Hoje eu passei em frente à sua porta.

Não é a primeira vez que faço isso, para ser honesta. Tenho andado por sua calçada muitas vezes ultimamente, tentando convencer a mim mesma de que a rua em que você mora é uma das mais importantes do bairro, e de que seria quase impossível ir para
qualquer lugar da cidade sem passar por ela.

Mas eu sei que não é verdade.

Entretanto, eu não consigo me impedir de, sempre que me vem o impulso, pisar na calçada em frente à sua casa e encarar a porta de madeira pela qual você me expulsou na última vez que nos vimos.

Eu perdi a conta de quantas vezes já fiz isso – parei e
encarei, sempre a mesma coisa todos os dias.

Só que hoje foi diferente.

Não que eu tenha mudado em algo essa minha rotina esquisita. Eu fiz a mesma coisa de sempre; parei e encarei. Fiquei ali por alguns segundos, como de praxe, quase perdida na imensidão da sua porta de carvalho, até que ela se abriu.

Meus olhos arregalaram-se, meu coração acelerou. Eu olhei em volta, em busca de qualquer lugar para me esconder, porque você não poderia me ver sob qualquer circunstância. Eu sei disso porque você me disse na última vez que me viu.

A porta aberta acabou por revelar um homem alto e uniformizado, que em nada se parecia com você. Era apenas um dos funcionários que trabalha loja nos fundos da sua casa. Ele nem sequer me viu, e eu notei que meu desespero foi todo em vão. Afinal de contas, não era você.

E se tivesse sido você?

Com isso em mente, eu fui para casa sem saber se estava aliviada ou decepcionada.