The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 26
Capítulo XXVI - 10 de Abril de 1872


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus amores! Adivinhem quem está de volta, cheia de inspiração e doida para conversar com vocês? O capítulo acabou ficando meio grande e está repleto de flashbacks, que são apenas uma amostra do muito que está por vir. Espero sinceramente que estejam gostando e deixo claro que suas opiniões e críticas são sempre muito bem vindas.

Desejo a todos uma ótima leitura!



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Elliot precisou ponderar muito até que decidisse retornar ao castelo de onde covardemente fugira semanas atrás. Não era como se o rapaz não quisesse visitar seu pai ou verificar se Marco estava, de fato, cuidando de seus cavalos conforme havia lhe instruído. Ele já se sentia suficientemente tolo por ter se deixado envolver pela imagem de uma Sarah amadurecida. Durante toda sua vida, ele tivera o desprazer de ser submetido ao menos uma dezena de vezes , ao egoísmo e à cobiça da realeza e dos nobres que os cercavam. O que o fizera achar que a própria princesa do reino seria diferente? Ela não passava de um reflexo do meio no qual fora criada, sendo incapaz de reconhecer suas próprias falhas, mas muito hábil em se portar como vítima das circunstâncias, mesmo sendo a única pessoa que dispunha de alternativas. Era uma egocêntrica, como todos os outros à sua volta. E com aquela certeza em mente, o rapaz se sentiu ainda mais envergonhado das escolhas que havia feito.

Petruchio deu dois curtos passos para o lado ao se sentir livre do peso de seu dono. Estavam do lado de fora dos estábulos, e o equino relinchou, satisfeito, ao se ver igualmente livre de sua cela. Fechando os grandes olhos negros, ele aproveitou a carícia empregada pela larga mão do tratador, que subia e descia de seu focinho até a testa marcada por uma pequena mancha branca.

— Você sentiu falta do pasto verde do castelo, não foi? — o rapaz questionou, retoricamente, e esperou alguns segundos, como se escutasse atentamente a resposta muda que o animal tentava lhe transmitir. — Aproveite enquanto pode, mas não se distancie daqui. Não vamos demorar muito.

O cavalo trotou alegremente em direção À uma pequena colina, separada dos estábulos por não mais do que dez metros de distância. Ali, a grama estava alta e ele se regozijou como se estivesse diante de um banquete. Adentrando no ambiente fechado onde residiam os nobres animais da Família Real, Elliot encontrou diversas baias vazias, indicando-lhe que a princesa continuava ausente, em sua viagem de lua de mel. Aquele era um bom sinal, pois assim poderia caminhar pela propriedade sem ter o risco de cruzar com nenhuma figura indesejada.

Caminhando pelo largo espaço, o tratador cumprimentou cada um dos animais que se encontravam presentes.  A maioria o saudou com relinchos alegres, o que o fez esboçar um sorriso tímido e até mesmo um tanto infantil. Estava com saudades de cada um daqueles rostos afilados, portadores de orbes grandes e expressivas.

Quando chegou às duas últimas baias, destinadas aos filhos de Pandora, foi que Elliot percebeu a ausência de Pipo. O cavalo mestiço e brincalhão seria a última opção de qualquer membro da realeza, o que lhe levava a crer que o amigo estava encarregado de ajudar seu pai em algum serviço pesado.

Com aquilo em mente, ele deixou os estábulos para trás, com passos apressados. Por um instante, as palavras estranhamente sábias de Marco ecoaram por sua mente e foram responsáveis por fazê-lo praticamente correr pelos jardins em busca de Jacques. “Seu pai não tem mais trinta anos de idade. Você deveria aproveitar a companhia dele enquanto pode. Estou certo de que não preciso lhe lembrar o que aconteceu com o velho Earnshaw”. Ele desejava, do fundo de seu coração, que estivesse tudo bem e que seus medos não passassem de mais uma de suas tolices. Com exceção de seu pai, lhe restava somente o casal de amigos que ultimamente não andava em seu melhor estado. Elliot não estava disposto a enfrentar outra perda tão cedo.

Depois de longos e angustiantes minutos de procura, ele conseguiu avistar ao longe a figura altiva de Pipo, que trazia duas cestas de palha atadas à sua cela. Dentro delas, muito provavelmente haveriam os primeiros frutos da primavera. De pé, ao lado do cavalo, o jardineiro encarava a copa de uma árvore de modo contemplativo, sem se mover e nem mesmo piscar.

A imagem foi capaz de invadir o tratador com uma sensação de alívio indescritível. Era, afinal de contas, apenas mais uma de suas tolices. Já mais calmo e tentando recuperar o fôlego, ele caminhava com calma em direção ao local onde estavam.

