Titanomaquia escrita por Eycharistisi


Capítulo 53
LI


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo agendado]



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No final da minha conversa com Ashkore, ficou decidido que eu iria aprender a abrir portais e faria uma visita à Terra assim que me sentisse preparada. O titã dissera que eu não precisava de começar a procurar os meus “irmãos” na primeira viagem, ele estava disposto a dar-me algum tempo para me “autodescobrir” e até me deixaria levar alguém como companhia se isso me tranquilizasse, mas… nem assim me sentia segura sobre aquele plano. Eu realmente não queria ir à Terra procurar os outros titãs…

Pedi a Ashkore para ter a companhia de Lee na viagem até à Terra, mas ele recusou sem pensar duas vezes. O titã estava convencido de que a ninfa queria ir à Terra apenas para invocar reforços para nos destruir e não pretendia deixá-la ir a lado nenhum. Em vez disso, ele sugeriu-me a companhia de alguns dos seus súbditos de confiança, mas eu decidi que, se não podia ir com Lee, iria com Lithiel. Ashkore também não gostou da ideia de deixar a doppelganger sair da colónia, mas eu insisti até o fazer ceder. Entretanto, perguntei-lhe onde estava Lithiel para falar com ela sobre a viagem e não consegui evitar um pequeno revirar de olhos quando ouvi a resposta. Devia ter adivinhado…

A pedido do seu senhor, Mokuba “acomodara” a doppelganger numa das câmaras que constituíam a prisão dos túneis e ela ficaria lá até provar ser digna de confiança. Eu até tentei usar alguma da minha autoridade como titânide para convencer os guardas a soltá-la, mas eles tinham mais medo de Ashkore do que de mim, logo, preferiam ignorar as minhas ordens a desobedecer ao meu “irmão”. Precisei de alguns minutos de insistências, ameaças e um murro que abriu um buraco na parede para os convencer a, no mínimo, deixar-me entrar na câmara onde a minha amiga estava cativa.

Lithiel estava deitada na cama com os braços cruzados atrás da cabeça e os olhos fixos no teto, pensativa. Não parecia ferida nem nada do género e isso já era ótimo do meu ponto de vista… Estava em melhor estado que Lee, pelo menos!

— Eduarda — reconheceu a rapariga ao ver-me entrar — Como foi a conversa com o titã e o Lee?

— Foi… interessante — suspirei, indo sentar-me ao lado de Lithiel, na borda da cama.

— Descobriram porque é que ele consegue ver os seres elementais?

— Descobrimos, sim… Descobrimos até um pouco mais do que isso!

— Ah, sim? O quê?

— Há quanto tempo sabes que o Lee é uma rapariga?

— Ah, ele contou-te…

— Contou. Quando é que pretendias dizer-me? Nós não tínhamos um acordo?

— Tínhamos, mas o Lee pediu-me segredo e eu não tinha razões para te contar.

— Desculpa?!

— O que quero dizer — reformulou Lithiel, num tom apaziguador — é que eu ainda não estava pronta para cumprir o nosso acordo. Nós combinámos que tu me tirarias a pulseira quando eu te contasse o segredo do Lee, mas eu não queria que me tirasses a pulseira nessa altura. Não era o momento certo. Por isso, preferi não dizer nada até esse dito momento chegar.

— Podias ter-me contado na mesma e eu cumpriria a minha parte do acordo quando quisesses!

Lithiel fez uma pequena careta.

— Não é assim que faço os meus negócios — cruzou descontraidamente as pernas — E eu pensei que compreenderias a minha decisão de guardar o segredo do Lee. Sabes o que lhe aconteceu para ele… ela fingir que é um rapaz, não sabes? Esse não é o tipo de coisa que alguém gostaria de ver espelhado por aí, como deves imaginar…

— Eu percebo — garanti — Percebo perfeitamente! Percebo tão bem que teria entendido e aceitado se me tivesses dito que não podias cumprir a tua parte do acordo por causa da seriedade do assunto! O que me incomoda nesta história é que, em vez de seres sincera comigo, escolheste mentir-me e fingir que ainda não sabias de nada.

— Lamento informar-te, mas é essa a minha natureza — disse Lithiel — Doppelgangers mentem. Não importa o quanto te estime e queira ajudar, eu não vou parar de mentir. Simplesmente porque… não consigo. Lamento…

— Não tens de me pedir desculpa. Tu és a única que se vai entalar com essa tua tendência — recordei-a num tom ligeiramente azedo — O Ashkore não confia nem um bocadinho em ti e não parece querer tirar-te daqui tão depressa.

