Take me To Church escrita por Charles Gabriel


Capítulo 20
Capítulo Vinte


Notas iniciais do capítulo

Olá, amados leitores. Como vão? Espero que estejam todos bem. TMTC, infelizmente, está na reta final. Para compensar a demora, aqui vai mais um capítulo.
Obrigado por todo o apoio, boa leitura!



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Ayvaz e eu, ficamos por muito tempo conversando e rindo. A vida estava pesada, muito pesada, mas ter meu melhor amigo por perto me apoiando, me dava forças para continuar. Ali, naquele momento, eu soube, que apesar de todos os pesares, a vida tem seu lado bonito.

― Está ficando extremamente tarde. Onde está seu pai? – Ayvaz interrompeu meus pensamentos.

― Meu pai foi para a igreja – Respondi, passando a mão pelo meu rosto.

― Sim, só que, uma hora dessas, já deve ter acabado. Seu pai não fica muito longe de casa – franziu os lábios.

― Deve estar havendo alguma festa, não? – Sugeri.

― Não estou com um bom pressentimento... – Soltou Ayvaz, fechando os olhos. Fiquei sem entender. O que poderia acontecer de ruim ao meu pai? A mim, tudo bem. Sou um ser repugnante, diferente de meu pai, que é incrível. Além de, com certeza o vilarejo querer me queimar na estaca, para livrar meu pai desse sofrimento. Conviver comigo, é como andar numa rua cheia de espinhos. Sou difícil e muito complicado de se lidar. Não sei como ainda tenho ao meu lado pessoas maravilhosas ― Tomara que seja só coisa de minha cabeça.

Engoli em seco, sentindo uma sensação esquisita se passar por meu coração. Algo não estava certo, eu sentia isso, mas não queria admitir.

Meu melhor amigo abriu os olhos, me observando com pesar.

― Está tudo bem... ― Sussurrei de modo estrangulado. Estava me sentindo perdido. Cansado, mas não parecia ser físico – era muito mais do que isso.

Ficamos em silêncio. Está tudo muito bagunçado aqui dentro e dói tanto. Queria ser capaz de acabar com tanta dor.

Ora, Deus, por que a vida tem que ser assim?

Era o que eu continuava a me questionar, todos os dias.

Uma vez, quando criança, fui a igreja com meus pais. Na época, o padre sempre dizia, que a nossa vida era escrita por Deus, e que se nós sofremos, é porque estamos sendo punidos por algo que fizemos de errado.

Naquele tempo, eu costumava acreditar veemente nisso, hoje em dia, não mais.

Não acredito.

Ninguém sofre porque fez algo de errado, e com isso, acaba sendo punido.

Isso é falacioso.

Sofremos por meio de nossas ações e depois, temos de lidar com as consequências. Mas nada é punição divina.

― No que está pensando? ― Questionou Ayvaz me olhando com as sobrancelhas arqueadas.

― Nada... ― Menti. Eu era um péssimo mentiroso. Todos sabiam disso.

― Ok ― Meu melhor amigo apenas suspirou.

Outra onda de silêncio se passou por nós dois. E eu achei melhor assim.

Minha cabeça estava um turbilhão.

Constantemente meus pensamentos se passavam por Ruzgar, sua família, meu pai, a igreja e eu. Não tinha ideia de como seria nosso futuro – era incerto e muito, muito assustador. Meu coração se apertava, a cada batida que dava.

Eu não sabia que crescer poderia doer tanto assim.

Passos foram ouvidos e rezei para que fosse meu pai, e de fato, era ele. Estava assustado, já que olhava para todos os lados. Parecia ter medo de estar sendo perseguido. Eu conhecia meu pai o suficiente para entender que algo estava errado. Eu só não sabia o que era.

― Seu pai chegou, é melhor irmos até ele ― Ayvaz sugeriu, e eu apenas concordei, indo em direção ao meu pai.

― Papai, está tudo bem? – Chamei-o. Minha voz saiu trêmula, abafada.

― Sevilin! – Suspirou aliviado – Que bom que está aqui. Está sozinho?

