Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 60
LVIII


Notas iniciais do capítulo

Imagino que este capítulo vá levantar muitas questões. Sintam-se à vontade para perguntar nos comentários :D



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Os rostos sem expressão viraram-se lentamente na nossa direção e eu senti um arrepio gélido descer-me pela espinha. O meu coração começou a palpitar e a minha cabeça esvaziou-se de todos os pensamentos coerentes, exceto um: dar meia volta e fugir dali com quanta força tinha nas pernas. Descobri, porém, que não conseguia mexer-me. O olhar cego dos meus Pais mantinha-me pregada ao chão, imobilizada pelo medo, como um animal encurralado pelo predador… ou seria outra coisa? Havia algo de estranho no ar. Uma energia tão densa e pesada que quase não permitia respirar e que provocava leves estalidos nos ouvidos. Quase como eletricidade estática…

Aquilo não era bom sinal… Nós tínhamos de sair dali. Já.      

Apertei os dedos no braço de Tadeu com mais força enquanto tentava forçar os meus pés a mover-se, mas não tive sucesso. Eu não conseguia descolar a sola dos sapatos do chão ou sequer dobrar os joelhos. Parecia que tinha algo a segurar-me as pernas, como uma camisa-de-forças invisível… O que era aquilo? Magia do ar?

Eu não desviei o olhar dos meus Pais nem para averiguar o que estava a prender-me as pernas, por isso, vi claramente o momento em que as duas silhuetas de luz deram lentamente as mãos, entrelaçando os dedos. Depois, ergueram a mão livre com gestos lentos, idênticos e perfeitamente sincronizados. Senti o coração falhar uma batida, julgando que eles nos iriam mandar pelos ares, mas as palmas permaneceram viradas para baixo… e sulcos profundos surgiram magicamente aos pés das duas silhuetas, percorrendo o chão como se uma toupeira invisível estivesse a escavar o cimento. No seu percurso, traçava linhas em meu redor e dos meus dois acompanhantes. Demorei alguns segundos a entender o que estava a acontecer: Úrano e Gaia estavam a desenhar um círculo!

Eu não sabia qual seria o propósito daquele círculo, mas tinha a certeza que não gostaria de estar lá dentro quando o desenho estivesse concluído. Lutei com mais veemência para mover as pernas, sacudindo o tronco… mas estava provado que não iria sair dali pelo meu próprio pé. Do outro lado de um Tadeu consumido pelo choque, Lithiel parecia estar a ter o mesmo problema. Úrano e Gaia tinham-nos lançado um feitiço qualquer para nos imobilizar até o círculo estar terminado… e isso só aumentava a minha urgência em sair dali!

Invoquei a magia, pronta a defender-me, mas não havia nada que pudesse realmente fazer. Eu não sabia como anular o feitiço de Úrano e Gaia e não me parecia boa ideia ataca-los diretamente. Os meus Pais não pareciam querer matar-nos (por enquanto), mas poderiam repensar essa decisão se eu me mostrasse agressiva. Quanto ao diálogo, tinha a certeza que seria pura perda de tempo. Se os meus Pais estivessem dispostos a conversar, não estariam tão concentrados em desenhar um círculo em nosso redor! O que faria, então? Eu não podia simplesmente ficar ali à espera que Úrano e Gaia terminassem aquele desenho. Tinha de arranjar uma maneira de fugir e regressar a Eldarya! Tinha de regressar aos braços de Ashkore… Pensa, Eduarda, pensa… O que faria o meu irmão se estivesse naquela situação…?

Arregalei ligeiramente os olhos quando a resposta me atravessou o espírito. Era tão simples e, ao mesmo tempo, uma completa loucura. Eu nunca tentara fazer aquilo antes, não tinha sequer noção de quais seriam as consequências se falhasse, mas… era a única hipótese que me ocorria. Não perderia nada por tentar. A Maana de Úrano e Gaia tornara-me mais forte e eu ficara a conhecer muito melhor os meus próprios poderes desde que viera para a Terra, portanto, poderia funcionar. Tinha de funcionar… O círculo estava quase completo e eu estava a ficar sem tempo!