No entanto, o servente mais antigo do castelo não percebeu a aproximação de ninguém. Ele olhava para cima de modo distraído, mas não via nada realmente interessante entre as folhas e frutos. As imagens que ele revivia mentalmente tinham um apelo sentimental muito mais forte. Naquele momento, sua mente estava presa em algum lugar no passado.

 

Jacques apoiou a longa escada de madeira em um robusto carvalho, contemplando o amplo jardim a sua volta. Lhe custava acreditar que há um ano nada daquilo existia, uma vez que o entorno do castelo de Odarin contava com poucas árvores, todas elas selvagens e esparsa, ao passo que a grama era cortada rente ao chão, sem nenhum glamour ou delicadeza adicional. Foi de modo inesperado que a rainha Katherine invadiu sua vida, praticamente obrigando-o a trabalhar para ela. Ele não poderia dizer que ofereceu muita resistência àquela imposição. Algo naquela mulher o fascinava, ainda que o rapaz de pouco mais de vinte anos não soubesse dizer se seu deslumbramento se dava por conta de seus olhos misteriosos, o sorriso largo ou mesmo a risada infantil. Havia grandes chances de serem todos aqueles fatores juntos, adicionados a outros que não lhe ocorriam naquele momento.

Seus pensamentos vagaram longe e logo ele se viu obrigado a esfregar os olhos com força, no intuito de espantar as imagens impróprias que ultimamente pareciam brotar sua mente de forma involuntária e inconveniente. Tinha certeza que a senhora daquele castelo sustentava alguns maus hábitos com o objetivo único de marcar sua presença na memória do jardineiro, fazendo com que ele pensasse nela mesmo quando não estavam juntos. Ainda que tivesse pleno conhecimento daquele plano ardil, ele caiu como uma criança desavisada. Estava certo de que mais cedo ou mais tarde seria jogado na prisão por deslealdade ao rei. Talvez fosse expulso do reino sob a alcunha de traidor ou teria sua morte encomendada. Estranhamente, nenhuma daquelas possibilidades o assustava como deveriam. Em seu âmago, Jacques já havia aceitado o destino que lhe cabia antes mesmo de conhecê-lo, pelo simples fato de estar consciente de que não poderia resistir ao poder persuasivo de Katherine.

Um baque oco acompanhou o movimento de uma pinha rolando sobre a grama. Massageando a cabeça onde fora atingido segundos atrás, o rapaz direcionou o olhar para o alto, buscando a dona da risada cativante que enchia seus ouvidos com uma alegria ímpar. Sentada sobre um robusto galho retorcido, a rainha ria enquanto observava a expressão confusa de seu mais novo servente.

— Você parecia tão distraído — a  voz melodiosa fez-se presente e seu timbre fazia o corpo do jardineiro tremer como a corda de um violão. — Por acaso estava pensando em mim?

O rapaz não respondeu, limitando-se a observá-la descer da árvore, apoiando um pé atrás do outro nos galhos mais baixos até atingir o chão, exatamente como uma criança travessa faria. A falta de resposta por parte de seu jardineiro fez com que ela se aproximasse lentamente, portando seu típico olhar curioso enquanto pendia a cabeça para o lado propositalmente, de modo a exibir o pescoço pálido, para que sua companhia pudesse contemplá-lo. Seus dedos longos ergueram-se em direção ao rosto do rapaz, mas Jacques inclinou a cabeça levemente para trás, num reflexo puramente instintivo.

— Suponho que nosso rei não deve ficar nenhum pouco feliz com esse tipo de interação — ele mencionou, com o mesmo tom monótono que habitualmente usava. O olhar vago, a atitude evasiva e a voz sem emoção não passavam de tentativas frustradas de negar seus sentimentos enquanto esgueirava-se de Katherine como um todo, e não somente de seus dedos sedutores.

— Você, como sempre, levantando assuntos desnecessários. Entenda de uma vez por todas que Henrique é uma pessoa naturalmente infeliz. Não há nada que eu possa fazer a respeito disso — a rainha proferiu, de modo irritado. Odiava ser contrariada, algo que seu jardineiro era particularmente muito bom em fazer. — Tudo que sei é que, se continuar me rejeitando dessa forma, serão três pessoas infelizes nos arredores desse castelo ao invés de uma. Por que você não me deixa te fazer feliz?

Cada palavra era dita de maneira arrastada, em meio a um suspiro lânguido, e Jacques encontrava-se incapacitado de olhar em qualquer direção além dos lábios volumosos da jovem, que lhe pareciam bastante tentadores.