― Não, papai, Ayvaz está comigo. – Apontei para meu melhor amigo, poucos centímetros atrás de mim.

― Ainda bem, tive tanto medo, filho – Me puxou para um abraço apertado.

― Medo? De que? – Murmurei, de forma estrangulada contra o peito de meu pai.

Eles estão atrás de você, meu menino – Papai soluçou alto – Eu tenho tanto medo...

Senti minha camisa ficar molhada por suas lágrimas e não pude conter as minhas. Eu só queria me encolher ainda mais no abraço de meu pai até sumir.

Eu sou um péssimo filho e com toda certeza desse mundo, não deveria nascer.

Só sei trazer desgosto aos meus pais.

É por saber que sou um filho repugnante e nojento que minha mãe se suicidou.

E é minha culpa que meu pai esteja sofrendo tanto.

Se eu tivesse morrido logo ao nascer, meus pais teriam outro filho.

Outro mais bonito, mais religioso, que seguisse tudo o que a igreja prega.

Eu me odeio demais.

Ayvaz pigarreou.

― Poderia nos explicar melhor o que houve, senhor Alp? Eles? Quem são?

Meu pai me soltou de seu abraço, enxugando minhas lágrimas com seus dedos calejados por tanto trabalhar e deu um sorriso. Mas não era verdadeiro. Havia dor, muita dor.

― Não sei ao certo, Ayvaz, mas parece que o pai de Ruzgar se juntará a outros homens para vir atrás de meu Sevilin.

― Eu não duvido que o pai de Ruzgar faça isso. Ele é um homem vil. Se quiserem, eu posso ajudar vocês.

― Ajudar? Como? – Perguntei.

― Ele com certeza virá até aqui, Sevilin – Ayvaz se aproximou, colocando a mão no ombro de meu pai e me olhando com pesar – A única saída, é fugir.

Fugir? Pra onde? Ficou maluco? Claro que não! Isso apenas faria de mim um grande pecador, eles irão atrás de mim até no inferno, Ayvaz! – Vociferei desesperado.

― Como tem tanta certeza? Nunca foi até o inferno – Deu de ombros – Não pode deduzir isso.

Senti meus olhos arderem em lágrimas novamente.

Eu queria morrer.

― Para onde ele iria, Ayvaz? – Meu pai perguntou, parecendo interessado.

― Eu poderia leva-lo até a casa de minha tia. – Deu de ombros.

― Onde sua tia mora?

― Minha tia mora próximo ao antigo Império de Niceia.

― Ainda existem pessoas morando por lá? – Indaguei incrédulo.

― Sim, são poucas, mas ainda existem.

― Não é arriscado, Ayvaz? – Meu pai franziu a sobrancelha.

― Não, senhor Alp, podemos sair daqui pela floresta. Será um longo caminho, mas ainda assim, chegaremos lá.

― E como conseguirão um navio para chegar até lá? – Meu pai cruzou os braços.

― Posso tentar falar com os pescadores, eles podem nos ajudar.

Olhei para meu pai, que parecia pensativo.

― E Ruzgar? – Perguntei.

― Ele irá também, assim que a poeira baixar.

― E então, papai, o que acha? – Questionei cauteloso.

― Acho uma ótima ideia, apesar de ser muito arriscada... – Passou a mão pelo rosto – vamos esperar, se as coisas piorarem, recorremos a essa ideia, Ayvaz.

― Tem certeza, senhor Alp? – franziu os lábios – se não for uma boa ideia, não precisa prosseguir com ela.

― Apesar de achar arriscada, será a única saída caso... – meu pai engasgou-se.

― Caso...? – Tentei fazer com que ele continuasse.

― Caso venham matar você. – Meu pai falou com dificuldade.

Nesse momento, minha certeza de que eu não deveria ter nascido, apenas se concretizou.

*|||*

No dia seguinte, quando meu pai saiu para trabalhar, tranquei a casa. Eu não havia dormido bem na noite passada, estava com uma sensação de que algo iria acontecer e temia pelo pior. Por essa razão, decidi ficar o dia todo em meu quarto, sozinho.

