A Aurora de Castelobruxo - A Harry Potter Story escrita por ThaylonP


Capítulo 10
O Acordo




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Aurora reparou que o ódio ao começo da semana não era exclusivo ao mundo puto. Para qualquer lugar que fosse, não importava se mágico ou não, existiam segundas e terças-feiras. Nesse caso, os dias eram ainda piores pois sua matéria favorita estava ocupada com treinos exaustivos com Ruína. Contudo, contabilizando as vezes que teria de ver a professora ainda durante a semana, percebeu que o pior havia passado.

Acordou cedo naquele dia, mas se atrasou por ter ficado nos livros por umas boas horas. Procurava alguma informação que tirasse a agonia de sua cabeça, mas quando não encontrou, desceu para tomar o que sobrara do café da manhã, às pressas. Não viu Inara na cama debaixo quando desceu do beliche, e não encontrou-a na Sala Comunal. Ao chegar no refeitório, buscou a companheira na bagunça da primeira refeição do dia, mas não a viu. Aproximou-se da mesa de Anhangá, vendo Nino debruçado sobre um livro e resolveu recorrer a ele.

— Ei, viu a Inara por aí?

O garoto não respondeu, fazendo-a estranhar. Ele sempre fora educado demais para não responder, mesmo tão focado quanto parecia estar. Aurora sentou-se à mesa, recolhendo um pão de ló de um prato, uma porção de leite de uma jarra, depois de uma olhadela por cima do ombro do menino.

— Eita – sugeriu, engolindo um pedaço. - Está estudando o quê?

— Poções – cochichou, virando-se a ela um pouco, deixando-a ver os olhos saltados. - Me desculpe, Aurora, é que tenho que acertar na última aula amanhã e...

— Não, está tudo bem – confirmou. Depois, virou para procurar mais um integrante do grupo. - O Matheus não veio comer?

Antonino estranhou a pergunta. Duvidava se a menina estava falando sério ao pensar que Matheus perderia uma refeição.

— Não, ele está na mesa dele – Nino indicou, sem tirar os olhos do livro.

Virou uma página de ingredientes de poções quando Aurora decidiu olhar. Entre outros alunos de faixas azuis, Matheus apertava-se enquanto ria sobre algo que ela gostaria mas não conseguia ouvir. Perto dele, a monitora de Jaci, Letícia.

— Ah, tudo bem – Aurora concordou. – Não vou te atrapalhar.

Nino tentou pedir outra porção de desculpas, mas Aurora deixou o refeitório depressa, em direção ao quarto. Subiu até os dormitórios e recorreu à sua cabeceira em busca dos horários. Mexeu na bolsa, conferindo se os materiais para a aula de Transfiguração estavam lá, e encontrou o Projector. A névoa se mexeu, quase a chamando para ativar seu feitiço, porém ela se deteve. Se decidisse esfregá-lo, saberia o que veria refletido, mas ainda não sabia se tinha saudade o suficiente para vê-lo. Nenhum dos dois. Então, ela deixou-o na escrivaninha próxima do beliche e foi atrás do que faltava para a aula.

Aurora cruzou a clareira, desviou dos campos vazios dos esportes e avistou a Casa de Aves. Antes de entrar, olhou ao redor, e viu um relance estranho. Em meio a um vulto, viu um garoto com queixo muito quadrado atracando-se com uma menina; essa de cabelos cacheados e pele escura. Era difícil não reconhecer Luka Braz com seu cabelo ou o cajado que levava para todo o canto, entretanto, sua companhia era diferente da que o acompanhava na Avenida 25. Achou curioso, talvez Letícia e ele tivessem terminado ou algo assim. Sabia que não deveria se meter, muito menos fofocar sobre o que vira, mas não se conteve em observar por um instante. Apenas deixou-os de lado quando a dupla se desfez do beijo e, antes que fosse pega, entrou na construção.