— Sua definição de felicidade é muito distinta da minha — ele ensaiou uma resposta ríspida, mas sua voz falhou em atingir o tom almejado ao perceber o quão próximos seus corpos estavam. Àquela altura, Katherine havia enroscado os braços em torno de seu pescoço, prendendo-o em um enlace mortal.

— Estou certa de que juntos podemos chegar a um denominador comum. — As palavras foram sussurradas e os lábios carnudos da rainha roçaram nos lábios quebradiços de seu servo. — Tudo que precisa fazer é colaborar comigo.

A partir daquele momento não havia mais escapatória. A mínima distância que os separava foi encerrada com um beijo profundo, impossibilitando que o jardineiro proferisse qualquer protesto, incapaz de demonstrar qualquer resistência. Estava perfeitamente ciente de como aquele relacionamento representava um perigo imediato para ambos. No entanto, certas coisas estavam além dos seus conceitos vagos e meramente teóricos sobre moralidade.

Resistir a Katherine estava além de qualquer senso moral que ele tivesse construído ao longo dos anos.

As mãos grandes e ásperas do rapaz subiram por seu torso, ávidas por mais contato com aquele corpo esguio que o embalava com sua canção sedutora e mortal. Os dedos da jovem rainha estavam enterrados nas madeixas loiras e seguravam os fios com força, instigando-o a ser menos delicado e mais dominador. Em resposta ao seu apelo mudo, ela sentiu seu corpo ser pressionado contra o tronco da árvore, onde havia se refugiado minutos atrás. A brisa fria de Odarin cortou o ambiente e o calor emanado do corpo de seu servente não parecia ser suficiente para aquecê-la. Ela precisava de mais.

— Não acha que está indo longe demais? — Jacques questionou, tão logo se separou para recuperar o fôlego. Suas sobrancelhas estavam juntas e ele se sentia muito próximo de seu limite.

— Eu gosto assim — ela respondeu com outro sussurro próximo ao ouvido do rapaz, causando-lhe um arrepio. Ao  obter a reação desejada,  Katherine esboçou um sorriso carregado de malícia, enquanto se acomodava melhor naquele na segurança dos braços do jardineiro. — Nada que seja raso ou supérfluo é capaz de me satisfazer.

Aquelas palavras foram proferidas contra seu pescoço e o hálito quente da jovem parecia levá-lo até uma realidade distante, longe de qualquer reserva de bom senso que ele mantivesse consigo. Ela segurou o rosto de sua presa com ambas as mãos e o guiou para um novo beijo, ainda mais voluptuoso que o anterior. Katherine o puxou para baixo, até que ambos escorregassem em direção ao gramado.

Jacques não era corpulento, mas tinha altura suficiente para ocultar a imagem luxuriosa de sua rainha e seus olhos que transbordavam de desejo e requisitavam um tratamento especial. Seus antebraços estavam apoiados sobre a relva alta, na altura do rosto de Katherine, enquanto afogava-se na profundidade daquele olhar.

— Por que você hesita tanto? — a jovem questionou, desta vez sem a habitual impaciência. Sua voz saiu limpa e sem insinuações, entrando para a lista das poucas vezes em que se expressou sem estar envolta de segundas intenções. Naquele momento, tudo que desejava era uma resposta sincera. — Seus sentimentos estão tão claros, e mesmo assim você hesita. Eu não entendo.

Porque isso é errado”, a resposta objetiva e até mesmo óbvia cruzou sua mente, mas ele descartou a ideia rapidamente. “Eu não deveria estar aqui, você é a consorte do rei” também não lhe pareceu adequado, uma vez que não condizia com a verdade. Suspirando profundamente, ele desistiu de tentar elaborar uma boa desculpa. Katherine era responsável por lhe proporcionar sentimentos e sensações que ele jamais tivera a expectativa de ter, de modo que recompensá-la com a exatidão de seus pensamentos era o mínimo que poderia fazer.

— Eu hesito porque tenho medo de me machucar — o rapaz admitiu, com uma voz trêmula que não tinha nenhuma relação com a brisa gelada do outono.

A resposta verdadeira pareceu agradar a jovem, que não riu ou debochou da confissão sincera. Ao invés disso, a moça usou a mão para acariciar o rosto de seu servente, enquanto o observava silenciosamente. Com leveza, ela deslizava a ponta dos dedos sobre o rosto de seu companheiro, sentindo a textura da fina barba cujo tom era um misto de castanho com dourado, responsável por adornar a face do jardineiro. A carícia fez com que ele fechasse os olhos, tentando memorizar aquela sensação de acolhimento.