― Sevilin? Você está aí? – Ouvi a voz desesperada de Ayvaz enquanto eu estava deitado no chão de meu quarto quase dormindo. Pensei em não abrir, mas seria covardia se fizesse isso, afinal, era o meu melhor amigo, aquele com quem eu poderia sempre contar. Batidas foram ouvidas na porta de forma impaciente e levantei o mais rápido possível.

― Já estou indo – Minha voz saiu arrastada, talvez pela sonolência da qual me encontrava. Andei calmamente até a porta e a abri, revelando um Ayvaz pálido e com olheiras abaixo de seus olhos claros – O que aconteceu?

Ayvaz não respondeu, apenas me abraçou com muita força. De início, não havia entendido. Estava envolto por uma nuvem gigantesca de sono, não conseguia processar tudo o que se passava ao meu redor.

― Você tem que fugir, Sevilin – Me soltou, fitando-me com olhos tristes e vazios – Agora!

― E o meu pai?

― Shhh – colocou o dedo indicador sobre meus lábios – Pegue suas roupas e fuja imediatamente.

― Não estou entendendo, Ayvaz, o que está acontecendo?

― Sem mais perguntas, pequeno, por favor – Suplicou – Arrume suas roupas, depressa.

― O-Ok – respondi, ainda sentindo o sono tomar conta de mim e me dirigindo até meu quarto, pegando algumas roupas de meu velho roupeiro de madeira e colocando dentro de uma bolsa feita de pano, que eu utilizava muito quando criança. Não peguei todas as minhas roupas, apenas alguns casacos, camisetas e calças, assim, não teria tanto trabalho caso precisasse correr. Troquei-me rapidamente e fui até a sala, encontrando Ayvaz encostado no batente da porta, olhando de forma assustadora para o quintal de minha casa – Estou pronto.

― Vamos logo! – Puxou minha mão, levando-me pelo caminho da floresta.

― Por que não fechou a porta? – Eu estava grogue pelo sono.

― Não importa agora, Sevilin, só me siga – Falou de forma impaciente e me calei. O sono estava me abatendo com muita força e uma ou duas vezes, quase tropecei nas raízes espessas e nas pedras pontiagudas da floresta. Vez ou outra, meu melhor amigo contestava comigo para que eu prestasse mais atenção – Estamos quase chegando.

― Onde? – Indaguei, tentando me esquivar de alguns galhos, porém, sem sucesso algum.

― Você verá – Respondeu. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo e muito menos do motivo para Ayvaz me levar às pressas para algum lugar que eu sequer sabia onde era. Uma sensação estranha passou pelo meu coração, mas ainda não sabia descrever o que era. Algo iria acontecer, eu poderia sentir, mas o quê?— Chegamos – Apontou para uma caverna. Quase não dava pra ver pelo musgo e pelas grandes árvores ao redor.

― Por que me trouxe até aqui?

Meu melhor amigo respirou fundo diversas vezes antes de me responder.

― Seu pai pediu para que eu o levasse para algum lugar longe de casa.

Tá..., mas pra quê? Me explica! – Exigi impaciente.

― O pai de Ruzgar estava com alguns homens em direção a sua casa, pequeno. Corri o mais rápido que pude para te tirar de lá.

― O que? Não! E meu pai? – Senti lágrimas encherem meus olhos.

― Seu pai estará seguro, pequeno – Me assegurou com tristeza.

― Não, não estará! – Gritei.

― Shhh – colocou a mão sobre minha boca – não grite.

Bati na mão de Ayvaz, afastando-a de meus lábios.

― Você não entende, meu pai pode morrer! – Gritei ainda mais – Você ouviu? Morrer!

― Pequeno...

― A culpa é toda minha. Por que eu fui nascer? – Comecei a chorar de forma desesperada. Os soluços altos preenchiam a floresta e Ayvaz passou a mão pelo meu ombro.

― Sevilin, poderá chamar a atenção deles... Não estamos tão longe de sua casa.