Fechei os olhos com força, troquei a mão com que segurava o braço de Tadeu e estendi a outra atrás das suas costas para agarrar o braço de Lithiel. Invoquei a magia… e desejei com todas as forças sair dali. Ao mesmo tempo, visualizei o muro nas traseiras da minha casa com o máximo de detalhe que consegui, desejando ir até lá. Era a nossa única hipótese de fuga agora…

A primeira tentativa não resultou. Quando espreitei por entre as pálpebras, permanecia no edifício abandonado, diante de Úrano e Gaia. Fechei os olhos e fiz mais um esforço, tentando abstrair-me do que me rodeava para me concentrar melhor no sítio para onde queria ir… mas não resultou. O medo estava a levar a melhor sobre mim, intrometendo-se nos meus pensamentos, incentivando-me a agir em vez de raciocinar… O meu primeiro impulso foi tentar contê-lo, mas isso só piorou a situação. Eu tinha sair dali… Eu tinha mesmo de sair dali!

A súbita sensação de estar a cair para trás fez-me dobrar instintivamente para a frente e o movimento brusco quase me atirou de cara no chão. Só não caí porque tinha os dedos cerrados no braço empedernecido de Tadeu. Lithiel, por outro lado, caiu para a frente com um pequeno grito, aterrando sobre um joelho. Ela olhou rapidamente em volta, desorientada.

— Mas…? Onde é qu…? Eduarda, o que é que fizeste?!

Eu olhei também em volta e soltei um sonoro suspiro alívio ao ver a minha casa atrás de mim. Resultara! Obrigada, entidades divinas sem associação a Úrano e Gaia! Eu conseguira desmaterializar-me! Conseguira percorrer, num abrir e fechar de olhos, os quilómetros que me separavam do portal que me trouxera até Eldarya e que agora me levaria de volta! Como é que eu não me lembrara de tentar fazer aquilo antes? Ter-me-ia permitido poupar muito tempo e esforço!

Senti o chão da floresta estremecer sob os meus pés e o céu começou a escurecer, apesar de estarmos no início da tarde e de o sol ter brilhado até ali. Julgo até que ouvi um trovão rebentar lá muito ao longe e percebi que o perigo não passara. Úrano e Gaia estavam furiosos por temos escapado… e estavam já a caminho dali!

— Não temos tempo a perder — murmurei, encaminhando-me para o portal. Estendi a mão para o círculo e recitei o encantamento que tornaria aquela “saída” numa “entrada”. Alguns símbolos do círculo moveram-se, trocando de lugar, e eu preparei-me para abrir o portal… até me lembrar de que a adaga cerimonial estava na mala de viagem que eu deixara no edifício abandonado. Maldição! Eu estava tão perto… Como iria abrir o portal agora?!

Virei-me para Lithiel, pronta para lhe dar as más notícias e pedir sugestões quanto ao que fazer a seguir, mas estaquei quando vi a faca que ela trazia na mão; a faca que ela usara para ameaçar Tadeu.

— Dá-me isso — exigi, estendendo a mão para a faca — Rápido!

Lithiel fez uma expressão confusa e meio desconfiada, mas obedeceu.

A minha pressa era tanta que não medi a força na hora de cortar o meu lábio e abri um lanho mais profundo do que seria propriamente necessário. O sangue começou a escorrer-me pelo queixo abaixo e tive de usar a mão livre para o impedir de deslizar até ao meu pescoço. Com a voz a tremer de ansiedade e o coração a palpitar de entusiasmo, recitei o encantamento que me levaria de volta a Eldarya… e a Ashkore. Úrano e Gaia não chegariam a tempo de me impedir. Eu conseguiria fazer aquilo. Eu estava tão perto… tão perto!

O portal tornou-se o esperado poço de luz e, enquanto protegia os olhos com a mão ensanguentada, quase não conseguia respirar com a vontade de me lançar em frente e aterrar nos braços do titã. Estava já a murmurar o seu nome, como se fosse uma prece, quando me deparei com a substância viscosa que cobria a abertura do portal… e me lembrei de que a adaga não era a única coisa que ficara na mala de viagem. A poção para derreter a membrana translúcida também ficara para trás!

— N… não… não… — murmurei, desesperada. Aquilo não podia estar a acontecer… Eu não chegara tão longe para ser travada por aquela porcaria! Tinha de arranjar maneira de passar… Tinha de haver outra maneira!

