Poemas Acrósticos escrita por Gabe


Capítulo 1
— Os vários motivos de não ser Lance;


Notas iniciais do capítulo

Bicho, xô contá a história do processo criativo dessa fanfic. Tive a ideia em junho, escrevi em junho, tive o esboço em junho. Ok, nisso, em meados de 23 de julho, quis postar e para isso reescrevi tudo direto no Nyah, o que foi uma péssima ideia.
Perdi tudo, porque quando fui clicar para postar, o Nyah deu log off da minha conta do nada.
Mas tudo bem, aqui estamos nós, não estamos?
Enfim, espero que gostem da fanfic, aceito bastantes comentários fofinhos, amor e carinho. ♥



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— Por que eu e não Lance? Ele é quem se daria bem nessas situações — disse o paladino vermelho, recusando a missão de imediato. 

— Primeiramente, você tem sangue galra e vai conseguir interagir com a tecnologia deles... — Allura rebatia as objeções, ela já esperava esse tipo de reação vindo de Keith, por isso já tinha preparado previamente uma lista mental com vários motivos para porquê devia ser ele nesta função. 

Isso era bem óbvio, quer dizer, Keith já esperava por essa resposta, mas não era o suficiente. Ele não estava pronto para passar por tamanha humilhação enquanto tinham Lance, já nascido preparado, mesmo com as cantadas mal sucedidas que na maioria dos casos acontecia. Keith não sabia lidar com gente, era péssimo, nunca tinha precisado passar por uma situação do tipo, porque apenas não era da personalidade dele. 

Impossível de acontecer, foi algo extremamente do nada, ele se sentia desconfortável só de pensar naquilo, imagina no cenário em si. 

 — E também, provavelmente uma boa parte já conhece Lance. E não se sinta elogiado por isso — determinada, apontou para ele de uma maneira que o acusasse, e ele devolveu com um sorriso, radiante. 

— Não é minha culpa se eu sou tão atraen... 

— Só isso? Por mim, Lance seria o melhor, ele é quem está acostumado com coisas do tipo, por que tem que ser eu? — o interrompeu. 

— Não, ele vai fazer cobertura para Pidge e Hunk enquanto você tenta descobrir alguma coisa, qualquer coisa serve. — dessa vez, Shiro quem respondeu, com a voz de pai característica. 

Não esperava tamanha traição vindo dele, já que fora ele quem o apoiou em todas as ocasiões, inclusive, fora com ele que descobrira sua descendência galra, um assunto tão delicadado. Por isso, esperava que ele fosse dizer "tudo bem, não precisa fazer isso, não é de extrema necessidade", mas ele concordava com Allura, e de braços cruzados, olhava-o nos olhos, como se fosse a função mais importante que Keith faria na vida dele. 

O que não seria, dito que Keith era um dos paladinos do Voltron, que tinha a função de salvar o universo inteiro. Achava loucura tamanha acusação, poderiam tê-lo deixado no canto, como sempre, mas não

Pidge e Hunk assistiam à cena sem expressões, ou melhor, Pidge tentava demonstrar nenhuma, porém morria de vontade de gritar, zoar Keith até perder a graça, se é que perderia a graça. 

— Aliás, na psicologia de cores, vermelho também remete ao erotismo.— não aguentou, Pidge finalmente começou a rir, esteve segurando já por bons longos minutos. Hunk soltou um sorrisinho, e com certeza só não riu porque Keith o fuzilou com os olhos.  

— Tá brincando? Keith, o mais trevoso emo existente na face da Terra, ou universo, vai seduzir alienígenas em um cabaré enquanto em drag? É o melhor dia da minha vida, sem dúvidas. — depois dessa constatação, até mesmo o próprio Lance começou a gargalhar, deixando a inquietação de Keith perante a ele transparecer em sua expressão facial. 

— Eu não chamaria isso de drag. Falando desse jeito, parece que ele vai se prostituir — não conseguia mais acreditar, então deixou sua palma esfregar o rosto, indignado. — Quer dizer, você não vai fazer coisas assim com eles, só seduzirá até fazê-los desembucharem. 

— Então não é prostituição, Shiro. — o paladino negro deu de ombros. — E também, eu não tenho nenhuma experiência nisso, como vocês querem que eu consiga de fato conseguir alguma coisa? 

— Ah, nisso você não precisa se preocupar, vai vir naturalmente. — Allura proferiu, piscando e fazendo um joinha, tentando encorajar Keith, falhando miseravelmente. 

Sentindo-se profundamente ofendido, resmungou, aceitando o destino cruel depois de tanto resistir. Descruzou os braços, passando pelos traidores até chegar à Aysha, uma habitante do planeta próximo ao cabaré e era garçonete no lugar. 

Pronta a dar apoio aos cavaleiros de Voltron, ela o recebeu também com um sorrisinho no rosto. Na realidade, até ela mesma concordava que ele era perfeito para o papel, ele era lindo e tinha um ótimo corpo. 

Aysha era uma amiga de já um ano de Coran, eles se conheceram quando o time Voltron parou para comprar suprimentos em um planeta. De extrema confiança, fora ela que indicou os negociantes que precisavam encontrar no cabaré e também denunciou os galras que frequentavam o lugar. Algumas noites, eles apareciam por lá como amigos, sempre em números diferentes, dizia ela, e se tivessem alguma sorte, poderiam tirar informações prestigiosas deles. 

Eles estavam aproveitando a situação de que Coran queria fazer uma nova arma para acoplar no castelo, porque já que estavam indo lá para negociar, talvez poderiam fazer algo um pouco a mais. 

Ainda sim, Keith não conseguia se imaginar nesse tipo de missão, tinha suas incertezas sobre ela. Seu jeito estourado entregava que não sabia lidar com pessoas. Nunca foi bom nessas coisas, sempre foi o garoto temperamental, quieto, deixado de lado também por própria opção; não queria se envolver. Em cada escola que passava, fazendo ainda parte do orfanato que morava, tinha alguém querendo zoá-lo ou pior. 

Coisa que o fez explodir várias vezes, receber muitos sermões e também fazer acompanhamento psicológico. O pessoal achava engraçado ter um colega de classe órfão e “viado”. Ainda por cima, os psicólogos do orfanato não eram bons e nunca o ajudaram verdadeiramente. Alguns diziam que ele deveria se sentir privilegiado pelo orfanato oferecer às crianças esse prestígio de saúde mental, mas achava tudo baboseira. Porque afinal, de nada adiantava. 