― Eu não me importo, se quer saber, que venham e me matem de uma vez, será melhor para todo mundo viver sem mim – Gritei novamente, vendo os olhos de meu melhor amigo se encherem de lágrimas – A culpa é toda minha.

Apenas meu choro alto e os soluços poderiam ser ouvidos naquele momento além do vento.

Ayvaz segurou minha mão e sussurrou da forma mais gentil: – Nada disso é sua culpa, meu amor, nada. – Queria acreditar nisso, porém, não conseguia. Minha resposta foi chorar ainda mais. Eu queria morrer. Um barulho foi ouvido e Ayvaz arregalou os olhos – Se esconda na caverna, agora.

― Ayvaz, não... – Sussurrei.

― Apenas vá... – Seus olhos claros estavam cheios de medo – Fique lá até eu voltar.

― Eu não quero – Mais lágrimas saíram de meus olhos.

― Pare de ser tão teimoso, Sevilin. Me escute, pelo menos uma vez! – Chiou.

Outro barulho foi ouvido.

― Me deixe ir com você.

― Não, Sevilin! – Respondeu com brutalidade – Você vai se esconder na caverna e ficar lá até eu voltar.

― Não, eu não vou. Me deixa saber o que está acontecendo – Implorei.

Outro barulho foi ouvido, só que dessa vez, próximo de nós. Ayvaz não me respondeu, me puxando com força e pressa até a caverna.

― Se eu não voltar até ao anoitecer, vá até a casa de Ruzgar, jogue uma pedrinha na porta e se esconda atrás dos arbustos, se for ele, ao sair irá assoviar. Não espere por mim. Não pense em mim. Apenas viva. – Me segurou pelos ombros.

― Por que está dizendo isso, Ayvaz? Por quê?— Solucei.

― Porque eu faria qualquer coisa pra ver você bem – sussurrou ainda me segurando pelos ombros – nem que eu tivesse que morrer.

― Não diga isso... – Meus olhos arderam em lágrimas.

Outro barulho foi ouvido, estava chegando cada vez mais perto.

Ayvaz me apertou em seus braços.

― Eu amo você, Sevilin! – Sussurrou, soltando-me, me olhando como se não fosse me ver nunca mais.

― Não aja como se fosse uma despedida... – Desabei em lágrimas.

― Não será – Murmurou, aproximando seu rosto do meu e encostando seus lábios nos meus. Fiquei surpreso, parado e sem saber como reagir. Sua boca era macia e o modo como me beijava era apaixonado, porém não durou muito tempo. Outro barulho foi ouvido e dessa vez eu poderia ouvir vozes, fazendo com que Ayvaz quebrasse o beijo e sussurrasse – Eu amo você, sempre amarei.

Senti meu coração bater como um louco dentro do peito ao ver meu melhor amigo se distanciar de mim o mais depressa possível, escondendo-se dentro da mata. As vozes estavam cada vez mais próximas e enfiei-me dentro da caverna, ficando atrás de uma enorme rocha. Minha boca estava seca, minhas pernas tremiam e minha mente estava num turbilhão sem fim.

O que eu faria de agora em diante?

*|||*

Aos poucos a tarde ia caindo, e meu coração se apertava cada vez que eu percebia que Ayvaz não voltaria. As palavras, o beijo, os abraços... Tudo estava impregnado em minha mente em um grande ponto de interrogação. Por quê?

O que estava acontecendo de tão grave para meu melhor amigo agir de tal forma? O que ele tanto teme?

Quando me dei conta, já estava completamente escuro, minha barriga roncava. Passei a tarde toda envolto por pensamentos, que não me dei conta que não havia me alimentado.

Pensei em sair da caverna, procurar meu namorado... Mas e se Ayvaz voltasse?

Uma parte minha, aquela bem mais tola, esperava para que ele surgisse naquela caverna, com suas piadas e seu jeito debochado, mas algo dentro de mim, me disse que isso não aconteceria.