— É compreensível — disse ela com um suspiro — Eu teria feito o mesmo na situação dele… embora isso não queira dizer que goste de estar aqui…

— Eu também não gosto que estejas aqui. Preciso de ti lá fora, não trancada numa masmorra.

— Precisas de mim? — admirou-se a doppelganger — Para quê?

— Várias coisas, entre as quais manter-me mentalmente sã — soltei um suspiro cansado — As coisas estão… a ficar complicadas para mim.

— Sério? Porquê?

Soltei mais um suspiro, passando uma mão pelos cabelos.

— Lembras-te da ideia do acordo entre faeries e titãs?

— Sim…

— Não deu em nada. O Ashkore não quer um acordo e não vai descansar enquanto não fizer os faeries pagar pelo que aconteceu aos titãs.

— Isso é mau…

— É mau e está prestes a ficar piorar. Eu e o Ashkore descobrimos que há mais nove titãs na Terra e ele quer ir buscá-los para o ajudarem a derrotar os faeries — revelei.

— O quê? — murmurou Lithiel, erguendo-se apoiada nos cotovelos.

— Isso mesmo que ouviste. A questão é que ele não pode ir à Terra se não quiser enfrentar Úrano e Gaia, então… pediu-me para ir eu buscá-los.

— Tu aceitaste?

Eu passei mais uma mão pelos cabelos.

— Eu tentei recusar, mas ele insistiu… e eu não consegui arranjar uma desculpa suficientemente boa para não ir.

— Ele não aceita um simples “não” como resposta, hã?

— Não, não aceita.

— Mas também não é como se ele te pudesse obrigar. Se não queres ir à Terra, não vás.

— Pois, mas o Ashkore não é o tipo de pessoa que eu queira irritar…

— Tens medo dele? — admirou-se Lithiel.

— Claro que tenho medo dele, é um titã!

— E daí? Tu és uma titânide! Os vossos poderes são equivalentes!

— Não exatamente e, definitivamente, não neste momento. O Ashkore domina muito melhor do que eu os seus poderes e é venerado com muito mais frequência. Ainda por cima, eu gastei rios e rios de Maana a usar a minha camuflagem em Eel…

— Porque é que ele é venerado com mais frequência? Ele está a fazer de propósito para te deixar mais fraca?

— Não, não… Sou eu que não vou ao salão principal para ser adorada com a mesma frequência que ele.

— Porquê?

— Eu não… gosto de ficar sentada num daqueles tronos a ver pessoas ajoelhar-se à minha frente — admiti, desconfortável — Gosto ainda menos de ter uma data de homens desconhecidos a tocar-me e beijar-me, como as mulheres da colónia fazem com ele. Aquilo… não é para mim…

— Sua burra, como queres ficar mais forte e fazer frente ao teu irmão se não aceitas a adoração dos faeries?

— Eu não quero fazer frente ao meu irmão…

— Não? Então vais deixá-lo reunir o seu exército de titãs e devastar Eldarya?

— Não, claro que não…

— Tu mesma disseste que ele não aceitava fazer um acordo — lembrou-me a doppelganger — Sendo assim, como pretendes pará-lo sem o enfrentar?

— Eu… — abri e fechei a boca, mas não havia nada que pudesse dizer… além de concordar com ela. Ainda assim, a mera ideia de virar-me contra Ashkore estrangulava-me de medo. O titã mostrara-se muito amável e compreensível comigo, mas eu vira o que ele fizera a Ihlini e não tinha razões para crer que não me faria o mesmo se não o apoiasse. O que poderia eu, aliás, fazer além de apoiá-lo? Eu não tinha a força ou o poder para contrariá-lo! Acabaria presa dentro de um escudo impenetrável exatamente como Ihlini! E ninguém me ajudaria a sair. Os faeries daquela colónia eram completamente leais a Ashkore, como eu já tivera oportunidade de ver. Eles não me libertariam, mesmo sendo um dos seres que eles diziam adorar e respeitar acima de todas as coisas. Eu estava sozinha…

— Eduarda — chamou Lithiel, arrancando-me aos meus pensamentos — Tu és a única capaz de resolver esta questão de forma… bem, imagino que não será completamente pacífica, mas será definitivamente menos destruidora do que a guerra que o teu irmão quer começar. Se queres salvar faeries e titãs, tens de começar seriamente a pensar numa solução. Já… antes que seja tarde demais.

— O que posso fazer? — perguntei, desesperada — Eu sou uma titânide, mas não sei nada sobre mim mesma! O que pode alguém que nem sabe o que é fazer para… salvar o mundo?