Então, como? Em teoria, poderia causar uma comoção, uma guerra em pleno bar. Conversava com Aysha enquanto ela o maquiava, era uma boa amiga, ótima de conversa. Ela o escutava atentamente, e pôde responder:  

— Você não sempre apoiou nos seus instintos? Allura disse para mim que o vermelho era o instintivo, vai vir espontaneamente, confie em você mesmo. 

— Eu não ficaria muito feliz se eu confiar em mim mesmo e realmente conseguir seduzir alienígenas bêbados. E ainda, vai ser muito desconfortável. Dentre tudo que eu nunca queria que acontecesse comigo, isso nem estava na lista de tão absurda ideia. 

— Bom, fazer o quê, — ele resmungou. — Não faz isso, vai me fazer errar.

—_______

Keith batia os saltos com força no chão, esperando que eles fossem quebrar. Tomara que quebrem, e que eu não precise ter que fazer isso comigo mesmo, ele pensava. O cabelo solto, somente com uma faixa de madeixas puxadas e presas para trás, fazia-o sentir um mínimo de conforto naquela situação toda. 

Em seu rosto estava desenhado um leopardo e se estivesse na Terra seria facilmente confundido com um trabalho de algum artista, até mesmo o bigode do animal parecia real. O olho bem destacado, com uma mistura de vermelho e roxo, delineador preto e tudo que tinha direito. Já sobre a roupa, usava um tipo de hanbok andrógeno alienígena, com mesmos aspectos de um feminino, porém com feixes do masculino deixando as pernas à mostra por entre os tecidos. 

Seja lá qual a ideia original, ficava bom nele, com toda aquela mistura de cores vermelho e roxo escuras misturando-se assim uma obra de aquarela. Talvez fosse o mais “arrumado” que já esteve na vida dele e provavelmente estará. As canelas vestidas e aparentes eram inquietas, balançando de um lado para o outro os pés com as botas pretas de cano alto. Imaginou que deveria estar do mesmo tamanho de Lance com isso, ou até de Shiro, mas enfim, era um sacrifício que não entendia para quê. Poderia muito bem usar algo sem saltos e continuar a mesma coisa. 

Não se passara um minuto que não se indagava qual a necessidade de tudo aquilo, mas devia à Aysha por fazer algo tão trabalhado. Demoraram um bom tempo para no final parecer uma Gisaeng, que coincidentemente ou não seria sua função da noite. O mais surpreendente além do mais era que Aysha tinha essa roupa preparada, como se soubesse que um dia precisaria dela. 

Queria se esconder em algum lugar, qualquer canto que pudesse enfiar seu corpo embaixo e ninguém nunca mais o ver. Quando os outros chegaram à sala de comando, percebeu olhares surpresos e a histeria de Lance. 

O paladino azul não conseguia crer no que via, reconhecia que Keith era lindo, por isso não acreditava que fosse possível que ele ficasse mais bonito ainda. Junto com toda essa coisa artística na cara, ele estava fofíssimo

— Meu Deus do céu, Keith, você tá um gato —, ele disse com a intenção de fazer essa mesma piada, miando. Aproximou-se e quase colocou as mãos no rosto daquele. Keith sentiu um aperto no coração, e podia ver que as bochechas do outro estavam coradas, provavelmente por estar surpreso, ele imaginava. Não queria o deixá-lo encostar porque: 1. desnecessário; 2. estragaria o esforço de Aysha; e 3., era Lance. 

Afastou-se imediatamente antes que pudesse o tocar. “Não encosta, eu mordo,” continuando, não intencionalmente, o infame, causando lágrimas de riso do cubano e fazendo-o perceber o quão agradável era esse som. Preferiu enterrar esse pensamento consigo, no mais profundo compartimento e esquecê-lo por um bom tempo se sua mente permitisse. 

— Viu, não é tão ruim assim, você parece confortável — Shiro aproveitou para dizer, e pode ser que tenha sido essa sua intenção, mas provocou uma feição emburrada do tão observado Keith. 

— Quer trocar de funções então? — retrucou, ele permaneceu em silêncio. Murmurando um “imaginei,” deu a deixa para que Allura retomasse a liderança. 

— Ok, paladinos, vamos revisar. — começava a juntá-los. — Keith, você distrai os possíveis galras que estiverem lá, tenta tirar alguma informação deles enquanto não percebem que estamos tentando comprar os materiais necessários. Lance, você, com sua Bayard em mãos, será o guarda deles. Shiro esperará no leão azul. 

— Espera, por que o leão azul? — Hunk comentou. 

— Passarão por um rio extenso no caminho e seria de mais utilidade. Já que tem severos galras no caminho, o mais seguro seria debaixo d’água. Certo, Lance? Acha que consegue? — olhou para o paladino do próprio que só assentiu a responsabilidade, determinado. Era uma missão de risco, visto que todos os paladinos estariam expostos a qualquer tipo de ataque ou reação de submundo alienígena. 

— Eu e Coran estaremos observando-os de longe, mantenham contato caso algo acontecer.

Já no leão azul, Keith estava ansioso e tudo só piorava por conta de Lance que não o parava de encarar. Ele subiu no leão e ficou estático, logo depois retribuiu o olhar com um severo “Que foi? Quer brigar?” para o paladino que quase dava a partida. 

— Nada... Só imaginando que você sabe andar bem de salto, — e foi aí que Keith se arrependeu de ter perguntado: Ele entregou aquele sorrisinho quase sarcástico, parecia tirar sarro dele, ao mesmo tempo falava sério. Keith imaginava que salvaria veridicamente o universo no dia que conseguisse entendê-lo. Franziu a testa, sem saber o que responder. 

Na maior parte da viagem, todos ficaram de pé porque ver Lance pilotando o leão azul submerso era hipnotizante. Parecia que ele e o próprio leão ficavam mais alegres e energizados em água que em qualquer lugar, o que seria difícil considerando Lance já era hiperativo. 

Havia também aquelas brincadeiras estúpidas de criança que Lance, Hunk e Pidge ganharam o hábito de fazer quando estavam prestes a ir juntos a uma missão estressante. Inclusive Aysha entrou na brincadeira enquanto arrumava o avental por em volta do corpo azul claro que tinha. 

Começou com “Shiro roubou pão na casa do João” e terminou com “Eu vou ao mercado comprar laranja, maçã e suco”, brincadeira que fazia Lance se concentrar mais, ele dizia. 

— Eu vou ao mercado comprar laranja, maçã, suco, cebola, tomate, cereja, refrigerante, iogurte, mortadela, pão, melão, melancia, pasta de dente, escova de dente, chinelos, camisinhas, fio dental, papel higiênico, vodka... —, e a lista continuava, ele era ótimo nesse jogo. Dizia que por ser de uma família grande era acostumado, portanto, ninguém era capaz de vencê-lo nisso. 