A estrutura era uma enorme oca com base de madeira e teto de vinhas, onde a temperatura ficava ainda mais úmida. Olhou para cima, vendo uma tronco principal no centro da construção se estender para uma vastidão de galhos; as bifurcações deixavam a construção abarcada por uma árvore, onde cada ramo servia de habitat para os bichos. Cada um tinha sua cor, personalidade, peculiaridade, nenhuma arara dali era igual a outra. Dentre elas, pelo menos três carregavam um tom de azul, mas apenas uma era a sua. Blu, como decidira chamá-la, partira antes dela para Castelobruxo, bem antes de Aurora embarcar na Rede de Flu para a Estação Equina Novecentos.

Assoviou o comando e estendeu o braço, para que a ave pousasse ali. As duas haviam se envolvido o bastante para treinarem um pouco, contudo não o suficiente para serem grandes parceiras. Uma delas ouviu o chamado, identificou a dona e desceu, expandindo as asas. O azul variava para um amarelo no bico, na barriga e na ponta das penas da cauda.

— Desculpa ter demorado – Aurora fez-lhe um carinho na cabeça, eriçando o animal. - E me desculpa se eu errar alguma coisa na aula também. 

A garota conferiu para ver se o casal estava ali, e quando não os viu, apressou-se até castelo principal e atravessou a torre leste em direção a classe. Ao entrar, acompanhada de outros alunos de Anhangá, encontrou uma carteira vazia ao lado de Nino. Em cada mesa, havia um suporte para os animais, e Blu tomou o lugar assim que a dona sentou-se. Do seu lado, onde Aurora evitava olhar, Celeste sibilava. Parecia faminta. 

— Ai Nino – reclamou a garota, com certo asco. 

— O quê eu posso fazer? Eu tinha que trazê-la - explicou, chateado por deixá-la desconfortável.

Até que, interrompendo um próximo protesto, um professor entrou na sala, quase imperceptível atrás da mesa maior do que ele, apenas com a grandiosa ponta do chapéu despontando de sua altura.

— Bom dia, alunos, sou o professor José Rueda, carinhosamente chamado de Rodinhas - a voz parecia vir do nada, e alguns alunos se esticavam sobre seus bichos para enxergar o sujeitinho. – Oh, me desculpem – ele subiu na cadeira de professor e em seguida, saltou para a mesa. – Melhor? 

Os alunos fizeram que sim, e ele prosseguiu. Em suas mãos, um cajado de sua altura com uma ponta que assemelhava-se a barra de um poleiro. Além disso, portava óculos redondos muito fundos no rosto e fumava um cachimbo.

— O que é Transfiguração? – começou, dramático. A fumaça ficou ainda mais branca, aumentando sua densidade, ainda que quase sem cheiro algum. – Primeiro, deveríamos perguntar o que é matéria. Porque a única coisa que a Transfiguração faz é transicionar um corpo para a forma de outro. E o que somos afinal além de criaturas transfiguradas desde nosso nascimento?

Aurora achou o jeito de explicar um tanto reflexivo, mas estava curtindo o show, diferente de Nino que revirava os olhos a cada vez que ele tentava aprofundar algo que podia explicar com duas palavras. 

— Não dá pra só dizer o que é? Para de filosofar sobre sola de sapato – sussurrou para Aurora, que achou graça.

Até que, depois de quase uma hora de explicação, ele usou o restante da aula para ensinar uma transmutação simples.

— Água – disse, erguendo uma mão para novamente refletir sobre a natureza do ser.

Nino bateu a cabeça contra a carteira, entediado. O cabelo com gel parecia se descontrolar sempre que o garoto perdia a cabeça, deixando pontas bagunçadas para todos os lados, desleixado o bastante para ser engraçado. Depois que terminou seu longo monólogo sobre o líquido que forma a humanidade e como ele era imprescindível para a subsistência de um ser transformador que deseja transformar, mostrou como deveriam fazer para transformarem os bichos numa taça com água.

Do fundo, uma voz chamou atenção, e se virando para olhar, Aurora surpreendeu-se ao ver Inara. Nem havia a percebido em meio a tantos alunos e animais exóticos, e nem havia procurado-a depois que não a vira no café da manhã. A menina de mão erguida chamava por Rodinhas.

— Sim, srta... deixe-me ver – tentou consultar seus pergaminhos.

— Inara. Só Inara – rebateu, e depois voltou ao motivo pelo qual o chamara. - Eu não trouxe nenhum bicho.