— Vamos por partes — disse Lithiel, sentando-se — Vamos do maior para o mais pequeno… Em primeiro lugar, tens de escolher um grupo a que pertencer, o grupo com que te identificas. Estás do lado dos titãs que querem punir os faeries pelo passado ou do lado dos faeries que querem livrar-se dos titãs duma vez por todas?

Soltei um risinho amargurado.

— Nenhum dos dois. Vês? Nem num grupo sou capaz de me…

— Ótimo — cortou-me Lithiel — Nesse caso, faremos o nosso próprio grupo.

— O nosso próprio grupo? O que raios estás para aí a dizer?

— Estou a dizer que, se não te identificas com nenhum dos dois grupos existentes atualmente, podes criar um terceiro! Não te lembras do que o Lee e o Nevra te disseram? Eles estão fartos das mentiras dos Sacerdotes, mas isso não os colocou do lado dos titãs. Eles decidiram ficar somente do teu lado. O lado que quer encontrar um acordo pacífico entre os outros dois grupos!

— Isso… irá resultar? — perguntei, insegura.

— O resultado só depende de nós. Estás disposta a sacrificar tudo o que tens por aquilo que acreditas?

— Eu não sei…

— Tens de parar de hesitar, Eduarda. Se queres alguma coisa feita, tens de começar a tomar decisões!

— E se tomar as decisões erradas? — perguntei, angustiada.

Lithiel poisou-me uma mão consoladora no joelho.

— Terás de aprender a lidar com as consequências — disse num tom baixo — Não podes ter medo de escolher e tomar as tuas próprias decisões, Eduarda, caso contrário, jamais sairás da situação em que estás neste preciso momento: ser a ferramenta de alguém.

Baixei o rosto e comprimi os lábios com força para os impedir de tremer. Lithiel tinha razão no que dizia, mas isso não me tranquilizava em nada. Eu não me sentia pronta para tomar as minhas próprias decisões. Estava tão confusa e perdida em mim mesma que ser a ferramenta de alguém, deixar os outros tomar decisões por mim, não me parecia assim tão mau. Era mais fácil e seguro… O problema é que as decisões dos outros estavam a colocar-me contra aquilo em que acreditava… e eu tinha tanto medo de continuar a segurar a mão que me guiava como tinha medo de soltá-la.

— Tu não estás sozinha, Eduarda — lembrou-me Lithiel, apertando mais a mão no meu joelho — Eu estou contigo. O Lee está contigo. O Nevra está contigo… e tenho a certeza que encontraremos mais pessoas dispostas a juntar-se à nossa causa. É uma questão de procurar…

— A Ihlini — murmurei, fulminada por uma ideia — Podemos pedir ajuda à Ihlini!

— Quem é a Ihli…? Hey, onde vais? — perguntou Lithiel, confusa, quando me levantei com um pulo.

— Eu já volto!

Saí das masmorras quase a correr e encaminhei-me para a câmara onde Ihlini permanecia aprisionada. Os dois guardas junto à porta não me impediram de entrar, mas os outros dois que estavam no interior não pareciam querer atender ao meu pedido para ficar sozinha com a titânide caída no chão, tão enfraquecida que já nem conseguia segurar a sua aparência humana. Conseguira manter somente o seu metro e setenta de altura, tornando-se uma miniatura de titânide.

— Nós recebemos ordens claras do Amo Ashkore para não deixar a Ama Ihlini sozinha, Ama Eduarda — diziam os guardas, indecisos.

— Ela não estará sozinha, eu estarei aqui com ela.

— Mas…

— Saiam! — exigi — Ou terei de vos fazer sair à força?

Estalei casualmente os nós dos dedos e os guardas entreolharam-se.

— Seja feita a vossa vontade, Ama Eduarda — murmurou um deles antes de os dois recuarem e saírem. Eu soltei um pequeno suspiro aliviado. Não sei se teria conseguido cumprir a ameaça se eles se tivessem recusado a obedecer…

— O Ashkore ensinou-te bem a fazer valer a tua autoridade — murmurou a voz enfraquecida de Ihlini algures atrás de mim. Voltei-me a tempo de ver a titânide afastar as asas com que cobrira o rosto até ali.

— O Ashkore não me ensinou — defendi-me, aproximando-me do limite do escudo — Aprendi sozinha.

— Isso é ainda mais inquietante…

— Porquê?

— Porque é o primeiro sinal de que estás a caminho de te tornar tão sanguinária quanto ele.

— Pelo contrário — neguei, sentando-me no chão de pernas cruzadas — Estou muito interessada em evitar mais derramamentos de sangue… tal como tu.

