Soundtrack escrita por Mia Lehoi


Capítulo 10
Track 10: Taxi


Notas iniciais do capítulo

Taxi é uma canção da banda The Maine (https://www.youtube.com/watch?v=RevpxwkdmcU)



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I can't say that I can make you feel
(Eu não posso dizer que posso te fazer se sentir)
Complete or free from your worry
(Completo ou livre de preocupações)
But believe me when I tell you
(Mas acredite em mim quando eu disser)
"Babe, you'll never be lonely"
(“Querido, você nunca mais estará sozinho”)

Quando o elevador deu aquele solavanco, a primeira reação de Carmem foi pegar o celular para ligar para a recepção e a de Do Contra foi sentir o pânico crescendo dentro de si. Ele assistiu a loira discar os números e tentou disfarçar o desconforto, mesmo depois que ela não teve resposta nem na primeira e nem nas outras duas tentativas de ligação que se seguiram.

— Sem sinal. – ela suspirou pesadamente encarando a luz fraca de emergência, que deixava o ambiente com um aspecto ainda mais apertado.

O garoto não disse nada, só se concentrando em puxar o ar para dentro e jogá-lo para fora. Não sabia dizer o que era aquilo que estava acontecendo. Desde criança, sempre que saía com os pais ou os amigos, ele ia de escada para todo canto, em parte achando que era para contrariar os outros e em parte porque o pensamento de ficar em um lugar tão pequeno o deixava desconfortável. Naquele dia, com tantas coisas na cabeça, havia se esquecido completamente disso. Mas agora a situação que ele nem sabia que temia estava acontecendo e era desesperadora.

— Você está bem? – a garota perguntou, arqueando as sobrancelhas. Ele fez que sim com a cabeça, mas não pareceu convincente. – Toma. – continuou, oferecendo a garrafa d’água que tinha dentro da bolsa. Ele aceitou, mas não bebeu nenhum gole. O jeito com que ele de uma hora para outra parecia ter se tornado incapaz de ficar quieto, batendo os pés impacientemente, respirando rápido e olhando em todas as direções como se buscasse uma saída a fez perceber a crise de ansiedade que tomava conta dele. – Senta no chão. – ela ordenou, com um tom de voz paciente.

— O quê? – ele perguntou, confuso.

— Senta no chão. Vai te ajudar a se acalmar. – completou. Ela esperava que ele fosse rebater e dizer que não precisava disso, mas para sua surpresa o garoto simplesmente obedeceu, escorregando lentamente pela parede na qual estava apoiado até estar sentado. – Tira essa mochila e esse boné também. – continuou, logo juntando-se a ele no chão, sentando-se apoiada na parede oposta.

— Carmem... – ele começou, fechando os olhos e respirando fundo. – Coloca uma música? – pediu, a voz baixa e falhada - Mas não põe nada muito barulhento não. Nem aquelas playlists de depressão que você tem. – completou, abrindo um sorrisinho nervoso.

A loira girou os olhos, se perguntando como ele conseguia ser um pentelho mesmo num momento tão vulnerável. Ainda assim pegou o celular, abriu o spotify e colocou uma única música pra tocar em repeat. Talvez ele até a considerasse triste demais, mas talvez fosse uma das que mais a ajudava a se acalmar e ela torcia para que pudesse funcionar com ele também.

As notas começaram e ela cantarolou baixinho, sem se preocupar com o que ele achava de sua voz. Não conseguiu evitar analisar as feições do garoto, tentando identificar se ele estava conseguindo se acalmar nem que fosse um pouquinho. Do Contra continuou de olhos fechados, aos poucos sua respiração ficando menos irregular, embora ainda estivesse visivelmente ansioso. Marina tinha desenhado duas faixas verdes em cada uma de suas bochechas, mas fora isso nem parecia que ele tinha vindo do jogo direto para o hotel. Como se aquela tarde tivesse acontecido em outra realidade.

A música tocou inteira mais duas vezes antes que ele começasse a ficar nervoso de novo. Não conseguia controlar. Toda vez que conseguia levar a mente para longe dali, a consciência de onde estava voltava e começava tudo outra vez. Os tremores, a dificuldade para respirar, a adrenalina chegando, rápido, rápido, rápido como um trem bala. Se parecia com um, na verdade. Como se ele fosse parte dos trilhos, sendo esmagado toda vez que o pânico chegava.

— DC! Ei! – ele tinha consciência da voz dela chamando, mas soava tão distante que até parecia que ela estava a metros de distância. A ironia disso, é que se realmente houvesse espaço para isso, ele não estaria naquela enrascada. Se forçou a abrir os olhos e encontrou o rosto dela tomado de preocupação. Se não estivesse tão em pânico, ele ficaria constrangido porque odiava chamar atenção para seus pontos fracos, mas nada daquilo importava. Não enquanto estivesse preso naquele elevador com aquela maldita luz amarela que o fazia desejar estar no completo breu.