— O que você vê? — ela questionou, rompendo o silêncio com sua voz envolta em mistério. A pergunta fez com que Jacques abrisse os olhos e vislumbrasse aquele emaranhado de fios ondulados e negros que se espalhavam sobre a grama, contrastando de forma gritante com o verde das folhas. — Diga-me, o que você vê.

— Você — ele respondeu de modo incerto, ainda que não compreendesse a real intenção por trás daquela pergunta. Sentia-se sem fôlego, enquanto era arrastado — mais uma vez — para a armadilha de sua amada. Sua mente travava uma batalha mental, tentando decidir se deveria ouvir a razão e afastar-se enquanto era possível, ou atender aos desejos mais primitivos do homem e possuí-la ali mesmo.

— Exatamente. E eu não quero que veja nada além disso. — Erguendo levemente o corpo, a jovem aproximou-se mais uma vez e apenas uma mínima distância os separavam naquele momento. — Jacques, é uma tolice tentar fugir do sofrimento, pois ele é inerente à natureza humana. Entretanto, seria uma tolice maior ainda continuar fugindo da felicidade quando ela está tão próxima de nós dois.

— Você não entende — ele afirmou, de forma sôfrega. Enquanto refletia acerca de quais palavras deveria usar, o jardineiro roçou com delicadeza a ponta do nariz sobre a bochecha pálida de sua rainha. Ela emanava um cheiro mais doce do que qualquer flor que ele já tivesse sonhado em plantar. — O que me oferece é bastante tentador, devo reconhecer. Mas a “felicidade” que me propõe se esvai no mesmo instante que você retorna para o castelo. É doloroso ter que lidar com essa perda todos os dias.

— Eu estou aqui agora, não estou? — ela respondeu com simplicidade, bordando um sorriso convencido e vitorioso. Na tentativa de desvencilhar-se de vez daquele assunto, Katherine agraciou-o com mais um profundo e demorado beijo. — E continuarei sempre aqui.

Aquela declaração escondia uma promessa a qual a jovem rainha não tinha certeza se poderia cumprir. Mesmo assim, o jardineiro acreditou naquelas palavras e se sentiu suficientemente convencido de que, naquele momento, tudo que precisava em sua vida estava ali, ao alcance de seus toques.

Para sua infelicidade, aquela realidade não durou muito. Pouco tempo depois, Katherine estava mais do que distante de suas mãos, em uma distância intransponível. A sete palmos abaixo do chão de distância, para ser preciso.

 

— Pai, tudo bem com você? Está me ouvindo? — Elliot precisou repetir a pergunta algumas vezes antes de conseguir, de fato, chamar a atenção do jardineiro. Como se acordasse de um sonho, ele piscou os olhos algumas vezes tinha a sensação de que fazia algum tempo desde que o fizera da última vez até conseguir focalizar na imagem de seu filho.

— Estou ótimo — Jacques respondeu de forma vaga, tentando deixar para trás a memórias preciosas que tanto o atormentavam.

— Por que você está chorando, então? — o rapaz questionou, visivelmente preocupado com o que quer que estivesse perturbando o pensamento de seu pai. Não era a primeira vez que o flagrava naquele tipo de situação, mas apesar disso, jamais conseguiu obter uma resposta convincente da razão por trás daquelas lágrimas silenciosas.

— Deve estar com o olho ressecado por conta do sol — ele respondeu, com simplicidade, sem dar importância àquele acontecimento, enquanto limpava o canto do olho com a palma da mão. Voltando sua atenção para o tratador, ele pôs uma das mãos sobre seu ombro, em uma carícia fraterna, enquanto o observava com atenção. Elliot parecia um tanto abatido, mas muito melhor que estava esperando. Era um menino realmente forte, no final das contas. Ele o invejava nesse aspecto.

— Faz tempo que não o vejo. Vamos até a cozinha tomar algo, eu gostaria de conversar com você.



Sentada na banqueta do piano, Sarah tocava suavemente as teclas do instrumento distraidamente, sentido sua textura, sem realmente acionar as notas. Nos últimos dias, Edgar tivera a maior paciência em ensinar-lhe os mistérios ocultos por trás de cada peça ali disposta. Infelizmente, os dotes artísticos da princesa eram praticamente nulos, fazendo com que não conseguisse ir muito além do básico. Aquele detalhe não importava tanto, no final das contas. O caminho, por vezes, é mais importante e precioso do que o destino final.

Newreen era uma cidade encantadora e seus habitantes eram bastante receptivos. Entretanto, o ponto alto foi, sem sombra de dúvidas, a certeza que de que sua amizade com Edgar estava longe de se perder em função do inesperado casamento.

