Girls and Blood — Reimagined Twilight escrita por Azrael Araújo


Capítulo 7
Six




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Decidi fazer enchiladas de frango para o jantar, porque isso me deixaria ocupada por um tempo, e eu não tinha tanto dever assim — okay, talvez eu tivesse. Mas não era tanto assim — e com as enchiladas eu tinha que me concentrar em tudo que precisava cortar: o frango, a cebola e a pimenta. Mas, o tempo todo, eu ficava repensando a aula de biologia, tentando analisar todas as palavras que ela disse para mim. O que ela quis dizer com era melhor se não fôssemos amigas? 

Eu havia pesquisado sobre esquizofrenia na noite anterior, antes de dormir, e os sintomas me assustaram um pouco. Alucinações, delírios, falta de interação com o mundo exterior, incoerência mental, personalidade desagregada. Quer dizer, a Dra. Cullen com certeza saberia se um de seus filhos — anormais — apresentassem sintomas — anormais. 

Não é...? 

Então, senti um soco no estômago que me tirou o ar por incontáveis segundos. Finalmente entendi o que ela devia estar querendo dizer. 

Ela devia ter percebido como eu estava obcecada por ela; eu era uma péssima fucking atriz. Ela não queria dar a entender que eu tinha chance... Então não podíamos nem ser amigas... Porque ela não queria ferir meus sentimentos do jeito que feri os de Erica hoje — Taylor estava bem. Edythe não queria ter que sentir essa culpa. Porque não estava interessada em mim. 

E isso fazia sentido, obviamente, porque eu não era interessante. 

Meus olhos estavam começando a arder e lacrimejar — obviamente era por causa da cebola. Peguei um pano de prato, botei embaixo da torneira e esfreguei nos olhos com força sentindo minha pele protestar pelo contato violento. Não ajudou a me acalmar como costumava acontecer. 

Eu era sem graça e sabia que era assim. E Edythe era o oposto de sem graça.

Isso não tinha nada a ver com a droga do segredo dela, qualquer fosse. Ela não precisava de um segredo para ser areia demais para o caminhãozinho de Isabella Swan. Ela era brilhante e misteriosa e linda e completamente perfeita. Se era mesmo capaz de levantar uma van com a mão, não importava. De qualquer forma, ela era uma fantasia e eu era o tipo mais comum e problemático de realidade.

E não tinha problema nisso. Problema nenhum. Eu podia deixá-la em paz.

Eu a deixaria em paz.

Passaria pela droga da minha sentença auto imposta aqui no purgatório e depois, com sorte, conseguiria a droga de uma bolsa de estudos em uma universidade num lugar bem longe e bem distinto da droga desse buraco verde e úmido.

Durante o jantar, Charlie pareceu querer manter um bom papo de pai e filha comigo, justamente naquele momento em que eu não queria ter que pronunciar nenhuma palavra.

Ele me perguntou sobre a escola, sobre os garotos, sobre o Tracker, sobre os garotos, sobre o que eu tinha achado da biblioteca de Forks, sobre os garotos, sobre a Educação Física e o time, e sobre os garotos. 

Eu revirava os olhos sempre que ele pronunciava algum nome masculino, tentando adivinhar minhas preferências

Depois de negar algumas vezes que não iria ao baile com nenhum garoto, me senti um pouco culpada quando a garota Riley me veio à cabeça. 

Sim, eu era uma idiota. Sim eu contaria ao meu pai que iria sair com Riley. 

— Hã... Pai? 

Ele fez um som nasal para que eu continuasse, ocupado demais com uma garfada que lhe encheu a boca. 

Eu senti minhas bochechas esquentarem e me perguntei o porquê daquilo. Riley era uma amiga. Nós iríamos sair como duas amigas fazem pra se divertir. Então porque eu me sentia como se estivesse prestes a confessar um assassinato? 

Respirei fundo, balançando a cabeça. Charlie agora me encarava com as sobrancelhas erguidas em uma expressão muda de questionamento. 

— No sábado eu vou sair com uma amiga. — minha voz falhou e eu baixei os olhos para o meu prato, remexendo com o garfo. 

— Ah, uma amiga. Que bom, querida. Quem é? — ele parecia confuso com minha hesitação. 

— Riley Biers. 

Eu ainda estava com os olhos no meu prato, desenhando padrões imaginários, mas pude ouvi-lo engolir e expirar com força. 

Ergui o olhar, e o encontrei com uma expressão estranha que beirava entre raiva e decepção. 