Contudo, ele não contava com a astúcia de Keith, que também tinha uma ótima memória, e por esse motivo não era de se espantar que era um aluno gênio do Garrison. 

— Eu vou ao mercado comprar laranja, maçã, suco, cebola, tomate, cereja... E sorvete. — Shiro riu com a proclamação enquanto botava uma das mãos no ombro do piloto.  

— Acho que o Keith tá te desafiando. 

— E eu acho que alguém não aguenta ser derrotado por tamanha complexidade de memória — logo então complementou a lista. Não podia olhar para ele porque a essa altura Keith tinha se sentado no chão do leão, dado que até os mais fortes de uma batalha intergaláctica precisavam de um descanso dos saltos. 

Keith revidou mais uma vez, e começou a devolução de vocabulários que nem eles próprios tinham o conhecimento de que tinham. A partir do momento que o paladino vermelho esqueceu a palavra “chinelos”, deu-se por vencido. Admitia que tinha sido divertido, e que se viesse a oportunidade, poderia muito bem levar o assunto à tona e brincar novamente. 

Até mesmo sentia-se um tanto mais tranquilo. 

— Agora que o nosso emo perdeu o desafio, podemos apresentá-lo a uma punição, certamente, — Pidge disse em um tom maléfico e Lance pareceu entender a piada interna. 

— Meu Deus, Pidge, eu te amo, eu sempre quis fazer isso com alguém. 

— Eu sei, agora podemos começar antes de nós chegarmos? — murmurando um “mas é claro,” Lance puxou o coro com a finalidade de irritar Keith, que tentou ignorar o máximo possível. 

Ao som hostil de “ãoãoão, Keith é sapatão,” chegaram ao seu local de destino em segurança. 

Lá, descobriram que não podiam ficar sem os capacetes porque a atmosfera era tóxica para humanos, mais um motivo para Keith ser o escolhido a fazer o trabalho sujo. Cada vez mais que a lista aumentava, mais ele tinha remorso de tudo aquilo, mesmo aceitando há um bom tempo que não tinha escolha e que tudo acabaria rápido se deixasse fluir. 

Nas próprias palavras de Lance, "só vai". 

O trio encontrava-se subindo as escadas para que pudesse falar com os negociantes, era um tipo de seção VIP, com paredes espelhadas. Ninguém fora dali poderia ver o que estavam fazendo, mas eles podiam ver tudo que havia fora. Ótimo para a função do paladino azul. Ele podia ficar de olho nos lojistas, enquanto ao mesmo tempo observava por entre o cabaré. 

Hunk e Pidge encontraram-se com os alienígenas responsáveis pelos metais que precisavam e começaram a conversar, apresentando moedas e coisas do tipo. O grandalhão já avaliando a qualidade do que compravam. 

Já o trabalho do paladino vermelho não ia tão suave assim. Ele estava se perdendo no meio de tanta gente conversando e não sabia para que direção ir, passava por mesas aleatórias e pensava demais. Mas não, não poderia pensar. Se pensasse, pioraria tudo e fracassaria. De coração apertado, continuava a perambular para ver se alguém, talvez uma única pessoa ou coisa, o percebesse ali. 

Nada. 

Mal-humorado, encostava-se no balcão do bar tomando água oferecida por Aysha para que pudesse continuar a sofrer pelo lugar. Recuperou a coragem que viera de muita má vontade e levantou-se, tornando a procurar entre as mesas de bancos acolchoados algum alienígena que tivesse interesse. 

O lugar era dividido em bar, um pequeno palco, com cadeiras dispostas em volta, pequenas seções mais privadas, que não chegavam nem perto da VIP e só eram envolvidas por cortinas pretas, e então as mesas em si. Desistindo das seções mencionadas, voltou a caminhar por entre as mesas barulhentas. Já que era um cabaré intergaláctico, conseguia identificar várias espécies diferentes de todos os lugares possíveis, algumas que já teve o prazer de conhecer e outras o desprazer. 

E nisso foram bons minutos até que achasse um grupo de galras bebendo juntos e conversando provavelmente sobre a guerra. Foi como um tiro certeiro, não imaginaria que conseguiria realmente encontrar um bando como esse. Teve sorte, diria. 

Aproximou-se lentamente, procurando manter a postura. 

— Oi rapazes, — envergonhou-se da própria frase, mas não quis estragar tudo. Ou melhor, não podia estragar tudo. — Estão sozinhos? Aproveitando a noite? 

Tentou parecer o mais natural possível, sentindo a necessidade de reprimir a pressão interna de que tudo na verdade era uma mentira. Pelo menos, de tanto ver esses tipos de morcegos roxos, não estava tão aflito assim em sentar-se com eles. Estavam em quatro, e pela maneira que se vestiam, podia ver que tinham um bom posicionamento militar. 

— Somente descansando e discutindo o posicionamento da guerra, querida. Você está conosco, não está? — O mais alto disse, fazendo um longo contato visual com Keith, que assentiu e sorriu. Ele não parecia de longe muito amigável, e em seu rosto estava explícito que poderia a qualquer momento sacar uma arma branca e ameaçá-lo. 

— Sou uma seguidora fiel do Príncipe Lotor. Posso me sentar? — calmamente pediu. — Se não for incômodo algum ter uma companhia a mais? Vim sozinha, meu par furou comigo. 

Os rapazes se entreolharam, um tanto desconfiados, principalmente o mais alto, ainda não comprando a ideia. Encararam então Keith, cabelos em um tom azulado por conta da iluminação do local. Dois do canto esquerdo trocavam sussurros, em dúvida. 

O mais desconfortante naquele lugar era que ele tinha um tom mais escuro e parecia um lugar das conversas que nunca saíam de lá. Uma vez falado lá, nunca mais seria mencionado. Deve ter sido esse um dos fatores pelos quais aceitaram a presença do paladino vermelho sem mesmo ter perguntado o nome, claro que, depois de toda desse questionamento. Era um tipo de senso comum que todos os frequentadores pareciam ter, e por acaso, pela própria sina de Keith, aqueles galras concordavam com ele. 

Adicionado a isso, era muito barulhento, não só pelas pessoas conversando ou bebendo, e sim porque havia brigas e uma música bem baixa de fundo, era estressante. No pouco tempo que estivera lá, já tinha uma dor de cabeça gritante, porém, era mais da obrigação dele superar esse pesar. 