Então, decidi sair da caverna e enfrentar a escuridão da floresta, que era iluminada apenas pela luz da lua. O silêncio era gritante a minha volta. Seria um longo caminho a enfrentar, a casa de Ruzgar era mais longínqua que a minha, então, teria que me esgueirar pelos becos para que ninguém me visse. Não poderia correr esse risco, peguei um casaco mais grosso que estava dentro da bolsa de pano e o coloquei sobre os ombros, cobrindo minha cabeça com o capuz. Estava um calor infernal, porém, seria mais fácil assim.

Após uma longa caminhada, cheguei à rua principal dos comércios que ficava próxima a casa de Ruzgar, porém uma movimentação me chamou a atenção, e decidi correr o mais depressa possível e me esconder atrás de uma grande mesa de algum comerciante.

― Eu não acredito que a casa de Sevilin pegou fogo – Alguém murmurou enquanto passava por perto.

― Quem teria coragem de fazer isso? – Outra pessoa falou.

― Eu acho é pouco, deveriam queimar ele e o filho do Candan dentro daquela casa.

― Que coisa horrível a se dizer. E se Alp estivesse lá?

― Morreria junto, ora!

― O pai não tem culpa dos erros do filho nojento que tem.

― É um grande desperdício. Sempre achei Sevilin um garoto bonito – Uma voz feminina exclamou com tristeza – Quem diria que seria esse pecador.

― Ouvi dizer que a igreja levou Ruzgar para um interrogatório, é verdade?

― Sim, o pai de Sevilin também – A voz feminina prosseguiu – Acho melhor irmos embora, não é seguro comentar coisas assim estando tão tarde...

Ouvi murmúrios em afirmação e passos se distanciando.

Minha cabeça parecia que ia explodir a qualquer momento.

Papai. Ruzgar. Minha casa.

Me encolhi ainda mais e chorei. Os dois morreriam e seria por minha culpa. Decidi me levantar, mesmo estando com a visão turva e ir em direção a minha casa, quem sabe Ayvaz estivesse por lá. 

Me escondia em meio a sombras, com lágrimas escorrendo por minhas bochechas.

Minha cabeça estava doendo, talvez pelo fato de ter chorado a tarde toda.

Eu estava com medo.

Com o coração apertado.

Assim que cheguei, avistei o fogaréu na qual se encontrava minha casa. O fogo ainda estava ali, acabando com tudo. As memórias, os sorrisos, os abraços e as lembranças.

Não me aguentei e desabei ainda mais em lágrimas, perdendo as forças e caindo de joelhos no chão.

O choro que eu segurava enquanto andava pelas ruas do vilarejo, tornou-se estridente.  Sorte que eu morava um pouco longe do comércio e das casas, do contrário, alguém já poderia aproveitar meu momento frágil e me matar de uma vez.

 

― Sevilin... – Uma voz fraca me chamou, próxima aos fundos de casa.

Ayvaz.

Passei a mão pelo rosto, limpando as lágrimas e me levantando. Corri até lá encontrando meu melhor amigo completamente machucado no chão de terra.

― Ayvaz! – Me abaixei, sentindo mais lágrimas caindo por meu rosto– O que aconteceu?

― E-Eu tentei salvar sua casa. Tentei impedir eles de colocarem fogo, mas já era tarde demais. Me perdoe – Seu rosto estava totalmente ensanguentado, com hematomas nos olhos e na boca. Parecia ter apanhado.

― Não é culpa sua – Tentei sorrir, entretanto, era em vão. A dor era eminente em meu rosto.

― Eu sabia que viria... – Sussurrou me olhando com ternura.

― Você é meu melhor amigo, é claro que eu viria até você.

Ele riu, mas logo em seguida gemeu de dor.

― Me perdoe por ter sido um péssimo amigo.

― Você não é um péssimo amigo. Fez de tudo e um pouco mais por mim.

― Eu sou sim... – Silêncio. O que poderia ser ouvido era apenas nossas respirações pesadas e estalar da madeira sendo queimada – Eu deveria ter te protegido mais. 

― Não, Ayvaz, você fez de tudo e um pouco mais por mim.