Na realidade, era difícil definir o estado atual do relacionamento entre eles. Na maior parte do tempo, eram como amigos, ou até mesmo irmãos muito próximos, totalmente disposto a conversar e, principalmente, ouvir. Sarah descobriu mais coisas sobre o filho do Conde Avelar naquelas duas semanas do que em todos os anos passados em Hallbrigde. Certamente, o inverso não deixava de ser verdade. A princesa narrou com entusiasmo os momentos mais importantes de sua infância, deixando evidente o quanto era dramática ao se recordar das enfadonhas lições de Evangeline e da inigualável comida de Martha. As figuras de Jacques e Earnshaw não foram esquecidas e produziram ótimas histórias Por outro lado, no que dizia respeito a Elliot, ela se limitou em pontuar o quanto os dois eram apaixonados por cavalos, logo seguindo para a próxima lembrança.

Dessa forma, mutuamente, eles descontruíram conceitos acerca um do outro e formularam imagens muito distintas da que tinham antes. Felizmente, suas essências permaneciam intactas. Era como uma segunda versão de um mesmo desenho, com mais detalhes e cores que o trabalho original.

Passos vindos da escada lhe chamaram a atenção e ela sorriu ao ver que Edgar se aproximava animadamente. A viagem tinha chegado ao fim e já estava na hora de retornarem ao castelo. Não que a jovem tivesse alguma tarefa importantíssima para cumprir, mas seu consorte já havia recebido uma desaforada carta de seu irmão questionando se pretendia passar o restante da vida de férias. Embora estivessem relutantes em abandonar o sossego inerente àquela casa de campo, a princesa sentia saudades tanto de sua governanta quanto de Beatrice.

— Acredito que não esteja faltando mais nada — ele afirmou, seus passos lhe levando até o piano onde Sarah o aguardava. — Sentirei falta desta casa, sabia? E do clima daqui também.

— Podemos voltar em outra ocasião — ela pontuou, de forma otimista. Também havia se apegado ao lugar, bem como às suas empregadas bisbilhoteiras, mas muito prestativas. Newreen rapidamente passou a ser sua cidade favorita. — Isto é, se a sua agenda e a de Allen permitirem esse tipo de regalia.

— Coisa que eu duvido muito — Edgar retrucou, aparentando estar um tanto triste com aquela constatação. — Bom, acredito que esteja na hora de ir.

— Dê-me mais alguns minutos, eu logo me encontrarei com você.

O pedido da princesa foi imediatamente atendido e sua resposta veio na forma de um singelo menear de cabeça. O rapaz rumou em direção aos jardins, dando à Sarah privacidade para aproveitar seus últimos minutos de paz. Ela observava o entorno, tentando veementemente carimbar em sua memória cada mínimo detalhe do sítio que os abrigou durante sua estadia. A casa de campo compartilhava dos mesmos atributos que a imagem abstrata de lar que sustentava em sua mente.

Suspirando profundamente, a jovem aceitou o fato trazido à tona por seu consorte: estava na hora de partir. Levantando-se da banqueta, ela se despediu das teclas que foram responsáveis por entretê-los durante os últimos dias. Estava prestes a se afastar do instrumento quando, em um inesperado momento de distração, sua mão se chocou contra as partituras que repousavam sobre a testeira do piano. O pequeno incidente fez com que as folhas dançassem alguns instantes no ar antes de se espalharem pelo chão.

— Por céus, como sou desastrada! — a princesa exclamou, irritada consigo mesma por causar um acidente tão bobo. De imediato, ela se ajoelhou ao chão no intuito de recolher os papéis. A empregada que se encontrava junto a porta correu para assumir seu lugar.

— Não faz mal, Alteza, eu mesma posso reunir e organizar as partituras, não se preocupe — a servente afirmou, àquela altura igualmente ajoelhada no chão. Sarah, por outro lado, não lhe deu ouvidos e continuou tentando desfazer a desordem que havia causado.

Já tinham recolhido quase todas as folhas quando uma especial chamou a atenção da princesa. Era muito distinta das demais, deixando claro que não fazia parte do volumoso conjunto de partituras. Era retangular como as demais, mas o rasgo em sua lateral indicava que o papel outrora pertencera a um caderno, desses de bolso, a julgar pelo seu tamanho reduzido. Estava repleto de manchas amareladas de mofo, como se estivesse perdido dentro daqueles papéis há muitos anos. Ele revelava uma letra elegante, muito bem desenhada e ligeiramente inclinada para a direita.

“Você ficaria encantado com esta casa de campo e com todas as maravilhas que a circundam. É o local ideal para nós. Eu gostaria de trazê-lo aqui, estou certa de que faríamos memórias inesquecíveis. Aceite meu convite da próxima vez, sim? Com”

Uma grosseira gota de tinta negra interrompeu sua leitura. Ao que lhe parecia, seu remetente acabou por se delongar mais do que o necessário com a pena sobre o papel, formando um acúmulo de tinta que inutilizou a correspondência, visto que a mancha escura cobriu o restante o espaço destinado ao fechamento e assinatura.