Assim fazendo, no segundo em que se sentou, colocou os cotovelos na mesa e as mãos no rosto, sorrindo por entre o batom preto e camuflando-se na maquiagem de leopardo. Tinha ainda suas luvas vestidas, eram o tipo mais próximo de um amuleto que teria. 

Queria já perguntar tudo de uma vez, mas com isso chegaria a lugar nenhum. Focou seu olhar no mais rechonchudo, que o avaliava de cabeça aos pés. Apesar de ser extremamente nojento ter um bicho peludo te encarando, era de grande importância para que sucedesse em seu papel, portanto não hesitou em retribuir o olhar. 

Ainda se perguntava como seu pai teve a audácia de se apaixonar por uma galra fêmea tão facilmente. Ou ela devia ter sido muito bonita mesmo, decerto nem parecesse como uma, ou ele era um furry desgraçado. Sinceramente? Acreditava mais na segunda opção. 

O alienígena não nomeado tomou um gole da bebida alcoólica que segurava em mãos, logo em seguida redirecionando o olhar aos amigos. 

— Ainda acho loucura deixar meio-sangues liderarem um batalhão. Eles não são dignos do Império — um de olhos mais caídos sustentava o assunto, Keith balançava as pernas debaixo da mesa, para que uma hora percebessem que ele estava ali com algum propósito. 

— Não acho isso, Flur. Se nosso Império se sustenta por tanto tempo, é com os planetas que dominamos, e alguma hora apareceria miscigenações — o mais alto disse, tocando em algo na tecnologia que havia em mãos, parecia uma espécie de tablet. — Aliás, que falta de respeito com a nossa princesa aqui. 

Keith percebia que eles não estavam tomando a exata quantidade de álcool para que pudesse tirar informações fáceis, teria que fazer um esforço importuno. E também, talvez por serem de uma boa posição militar tinham um pouco mais de bom senso. Bom, já era incômodo o suficiente ser chamado de “princesa”, esperava gradualmente o pior. 

— Hum, nunca tive um contato direto com outro meio-sangue ou com o fronte para opinar, — ele respondeu. — Mas também, pelo meu próprio preconceito, não acho que sejam tão ruins assim. Afinal, eles têm sangue galra, certo? Só são impuros. — retirou uma das mãos do rosto para poder encarar Flur, esperando por um retruque. 

— Você pode estar certa nisso, mas gostaria de ver os resultados e não a teoria. — Keith quis revirar os olhos e teve que se esforçar para controlar essa vontade, até mesmo franziu a testa involuntariamente. Todos tomaram outro gole. 

Keith suspirou. 

— Ficaremos falando sobre política a noite inteira? Vocês vieram se divertir, não? Por que não falamos sobre nós? — sugeriu, querendo cada vez mais pegar um dos objetos cortantes que escondeu por baixo da roupa e se matar ali mesmo. Pois, pensando ironicamente, morreria em guerra e seria uma morte honrosa. 

— Concordo contigo. Devíamos deixar a guerra e todas essas estratégias de lado um pouco. Quando foi a última vez que nos divertimos? — falou o rechonchudo, apresentando-se então pelo nome de Nowyr. 

— Viu! Animem-se um pouco, vim aqui no objetivo de conhecer pessoas novas, acho que vocês poderiam me ajudar nisso, certo? O do meio é o Flur, pelo que percebi. 

O mais alto se apresentou com um suspiro, sendo ele o Lurtwo, e o mais quieto, Denis. Achou estranho de repente achar um nome consideravelmente comum de repente num cabaré no meio do nada. 

— Eu não tenho nome, antes que perguntem. Muitos me chamam de Rose, mas não garanto que seja meu nome verdadeiro — falou ao mesmo tempo em que encostava os joelhos com os de Denis, qual não fez propositalmente, mas aparentou ajudar. — E vocês são o quê? Comandantes de batalhão?” 

— Quase isso, acho que não deveríamos revelar tais informações para uma não galra — respondeu Nowyr, sem expressões que Keith pudesse ler. 

— Não exatamente. Posso não parecer como uma, mas tenho descendência. — percebeu que sem querer estava falando mais verdades que mentiras, mas tudo bem, desde que convencesse os militares. Se não desmentisse, tudo certo. 

— Você admite ser impura, então? 

Sabia que toda aquela merda viria de uma só vez no seu psicológico depois, quando estivesse sozinho, no castelo, então não viu problema em dizer uma frase completamente constrangedora mesmo que significasse suicídio interno. Porque afinal, agora sua função era convencer aqueles galras. Em todos os sentidos,” disse por fim, e por um milagre não sentiu suas bochechas ruborizarem. 

Lurtwo, Nowyr e Flur riram, entendendo a malícia. Já Denis olhou fixamente para ele, como se o avaliasse, talvez procurando onde estariam os genes alienígenas. Ele era um pouco lerdo, concluiu. Keith retribuiu o olhar, já exalando um pouco a sensualidade que Allura dissera que existia no paladino vermelho. 

— Que foi? Duvida de mim? 

— Não sei, talvez. 

— Se você tiver algo de tecnologia galra eu conseguirei usar. 

Lance observava Keith de longe, e podia dizer que até mesmo ele sentia vergonha alheia; era estranho vê-lo ali. Sinceramente falando, toda essa produção estava sendo desperdiçada em gente que nem merecia. Melhor falando, Keith deveria estar numa peça de teatro do jeito que ele aparentava. Enquanto isso, Hunk e Pidge estavam concentrados em montar o que quer que tivessem que montar. 

Ademais, Lance gelou quando o galra que estava do lado dele tirou algum tipo de arma do bolso, pensava que iria atacar Keith e então estariam ferrados. Porém, logo depois entregou ao paladino vermelho, que aceitou a pistola com prazer. E, ele a desbloqueou? O quê? Não entendia, mas o coreano puxou uma das correntes que haviam nela, fazendo brilhar algum cristal que se encontrava numa das laterais. 

— Merda, Hunk, o Keith pegou uma arma galra na mão e começou a brilhar num dos lados, o que tá acontecendo? 

— Não me pergunte, e eu espero que isso tenha sido literal e não duplo sentido — ele respondeu, entregando à Pidge uma chave de fenda. 

— Graças a Deus é literal. 

Continuou olhando: chamaram o garçom, trouxeram mais bebida e Keith somente acompanhava-os com o olhar. Ele aproximava-se cada vez mais do galra mais próximo, já envolvendo um clima desagradável de assistir, sorria e conversava. Era uma atmosfera carregada de segundas intenções e com certeza algo que se veria num filme quase pornográfico de classificação 16+. 