— Você sabe como desliga essa luz? – perguntou, a voz um pouco rouca.

— Sei. – respondeu simplesmente – Deita aqui. – apontou a própria coxa. Ele poderia ter pensado um monte de coisas, mas só atendeu ao pedido e deitou de barriga para cima. No instante seguinte ela esticou a mão para o painel e apertou o botão da luz de emergência, deixando-os no escuro. Por mais que continuasse suando frio, daquele jeito era mais fácil esquecer o espaço físico e pensar que estava em um lugar amplo e vazio, sem parede nenhuma ao seu redor. – Eu acho que você tá com febre, mas não sei ver essas coisas direito. – comentou, aborrecida, colocando a mão sobre a testa dele. No instante seguinte os dedos dela escorregaram por seus cabelos, fazendo um cafuné meio preguiçoso. – A Tia Ninha sempre faz isso quando eu preciso me acalmar.

A música continuou tocando, agora um pouco mais baixo. Os dois já tinham perdido as contas de quantas vezes ela havia passado, ou do tempo em que estiveram presos ali. Parecia uma eternidade.

— Como você sabe como são as minhas playlists? – ela perguntou, arqueando as sobrancelhas embora soubesse que ele não podia ver.

— Eu vi, ué. – respondeu simplesmente – Naquele dia que eu fui buscar meu celular.

— Quê? – murmurou, estupefata. – Eu achei que você estava olhando as minhas conversas do Facebook ou algo assim!

— Pra quê eu ia querer ver seu Facebook, Carmem? – ele rebateu e mesmo com todo o cansaço do momento, o sarcasmo apareceu nitidamente em sua voz.

— Eu sei lá! Mas que tipo de pessoa stalkeia o spotify dos outros? – girou os olhos exageradamente. O garoto não precisou responder, porque era bastante óbvio que a resposta seria justamente ele. – Você é a pessoa mais estranha que eu conheço.

— Obrigado. – sorriu. Ele não soube dizer se era o escuro, o carinho ou a conversa, mas aos poucos o pânico foi diminuindo. Pensar em outras coisas, como aquele dia na casa dela, os planos, o jogo daquele dia e até mesmo o beijo de Mônica e Cebola parecia quase terapêutico agora, porque desviava sua atenção da ansiedade. – O que é que você tanto vê naquele cara?

— Uau. Você quer mesmo falar disso agora? – perguntou, descrente.

— Uhum. – murmurou. Ela pensou em dizer que não era uma boa ideia, mas o melhor que podia fazer era mantê-lo conversando, então prosseguiu.

— Eu... – parou para pensar – Ele é ambicioso que nem eu, mas tem coragem de mostrar isso, de lutar pelos sonhos dele, mesmo quando todo mundo diz que vai dar errado. E mesmo ele sendo assim, todo mundo vê que ele é uma pessoa incrível, inteligente, determinada. Acho que ele é como eu queria ser se não fosse...

— Por que você nunca é assim na frente dele? - ele interrompeu aquele discurso de repente, com as sobrancelhas arqueadas em descrença.

— Assim como? – ela perguntou, sem entender nada.

— Assim, ué. De verdade. Porra louca, que xinga, responde, senta no chão sem ligar de sujar a roupa. – deu uma pausa – Você parece que tá sempre tentando agradar ele. Ou tentando fazer as pessoas te invejarem, te acharem mais popular. – continuou. A loira encarou a escuridão, perplexa. Nunca achou que alguém repararia naquilo, ou teria coragem de dizer isso na cara dela. – Se você fosse com ele como é comigo, o imbecil já teria se apaixonado há muito tempo. – ele completou, sem se importar com o quão estranha aquela frase poderia soar.

— Eu não sou de jeito nenhum com você. – girou os olhos, agradecendo mentalmente por estar escuro e ele não poder ver o rubor tomando conta de seu rosto – Só não tô nem aí pro que você pensa de mim.

— Exatamente. – ele pontuou, vitorioso.

O ambiente voltou a ficar silencioso. Ela não tinha mais o que dizer depois daquilo. E ele sabia que se arrependeria de ter falado aquelas coisas quando estivesse em seu juízo perfeito. Mas talvez ela precisasse ouvir. E talvez ele mesmo precisasse dizer.

Carmem tirou a música do repeat e deixou a playlist rolar, só para ter algo para fazer. Mas felizmente, só mais uma música depois, o elevador deu outro solavanco, todas as luzes se acenderam e ele voltou a se movimentar. Os dois se entreolharam nervosamente e se levantaram devagar. Do Contra voltou a se apoiar na parede e só se acalmou quando as portas se abriram e ele finalmente se viu livre daquele espaço.

O saguão do hotel estava lotado de gente andando em várias direções, vários hóspedes sendo atendidos por funcionários, telefones tocando e vozes soando em todos os lugares. Por mais que parecesse caótico, era reconfortante.