Experimentei usar a faca para cortar a membrana, mas não resultou. A lâmina não deslizava devidamente sobre a massa viscosa e os poucos centímetros que consegui cortar fechavam-se instantaneamente. Parecia ser impossível tirar aquela substância do caminho sem a poção… mas eu não parei de tentar, golpeando a membrana com cada vez mais violência. Eu conseguia ver a câmara onde me despedira de Ashkore do outro lado da membrana e a ansiedade que essa visão originou em mim, conjugada com o medo provocado pela rápida aproximação de Úrano e Gaia, quase me levou à loucura. Eu tinha de passar… Tinha de passar… Morreria ali se não conseguisse passar!

— Não… NÃO! — berrei ao constatar que nem os meus golpes insistentes abrandavam a velocidade de regeneração da membrana. Furiosa, esmurrei a substância com a mão esquerda… e o meu punho trespassou a membrana sem dificuldades, com a massa viscosa a efervescer e a chiar em contacto com os meus dedos.

Fiquei imóvel por alguns segundos, tentando entender o que acontecera, até que decidi largar a faca e lançar também a mão direita à membrana. O resultado não foi exatamente o mesmo, mas continuou a ser favorável à minha causa. A substância começou por moldar-se aos meus dedos, resistindo à pressão do meu punho, e foram necessários alguns segundos e muita força, mas finalmente consegui penetrar através da membrana.

A minha cabeça estalava com perguntas, mas eu não tinha tempo para ficar a refletir sobre elas em busca de uma resposta. A passagem para Eldarya não seria tão fácil como a passagem para a Terra, mas era possível e eu não pretendia perder aquela oportunidade, mesmo que não a entendesse.

Puxei a mão esquerda da substância viscosa e, enquanto usava a manga da camisola para limpar o sangue no meu queixo, virei-me para os meus dois acompanhantes.

— Lithiel, traz o Tadeu.

— Tens a certeza que isso é seguro? — perguntou a rapariga, duvidosa — Não deveria ser possível atravessar o véu entre os mundos sem a poção estabilizadora. O portal pode matar-nos a todos!

— Não será tão fácil como na vinda para cá, mas é possível atravessar. Não nos faças perder mais tempo, Úrano e Gaia estão quase a chegar!

— Admira-me que não estejam já aqui — resmungou a doppelganger, aproximando-se enfim, arrastando um Tadeu pálido como um cadáver atrás de si.

— Eu também não sei o que os está a atrasar, mas, seja o que for, está a salvar-nos a vida! Vá, anda, atravessa o portal!

Lithiel lançou-me um olhar pouco convencido, mas a corrente de ar que lhe sacudiu os cabelos e as gordas gotas de chuva que começaram a cair sobre as nossas cabeças pareceram convencê-la. Até ela sabia o que aquilo significava…

Lithiel empurrou Tadeu de cara contra a membrana translúcida e o titã estava tão aturdido que demorou alguns segundos a reagir, lutando contra a substância que se colara ao seu nariz e o impedia de respirar. Lithiel poisou as duas mãos nas suas costas, forçando-o para o outro lado, e eu ajudei, empurrando-o com a mão esquerda. Lentamente, ele começou a atravessar o portal, mergulhando na massa viscosa… e eu senti o desespero inundar-me as veias quando entendi que, por aquele andar, eu e Lithiel não teríamos tempo de atravessar o portal. Úrano e Gaia estavam mesmo atrás de nós. Sabia-o porque a chuva era tão forte que parecia estar a tentar afogar-nos, o vento era tão violento que parecia estar a esbofetear-nos e os trovões soavam tão perto que quase nos ensurdeciam.

— Vamos matá-lo — disse subitamente Lithiel, por entre os dentes cerrados de esforço — Se não o empurrarmos mais depressa ou puxarmos de volta, ele vai sufocar ali dentro!

Infelizmente, ela tinha razão. Tadeu não iria sobreviver à travessia se ficasse muito mais tempo no meio da membrana, ele já estava muito perto de perder os sentidos. Puxá-lo de volta, porém, estava fora de questão. Nós não tínhamos tempo para uma nova tentativa. Ele tinha de atravessar. Já!

Soltando um grunhido arreliado, invoquei a minha forma titã para os braços para poder fazer mais força. E, para minha surpresa, a membrana começou a chiar e a derreter em redor do meu braço direito, que até ali estivera enterrado no meio da massa viscosa. Sem pensar duas vezes, cobri-me com a minha pele titã e atirei o ombro contra a membrana. O efeito corrosivo demorou um pouco mais a ocorrer, talvez devido ao facto de a minha roupa estar a impedir o contacto direto entre a minha pele e a substância viscosa, mas não tardei a abrir caminho. Empurrei Tadeu à minha frente, puxei Lithiel atrás de mim e, segundos depois… estávamos os três em Eldarya. Finalmente!