Pidge parou por um momento para olhar pela parede também, assim voltando às suas funções. 

— Casa, mata ou fode: o cara do lado do Keith que está o comendo com os olhos, o gentleman, e, por fim, o hétero. — Pidge direcionou a Lance. 

Ele a respondeu com quase um berro, reconhecendo a genialidade do período dito.  

— Gentleman é o mais alto, entendi. E hétero é o que tem os olhos caídos, cara de babaca? 

— Ele mesmo. Sem ofensas, Hunk. 

— Nenhuma — o grandalhão respondeu, bastante focado nos fios metálicos que entrelaçavam. 

— Caso com o gentleman, fodo o cara do lado do Keith e mato o hétero. 

— Ótima escolha. 

Lance não sabia decifrar mentes e com certeza a de Keith muito menos. Não tinha ideia se ele estava só indo, sofrendo em silêncio ou os dois, mas, conhecendo Keith como ele era, imaginou sendo a última opção. Notou que a maneira que ele flertava com os galras não era a mesma que ele fazia, era mais sutil, mais sensato, parecia conquistar a confiança, no sentido romântico ou não, deles com seu intelecto e pequenos gestos. 

Nunca imaginou que um dia admitiria, mas Keith era definitivamente o paladino da sensualidade e ver tudo aquilo o deixava meio estranho. Sempre teve um tipo de atração por ele e isso fazia as brigas entre os dois parecer tudo uma bobagem, que de fato poderia ser. Sempre que Hunk entrava no assunto de ter uma quedinha no vermelho, recusava, embora soubesse que seu melhor amigo estava certo. Já eram amigos há tanto tempo que Hunk conhecia o comportamento de Lance nas pontas dos dedos. 

Na realidade, o paladino vermelho era um dia nublado, Lance não sabia o que sentir sobre ele. Era tudo mais confuso que claro, mas ainda sim poderia enterrar aquilo e ignorar esse sentimento. Obviamente, gostava da companhia e da simples presença dele, seria estranho estar no time Voltron sem ele presente. 

Era até estranho, tinha a sensação que aquele Keith que via não era o mesmo que conhecia. Devia ser porque nunca viu esse lado dele, mesmo assim não deixava de estranhar. O mesmo que há uma hora competia com ele para ver quem tinha a melhor memória, jogando fora vocabulários idiotas e infantis, não estava ali. Tinha se transformado completamente devido a situação que se encontrava. 

Keith durante isso fingia beber. Fingia porque Aysha trazia bebidas não alcoólicas exclusivamente para ele, ambos visavam acelerar o processo até que chegassem a um nível de bebedeira que os rapazes à mesa começassem a liberar informações proibidas a ele, o que felizmente não demorou a acontecer. Coordenadas soltas eram ditas sem querer, e estratégias que deveriam ser segredo e a esse ponto não eram mais. Eles usavam essa última parte como uma piada interna, e aos poucos, o paladino pôde juntar as pecinhas e entender o que significavam. 

Teve uma hora que foi praticamente arrastado para dançar junto com outra travesti dali e não podia recusar. Não era bom de dança, mas estava disposto a sacrificar até a boa reputação naquela hora. Arrumaram postes para que elas pudessem se atracar, assim uma de pele verde e quatro olhos esbugalhados pegou o pegou pela mão e começou a guiá-lo. 

Ela muito possivelmente tinha visto o enorme ponto de interrogação no rosto dele e quis ajudar. Não falavam a mesma língua, contudo, as instruções eram fáceis com os gestos que fazia. Enquanto esta fazia seu showzinho primeiro, Keith ficou de mão à cintura observando-a. 

A pele verde misturava-se com a luz azul que a acompanhava conforme descia até o chão lentamente, encostada no poste. Conforme a lentidão da música, seu corpo mexia-se no chão em movimentos sensuais. Não eram tão difíceis fazer, somente vergonhosos. Assim que se deu por satisfeita, desfilou até o lado de Keith, murmurando algo que concluiu ser o chamado para sua vez. 

Pé por cima de pé caminhou até o poste, segurando-o com uma só mão. Com a expressão serena, apoiou a outra nos quadris, agachando-se devagar e tentando fazer uma coreografia coerente. Jogando-se ao chão logo em seguida, rolou manhoso, e segurando os tecidos do vestido começou a imitar os movimentos abdominais que a colega tinha mostrado. Poderia muito bem ter ficado um lixo, mas o que importava era que sentia olhos fixados nele, como se houvesse um tipo de encanto que segurasse a atenção de quem quer que esteja vendo. 

A travesti quis logo voltar, levantando Keith enquanto o segurava pelo queixo e juntos atuando uma cena afetiva. Nada mais era que um entretenimento erótico, ele sabia que estaria submetido a isso a partir do momento que pisasse no bar, então não tinha direito de reclamar. A única coisa que exigia era de que ninguém do time Voltron estivesse o vendo. 

Um desejo que não foi realizado, porque Lance o observava vermelho de orelha a orelha, em silêncio. Hunk e Pidge nem olhavam para ele, então tinha essa vantagem. Teve até uma parte que fechou os olhos, nem ele mesmo aguentava ver aquela cena. 

Botou as mãos por cima dos olhos, vendo pelas dobras dos dedos. Já tinha visto coisas piores, entretanto, era Keith de quem se tratava. 

Seu olhar estava fixado nele, que agradecia a outra travesti por tê-lo ajudado e descia do palco com ajuda de um dos galras com quem estava, ele o pegou pela cintura e Keith o segurava nos ombros, até que os saltos estivessem no chão novamente. 

Ouvia-se palmas e assobios para ele, e Lance admitia que era complicado vê-lo tão afetivo com os inimigos que conhecera em uma noite somente, porque era o paladino vermelho, que por muito tempo evitou qualquer contato físico possível, além de que havia grandes diferenças entre eles principalmente com as espécies. Tudo bem que Keith era descendente, mas não era a mesma coisa quando: ele tinha a fisionomia, os pensamentos, os sentimentos e a personalidade de um humano. Criado como um e considerado um, ele era essencialmente Keith. 

O paladino vermelho voltava à mesa, fingindo cambalear e tomando outro gole do que estava bebendo. O grupo passou a conversar novamente, e Lance teria agora um pouco mais de paz. Afinal, não era nem para ele estar o espiando daquele jeito. 

Keith ouvia a voz de Allura em seu ouvido, seu tempo estava acabando e nisso Pidge e Hunk já quase terminando o que tinham que fazer. Denis, o mesmo que estava tão desconfiado no começo, se entregava inteiramente a Keith. O paladino vermelho ria, sorria e encostava as pernas por debaixo da mesa. 