― Não, eu não fiz o suficiente. Levaram Ruzgar e seu pai, não pude detê-los.

― Você não podia fazer muito – Tentei sorrir, sentindo meus olhos arderem.

― Tive tanto medo de te perder... – Murmurou com dor.

― Shh – Passei a mão por sua testa ensanguentada e molhada pelo suor – Eu estou aqui agora.

― Eu temia que eles te matassem. Temia que eles viessem até você. Quando eu soube que Candan queria te matar, eu entrei em choque – Começou a falar de forma desesperada – Eu não consegui dormir pensando no pior. Pensando que eu poderia perder a única pessoa que dá luz a minha vida.

Sorri minimamente.

― Está tudo bem agora – Tentei acalmá-lo.

― Não, não está, Sevilin. Eu preciso te contar...

― Contar o que? – Perguntei passando a mão pelo seu cabelo loiro.

― No inicio, quando percebi estar apaixonado por você, eu juro, tentei ao máximo separar você e Ruzgar – Olhei-o incrédulo – Não me olhe assim, só me faz sentir ainda mais culpa. Mas, eu sou apaixonado por você. Não suportava a ideia de ver você beijando outro, amando outro... Só que, após um tempo, acabei percebendo, não existe pessoa melhor para você do que ele –  Engoli em seco ao ver seus olhos tristes – Então, eu vi que não podia acabar com algo tão bonito...

O silêncio instalou-se. Podia-se ouvir apenas o som da madeira sendo queimada. Eu não sabia o que dizer. Amava Ayvaz como um amigo, um irmão. Nada poderia mudar esse sentimento. 

― Eu entendo... ― Foi tudo o que consegui dizer.

― Você terá uma linda vida, Sevilin. Sempre será a estrela mais brilhante, que brilha no céu de Ruzgar.

Entrelacei nossas mãos e o fitei sem dizer nada. Um gesto poderia falar mais que mil palavras.

― Eu te amo, Sevilin, sempre amarei. Estarei cuidando de você, onde quer que esteja. – Sussurrou com dificuldade – Você ainda terá uma linda vida, mas não comigo – Fiquei em silêncio, olhando-o com tristeza. Aproximei-me de sua testa, e deixei um beijo carinhoso ali, mas ainda não o respondi, afinal, eu não sabia o que dizer. – Você será eterno em meu coração.

― No meu também, Ayvaz – Sorri.

Sua respiração estava ficando cada vez mais fraca.

― Se existem outras vidas, espero que na próxima possamos ficar juntos – Sorriu, fechando os olhos lentamente. A respiração ficando cada vez mais lenta.

― Não, Ayvaz, não... Fique acordado, por favor – Saíram lágrimas grossas de meus olhos.

― Poderia me dar um beijo? – Perguntou – De despedida.

― Você não pode me abandonar... – Desabei em lágrimas – Se você for embora, quem me contará piadas, quem dividirá segredos? Você alegra meus dias...

Ayvaz tentou até sorrir, mas em resposta gemeu de dor, com sua respiração ficando cada vez mais arrastada. Inclinei-me, encostando nossos lábios por alguns segundos, afastando-me logo em seguida. 

Lágrimas caíam de meus olhos sem pudor. Eu sou um ser humano horrível. Não sou digno de ser amado.

― Eu te amo, Sevilin, serei seu anjo da guarda... – Abriu os olhos, me fitando com doçura.

― Eu também te amo, Ayvaz ― Respondi de modo grogue.

Aos poucos, sua respiração foi ficando cada vez mais tardia, até restar um cadáver totalmente ensanguentado, cheio de hematomas, com olhos abertos e sem nenhum brilho.


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Notas finais do capítulo

Niceia, na antiguidade, hoje é conhecida como Íznik, situada na Turquia. A antiga cidade foi o local onde realizaram os concílios de Niceia. Foi considerado o maior estado bizantino até ser tomado pelos cruzados durante a Quarta Cruzada, que durou de 1204 a 1261, levando assim, Niceia as ruínas.

Espero que tenham gostado. Até breve!



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