Tadeu estatelou-se no chão quando a membrana o soltou, sem sentidos, e Lithiel debruçou-se rapidamente sobre ele para confirmar se estava vivo. Eu, por outro lado, já estava a lançar a minha mente em busca do meu irmão.

“Ashkore!”

Encontrei-o a alguns túneis de distância, já a vir ao meu encontro. A minha vontade era correr até ele e atirar-me para os seus braços, arrastá-lo para o seu quarto e livrá-lo daquela maldita armadura, mas eu sabia que ele não me satisfaria o desejo enquanto não visse Tadeu. Sendo assim, forcei-me a esperar por ele ali.

— Eduarda! O portal!

Virei rapidamente a cabeça ao grito alarmado de Lithiel e o meu sangue enregelou quando vi as silhuetas de Úrano e Gaia ganhar forma do outro lado do portal que permanecia aberto. Estendi a mão e apressei-me a murmurar o encantamento para fechar o portal antes que eles tivessem a oportunidade de o atravessar. Enquanto as linhas do círculo se cruzavam sobre a membrana translúcida, não parei de fixar o rosto liso dos meus Pais. Mesmo sem expressão, o seu olhar cego transmitia-me uma mensagem muito clara: eu estaria morta se eles algum dia me metessem as mãos em cima…

— Eduarda!

A voz de Ashkore fez um calor abrasador inundar-me o peito e o meu coração estremeceu de emoção. Virei-me com um sorriso rasgado nos lábios e atirei-me contra o peito do titã com um gemido de contentamento, apertando-o com toda a força dos meus braços. Foi força a mais, aparentemente, porque ele soltou um queixume e fez-me soltá-lo em vez de retribuir o abraço.

— Es-estás mais forte — comentou com um risinho — A estadia na Terra fez-te bem…

— Não… Foi uma tortura! — queixei-me — Não aguentava mais estar longe de ti…!

— O que é que aconteceu ao nosso irmão? — cortou-me Ashkore, encaminhando-se para o Tadeu desmaiado no chão. Lithiel levantou rapidamente as mãos com que estivera a medir a pulsação do rapaz, como se a mostrar que não era a culpada pelo seu estado.

— Ele está vivo — anunciou a doppelganger —, mas talvez fosse melhor levá-lo para a enfermaria. Ele não estava lá muito bem mesmo antes de atravessar o portal…

— Ele estava em estado de choque, coitadinho — defendi enquanto Ashkore se baixava para pegar na mão de Tadeu — Quero dizer, ele foi raptado por duas raparigas desconhecidas, teletransportado através de um terço do pais e obrigado a atravessar um portal místico para outro mundo que quase o sufocou…

— Não lhe tiraste a casca humana? — cortou-me Ashkore, sem desviar o olhar de Tadeu.

— Ah… — fiz, lembrando-me subitamente que Ashkore me dera uma poção para revelar Maana antes da minha partida, pedindo-me para a usar para tirar a casca humana dos titãs que encontrasse — N-não, não deu tempo… Úrano e Gaia andaram o tempo todo colados aos nossos calcanhares, tivemos até muita sorte por termos conseguido fugir! Eles imobilizaram-nos com um feitiço e começaram a desenhar um círculo à nossa volta, pensei que estávamos perdidos, mas depois lembrei-me que tu te consegues desmaterializar e tentei fazer o mesmo… Resultou bastante bem! — relatei, orgulhosa de mim mesma — Consegui trazer a Lithiel e o Tadeu até ao portal e…

Silenciei-me quando Ashkore soltou a mão de Tadeu e se levantou com um suspiro desiludido.

— Com a casca humana, ele não absorve Maana — lembrou-me o meu irmão — e, sem Maana, ele é completamente inútil!

— N-não, ele não é inútil — neguei num murmúrio — Podemos tirar-lhe a casca humana na mesma…

— Sim, podemos, mas quanto tempo irá demorar até ele reunir Maana suficiente para ter alguma utilidade? — estalou Ashkore, irritado — Na Terra, seria uma questão de segundos até ele se encher de Maana, da Maana dos nossos Pais! Aqui? Precisaria de no mínimo um mês de adoração para conseguir uma quantidade aceitável daquela Maana miserável que nós produzimos! E eu não vou esperar mais um mês, Eduarda! Não vou!