Foi assim, quase acabando seu tempo, que teve uma ideia idiota. Não tinha convicção que funcionaria mas tentaria, qualquer resultado que saísse disso era lucro. Começou aos poucos encostar-se ainda mais em Denis, já invadindo seu espaço pessoal embriagado. 

A vantagem era que o extraterrestre não pensava mais, a embriaguez tirava-lhe de seu senso e Keith aproveitou-se disso. Aos poucos, deitada a cabeça no peitoral daquele, conseguiu abrir um pequeno compartimento em seus quadris e lá havia um tipo de celular, deveria ter algo útil ali. Guardou o objeto rapidamente em sua bota, sem deixá-lo perceber a falta daquilo. 

Deu-lhe alguns beijinhos no rosto para disfarçar, mantendo o rosto sereno e fingindo não estar em seus melhores sensos para tanto. Não se reconhecia fazendo isso com qualquer um, porém era preciso a fim de não deixar cair sua máscara. 

— Hum, acho que está tarde —, disse Keith, afagando mais uma vez os cabelos na barba peluda de Denis. “Muito obrigada pela companhia mas preciso já ir,” uma dose de adrenalina foi jogada em suas artérias. 

Os outros galras, muito empenhados em sua conversa ordinária, nem ligaram para a constatação, somente acenaram, disseram que foi divertido e tal, porque aliás, não faria falta. Denis era quem não desgrudava. 

Ele começou a se levantar livrando-se gradualmente do peludo, contudo, não esperava a pressão em sua bota esquerda. Com a pulsação acelerada e a boca seca, levou um susto. 

— Se puder me dar licença, Nowyr. 

— Acho que você tem algo nosso. 

Um apito que não cessava apresentava-se em seus ouvidos com uma ainda mais alta dose de adrenalina no sangue. Caso descobrissem o furto, não imaginava o que seria de si. Conseguiria fugir por conta da bebida, porém havia sempre o “e se” martelando o interior de sua consciência.

— O que seria? — falou baixo, com os olhos perdidos por conta das luzes de múltiplas cores escuras. 

— Seu corpo, obviamente. Nós não somos tão otários em não perceber quem você realmente é, irmã. — Em sua mente, Keith completou a parte do "irmã" com um "vrepit sa". 

Não imaginava essa resposta. Arrepios atravessavam seu corpo por inteiro, assim sendo, deixou-se confiar em seus instintos mais uma vez. Reverteram os pés, fincando o salto nos dedos do gordinho, fazendo-o grunhir de dor. Abriu sua adaga de Balmera e torceu para que não reconhecessem, Pidge já gritava por seu nome nos fones. 

Com cuidado, o trio se espreitava pelas sombras, porque afinal, aquele planeta ainda era uma área dominada mesmo com pouca supervisão. 

Flur levantou-se num só impulso após ouvir Nowyr, ele retirou uma faca da cintura e foi atrás de Keith, e ele praticamente rezando para que não reconhecessem a espada. A lâmina de Flur encontrou-se com a de Keith uma vez, até ele empurrá-lo e jogá-lo na mesa mais próxima num único golpe. Antes que pudessem começar uma comoção e ir atrás deles, os quatro paladinos já estavam na porta, Keith tropeçando aos saltos. Por sorte, o leão azul emergiu e Shiro ajudou-os a entrar o mais rápido possível. 

Tinha dado certo, o paladino vermelho tinha furtado informações prestigiosas e Hunk e Pidge encontraram os materiais que precisavam. Estariam à frente de Príncipe Lotor depois de tantas batalhas fracassadas, poderiam burlar o ataque dele e trazer um enorme prejuízo de bônus. 

Assim quando o leão deu a partida, agachou-se e enterrou o rosto nos braços apoiados nos joelhos. “Keith, você tá bem?”, Lance foi o primeiro a perceber e sua resposta foi um “meu Deus não” quase inaudível. Shiro sentou-se do lado dele com aquela voz de pai, esfregando as costas de Keith. 

— Sei que não deveria estar perguntando isso agora, mas você conseguiu alguma coisa ali? 

Uma das mãos de Keith foi até o cano alto da bota, tirando de lá o aparelho estrangeiro. Não fazia muito ideia do que era aquilo, apenas entregou a ele, ainda escondendo o rosto. As pupilas do mais velho dilataram-se, impressionado. Pidge foi outra que teve os olhos fixos naquilo e foi correndo até Shiro ver o que era. 

— Jesus, Keith, você é demais. — Ela disse, quase sem palavras para descrever o que sentia naquele momento, Shiro deixando que ela avaliasse a tecnologia. — Deve ter coisas macabras aqui, vou começar a hackear antes que sintam falta, — andou até seu laptop, onde conectou o aparelho por meio de um fio, que ela dizia ser universal, ninguém a contrariava, e começou a digitar ferozmente. 

— Conseguiu mais alguma coisa? — foi perguntado novamente por ele. 

— Sim, algumas coordenadas aleatórias e estratégias, quando chegarmos falo melhor com a Allura, — Suspirou, encostando-se à parede do leão e descansando as pernas. Em ordem de fazer as coisas certas, descobriu um lado de si que era novo e incerto. 

Depois disso, é só história. 

A última vez que Keith e Lance conversaram naquele dia foi quando aquele estava já sem maquiagem com exceção dos olhos, ainda estando com as roupas e inclusive as botas. Parecia disperso, segurando um pano úmido em sua bochecha e encostado no sofá do castelo. 

— Ei, Keithy, — disse prolongando o nome dele, aproximando-se assim. O vermelho cerrou os dentes. 

— Não acho que estou na minha melhor paciência para agora, Lance. 

— Wow, calma, só vim dar um oi, — sentou-se encostado oposto a Keith para ficar de frente com ele. Achou que não seria uma boa ideia ficar exatamente do lado dele. 

Um silêncio desconfortável presenciou o meio deles. Podia ver que Keith realmente não estava lá nos melhores humores. Foi assim que teve uma ideia idiota, porém capaz de desemburrar o paladino vermelho. 

— Você já brincou de poemas acrósticos?” 

Keith tornou o olhar para ele, aparentando um pouco confuso.  

— Não? 

— Podíamos tentar, tipo, você sabe, para passar o tempo, momento de união e tal. Bom, é assim, eu falo uma palavra e você tenta formar um poema com as letras dela ou as sílabas, não precisa necessariamente rimar. 

