrindo, não é?!

— Era o nosso desejo. – Kid corrige – Nós praticamente fundamos isto juntos. E eu me lembro muito bem do que você dizia: “não tem problema um pouco de bagunça, (...)”.

— “Desde que o coração esteja purificando a alma”. – ambos finalizam juntos, com largos sorrisos nostálgicos.

— O lema da Academia Shibusen é “uma alma saudável compõe-se de um corpo saudável e uma mente saudável”, mas eu sempre fui da ideia de que devemos fazer o que nos faz sentir felizes, mesmo isto criando um pouco de caos, porque pode ser o melhor.

— Eu sei. – eles silenciam e desviam os olhares durante um tempo, até o garçom rir – Lembrei que você tinha o costume de fazer muita sujeira quando cozinhava.

— Ah, eu nunca cheguei neste nível! – Holly alega fazendo um círculo com o seu indicador, para se referir ao estabelecimento bagunçado, e os dois riem de novo – E você sempre brigava comigo, mas gostava das nossas desordens.

— Também gostava de te ver levando vários minutos para escolher um par de óculos da sua coleção para usar quando saíamos durante o colégio. Era engraçado.

— Eu só queria te agradar, porque você sempre gostou de me ver usando óculos. Só por causa da simetria. – ela complementa, preferindo prosseguir para não se deixar levar por outra crise de aborrecimento ao vê-lo baixar o olhar – Mas era um ritual divertido.

— E você ainda usa. – ele comenta tocando o par de óculos no topo da cabeça dela.

— É... – é a vez da jovem desviar os olhos – Eu sempre quis ser perfeita para você.

— Mas você é. – Kid a corta de repente, fazendo-a ficar corada com sua seriedade – Quando eu era mais jovem, queria fazer do mundo um lugar equilibrado porque achava que se tudo e todos fossem iguais, as coisas sempre seriam alinhadas. Mas você me fez ver que o mundo é uma bagunça, e agora eu sinceramente não me importo tanto em mudar o resto que parece errado. Tudo o que eu quero é ficar com você, que é perfeita para mim, e viver na nossa imperfeição. – o corpo e os lábios de Holly tremem de leve, resultado da mistura em sua vontade de chorar e de rir.

— É a coisa mais romântica que já ouvi você dizer, e a melhor declaração que poderia receber. – o casal se aproxima e o proprietário toca as mãos da sua ex.

— Gostaria de poder dizer que estamos juntos mesmo.

— Quer dar razão de as pessoas dizerem que somos casados? – ela questiona rindo e sorri mais ainda ao vê-lo confirmar com a cabeça, assim selando um beijo com seu, mais uma vez, namorado, sem que ambos notem a presença espiã do quarteto de amigos que estão escondidos na entrada da área de serviço.

— Oh, eles são tão fofos juntos! Fico feliz que tenham se entendido.

— Também né Baki, esses dois só fingiam que não se gostavam mais. – Maka revira os olhos, deixando a amiga ir para mais perto de Black Star para observar melhor a dupla.

— Então, e sobre nós dois? – Soul pergunta casualmente, com as mãos nos bolsos.

— O que tem nós dois? Existe nós dois? – ela questiona erguendo uma sobrancelha, vendo-o suspirar antes de finalmente encara-la com um sorriso malicioso.

— Pode existir. Se você admitir que fingia não gostar de mim.

— Eu não preciso fingir. Não gosto mesmo de você. – a moça provoca com sorriso igual, permitindo que ele coloque o braço esquerdo em volta dos seus ombros.

— Tudo bem; vou guardar segredo que você me acha um cara muito legal. – ambos riem de leve antes de se beijarem, sobre a observação do outro casal rubro.

— Talvez possamos começar a limpeza mais tarde. – o caixeiro anuncia largando o esfregão que segurava no chão, dando um sorriso que faz Tsubaki rir envergonhada.

Pouco tempo depois, a Padaria Espiritual estrela com novos cartazes de propaganda. De fato, o trio de moças se mostrou ótimo para fortalecer os negócios, a começar por toda a publicidade. E de milhares de fotografias onde elas surgem provando doces, as melhores são as de quando estão com seus queridos namorados. Nada mais doce. E esta frase pode servir para o Dia dos Namorados.

 

Fim


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