Ashkore cobriu os olhos com uma mão enluvada, frustrado, e eu senti-me mal por não ter conseguido cumprir a missão que ele me confiara. Ponderar as implicações desse falhanço só aumentou o meu desânimo…

— Isso quer dizer que… não podes estar comigo? — murmurei, cabisbaixa.

Ashkore inspirou bruscamente, parecendo ter a resposta pronta na ponta da língua, mas algo o deteve. Baixou lentamente a mão e fixou-me por cima dos dedos.

— Eu fiz o que me pediste — lembrei-o — Lamento se o resultado final não foi exatamente o que esperavas, mas… eu trouxe-te um titã. Melhor que nada, não é? Irá demorar um pouco mais de tempo, mas ele ainda poderá ser útil no futuro. Nada está perdido… pois não?

Ashkore não respondeu de imediato, mas soltei um pequeno suspiro de alívio quando ele se começou a aproximar lentamente de mim. Ele não estava zangado comigo…

O titã parou a um passo de distância de mim e dirigiu uma mão para o meu rosto, acariciando-o com os nós dos dedos. Eu fechei os olhos e poisei a minha mão sobre a sua, desfrutando do seu carinho. O seu toque era tão quente… Não saberia dizer se o ardor era oriundo do contacto entre a nossa Maana ou dos sentimentos que eu nutria por ele, mas era maravilhoso… Era como se ele me estivesse a tocar para lá da pele, da carne, até ao centro da minha alma…

— Tens razão — murmurou ele — Nada está perdido… Desculpa, estava a ser um imbecil…

— Não faz mal…

— Tu conseguiste regressar sã e salva e trouxeste um titã contigo. Isso é o mais importante. Estou muito orgulhoso de ti, irmãzinha…

Um sorriso incontrolável rasgou-me a cara de orelha a orelha e senti os meus olhos encherem-se de lágrimas. A aprovação do meu irmão era tudo o que eu desejava! Quero dizer… além do seu corpo completamente apetecível…

Ashkore deve ter pressentido a fome no meu olhar porque soltou um risinho divertido antes de se inclinar na minha direção e sussurrar no meu ouvido:

— Porque não vais… acomodar-te no meu quarto? Eu preciso de dar algumas instruções ao Mokuba quanto ao nosso irmãozinho recém-chegado, mas depois… poderei juntar-me a ti. O que dizes?

O seu convite deixou-me a arfar de ansiedade. Sem pensar duas vezes, dei meia volta e corri até ao quarto do titã. Abri a porta de rompante e fechei-a com o pé enquanto puxava a minha camisola pela cabeça. Descalcei as botas, tirei as calças e, em roupa interior, atirei-me para cima da sua cama. Passei os dez minutos seguintes a ensaiar posições sensuais em cima da colcha, perguntando-me qual delas Ashkore mais gostaria de ver quando entrasse. Eu já estava de roupa interior, portanto, não poderia ser nada muito vulgar… Não queria parecer demasiado oferecida… Escolhi deitar-me de barriga para cima, com a cabeça virada para o fundo da cama e as pernas levantadas contra a cabeceira, o que daria uma boa perspetiva das mesmas quando o titã entrasse. Espalhei o meu cabelo em leque sobre a colcha, cruzei os pés e fiquei a enrolar uma madeixa de cabelo no dedo indicador enquanto esperava que Ashkore regressasse. Não conseguia parar de sorrir e trincar o lábio enquanto imaginava o que estaríamos a fazer dali a muito pouco tempo. Lembrei-me, entretanto, do corte que fizera para abrir o portal e palpei o meu lábio com a ponta dos dedos, mas o ferimento já desaparecera sem deixar rasto. Regalias de se ser uma espécie de divindade…

Já tinha passado perto de meia hora quando a porta do quarto finalmente se abriu. O meu plano de deixar Ashkore admirar-me na posição que escolhera foi por água abaixo quando o vi entrar e fui consumida pela antecipação. Rebolei rapidamente e recolhi as pernas até me colocar de gatas. Ashkore fechou a porta atrás dele sem desviar o olhar de mim.

— Desculpa ter-te feito esperar — murmurou num tom suave e íntimo, cheio de promessas escaldantes.