      – Oh... – Rodinhas considerou, pensando numa alternativa. - Pode se juntar com algum parceiro para fazer a ativ...

Aurora ergueu a mão.

— A srta. Magalhães se ofereceu. Tudo certo, então?

Inara entortou a boca, mas levantou-se de seu lugar no fundo. Encontrou uma carteira, colocou-a perto de Aurora e sua ave, saudando Blu antes da menina.

— Ei – Aurora tentou.

— Ei – Inara devolveu, enquanto Rodinhas voltava a explicar o Feitiço.

Era estranho que as duas não conversassem depois do que tinham contado uma para outra. 

— Eu quase não consegui dormir, tava pensando uma coisa – Aurora cochichou. – Queria saber o que você acha.

— O que é? – devolveu a menina.

A bruxa sabia que tinha a vantagem, pois já havia conseguido a curiosidade que precisava. Agora era só saber jogar.

— Não pode ser aqui, tem que ser depois da aula – sussurrou.

— Tá - Inara concordou, lançando uma sugestão em seguida. - Deixa todo mundo sair, e a gente conversa na escadaria.

— Tá bom - respondeu Aurora, ansiosa.

Para o desespero de Nino, Rodinhas não concluiu a explicação do feitiço, porque assim que entrou no assunto da taça, começou a refletir sobre a característica de prisma que entregava a elegância do objeto e como ele deveria poder decidir se gostaria ou não de se encaixar nessa qualificação.

Quando a aula terminou, Nino recolheu sua serpente com uma velocidade impressionante. Pôs-a no pescoço, enquanto o rosto estava quase da mesma cor dela.

— Como ele pode? Enrolou e enrolou, mas no fim não disse nada! O que você aprendeu nessa aula, Aurora? – perguntou, retórico, tentando fazer um ponto. – Não acredito que ele é pago pra isso. É um absurdo.

Vendo que não era correspondido, o garoto deixou o aposento carregando suas coisas e pisando firme. As duas, por outro lado, faziam tudo devagar, dando tempo para que a turba saísse.

Quando não sobrou mais ninguém, Aurora aproximou-se da abertura de pedra da classe e deixou que Blu voasse por ali de volta à Casa de Aves. Por fim, apertou a bolsa lateral e dirigiu-se ao corredor, conferindo se não havia ninguém para vê-las.

— Tudo bem, a gente tem que ser rápida – cochichou.

— Então desembucha - retrucou Inara.

— Eu pensei que tinha que saber mais sobre esse - olhou outra vez a procura de ouvintes - cajado. Já olhei nos livros das matérias, e não tem nada. Nem no de Herbologia. A gente tem que saber mais, deve ter alguma coisa na biblioteca. 

— A gente? – Inara rebateu, confusa. – Por que a gente?

— Vai dizer que você não quer saber? Vive dizendo que precisa saber o porquê dele ter me escolhido. Talvez a gente descubra – respondeu.

— Tá, mas por que preciso ir com você? - a menina quis saber. - Não pode descobrir sozinha e me contar?

— Eu poderia, mas você mesmo diz que eles escondem coisas e contam a história pela metade. Você pode me dizer o que é verdade e o que não é – argumentou a menina.

A colega estranhou, porque no meio da proposta havia, além de um elogio, um reconhecimento. Cruzou os braços, duvidosa do que decidir, mas parecia bem convencida a aceitar de antemão. Aurora antecipou a resposta positiva, mas Inara devolveu:

— Me dá até depois das aulas – disse, se preparando para sair da conversa. – Até lá te respondo.

Aurora assentiu, com um sorriso sem dentes, que não foi respondido. A menina desceu as escadas, de volta às aulas, porém Aurora conteve-se por um momento.

Ela vai aceitar, pensou.

A menina alcançou a turma um pouco atrasada, portanto pediu perdão à professora Negrini. Ela tirava dúvidas da classe, respondendo principalmente perguntas sobre os Curupiras. Nos corredores, ainda era um papo recorrente, onde alguns primeiranistas duvidavam se as criaturas eram apenas o que fora dito. Aurora se aproximou, tomando lugar ao lado de Matheus, cuja boca não parava de formular perguntas. Vendo que a mulher precisava seguir sua aula, ele concordou em deixá-la em paz, mas sem perder o interesse.

