Prelúdios Etéreos I: A Ascensão escrita por Raffs


Capítulo 3
Capítulo 2




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Era difícil manter a concentração. A cerimônia era, como Victor imaginava, um tédio. Mas ele deu o seu melhor para permanecer acordado. O gigantesco portão de pedra atrás do altar só podia ser aberto por Darkas, o maldito velho sorridente.

Ele nem queria estar ali. Mas precisava.

Olhou para o portão. Possuía, pelo que Victor calculou com suas péssimas noções geométricas, seus sessenta metros. No mínimo. Parecia muito mais um muro do que um portão, pois não havia abertura. A Academia era tão bem murada e protegida que mais parecia uma prisão do que uma escola.

Escola não. Centro de estudos. Monastério. Qualquer coisa, menos escola.

Victor ouvira que os veteranos, tutores e estudiosos da Academia detestavam serem chamados de “aluno” ou “professor”, e ele não estava à vontade para confirmar a veracidade daquilo.

Tornou a atentar para o grande portão que separava ele e todas aquelas outras mil e oitocentas pessoas da área central da Academia de Elyrach.

Um pensamento passou rapidamente pela sua cabeça, tão rapidamente que ele mesmo quase não notou. Mas com um certo esforço, ele conseguiu segurar aquela linha de raciocínio, mantê-la na sua mente.

Não, era estúpido demais. Não valia o risco.

Sim, disse alguma parte obscura da sua mente confusa.

Já estamos no último juramento, disse seu lado racional, basta esperar um pouco mais.

Paciência é uma virtude que não pertence a este garoto, disse sua contraparte sem-noção. Mas ela estava certa.

A visão de estar no topo do muro hipnotizou-o; Victor, sem perceber, andava a passos lentos até o portão. Sem que os negligentes Guardiões vissem, o garoto logo estava tocando a estrutura de pedra. Não havia onde se apoiar, pois o muro era maciço, sem rachaduras ou saliências, embora fosse muito antigo. Victor também teve a momentânea sensação de levar um pequeno choque ao tocar o muro.

O Guardião mais próximo imediatamente arrancou-o dali, como se Victor fosse um inseto pousando em seu ombro.

Aquilo direcionou os olhos de todos a Victor. Ele estava constrangido, claro. Mas tentou não transparecer isso.

O Guardião, por mais que parecesse uma estátua mais do que qualquer outra coisa, abriu a boca.

— O que pensa que está fazendo? – sua voz era forte como um trovão, mas ele tentava soar calmo. Ornava um elmo dourado que cobria todo o seu rosto, à exceção de boca e nariz.

Victor não respondeu; não se atreveu. Se deixasse a si mesmo abrir a boca, tinha certeza de que sua reputação já manchada seria piorada ainda no primeiro dia na Academia.

E, claro, ele não queria usar sua habilidade. Era desnecessário. Victor não queria se tornar dependente dela.

— Posso continuar? – perguntou, em alto e bom tom e com um sorriso no rosto, o garoto que fazia o juramento. O primeiro colocado.

O subliminar tom sarcástico em sua frase fez todos darem uma leve risada. Mas ele não parecia querer constranger Victor, e sim apenas descontrair para quebrar o clima de tensão súbito.

Talvez ele fosse uma boa pessoa. Talvez não.

— Victor Harland, volte ao seu lugar. – ordenou Darkas, o Grão-Mestre. Victor livrou o braço da mão do Guardião e recostou-se na parede do salão, junto a um punhado de estátuas em tamanho real de Paladinos de Elyrach. – Volte para o seu lugar. – repetiu, dessa vez pausadamente. Victor captou a mensagem e então logo andou até o último banco da última fileira, no fundo do salão.

Ele não gostava de ficar parado. E também odiava os olhares que recebia, menosprezando-o por ser o último colocado enquanto sentava ali.

Os minutos passaram, o garoto-prodígio-engraçadinho terminou seu juramento cheio de pompa, recebeu mais um punhado de aplausos, e então o Grão-Mestre pediu para todos os presentes se levantarem.

— Se irão se despedir, pais e filhos, peço que o façam nesse momento. – disse, sem sorriso estampado no rosto agora.

Nos minutos que se seguiram, Victor ouviu diversos discursos motivacionais paternos e choros maternos, entrecortando uns aos outros.

— Seus pais também não vieram, eu presumo. – uma garota de cabelos louros sorriu melancolicamente para Victor.

— Eles andam ocupados… além disso, para o meu pai, é complicado conseguir sair de um túmulo. Tem muita terra em cima. – ele forçou um sorriso, meio que indicando que havia feito uma piada.

— É preciso coragem para conseguir fazer alguma piada sobre isso— ela arregalou os olhos rapidamente – sem cair no choro em seguida.

— Coragem ou estupidez… – Victor denotou certa dúvida ao final da frase, como se não tivesse certeza do que falasse. Ou se queria receber uma resposta. – E quanto aos seus pais? Estão vivos, eu espero.

— Ah, estão. Mas não mais para mim. Aprendi a viver por mim  mesma um pouco mais cedo que a maioria das pessoas. – quando Victor estava prestes a questioná-la, ela se adiantou: – Longa história. Muito longa. Desnecessariamente longa.

E qual é a maldita história que não é longa? Droga, se não for longa, não vale a pena ser contada.

— Tome o seu tempo. Eu não tenho mais nada para fazer mesmo.

Ela riu. Seus cabelos lisos se encaracolavam nas extremidades, afogando seu rosto num mar de dourado quando ela encurvava a cabeça enquanto ria. Sua pele era pálida. Seus olhos, heterocromáticos, embora a diferença de cores fosse pouca: um era verde-claro como uma pastagem durante o verão, o outro verde-escuro como uma floresta vista de cima.