Eu limitei-me a sorrir e levantei-me com um pulo, correndo até ele. O choque do meu corpo contra o de Ashkore fê-lo bater com as costas na porta, mas eu não liguei. Estava demasiado ansiosa, demasiado impaciente, demasiado carente… demasiado quente! Enrolei os braços no pescoço do titã enquanto estendia as mãos para a máscara e arranquei-lha com tanta violência que deixei os seus cabelos em completo desalinho. Uma confusão que eu tratei de intensificar quando, depois de atirar a máscara para o lado, enterrei os dedos na nuca do titã para puxar a sua boca contra a minha.

Se a minha voracidade surpreendeu Ashkore, ele não o deixou transparecer. Os seus braços enrolaram-se na minha cintura e puxaram-me contra ele com tanto desespero quanto aquele com que eu o beijava.

— Tira a armadura — suspirei entre beijos, desgostosa com a couraça dura que sentia contra mim, em vez da sua pele — Tira tudo…

Ashkore assentiu e, sem parar de me beijar, fez-me recuar até a borda da cama pressionar a parte de trás das minhas pernas. Afastei-me relutantemente da sua boca e sentei-me, dando-lhe espaço para despir aquela coisa rija e pesada. Tinha esperanças de que Ashkore se despisse por completo, mas ele limitou-se a tirar a couraça da armadura, deixando vestida a camisa negra, antes de voltar a concentrar-se em mim.

Beijando-me duma maneira que me deixava tonta, o titã fez-me deitar na cama e deitou-se sobre mim, deliciando-me com o peso do seu corpo. A sua boca não tardou a abandonar a minha, desenhando um trilho de beijos desde o meu rosto até ao meu pescoço. Eu virei a cabeça para o lado oposto com um suspiro, dando-lhe completo acesso. Os seus dedos (ainda enluvados) deslizaram carinhosamente pelo meu ombro, arrastando a alça do meu sutiã consigo… e foi nesse momento que ele me mordeu.

Eu estava tão perdida em ardor e paixão que não compreendi de imediato o que estava a acontecer. E mesmo quando essa consciência me atingiu, não me importei muito. Após conviver com tantas criaturas mágicas, inclusive vampiros, não me parecia tão estranho e terrível que Ashkore estivesse a beber o meu sangue. Eu não sabia que os titãs tinham essa tendência, mas… se era o meu sangue o que Ashkore queria, dar-lho-ia sem hesitar!

Deixei-o beber durante algum tempo, até a sua ausência de movimento me começar a frustrar. Eu não viera até ali para lhe dar só o meu sangue… viera para receber certas coisas dele também! Além disso, fora do frenesim da paixão, a mordida doía e não eram essas as sensações que eu queria que o titã me provocasse…

Enrolei as pernas na cintura dele e tentei tirá-lo do meu pescoço encolhendo o ombro, mas Ashkore não cedeu. Felizmente, ele decidiu dar algum uso às mãos e dirigiu uma delas para o meu seio coberto de renda, acariciando-o ternamente. Eu soltei um suspiro de prazer e insinuei-me contra o seu corpo, oferecendo-me… mas ele não parava de beber o meu sangue!

— Ash… — murmurei num tom queixoso — Quero-te…

O seu dedo indicador deslizou por baixo da renda do sutiã, mas o resto… permaneceu igual. A sua boca permaneceu no meu pescoço, chupando o meu sangue com força. Além da marca da dentada, eu ficaria com certeza com um grande hematoma…

— Ash…

Desta vez, poisei as mãos no seu peito e tentei empurrá-lo, mas o titã resistiu e não se moveu. Tentei mais uma vez… e surpreendi-me com a pouca força que tinha nos braços.

— Ash…

A mão que estava no meu seio deslizou até ao meu rosto… e cobriu-me a boca, silenciando-me. Foi só aí que percebi que algo não estava bem. Era, no entanto, tarde demais… A força abandonava-me ao ritmo dos chupões de Ashkore na minha veia e eu há muito deixara de ter o vigor necessário para lutar contra o meu irmão. Já quase nem conseguia espernear… Tinha a certeza de que o titã conseguia ouvir os meus clamores abafados pela sua mão, mas ele escolheu simplesmente ignorá-los. Quando o pânico tomou conta de mim, a dentada começou realmente a doer e as lágrimas de dor e medo brotaram-me dos olhos. Ashkore mordia-me com tanta força que acreditei que me iria arrancar um naco do pescoço. E foi esse o meu último pensamento coerente antes de finalmente ceder à inconsciência…


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