— Tá, não me importo. 

— Vai, então faz com "mente". 

— Por que "mente"? 

— Não questiona, só faz. Foi a primeira palavra que pensei. 

Keith refletiu, qualquer coisa que falasse soaria imbecil. Há coisas que na sua cabeça ficam razoáveis, mas quando colocadas para fora ficariam extremamente diferentes. 

— Mentir pode ser uma opção. Enlouquecer na verdade não. Navegou o português às Américas. Traçara uma mentira aos mares. Esperando grandes riquezas saírem delas. 

Lance o olhou impressionado.  

— Na verdade, isso foi... Muito bom, mas por que o descobrimento das Américas de repente? 

— Não sei, foi a primeira coisa que pensei. 

— Uau, parece que você tem um lado poeta, — ele sorria, Keith olhava para um canto aleatório. — Fala uma palavra, minha vez. 

— Estrela? 

— Justificável. Bom, essa é fácil. Esperei um abraço para que. Tremesse meus. Lares mais afetivos. 

— Pode ficar tão curto assim? 

— Pode, ué, vale também só as sílabas. 

Keith liberou um suspiro longo que não sabia que estava segurando. 

— Não gostei muito. 

— Ok, vamos ver outra coisa. Eu vou falar quantas palavras a frase tem que ser e você tem que formular o que vem na sua mente. — Ele segurava as palmas das mãos enquanto explicava, pensando. — Por exemplo, quatro palavras: eu tô com fome. É mais dinâmico, eu acho, poemas acrósticos você tem que pensar pra não passar ridículo. 

— Tá, você começa? 

— Pode ser. Quantas palavras? 

— Sete. 

— Não sei se os outros foram dormir. Cinco palavras, Keith. 

— Eu também não sei disso. Oito palavras. 

— Me pergunto por que nós fazemos esses jogos. Três palavras. 

— Foi sua ideia. Seis. 

— Nem sempre minhas ideias são boas. Dez, — Lance brincava com os dedos enquanto dizia. 

— E eu também não sei por que concordei em fazer isso. Cinco. 

— Não precisa concordar em tudo. Nove. 

— Obviamente eu não concordo com tudo que você diz. Quatro. — Ele apoiou o rosto nas mãos. Concluiu que a presença de Lance não era tão ruim afinal, continuava se sentindo mal, mas o que poderia fazer sobre isso? Lance parecia querer ajudar. 

— Tudo por pura teimosia. Dezessete. 

— Por que de repente você bota uma frase com dezessete palavras, eu nem sei se contei certo. Cinco. 

— Você conseguiu e nem percebeu. Sete. 

 — Por que você gosta tanto desse número? Nove. 

— Porque é o número de pessoas no time Voltron. — Impressionado, o paladino vermelho arregalou os olhos, foi algo bem fofo vindo dele. — Três. 

— Bem considerativo você. Três. 

— Existe essa palavra? Uma. 

— Talvez. Duas. 

— Como assim? Uma. 

— Neologismo. Duas. 

— Mas talvez? Quatro. 

— Nem eu tenho certeza. Seis. 

Lance riu e ficou sem assunto por frações de minutos. Desde que começou a brincar com Keith tinha suas intenções de fazê-lo desabafar, falar sobre os verdadeiros sentimentos do que aconteceu mais cedo, mas nem isso tinha certeza que conseguiria fazê-lo. Aproveitou a deixa, então, para que fizesse uma constatação direta. Poderia se arrepender depois, porém não saberia senão tentando. 

— Você fez um belo show lá. — Keith ficou vermelho e desviou o olhar. Deixou cair no chão o pano úmido que ainda segurava e apoiou os braços nos joelhos. 

— Não era pra você ter visto aquilo. Aliás, você não disse. Quatro palavras. 

— Eu sei, me desculpa. Cinco palavras. — Observou Keith tirando a franja dos olhos, deixando um pouco da testa à mostra. Concluiu então que ele não queria conversar sobre aquilo, portanto respeitou sua escolha. 

Esperava pelo menos que ele dissesse o que tinha feito, nem isso ele aparentava querer se lembrar. Viajavam pelo espaço há mais de dois anos como um time e momentos íntimos como esse não eram mais incomuns, conversas sobre inseguranças não eram incomuns, era até saudável, dizia Shiro. 

Claro que, como já mencionado, na maioria do tempo, ainda discordavam de bastantes coisas e brigavam, mas também concordavam em porcentagens, Lance, por ser essencialmente Lance, adorava tirar sarro e irritar Keith. Tirando isso, começou a ser mais comum aquele apoiar o braço no ombro deste ou até mesmo o pôr em volta deles. Sentar próximos um do outro, deitar no sofá e colocar os pés, pernas, inclusive cabeça, no colo do outro não era estranho e nem ruim. 

— Acho que eu não preciso dizer mais nada. Sete. 

Keith escondeu o rosto nos braços, respirando fundo e pensando em algo. Estava cansado, queria dormir, com aquela sensação bizarra no peito seria impossível. Não sabia mais se aqueles sintomas eram causados por Lance ou pelo drama de mais cedo, era um sentimento ardente desde o centro de seu estômago até o esôfago, porém não era azia, com seu coração batendo rápido e a testa suando. 

E Lance não ajudava em nada, o encarava perdidamente. 

— Você ainda não tirou os cílios postiços. Nove. 

— Eu não consegui tirar, a cola é muito forte. Duas. 

— Posso ajudar? — Lance levantou e se pôs de pernas cruzadas na frente dele, fazendo um gesto com uma das mãos para fazê-lo se aproximar e assim ele o fez. — Ah, poderia abrir as pernas um pouco? 

— Tá...? —, fez o que disse e o cubano pôde se aproximar um pouco mais. 

— Deve ser estranho, eu sei, mas se quiser continuar nessa posição vai ter que ser assim. Fecha os olhos. 

Sem enxergar, sentiu a mão de Lance segurar o seu rosto e começar a puxar os cílios falsos. Nem mesmo ele conseguia tirar de primeira, teve que aos poucos com ajuda da unha para tirar a cola.  Coçava e doía, mas assim que ele pegou o jeito ficou tudo mais fácil e menos dolorido. 

— Você já tem cílios grandes, pra quê isso? E pra quê uma cola tão forte assim, Jesus. — Quando conseguiu tirar um deles, Keith estremeceu de dor. O paladino azul recuou um pouco, dando espaço para ele passar o pano úmido nos olhos e tirar um pouco do delineado. 