— A Biers? 

Apenas assenti, sem entender seu tom de voz. 

Ele permaneceu em silêncio, seus olhos me analisando por alguns segundos. 

— Algum problema, Char... Pai? 

Ele finalmente pareceu reagir, cruzando as mãos sob a mesa em frente ao seu rosto. A testa franzida destacava as grossas sobrancelhas e eu senti um estranho aperto no estômago. 

— Você... Está andando com a garota Biers? Quero dizer, vocês são próximas?

Dessa vez não tentei disfarçar a confusão no meu rosto. 

— Sim. Somos amigas. — dei de ombros. 

Ele fechou os olhos por um segundo, tão rápido que me perguntei se realmente tinha acontecido. Quando voltou a falar, sua voz estava pesada. 

— Querida, sei que você não é mais uma criança e que apesar de só ter 16 anos é bem mais... Madura, que as pessoas da sua idade. — eu tive a impressão de que ele falaria algo diferente, mas não tive tempo de protestar — Mas não quero que você ande com más companhias. Tanto eu quanto sua mãe nos preocupamos bastante com você. 

Franzi a testa. Más companhias? Ele estava falando de Riley? 

— Está me proibindo de ver a Riley? — disparei, sentindo minha pele formigar.

— Não. — sua expressão foi tão dura quanto minha voz — Estou apenas... Aconselhando você.

Ele me olhou de forma severa eu entendi que esse era o momento em que eu deveria abaixar a guarda. Ele era o pai e eu era a filha aqui. 

— Porque? — minha voz cortou minha garganta de forma dolorida. 

Riley Biers havia sido minha primeira amiga em Forks, eu não conseguia entender.

Charlie não falou mais. Apenas levantou-se da mesa e foi em direção à pia, seu prato ecoando pelo silêncio que havia se propagado.

— Apenas... Confie em mim, querida. Eu lavo a louça.

E com isso eu subi para o meu quarto, entendendo pelo seu tom de voz que aquela conversa havia acabado.

 

Na manhã seguinte, na escola, estacionei o mais distante possível do Volvo prata.

Eu havia feito uma promessa a mim mesma e ficaria longe de Edythe Cullen.

Não prestaria mais atenção nela. Ela não teria reclamação nenhuma de mim de agora em diante.

Quando bati a porta do Tracker, soltei a chave, e ela caiu numa poça a meus pés. Enquanto me abaixava para pegar, uma pequena mão branca — que era pequena, mas maior que a minha — apareceu de repente e pegou a chave antes de mim. Endireitei o corpo rapidamente e quase bati a cabeça na dela. Edythe Cullen estava bem ali, encostada casualmente no meu carro. 

— Como é que você faz isso? — perguntei com surpresa.

— Faço o quê? — Ela esticou a mão com a minha chave ao falar. Quando fiz menção de pegá-la, ela a largou na palma da minha mão.

— Aparecer do nada desse jeito.

— Bella, não é culpa minha se você é excepcionalmente distraída. — A voz dela era só um murmúrio aveludado, e os lábios seguravam um sorriso. Como se ela me achasse hilário.

Como eu poderia ignorá-la se ela não me ignorava? Era o que ela queria, não era? Eu, longe do cabelo comprido de bronze dela? Não foi o que ela disse ontem? Nós não podíamos ser amigas. Então por que ela estava falando comigo? Era sádica? Era essa a ideia dela de diversão, torturar a garota idiota com o qual ela não tinha como se importar?

Fiquei olhando para ela, frustrada. Os olhos estavam claros de novo hoje, uma cor de mel dourada. Meus pensamentos ficaram confusos e tive que olhar para baixo.

Os pés dela estavam a quinze centímetros dos meus, virados para mim, imóveis. Como se estivesse esperando uma resposta.

Olhei para trás dela, para a escola, e disse a primeira coisa idiota que me passou pela cabeça.

— Por que o engarrafamento de ontem? Pensei que você estivesse fingindo que eu não existo.

— Ah. Foi por causa da Taylor. Ela estava meio que morrendo para ter uma chance com você.

Eu fiquei olhando para ela.

— O quê? — A irritação pela lembrança do dia anterior apareceu na minha voz. Eu não achava que Edythe e Taylor eram amigas. Taylor tinha pedido...? Não parecia provável.

— E não estou fingindo que você não existe. — continuou ela, como se eu não tivesse falado.

