Remus, escrita por Eponine


Capítulo 1
Um de Novembro de mil Novecentos e Noventa e Cinco




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Remus,

Como você já deve ter notado, não sou adepta ao silêncio.

Quando vejo, minha boca já soltou exatamente o que apareceu por minha mente, espontaneamente, quase com vida própria. O silêncio, para mim, sempre foi sinônimo de tristeza, já que quando minha mãe tinha dor de cabeça, ela se silenciava e pedia para eu sussurrar, andar devagar, não bater nas coisas... Em minha casa, também tinha silêncio quando papai estava lendo alguma conta, atenciosamente, ainda tendo problemas com seus óculos. Silêncio me incomoda.

Mas você ama o silêncio.

Você está sempre em silêncio enquanto minha boca abre e fecha desesperadamente, atropelando Moody ou qualquer outra pessoa. Então você fala, pontuando algo ali ou aqui, especifico e inteligente... Eu fico impressionada e concluo que você estava prestando atenção e pensando aquele tempo inteiro, selecionando a frase que diria, que entonação usaria... Bem, eu tento fazer isso, mas não consigo, deve ser por este mesmo motivo que ninguém me leva a sério. Minha voz sai esganiçada, acelerada, como uma criança empolgada demais, a frase se monta devagar na minha cabeça, como se fosse um quebra-cabeça e quando vou ver, nem sei mais o que estou falando, só espero que chegue em algo coerente.

Você mantém a cabeça baixa enquanto aperta o queixo e parece que sumiu dentro da própria cabeça. Aliás, sua mente me parece uma grande caixa de pandora, misteriosa e profunda, é impossível ler suas expressões e seus olhos sempre correm quando me pegam encarando. Me perdoe por isso, mas é como se em algum momento eu fosse conseguir entrar na sua cabeça e finalmente descobrir o que você tanto pensa, suas memórias, sua história. Queria me sentar com você e ouvir detalhadamente toda a sua história. Cada detalhezinho, como se você fosse uma matéria escolar na qual eu teria muito prazer em aprender.

Entretanto, você não é assim. Você, diferente de mim, dificilmente contaria toda a sua história, até os detalhes vergonhosos. Você soltaria um detalhe aqui e outro ali e anos teriam que se passar para eu ter um retalho completo onde tudo se encaixasse de maneira coesa. Eu abro o peito e jogo tudo em cima da pessoa. Você, não. Gosto do seu tom intimista, misterioso, distante... E odeio, porque fico só e com dúvidas demais para conseguir ficar em silêncio perto de você. Quero tudo, tudo, tudo...

Mas você vira o rosto e some dentro da própria cabeça, imerso em um silêncio tão profundo que parece sagrado. Com o tempo, eu aprendi a morder minha língua e abaixar a cabeça, sabendo que tinha te perdido na conversa. No começo, eu achava que você fazia aquilo por ser mal educado, demorou para eu entender que você não simplesmente responde a primeira coisa que lhe vem a cabeça, como certo alguém... Você para, pensa, responde... Pensa mais um pouco enquanto fala de forma clara, direta... Adulto, eu diria, uma característica que pelo jeito vou demorar séculos para adquirir. Minha mãe diz que com o tempo minha animosidade vai diminuir e eu finalmente vou aprender a apreciar o silêncio, por mais perturbador que ele pareça ser.

Às vezes, eu te odeio, sabe, por conta do silêncio. É tão rude e egoísta quando você simplesmente assente com a cabeça e continua viajando, não parece que está realmente me ouvindo e eu fico irritada, magoada... Me sinto desinteressante. Você fez tanto isso que aprendi a ficar em silêncio também, como se eu pudesse retrucar, fazer você ficar ofendido. Mas, sem notar, você continuava em silêncio, e sem perguntar, me servia café, bebericando o seu, fitando o nada, perdido em pensamentos. E eu, em minha cabeça, passava alguns segundos te xingando e tentando adivinhar o que tanto pensava e então, quando eu me pegava, estava pensando nas coisas que eu tinha que fazer, como eu ia ficar, o que eu disse, o que devia ter sido dito, como eu concertaria determinadas coisas...

Quando falávamos novamente, eu já estava menos acelerada... Menos esganiçada. Eu conseguia até mesmo montar uma frase com nexo.

Você dava um sorriso breve e se despedia, cheirando a café e coisas velhas.

Seu silêncio nunca foi de reflexão. Ele tem uma nota triste e melancólica, pesada. Se eu pudesse entrar na sua cabeça, eu sentaria com cuidado no chão, e assistiria em silêncio suas memórias tristes que te assombram ou marcaram fundo demais, e tudo faria sentido. Eu deixaria de ser egoísta, pensando que você era daquele jeito porquê de alguma forma misteriosa, eu te irritava, ou você me odiava secretamente. Sabendo como, eu te embalaria e te daria conforto. Eu tiraria o peso do vazio que você carrega, como se eu fosse um milagre.

Mas deixemos isso para depois, por enquanto, tenha seu silêncio, e guarde para mim o sorriso que reserva pouco antes de conseguir dizer de forma convincente alguma desculpa para se ausentar, isolando-se por completo, esgotado pelo contato humano.

E eu aceito seu sorriso cansado, e lhe dou o mais brilhante.

Já devia ter dito que te amo, mas ainda é cedo, e eu aprendi a medir as palavras. Eu guardo para o dia que for certo, até lá, fiquemos em silêncio.

E assim nos conheceremos melhor.

Tonks

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Eu ouvi muito a música "Vashti Bunyan - I'd Like To Walk Around In Your Mind" pra escrever essa história, recomendo que vocês vejam a letra...

Espero que gostem.



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