Sentindo a curiosidade infantil aflorar novamente, a princesa se questionou a quem aquela singela carta pertencia. Há quanto tempo estaria ali, escondida do meio das partituras? A quem ela era endereçada? Estava certa de que tinha ali apenas um pedaço de um texto maior, que certamente teria ocupado outras folhas de iguais aquela.

Uma infinidade de ideias e teorias brotaram em sua mente, fazendo com que ela mordesse os lábios com excitação. Teria aquela carta sido enviada para aquela residência? Não, não poderia ser, pois não havia fechamento por conta do borrão. Ela tinha de ter partido de lá, ou ao menos, essa era a intenção do remetente, que distraidamente arruinara a mensagem com tinta. Talvez pertencesse a uma dama apaixonada, que ansiava pela companhia de seu amado durante a estadia na esplendorosa casa. Mas então, por que abandonar o papel ali? Não parecia fazer sentido. Seria possível que a antiga senhora tivesse enlouquecido e escrevesse cartas ao falecido marido? Muito pouco provável. Quem sabe, aquelas palavras se destinavam a algum antigo monarca da Família Real. Talvez sua avó paterna tencionasse enviar a mensagem ao rei – seu consorte – ao adquirir o distinto imóvel. Ela não tinha certeza quando a casa fora incorporada ao patrimônio dos Miglidori, de modo que a hipótese lhe soava plausível.

Movida por aquela sensação, a jovem disparou em direção à porta da casa, cruzando-a como um raio. Seu consorte encontrava-se do lado de fora, apoiado contra a carruagem enquanto observava um pequeno grupo de borboletas que sobrevoava os girassóis plantados junto às escadas da residência. Percebendo a agitação de Sarah, ele direcionou toda a sua atenção para ela.

— Edgar, veja o que acabei de encontrar escondido junto as partituras! — ela afirmou, com empolgação enquanto lhe indicava o pedaço de papel rasgado. — Estava bastante amarelado, não imagino quantos anos essa folha deve ter permanecido esquecida aqui. Parece-me o excerto de uma carta. Quem você acha que pode ter escrito isso? E, se tratava-se mesmo de uma carta, por que ficou tanto tempo abandonada aqui? Acha que pode ter pertencido a alguém da minha família?

— Pouco provável — ele mencionou, após terminar de ler as letras delicadamente desenhadas sobre o papel. — Antes de partirmos, Evangeline comentou comigo que seríamos os primeiros a utilizar da casa. Desde que foi comprada, nenhum membro da Família Real teve a oportunidade de se hospedar aqui. Muito provavelmente esse bilhete pertenceu ao antigo morador e sabe-se lá porque ficou esquecido aqui.

Como uma flor que não é regada por vários dias, Sarah murchou em suas próprias expectativas. Esperava que Edgar se envolvesse naquele mistério com ela, propondo tantas outras hipóteses, nem que soassem ainda mais absurdas do que as suas. No entanto, aquele tipo de reação não fazia parte da personalidade do Duque. Um certo tratador de cavalos, por outro lado, teria feito com que a pequena descoberta e a empolgação gerada sobre ela durassem por mais algumas horas até que ele e sua companhia estivesse cansados de tanto rir.

Eu sou uma tonta mesmo. Empolgando-me com um bilhete qualquer, que poderia facilmente pertencer a qualquer empregada da casa. Mas então, e as manchas do tempo?”, ela ponderou por uns instantes, até perceber que estava, novamente, deixando-se levar pela boba descoberta que havia feito. Balançando a cabeça, ela enviou os pensamentos infantis para longe.

Resignada, ela caminhou ao lado de Edgar até a porta aberta da carruagem. Quando já estavam os dois acomodados no pequeno espaço, ela pensou em atirar a pequena folha que a fizera agir como uma tola pela janela. No entanto, por alguma razão desconhecida, não conseguiu fazê-lo. Tentando não dar muita importância ao assunto, ela dobrou o amarelado pedaço de papel, escondendo-o em suas vestes.

Às vezes, ela se achava tão infantil. Não que seu consorte também não fosse, mas ele parecia saber medir com muita precisão os momentos em que deveria agir seriamente ou que poderia se permitir algumas infantilidades. Encostando a cabeça no ombro de seu consorte, ela admirou a paisagem verde de Newreen que ficava para trás.

O caminho à sua frente era longo, mas, por sorte, ela não precisa percorrê-lo sozinha.