Aurora tentou puxá-lo para algum assunto durante as duas aulas seguidas, porém a turma teve que seguir para uma busca na floresta atrás dos espécimes que concediam tema a aula, então não conseguiram engatar nenhum assunto, mais preocupados em não se perder.

A professora Negrini tentava mostrar vestígios dos Ninfusgos, o mesmo tipo de criatura que era homenageado com a estátua depois do Porto dos Botes Vazios, no caminho para Castelobruxo. E durante toda a excursão, tentaram encontrá-los de fato, mas eram muito ariscos, mesmo que seus rastros – como os musgos reluzentes – fossem evidentes. Porém, apesar da falha, nenhum deles ficou insatisfeito com a investida. Até mesmo Inara, que cultivava uma carranca na maioria das aulas abriu sorrisos enormes enquanto caminhavam pela mata.

— Você parecia que estava no paraíso – comentou Matheus, assim que o sinal os dirigiu até o refeitório. 

— Eu estava – a menina respondeu.

Ao entrarem no salão, Aurora tentou mais uma vez reunir o grupo para conversarem, porém Matheus teve que recusar quando foi chamado por sua monitora em Jaci.

— Desculpa Aurora – pediu ele, inclinando-se a ir.

Ela disse que estava tudo bem, e quando voltou à seu time, Nino tentou convencê-la de que lá era o lugar dele, e que os times eram rivais, apesar de tudo. A menina questionou a noção, mas não interveio. Almoçou quieta e preparou-se para as duas últimas aulas.

Completando a chatice do almoço, Ruína comandou a aula de Feitiços. Dessa vez, Aurora prendeu cada vontade de cochichar com Inara e Nino durante a explicação da mulher sobre a azaração para levitar, que segundo ela, era a técnica mais comum do mundo bruxo para evitar trabalho braçal. Ela deu o exemplo do próprio giz que escrevia a matéria no quadro, comandado por ela além do que o feitiço original era capaz, mostrando que o usuário determinava a capacidade da magia melhor do que a magia em si.

Claro que, sendo a parte favorita de Aurora no universo mágico, ainda era interessante ouvir sobre como os feitiços se formavam e se alteravam a partir de quem os conjurava, porém, a voz sem ânimo de Ruína dava um tom cansativo ao conteúdo. Poderia ser sua matéria favorita, junto com Defesa Contra as Artes das Trevas, mas as duas eram castigadas com aquela presença.

Da Torre Oeste, dirigiram-se à estufa, e assim, Matheus e o restante dos primeiranistas de Jaci uniram-se ao grupo. Dessa vez, podiam conversar, antes que Joana fizesse-os dissecar as costelas de Adão.

— Aurora – disse quando se aproximou, carregando os livros em sua mão com facilidade, muito menos desengonçado do que antes. - Eu aprendi o feitiço pra deixar mais leve!

— Você aprendeu rápido – Aurora confirmou a animação dele com um sorriso. - Letícia deve estar sendo uma ótima professora.

— Ela está, você não tem ideia – respondeu, animado.

Chegaram a estufa, várias folhas com formatos de costelas postas sobre a bancada, preparadas para serem cortadas. Aurora calçou as luvas de Torttura e pôs a tesoura ao lado das plantas.

— Tenho uma vaga ideia – respondeu, torta.

Os dois concentraram-se na aula. Mesmo de luvas e com os equipamentos corretos, Aurora teve muita dificuldade de podar cada ramo, dividir e categorizar as folhas, além de que sempre confundia as raízes com os nódulos da planta. Inara deu-se bem, e Nino foi metódico o bastante para separar além do esperado, porém Matheus cortava tudo como se tivesse nascido para aquilo. Joana Dourado até usou seu corte como exemplo do que fazer, enquanto explicava que cada uma daquelas seções servia como uma vértebra, e carregavam propriedades diferentes consigo se fossem plantadas no tempo, na temperatura e no ambiente correto. O amigo ainda justificou que era bom porque fazia o serviço de jardinagem dos vizinhos quando precisava ir ao cinema. Antonino ouviu a conversa com os olhos cerrados, perguntando-se o que diabos era um cinema.