As penas de Ihlini restolharam quando ela se moveu por baixo das asas que a envolviam como um casulo.

— O que queres dizer com isso? — perguntou, desconfiada.

Inspirei profundamente antes de revelar:

— Eu quero fazer um acordo com os faeries para libertar os outros titãs.

— Um acordo? Que tipo de acordo?

— Não sei…

— O Ashkore concordou com isso? — continuou ela, cada vez mais desconfiada.

— Não…

— Estás a agir nas costas dele?

Eu hesitei, mas acabei por anuir. Era isso mesmo que eu estava a tentar fazer, não era?

Ihlini abriu um pequeno sorriso.

— Gosto disso. Conta-me mais.

— Okay… hã… — hesitei, sem saber por onde começar — Há duas coisas em que quero contrariar o Ashkore. Primeiro, no acordo com os faeries. Segundo, na busca aos titãs na Terra.

— Titãs na Terra? — repetiu a titânide — Ainda há titãs na Terra?

— Sim. Aparentemente, eu não fui a única titânide que Úrano e Gaia criaram com uma casca humana. Há mais nove na Terra.

— Uma segunda geração inteira — admirou-se Ihlini.

— Sim, isso mesmo. E o Ashkore quer que eu vá à procura deles para os convencer a lutar contra os faeries.

— Isso seria um desastre.

— Precisamente. A questão é que… eu não posso pura e simplesmente contrariá-lo sem correr o risco de terminar na mesma situação que tu. Sem ofensa — acrescentei rapidamente.

— Não me ofendi — garantiu Ihlini com um sorriso — Eu também não gostaria de te ver dentro deste círculo, até porque és a única pessoa em condições de fazer frente à loucura do nosso irmão neste momento.

— Certo… Então, como é que convenço o Ashkore a desistir dos titãs na Terra?

Ihlini soltou um pequeno suspiro cansado.

— Não convences — murmurou — Ele jamais irá desistir dessa ideia, é muitíssimo teimoso. Por outro lado… se és tu que vais buscar os novos titãs, poderás usar isso em nosso favor.

— Posso? — admirei-me.

— Claro. Uma vez que estejas na Terra, como poderá o Ashkore certificar-se de que realmente procuraste os titãs?

— Estás a dizer para… ir à Terra, mas não fazer nada?

Ihlini acenou fracamente com a cabeça e eu limitei-me a deixar pender o queixo. Como não pensara naquilo? Era tão simples! Ashkore não me poderia seguir até à Terra, por isso, eu poderia fazer o que quisesse! Se não procurasse os titãs para começo de conversa, nem sequer lhe estaria a mentir quando dissesse que não encontrara nada!

— Tu… és um génio — gabei, arrancando um sorriso a Ihlini — Pensando bem, mesmo que procure, é bem provável que não encontre nada. A Terra é enorme, seria impossível encontrar nove pessoas desconhecidas e isoladas!

— Sentir a assinatura mágica de outros seres facilitaria imenso a procura — argumentou Ihlini —, mas tu és muito jovem e inexperiente. Não seria difícil errares a “leitura”.

Eu concordei com um aceno, sentindo-me muito mais aliviada agora que sabia como resolver pelo menos um dos meus problemas.

— Mesmo que encontrasse os outros titãs, não acho que eles aceitariam vir comigo para Eldarya — continuei a ponderar — Universos paralelos são vistos como fantasias, coisas da imaginação de alguém.

— E mesmo que eles queiram vir — acrescentou Ihlini, lançando-me um olhar sugestivo —, podes sempre selecionar a informação que lhes contas ou não.

— O que queres dizer?

Ihlini fez uma expressão reprovadora e impaciente.

— O que achas que o Ashkore lhes diria se fosse ele a ir buscá-los?

— Diria que precisa de ajuda para libertar os irmãos presos nos cristais e trazer justiça àqueles que os prenderam?

— E omitiria convenientemente o facto de terem de matar milhares de faeries inocentes para cumprir esse objetivo — completou a titânide — Ashkore diria apenas o que lhe convém… e tu podes fazer o mesmo. Em vez de recrutares os titãs na Terra para a causa do Ashkore… podes recruta-los para a nossa.

Eu limitei-me a piscar os olhos, perguntando-me, de novo, como não pensara naquela hipótese antes. Seria a declaração de Ashkore a toldar-me o raciocínio? Ou seriam as dúvidas existenciais que me desmotivavam a ir à Terra, fosse ou não para procurar os novos titãs? Ficara tão consumida pelo medo que não vira que a solução sempre estivera bem diante do meu nariz. Recrutar os outros titãs para a nossa causa não seria mais fácil do que recruta-los para a causa de Ashkore. A taxa de sucesso era tão baixa que talvez nem valesse a pena a tentativa… mas se conseguisse fazê-lo…

— Verei o que posso fazer quando chegar a altura — decidi, encerrando aquele assunto — Agora, sobre o acordo com os faeries…

— Isso será muito mais difícil de conseguir.