As horas avançaram rapidamente e quando o casal viajante finalmente chegou à sua residência oficial, boa parte do dia havia se passado e o entardecer já estava próximo. Durante a viagem, eles acabaram cochilando, uma cabeça apoiada sobre a outra, mas logo despertaram quando os campos esverdeados foram substituídos pelas estradas de pedra da capital. Desde então, eles passaram a conversar amenidades até que as paredes de pedra do castelo de Odarin se fizeram presentes.

A carruagem parou de chacoalhar pouco tempo depois. Quando a portinhola finalmente fora aberta pelo cocheiro, Sarah desceu primeiro, sendo prontamente seguida por seu consorte. Naquele momento, Edgar terminava de lhe contar como ele fazia para desaparecer da vista das insistentes damas que costumavam segui-lo nos bailes. A princesa desatou a rir no mesmo instante, recordando-se de como havia sempre uma fila de moças desesperadas em poder aproveitar as festas ao lado do rapaz. Ela já tinha se questionado como era possível que ele conseguisse se livrar de todas sem causar um grande furor. Agora, consciente das muitas artimanhas de seu consorte, era impossível conter a espontânea risada que inundava o ambiente de modo contagiante.

Ambos estavam de muito bom humor, o que não passava de resquícios da boa viagem que haviam feito. Logo, o peso das obrigações voltaria a pesar nos ombros, algo que nenhum dos dois parecia disposto a cogitar no momento. Subiam os degraus juntos, ainda conversando e, de relance, Sarah capturou uma imagem um tanto inesperada.

Muito próximo às escadarias que levavam aos portões do castelo, Elliot encontrava-se de pé, ao lado de seu pai e a encarava diretamente, sem sequer piscar os olhos. Ela não podia deixar de subir os degraus sem que seu consorte notasse que havia algo de errado. No entanto, já não estava consciente de seus atos, e encarava o tratador de cavalos tentando desvendar aquilo que parecia estampado em seu rosto.

Não era tristeza. Não era decepção. Não era saudade, muito menos. Os olhos do rapaz demonstravam, de modo inconfundível, a mais pura expressão de raiva.

A risada de Sarah praticamente morreu em sua garganta e ela se sentiu bastante perturbada com a visão que acabara de ter. Afinal de contas, o que o rapaz estava pensando? Era verdade, eles não puderam ficar juntos como esperavam e aquilo havia gerado um enorme impacto sobre a vida dos dois. No entanto, isso não significava que ela estivesse proibida de aproveitar o pouco de felicidade que lhe restava. Se Elliot achava que ela passaria o restante de sua vida de luto por conta de um relacionamento falho, ele estava muito enganado.

— Graças a Deus, você está de volta! — uma voz bastante conhecida pela jovem fez-se presente, despertando-a de seus devaneios. — Ouso dizer que este castelo não é a mesma coisa sem você, Sarah.

Evangeline descia as escadas do Hall Principal e caminhava elegantemente em direção a princesa. Com uma discreta reverência, ela saudou o mais recente Duque de Odarin, que lhe retribuiu o gesto com um respeitoso menear de cabeça.

— O rei Allen pediu que eu o informasse que gostaria de vê-lo imediatamente — a governanta mencionou, com a prontidão de costume. Edgar não pôde evitar um suspiro cansado e se despediu das duas damas enquanto rumava em direção ao Gabinete Real.

Somente quando se viram sozinhas foi que a princesa se permitiu dar um apertado abraço em sua Evangeline, o que lhe arrancou uma tímida risada enquanto retribuía o gesto de carinho inesperado, ainda que de forma muito mais polida.

— Senti tanto sua falta, Evangeline! — a jovem mencionou, quando finalmente deixou-a livre de seus braços. — Por céus, me diga onde está Beatrice. Faz séculos que não a vejo!

O sorriso tenro da governanta morreu em seus lábios no mesmo instante. A expressão de seu rosto, que até então demonstrava um misto de alegria com alívio, tornou-se escura e preocupada. A presença de Charlotte em caráter definitivo no castelo, aliada com a brutalidade desmedida do próprio rei não estavam fazendo nada bem à jovem rainha.

Sem esperar por uma resposta, a princesa saiu correndo em direção à longa escadaria que dava acesso aos aposentos reais. No auge de sua excitação, ela chegou a subir dois degraus por vez, aos pulos, no intuito de avançar o mais rápido possível. Evangeline tentou seguí-la no mesmo instante, ordenando que parasse. Infelizmente, seus apelos de nada adiantaram e não tardou muito para que ela a perdesse de vista. O corpo alto e magro, a expressão austera e as passadas fortes ocultavam uma realidade que àquela altura já deveria estar evidente para todos: a governanta carrega consigo alguma idade sobre os ombros e já não tinha tanto fôlego para correr atrás da menina como costumava fazer uma década atrás.