Olhei nos olhos dela de novo, me esforçando para manter a concentração, independente do quanto pareciam dourados, do quanto os cílios eram longos nas pálpebras violeta.

— Não sei o que você quer de mim. — eu disse para ela. 

Era irritante como meus pensamentos pareciam explodir pelos lábios quando eu estava perto dela, como se eu não tivesse filtro nenhum. Eu jamais teria falado assim com qualquer outra pessoa.

O meio sorriso divertido desapareceu, e o rosto dela ficou na defensiva de repente.

— Nada — disse ela, rápido demais, quase como se estivesse mentindo. 

— Então você devia ter deixado a van acabar comigo. Teria sido mais fácil assim.

Ela ficou me olhando por um segundo, e, quando respondeu, a voz saiu fria.

— Bella, você só fala besteira.

Eu devia estar certa sobre a ideia de tortura. Eu era um jeito de ela passar o tempo naquela cidade chata. Um alvo fácil.

Passei por ela com a passada mais larga que minhas perninhas permitiam.

— Espere — disse ela, mas eu me obriguei a seguir em frente, a não olhar para trás. — Desculpe, foi grosseria minha — disse ela ao meu lado, acompanhando meus passos. — Não estou dizendo que não é verdade, mas foi uma grosseria dizer aquilo.

— Por que não me deixa em paz?

— Eu queria perguntar uma coisa, mas você está me evitando.

Suspirei e andei mais devagar, apesar de ela não parecer estar com dificuldade para acompanhar.

— Tudo bem. — Eu era uma imbecil. — O que você quer?

— Eu queria saber se, no outro sábado... Sabe, o dia do baile de primavera...

Eu parei e me virei para ela.

— Você acha isso engraçado?

Ela ficou me olhando, parecendo indiferente ao chuvisco que caía. Parecia não estar usando maquiagem nenhuma, nada estava escorrendo e nem manchado. Claro, o rosto dela era perfeito daquele jeito, naturalmente. Por um segundo, senti raiva, raiva de ela ter que ser tão linda.

Raiva porque a beleza dela a tornou tão cruel. Raiva de ser objeto da crueldade dela, e apesar de saber disso, não consegui sair andando para longe dela.

A expressão divertida voltou, com a sugestão de covinhas ameaçando surgir nas bochechas.

— Quer, por favor, me deixar terminar? — pediu ela.

Vá embora, eu disse para mim mesma. 

Mas não me mexi. 

— Eu soube que você não vai ao baile e eu estava pensando se gostaria de ir a Seattle comigo.

Por essa eu não esperava.

— Hã?

— Que tal um passeio a Seattle?

Eu não sabia qual seria o final da piada dela.

— Com quem?

— Comigo, é claro. — Ela enunciou cada sílaba, como se achasse que eu não falava a mesma língua que ela.

— Por quê?

Qual era a pegadinha?

— Bom, eu pretendia ir a Seattle nas próximas semanas de qualquer forma e não queria ir sozinha, então pensei bem, porque não?.

Eu finalmente consegui voltar a andar, motivada pela minha pele arrepiada pelas gotas grossas de chuva.

— Francamente, Edythe. — Senti um arrepio subir pelo corpo ao dizer o nome dela em voz alta, e odiei isso. — Eu não consigo entender você. Pensei que não quisesse ser minha amiga.

— Eu disse que seria melhor se não fôssemos amigas, e não que eu não queria ser.

— Ah, uau, que legal, agora está tudo muito claro. — Sarcasmo pesado.

Percebi que tinha parado de andar de novo. Olhei para o rosto dela, molhado de chuva, limpo e perfeito, e meus pensamentos tremeram e sumiram.

— Seria mais... Prudente para você não ser minha amiga — explicou ela. — Mas estou cansada de tentar ficar longe de você, Bella.

Não havia humor na voz dela agora. Os olhos estavam intensos, apertados, com as longas linhas dos cílios negras sobre a pele. A voz tinha um calor estranho. Eu não conseguia me lembrar de como se respirava.

— Você vai aceitar meu convite? — perguntou ela, a voz ainda ardente.

Eu não consegui falar, então só balancei a cabeça. Um breve sorriso modificou o rosto dela, mas logo ela ficou séria de novo.

— Você devia mesmo ficar longe de mim — alertou ela. — Vejo você na aula.

Ela se virou abruptamente e voltou pelo caminho de onde viemos.


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Notas finais do capítulo

TT: @pittymeequaliza