— Quão difícil?

— Honestamente?

Eu assenti. Ihlini soltou mais um suspiro cansado. Falar consumia demasiada energia no seu estado debilitado.

— Será tão difícil como se fosse impossível. E eu creio que é. Os meus irmãos não vão aceitar simplesmente perdoar os faeries pelo que aconteceu e os faeries não querem conviver connosco, embora a nossa presença neste mundo seja essencial à sua sobrevivência. Tu não vais conseguir encontrar um acordo que agrade a ambas as partes, Eduarda. Lamento dizê-lo, mas… é a verdade.

— Tem de haver alguma coisa — insisti — Tem de haver alguma maneira…

— A única maneira de não haver derramamento de sangue — cortou-me Ihlini — é colocar-me a mim e ao Ashkore de volta num cristal. Colocar tudo como estava antes.

— O-o quê? — murmurei, chocada.

Ihlini estendeu os finos braços brancos iridescentes e arrastou-se pelo chão, aproximando-se de mim.

— É simples — disse num tom baixo, conspiratório — Só tens de dizer aos faeries onde estamos. Eles farão o resto…

— Não podes estar a falar a sério… Queres que traia o meu irmão e o condene à escravidão?

— Eu não o vejo como escravidão. Vejo-o como… trabalho comunitário. Uma pequena contribuição para a construção de um mundo melhor, mais seguro, mais pacífico…

— Não — neguei, decidida — Não posso fazer isso. Não seria justo para ele… nem para ti! Além disso, entregar-vos aos faeries não me colocaria também a mim numa posição bastante delicada? Afinal de costas, eu sou uma titânide e não acredito que os faeries me deixariam andar livremente por aí! Eles não me tentariam aprisionar como aos outros titãs? Para criar um novo cristal?

— É possível — confirmou Ihlini depois de uma breve hesitação —, mas tu, ao contrário de nós, tens a possibilidade de sair de Eldarya. Podes simplesmente regressar à Terra e retomar a tua antiga vida…

— Isso é tudo menos simples!

— Porquê?

— Porquê? — repeti, descrente — Como poderia eu, uma titânide, filha de Úrano e Gaia, retomar a vida humana que construí antes de saber o que na verdade era? Como poderei regressar à Terra e fingir que não sei nada, que nada aconteceu…?!

— Entendeste-me mal — disse Ihlini — Sei bem que seria impossível esquecer o que aconteceu aqui ou ignorar a tua verdadeira identidade, mas podes viver como uma titânide na Terra. Foi assim que todos nós começámos…

— Ihlini, a Terra é o nosso mundo de origem… mas já não é o nosso lugar…

— Bem, Eldarya também não o é. Eldarya pertence aos faeries agora…

— Então onde é a porcaria do nosso lugar?! — bravejei, levantando-me — Nós não pertencemos à Terra, não pertencemos a Eldarya, pertencemos a quê?!

— A lado nenhum — disse a titânide num tom brando — O nosso tempo neste mundo terminou há muito, só não vê isso quem não quer. O nosso único destino agora… é a morte ou os cristais.

— Não no meu ver — neguei — Não para mim…

— Tu és diferente de nós — disse Ihlini — Tu tens ainda um destino a cumprir, foi para isso que os nossos Pais te criaram e aos outros nove titãs… mas esse destino aguarda-te na Terra, não em Eldarya. Custa admitir, mas não há nada que possas fazer por nós, Eduarda. As decisões que levaram a esta situação foram todas tomadas muito antes de chegares aqui. Envolveres-te na questão só irá trazer-te complicações desnecessárias. Devias mesmo voltar para a Terra… Seria melhor para ti. Poderias viver a tua vida. Não vale a pena viver a nossa…

— Isso só seria verdade se a minha vida fosse melhor que a vossa e eu tenho muitas dúvidas de que seja esse o caso — informei — Além disso, eu sou a única a poder decidir que vida quero viver. Não me venhas dizer o que seria melhor para mim… quando nem sequer sabes o que seria melhor para ti! Eu vou fazer o que acredito ser correto. Se depois disso ainda quiseres ser embrulhada num cristal e drenada até à alma, estás à vontade! Até lá… nem penses em meter-te no meu caminho.


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Notas finais do capítulo

[Próximo: 13/8/18]



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