A governanta sentiu necessidade de parar para recuperar o fôlego logo que atingiu o topo da escada. Ao longe, as passadas de Sarah ecoavam pelos corredores, demonstrando que ela corria com muita velocidade em direção ao quarto de Beatrice. “Me perdoe por isso, Beatrice”, Evangeline pensou, ainda sem ar enquanto ouvia os passos da princesa distanciando-se dali, indicando que naquele momento já deveria estar muito próxima de seu destino final.

Parada junto a porta, a jovem de cabelos castanhos recuperava rapidamente o fôlego enquanto pensava o que deveria dizer ao abrir a porta. Estava prestes a dar um susto daqueles em Beatrice, esperando conseguir capturar sua expressão de espanto em meio à traquinagem. Por um instante, ela havia se esquecido que já não estava mais em Newreen e que agora deveria voltar a agir como uma verdadeira dama. “Depois”, ela pensou com excitação, enquanto girava a porta do quarto sem nem mesmo anunciar sua chegada.

A porta se abriu com rapidez e quando a princesa esgueirou a cabeça para dentro do cômodo, o que se seguiu foi uma visão bastante perturbadora. O rangido fez com que a jovem rainha, até então adormecida, acordasse bastante sobressaltada, deixando que um grito de pânico ecoasse no ambiente. Sarah tencionava exclamar um animado “Surpresa” enquanto erguia os braços para o alto, mas naquele momento estava estática junto a entrada do quarto, ainda segurando a maçaneta.

Era com certo choque que a princesa observava a figura de Beatrice, disposta sobre a cama de um modo muito distinto do qual era estava acostumada a ver. Apesar das cortinas fechadas, a luz parecia esgueirar-se por meio das frestas, permitindo que ela reconhecesse de imediato os cachos claros espalhados sobre as costas. Os fios, que sempre foram reluzentes tamanho era o cuidado da rainha com eles, agora estavam opacos e sem uma forma definida. Sua expressão, sempre tão delicada e elegante, colecionava cortes e estava absolutamente encharcada, embora Sarah não soubesse precisar se tratava-se suor ou lágrimas.

— O que houve com você, Beatrice? — ela questionou, após alguns instantes, depois de finalmente superar o susto inicial. A pergunta foi responsável por causar um choro descontrolado por parte da jovem rainha, que convulsionava levemente enquanto soluçava. Não houve qualquer resposta.

Aproximando-se de sua amiga, Sarah sentou-se ao seu lado na cama. A loira cobria o rosto com as mãos, envergonhada de seu próprio estado. Por mais que a princesa tentasse lhe afagar os cabelos, a sequência de perguntas que ela formulava apenas fazia com que a rainha chorasse ainda mais, deixando-a incapacitada de falar. Só então foi que os ferimentos e marcas de seus braços tornaram-se visível aos olhos da mais nova. As mãos que ocultavam seu rosto estavam enfaixadas com ataduras próprias para queimaduras.

— Por favor, Beatrice, fale alguma coisa! — a princesa exclamou, sentindo-se desesperada e impotente. — O que aconteceu? Por que você está toda machucada? Quem fez isso com você, diga-me!

Novamente, não houve resposta. A rainha escondeu o rosto entre os joelhos, ainda soluçando. Estava com tanta vergonha de sua aparência que não se sentia digna sequer de encarar daquela que sempre a viu com olhos de admiração.

Angustiada pela falta de respostas, Sarah não sabia o que fazer ou pensar. Ela tentou acariciar as costas de sua amiga, mas isso fez com que ela soltasse um gemido de dor. Seu dorso estava tão lesionado quanto as mãos. “Quem no mundo teria a audácia de fazer algo com a própria rainha de Odarin?”, ela se questionou com raiva.

Só então uma realização lhe veio à mente. Nenhum soldado ou mesmo camponês teria a ousadia de erguer um dedo sequer contra a senhora daquele castelo. Caso o fizesse, sofreria consequências terríveis e o assunto se tornaria público em instantes. No entanto, durante sua ausência, Sarah nada soube sobre o mal que se punha sobre sua amiga. O que a levava a crer que o agressor não era uma pessoa de fora, mas sim alguém de dentro, que tivesse tanto acesso ilimitado à rainha quanto poder suficiente para impedir que o assunto viesse à tona.

E, dentro daquelas paredes de pedra, só havia uma única pessoa a compartilhar da mesma posição hierárquica da rainha. “Allen tem muito o que esclarecer agora”.


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