No final da aula, a mulher surpreendeu a todos com uma tarefa que serviria como a avaliativa do semestre. Teriam que realizar todo o plantio, cuidado, coleta e preparação de uma Costela-de-Adão adulta. Ela os ensinaria todo o processo uma vez, e depois todos os cuidados teriam de ser do próprio aluno. Ao ouvir o dever, Aurora encarou sua pilha mal-cortada e duvidou se conseguiria passar na matéria.

Quando a classe terminou, despediu-se de Matheus e juntou-se a dupla, direto para o campo. A barriga rugia, e Inara estranhamente parecia compartilhar da mesma sensação. Aurora achou que só o fato dela sentir alguma coisa já era surpreendente.

Chegando lá, com as vassouras postas no chão lado a lado, uma mulher muito alta, de pele negra, trajada de capa com ombreiras e uma roupa de gladiadora, pediu uma espécie de sentido. Os alunos pararam de imediato, para em seguida, ouvirem:

— Sou a professora Renée Velasco e é isso que precisam saber de mim – a mulher portava uma vassoura ao seu lado, de cabo imenso, recurvado, com a piaçaba formando uma ponta sólida. – De resto, ensinarei vocês a voarem e serei a treinadora da maior parte dos esportes bruxos. Estamos entendidos? 

Os alunos cochicharam um sim. Ela foi mais incisiva, gritando:

— Estamos entendidos?

— Sim, professora Velasco! – responderam, como se tivessem ensaiados.

— Certo. Em posição – berrou.

Todos, de uma hora para outra, sabiam suas deixas. O medo era o melhor professor.

Sra. Velasco examinou todos de cabo a rabo com olhos fulminantes. Qualquer um que estivesse um passo além da direita perfeita da vassoura no chão, seria castigado. A mulher se preparou para ensinar um comando, mas algo vindo do fim da fila chamou a atenção dela.

— Que isso, Nino, você não disse que sabia? – perguntou um garoto de Anhangá.

A professora sentiu isso como uma ofensa e partiu em direção aos garotos. Um deles notou a presença dela, e o amigo de Aurora permaneceu calado, mas o outro demorou para sentir a aproximação. Quando a viu com o canto de olho, desconcertou-se; tropeçou em suas próprias palavras e pensou em dizer 'suma', mas entre seus olhos arregalados e bocarra aberta, gritou:

— Suba!

A vassoura obedeceu. O objeto se debateu como um coice de cavalo, e no segundo solavanco, flutuou para debaixo das pernas do menino. Ele se segurou como pôde, mas depois de duas pancadas de propulsão, flutuou no ar como uma pena. Esperneava de medo, e Renée demorou um instante para resgatá-lo, pois parecia alegre dele próprio ter se dado o castigo.

Aurora divertiu-se com a situação, ainda com a barriga cheia de borboletas, mas aliviando a pressão um bocado. Entretanto, Inara passava por outra coisa. Abaixo dela, a vassoura tremulava, assim como suas mãos. A menina viu o objeto do garoto suspenso voar de um lado para o outro, e por um momento, devia ter se imaginado passando pelo mesmo.

— Inara, ei, você tá bem? - perguntou Aurora, tentando tocar seu braço. 

Desviou os olhos para a vassoura e mesmo assim não antecipou o golpe. Ao mesmo tempo que tocou-a, ela saltou de susto, e sua vassoura fez o mesmo. Acertou o corpo de Aurora, empurrando-a para trás, enquanto num solavanco, arrastou-se para golpear os outros alunos. Inara prendeu-se nela, tentando conter a ferramenta e num segundo, o voo aumentou, acompanhado de seus gritos.

A professora virou para a confusão, agora com duas coisas a conter. Determinada a resolver o quanto antes, esticou a mão para uma construção de pedra próxima, onde seu cajado encostado deixou o repouso e saltou para sua mão, evitando a fila de estudantes.