Demorou um pouco para isso, e nesse meio tempo os dois trocavam olhares indiscretos, criando certo tipo de tensão superficial. Keith quase não olhava para ele enquanto tirava a maquiagem, porém Lance não tirava os olhos azuis dele de jeito algum. 

O jogo das palavras não importava mais para eles, tinham até esquecido que não declararam um fim nele. Assim que a pálpebra esquerda do coreano foi limpa, Lance começou a tirar os outros cílios. O arder dentro de Keith não cessava, e pelo contrário, reagia aos toques do outro, causando um desconforto enorme em seu peito. 

No momento em que o paladino vermelho escolheu por abrir o olho esquerdo já limpo, viu que o outro se concentrava bastante em ajudá-lo. Usava das duas mãos, mesmo trêmulas, para não machucá-lo. 

Ao finalmente desgrudar o último vestígio de cola, Keith não se mexeu, não encostou um só dedo no pano, o próprio Lance estava também estático olhando para o violeta de Keith, cada um com a mesma sensação no peitoral e o calor da proximidade. 

Eram recíprocos os pensamentos não apropriados, as bochechas de Lance ruborizaram por cima da pele parda, percebendo o que tinha feito. Fora ele quem criou essa atmosfera, e os dois ficaram bons segundos se encarando, flertando com o olhar. 

Foi assim que ambos reagiram ao mesmo tempo, num único segundo começaram um beijo molhado de tamanha rapidez que os narizes tombaram. 

O paladino vermelho gemeu com a rigorosidade do beijo e envolveu os braços por cima dos ombros do azul, ajudando então a ajeitar a posição dos dois. Lance passava a mão nos cabelos negros dele e o guiava pelos movimentos mútuos, a mão livre dele passando pelo abdômen alheio, um gatilho para que liberasse outro som. 

Era quente, uma briga afetiva. Passou por um momento na cabeça de Keith se isso de alguma maneira afetaria Voltron: pegação no meio de uma guerra que podia destruir a harmonia do cosmos era arriscado para eles que deveriam salvar esse universo. 

Separaram-se para recupera o fôlego, corações batendo tão rápido que podiam ouvir um do outro. Ofegante, Lance esperava para que pudesse falar: 

— Esse foi o seu primeiro beijo? 

Keith revirou os olhos, o cubano era profissional em proferir coisas desnecessárias. 

— Não, o meu primeiro foi quando eu tava no fundamental, — falou começando a tirar o delineado da pálpebra que sobrara. —E antes que você pergunte, foi com uma menina. Não tenho boas memórias disso. 

— Se olha no espelho, devia ter todas as meninas babando por ti na escola. 

— Olha quem fala. E na verdade elas tentavam chamar minha atenção, mas eu recusava. Beijei aquela lá porque os guris que pegavam no meu pé me obrigaram. — Segurava ainda uma das mãos no pescoço alheio enquanto terminava de se limpar. 

Lance sorriu maliciosamente ao mesmo tempo em que tirava o pano das mãos do outro para ajudá-lo a tirar o resto de maquiagem, Keith o devolveu com uma careta.  

— Bom, o meu primeiro beijo foi muito bom e também com uma menina, muito obrigado por perguntar. 

— Ugh, não quero saber dos detalhes. 

— Nossa, você é tão gay. Qual é, éramos dois fofuxos apaixonados. 

— Qualquer coisa que envolva você é nojento, — envolveu os braços em volta de seus ombros novamente. 

— Ótima coisa a se dizer depois de me beijar, — selaram os lábios mais uma vez, dessa vez durando frações de segundo porque Lance continuou a falar, estragando todo o clima. — Eu tinha dez anos. 

 — Não sabia que você tinha hormônios tão precoces assim, — riu. 

— Um bissexual lindo e garanhão de dez anos, bicho. Quem resiste? 

— Você não presta. 

Voltando ao que estavam fazendo, Lance dava pequenos selinhos na mandíbula e no pescoço alheio, ficando cada vez mais por cima dele. Vendo os arrepios se formarem, voltou sua atenção para os lábios dele. 

Keith encostou a cabeça no assento do sofá branco e contornou ainda mais o corpo do paladino azul com as próprias pernas. Fazia isso sem ver, era seu organismo falando por si só, respondendo as ondas de calor que irradiava em seu interior. Nunca tinha feito algo do tipo antes, mas se sentia bem. 

O próximo foi bem mais calmo, Keith foi quem dessa vez guiou e Lance parecia satisfeito com isso, ele sorria. Tornou as mãos para as bochechas dele, aproximando mais o próprio corpo do alheio.   

Sorriu por entre o beijo, contudo não demorou muito para que esse sorriso fosse desfeito. 

Não era culpa de Lance, não era de ninguém, somente tinha uma incerteza que o assombrava desde mais cedo, estava cansado e descobrir ter aquele tipo de lado sexual e no mesmo dia ter seu amor platônico o beijando de volta era muito para um dia só. Empurrou o peitoral do outro assim que lembrou o pequeníssimo detalhe, seria impossível continuar com aquilo martelando em sua mente. 

Refletiu que não era certo, estava tudo bem há um segundo, e odiou essa sua maneira de ser tão dramático. Era um choque, esperava que Lance entendesse isso. 

Falando no diabo, ele parecia confuso e Keith sentia muito. Parou e se endireitou, vendo o coreano mexer nas franjas negras mais uma vez e pensar um pouco antes de desembuchar o que tinha errado. 

— Desculpa, é só uma dor de cabeça, — uma sensação pior apareceu quando o rosto pardo moveu-se numa expressão preocupada. — Eu tô um pouco cansado, só isso. — Lance moveu-se para o lado para que ele conseguisse levantar. — A gente fala sobre isso amanhã? 

Ele desamarrou as botas e tirou-as enquanto se apoiava no sofá, segurando-as na mão direita. Aproveitou também para libertar as mechas presas para trás, só o que lhe faltava era trocar de roupa.  

— Tudo bem, mas se não quisesse fazer isso, deveria ter dito. 

— Não é isso, — disse soando um pouco mais duro que sua intenção original. — só que é muito para hoje. 

Lance assentiu preocupado para Keith, que olhava cabisbaixo, estralando os dedos nervosamente e indo em direção aos quartos. O paladino azul colocou as palmas no rosto, lidando com o conflito interno que ele lhe causara. 

Antes que se afastasse mais, pensou no jogo que não tinha término, eles poderiam dar um fim neste exato momento. 

— Quatro palavras, Keith. 

Ele parou e, por fim, disse com um suspiro, cansaço refletindo na voz rouca: 

— Te vejo mais tarde. 


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Notas finais do capítulo

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