Gilberto, um homem de meia idade que era motorista de Carmem, veio correndo ao encontro dos dois, preocupado.

— Senhorita Carmem! Está tudo bem? – ele perguntou, antes de começar a contar a história sobre como havia esperado sua ligação para busca-la, até ligar para a staff do hotel e eles lhe avisarem que ela estava ali quando começou um apagão que atingiu todo o centro da cidade.

— Eu... Sim, tudo bem. Desculpa Gil, eu esqueci totalmente de avisar que viria pra cá depois do jogo. – respondeu, embora fosse apenas meia verdade. Havia esquecido mesmo, mas sabia que o plano era ficar fora com os amigos até tarde. O funcionário deu uma olhadela para Do Contra, mas não disse nada.

— Quer que eu a leve para casa? – perguntou.

— Não, eu vou... Pode ir para casa se quiser. – deu de ombros. O homem sorriu, se despediu dos dois brevemente e saiu. – O seu carro está aonde? – ela voltou a se dirigir ao garoto ao seu lado, que ainda parecia bastante nervoso.

— Lá na rua, mas pode deixar que eu me...

— Vamos, eu dirijo até sua casa. – mandou, com um tom que não deixava espaço para discussões.

— Não precisa. – ainda assim ele tentou, arqueando as sobrancelhas – Você pelo menos sabe dirigir?

— Não, vou bater seu carro no primeiro poste que aparecer. – ironizou, aborrecida. – Sei, eu só não gosto muito. – girou os olhos. – E não vou te deixar dirigir desse jeito.

Por mais que fosse tentador continuar argumentando, mais uma vez ele apenas obedeceu. Estava exausto como não ficava nem depois de uma bateria de provas da faculdade e só queria um pouco de paz, uma chuveirada e sua cama. A guiou até onde havia estacionado e aguardou que ela ajustasse o banco e os espelhos antes de entrar e se sentar no banco do passageiro. A sensação de amplitude da rua parecia tão mais acolhedora depois da experiência que acabara de viver que ele quis aproveitar mais um pouquinho.

Esperava que Carmem fosse dirigir feito aquelas patricinhas de filmes que não ligam para ninguém e andam rápido sem se importar com multas, mas ela se parecia muito mais com uma velhinha com medo de velocidade, pisando bem menos no acelerador do que a via permitia. Seguiram o caminho todo em silêncio, sem música nem nada, só com a brisa gelada da noite entrando pelas janelas. Quando chegaram ao destino, ele finalmente se lembrou de algo importante.

— Pera aí! – disparou, antes que ela pensasse em sair. Pegou a mochila que havia jogado no banco de trás assim que entrou no carro e procurou o CD embrulhado no folheto. – Acho que você vai gostar dessas músicas aí. Aquela sua playlist tava muito boa, mas deprimida demais.

— Idiota. Qual é o problema de ouvir Radiohead? – riu, aceitando o CD.

— Nenhum. – ele deu de ombros – Vai querer entrar?

— Acho melhor não. O que o Nimbus vai pensar se te ver comigo? – arqueou as sobrancelhas, pegando o celular para chamar um taxi.

— Provavelmente que eu consegui algo que ele tá tentando desde a sétima série. – comentou, fazendo-a rir.

— Você não perdoa nem seu irmão, hein? – sorriu, finalizando o chamado pelo aplicativo.

— Ele merece. – riu baixo.

Ainda esperou até que o taxi dela tivesse chegado para entrar em casa. Talvez sua mãe achasse estranho ele ter deixado o carro na calçada ao invés de pôr na garagem, mas não ligou. Aquele dia tinha sido longo demais, essa preocupação poderia ficar para amanhã.


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Notas finais do capítulo

Se segurem que hoje eu tenho muito falatório pra fazer! hahaha
Pra não perder o costume, vou começar com a música do capítulo: essa foi uma das que logo que comecei a escrever essa fic pensei "essa tem que entrar na história!". The Maine é uma das minhas bandas favoritas há bem uns 8 anos e esse ano eu tive um privilégio de vê-los ao vivo. Essa música foi uma das que mais me marcou no show e na minha cabeça ela marcou a Carmem do mesmo jeito.
Bom, finalmente vimos um lado mais vulnerável do DC (ponto pra leitora Anny que acertou em cheio o que ia acontecer! kkk). Como ele não é explorado muito profundamente nas revistas, me sobra muito espaço pra criar. Pra mim faz muito sentido que ele tenha medo de algo que foi criado para facilitar a vida e que muita gente gosta, como um elevador. Não é algo que ele tenha um pavor (talvez depois dessa experiência traumática ele tenha), mas um grande desconforto.
Mas e agora? Eles vão continuar com o plano? Ou finalmente Mônica e Cebola vão ficar de boas? Vamos aguardar os próximos capítulos! xD
Beijão gente ♥



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