Bastava um feitiço para resolver o problema com o garoto, mas Inara passava por maus bocados. Agora pendia com uma mão, e não parava de subir. Sem nem pensar no que poderia fazer para ajudar, Aurora correu para baixo de onde a menina estava. Alguns alunos a seguiram, e Nino foi um deles. Ela gritou à garota, para que focasse em permanecer-se segura, porém não soube se ela ouviu, pois no segundo seguinte, despencou.

No ar, a direção da menina mudou, e enquanto os alunos correram para evitarem ser acertados, Aurora buscou o ponto onde ela cairia e estendeu os braços para evitar que a colega se machucasse muito. Os gritos continuaram aumentando a medida que se aproximava do chão, e então Aurora fechou os olhos, esperando o impacto. Os braços iam doer.

— Arresto Momentum – berrou a professora.

Antes que Inara arrebentasse a proteção de seus braços, a menina diminuiu a velocidade de queda e flutuou no ar, rente aos olhos de Aurora. A menina tinha lágrimas nos olhos assustados. Sra. Velasco aproximou-se, avaliando-a em busca de ferimentos, e quando não encontrou nenhum, puxou a vassoura que ainda se debatia no ar para sua mão. Os dois alunos estavam a salvo. 

— Em todo primeiro ano é a mesma coisa – comentou depois de um suspiro, com o lábio retorcido. - Uns que querem aparecer e outros que tem medo de voar.

Aurora desviou o olhar para a colega, ainda confortando-a da experiência. Demorou até que parasse de tremer.

Depois da classe, Aurora conseguiu fazer a vassoura subir até sua mão, mas Inara pediu para ficar de fora, pois ainda se sentia mal pelo descontrole do objeto. Mais uma vez, viu-a calada no jantar, e isso durou até o toque de recolher.

E mesmo depois dele, continuou evitando contato. Aurora esperou, até que fosse apropriado dizer alguma coisa. Prestes a se deitar, tentou confortá-la de algum jeito, mas reparou que a menina estava fora de sua cama. Pensou se deveria procurá-la, e quando decidiu que iria, pensou aonde poderia ir primeiro. Até que, pensando aonde ela poderia estar, a preocupação diminuiu.

Sabia exatamente onde encontrá-la.

Desceu do beliche, já de pijama, direto para a Sala Comunal. A lareira continuava acesa, com um restante de brasas fumegando na lenha enegrecida. Inara estava ajoelhada de frente a ela. 

— Devia estar dormindo – disse Inara. 

— Você também – rebateu.

Ficaram num impasse. Inara atiçou as poucas chamas.

— Não tenho medo de voar – justificou. – Eu só não gosto de vassouras.

— No que você voa, então? - perguntou, curiosa.

A garota ficou quieta, brincou com a lenha em brasa mais uma vez.

— Não importa – Aurora completou. - Todo mundo é ruim em alguma coisa. Parece que no meu caso é Herbologia.

— É, você é péssima – confirmou Inara, mas permitiu um riso abafado.

Aurora compartilhou dele.

— Você tava falando com sua avó?

— Não – finalmente virou o corpo, abraçou os joelhos. Já estava vestida para dormir. - Estava só pensando – fez uma pausa, olhou-a nos olhos, sem o mesmo julgamento que costumava enviar. – Vamos conseguir descobrir alguma coisa na biblioteca?

— Não sei, mas a gente pode tentar – sugeriu.

Ela ficou em silêncio por um momento. O fogo iluminava pouco, deixava diversas arestas no breu.

— Eu aceito, mas se eu disser que não foi daquele jeito...

— Eu entendo e a gente passa pro próximo – completou.

— Tá bom – disse, concordando com a cabeça.

— Tá bom – confirmou Aurora, mais empolgada do que pôde transparecer.

— Você devia ir dormir – disse Inara, de volta ao fogo.

— Você também – respondeu, mas assim que notou que ela ficaria ali, pensou em sua despedida. – Boa noite, Inara.

Não soube se estava certa, pois o som foi muito baixo, mas tinha quase certeza que ouviu uma resposta da parte da colega. Ela considerou como um tímido 'boa noite' esforçado, rebatido no pedregulho da torre de Anhangá.


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