Ela ajeitou uma mecha atrás da orelha.

Victor surpreendeu-se consigo mesmo; ele sabia que não era muito bom em notar detalhes. Talvez estivesse um pouco interessado na garota?

Sua parte racional o lembrou do tempo que fazia desde que vira a garota: três minutos.

Antes que seu lado estúpido resolvesse começar outra briga interna, Victor fez questão de garantir a si mesmo que não sentia nem sentiria nada por ninguém dentro daqueles portões.

Os portões.

— Quando esse velho vai abrir isso?

— Não fala assim. O Grão-Mestre parece bem simpático.

— Diz isso porque não foi a você que ele ordenou na frente de outras mil e oitocentas pessoas para voltar a sentar-se no maldito último lugar.

— Não somos tão diferentes. Eu fui a antepenúltima.

— Então, quando se sentir mal por isso, olhe pra mim e lembre que poderia ser pior.

— Seu humor depreciativo me impressiona. Você é sempre assim, tão negativo?

— Eu sou apenas bem-humorado. E franco comigo mesmo.

Quando a conversa parecia engrenar, a voz esganiçada do Grão-Mestre ecoou pelo salão.

— Pais e responsáveis, afastem-se; chegou o grande momento.

Palavra por palavra, sua voz parecia ficar mais encorpada.

Gesticulou para os Guardiões que se posicionavam em frente ao portão. Os Oficiais rapidamente se afastaram em direções opostas, abrindo caminho para Darkas.

Com a fileira de Guardiões dispersa, agora era possível ver um detalhe extra no muro.

Uma saliência circular, de onde partiam diversas ramificações em linha reta que se espalhavam por todo o muro.

Todos os Guardiões e Oficiais presentes pousaram suas lanças e espadas no chão, em continência.

O Grão-Mestre caminhou lentamente em direção ao círculo, com a palma da mão direita estendida para a frente.

O silêncio tomou conta do local; o único barulho que Victor conseguia ouvir era o dos passos do Grão-Mestre, e o tum-tum do seu próprio coração, apreensivo.

De repente, a mão de Darkas tocou a superfície do círculo.

Ele balbuciou algumas palavras ininteligíveis, e então o espetáculo começou.

Uma onda de poder atravessou o salão. Victor pôde a sentir, como um vento forte que passa por uma campina aberta.

Todo aquele poder pareceu se dirigir à mão do velho Grão-Mestre, e então o círculo onde sua mão repousava brilhou num tom forte de dourado, quase branco, como o sol do meio-dia. A luz rapidamente se espalhou para as ramificações, chegou até suas extremidades e voltou até o círculo central.

Tudo em questão de segundos.

Assim que a luz retornou para a palma da mão de Darkas, Victor ouviu um rangido.

Uma linha surgiu.

Duas.

As duas tênues linhas luminosas partiram do círculo central, fizeram um movimento vertical de cerca de dez metros para cima, lado a lado, se encontraram e em seguida fizeram uma curva para baixo, novamente se movendo na vertical alguns segundos depois.

Quando as linhas chegaram ao chão, ficou claro o que aquilo era.

O formato de uma grande porta se tornou visível, uma porta larga o suficiente para oito, nove, talvez dez pessoas passarem lado a lado sem se tocarem.

Darkas novamente pronunciou algumas sílabas sem nexo.

Cerca de trinta segundos se passaram, e Victor já se questionava se o Grão-Mestre não tinha errado o feitiço ou coisa do tipo, até que…

— É… fantástico. – sussurrou a garota loura.

O portão se dividiu em dois, e uma brecha de luminosidade começou a surgir lentamente, tornando-se cada vez mais visível.

— Eu esqueci de perguntar...qual o seu nome?

Ela parecia hipnotizada pelo movimento do portão de pedra. Não desgrudou os olhos dali, mas respondeu a Victor.

— É… Elae.

— Posicionem-se, Acadêmicos! – Darkas disse com voz altiva. Victor sentiu-se obrigado a obedecer, pelo tom com que o idoso falou.

Os agora membros da Grande Academia de Elyrach se posicionaram da mesma forma que os Guardiões, à frente: fizeram linhas de sete pessoas, andando em marcha cadenciada.

Victor, claro, estava na última fileira.

Pensou em falar com Elae, mas entre os dois havia um garoto mal-encarado, vinte centímetros mais alto que Victor, e Harland não se sentia à vontade para entrar em seu caminho.

Após alguns minutos, a vez da fileira de Victor chegou. Ele deu uma última olhada para trás, e o que viu foi pais e mães. Muitos deles. Alguns com um sorriso de orgulho no rosto, outros ainda enxugando as lágrimas.

Por um momento, e apenas por um momento, ele desejou que sua mãe estivesse ali, para se despedir. Deuses, ele pensou até em seu pai.

Uma lágrima escorreu pelo seu rosto, tão discretamente que ele mal notou.

Mas Elae notou, e virou-se para ele, fazendo um gesto rápido de enxugar o rosto, passando o dedo indicador abaixo da linha dos olhos. Victor entendeu o que ela queria dizer.

Quando Victor passou dos limites do salão, os portões começaram a se fechar. Ele não podia mais olhar pra trás.

Ele tinha um objetivo ali dentro. E iria chegar nele, custasse o que fosse custar.

Só lhe restava direcionar os olhos para a frente, e a visão que encontrou naquele momento foi…

— Incrível. – disse, boquiaberto, ao ter sua primeira noção das dimensões da Grande Academia.


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