Prelúdios Etéreos I: A Ascensão escrita por Raffs


Capítulo 24
Capítulo 23




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Simpatia não era exatamente a maior característica dos membros da Excelsis. O desdém característico nos olhares dos presentes reverberava da monotonia da Sala de Reuniões. O lugar era semelhante a um teatro semi-circular, com três tribunas à frente dos assentos separados por degraus: uma mais elevada para o Pretor, outra logo abaixo para o Vice-Pretor e uma última para o escrivão. De certo modo, parecia ser feito com base num tribunal de fato. Ou como o Elareum, em versão reduzida.

O tal Pretor era ninguém mais, ninguém menos do que Deimos Lyrael, o próprio sujeito a fazer o convite em seu quarto. Ele ainda não havia chegado, e Arthuel já ouvia entre os presentes afirmações de espanto, como se aquilo fosse uma raridade. A cadeira de Vice-Pretor também estava vazia, pois o mesmo naquele momento se sentava ao lado de Arthuel, conversando com um homem robusto por volta dos quarenta anos, que Valet dissera chamar-se Fjord.

Fjord reclamava constantemente sobre algo relacionado ao Conselho, pelo que Arthuel conseguiu ouvir.

A única cadeira ocupada nas tribunas era a de Jocelyn, que Arthuel já conhecera na cerimônia de entrada da Academia. Cumpria ali papel semelhante: arquivar, transcrever e mexer com registros. Não devia ser função das mais empolgantes, mas a mulher muda de cabelos ruivos cumpria com afinco, e a reunião sequer tinha começado. Talvez escrevesse tanto para compensar a ausência de fala.

Após alguns minutos, um homem de pele cor-de-oliva, aparência exótica e feições serenas adentrou a sala, cumprimentando a todos no caminho. Ele vestia uma roupa diferente de todos, com mangas longas e folgadas, todo coberto por padrões de flores que Arthuel imaginou que fossem lótus amarelas, roxas e azuis. Sua curta barba escondia um sorriso quase que automático, embora discreto. Ele também levava um pequeno pingente âmbar em seu pescoço.

— Mansel! – exclamou Arulus. – Encontrei seu irmão ainda hoje. Não pode ser coincidência ver os dois fora do Elareum no mesmo dia.

— Boa noite, Valet. De fato. Eu e Sunil tomamos um tempo das questões do Conselho. Desde minha última viagem, estou de licença.

— Difícil saber quando vocês viajam, não é? O Conselho não é das instituições mais transparentes. – Arthuel sentiu uma pontada de cinismo na frase de Arulus.

Mansel abriu um breve sorriso. Pôs a mão dentro de seu colorido manto floral, e de lá tirou um rolo de papel amarrado com um laço e um selo. O selo tinha o símbolo da Ordem de Elyrach.

— Para sua felicidade, esta é uma mensagem diretamente dos Darchinia. O quão fantástico, não é?

— Inacreditável. Posso lê-la?

Ele guardou o rolo de volta.

— Esse papel cabe a nosso Pretor. Por falar nisso, onde está ele?

— É uma boa pergunta – resmungou Fjord, de quem Arulus parecera se esquecer no momento em que viu Mansel.

— Estranho. Lyrael está atrasado? – ele olhou de relance para o outro lado da sala, e mudou sua expressão – Oh, Agnes está logo ali. Preciso falar com ela, se não se importam. – Mansel não esperou resposta, e se dirigiu a uma mulher de cabelo curto castanho, também carregando um pingente, esse na testa. Diferentemente do colega, ela tinha cor de pele comum e roupas semelhantes ao resto dos presentes: casaco e calça em tons de bege e azul-marinho.

— Quem é aquele? – perguntou diretamente a Arulus.

— Mansel Lakshmi. Imaginei que ele fosse chamar sua atenção à primeira vista.

— A relação entre vocês pareceu… estranha.

— Com os Lakshmi, a linha entre o respeito e o temor é tênue. O irmão dele, Sunil, é ainda pior. São pessoas deveras poderosas aqui dentro. – Arulus deixou escapar o desgosto em admitir aquele fato. – Mas ainda gosto deles. Mais de Sunil do que de Mansel, mas são ambos pessoas leais. Embora a lealdade deles nem sempre ajude.

— Alguma coisa com o Conselho. Isso pouco me surpreende.

— Exato, Cyriac. Viu? É por isso que está aqui. Você é mais esperto do que eu previ.

Hah. – o sujeito sentado atrás deles riu, sem tentar ser discreto.

— O que…

— Zephyr. Apenas ignore. Ele sempre foi assim.

De repente, silêncio.

Todos se calaram e tudo que podia ser ouvido eram os passos do recém-chegado Deimos e a caneta de Jocelyn, que continuava a anotar incessantemente. Arthuel entendeu que ela registrava o momento da chegada do Pretor da Excelsis.

Deimos continuou caminhando até o seu lugar, na tribuna mais alta. Os membros presentes olhavam fixamente para ele, exceto pelo próprio Arthuel e por Zephyr, de olhar distraído.

O jovem de íris vermelhas mexeu em seu cabelo, folheou brevemente um grosso livro sobre sua mesa, colocou sua capa azul e dourada de Pretor e passeou com o olhar por todo o ambiente, até parar exatamente em Cyriac. Sua feição permaneceu impassível durante todo o processo.

— Boa noite.

Os presentes devolveram um sonoro “boa noite” em harmonia próxima ao uníssono.

— Esta é a primeira reunião que temos no ano corrente, e como sabem, temos alguns protocolos a cumprir. Para começar, dar as boas vindas ao calouro deste ano, Arthuel Cyriac.

Arulus cutucou Arthuel com o cotovelo. Ele avisara antes que aquilo era um gesto para que se levantasse, e assim o garoto o fez. Uma curta salva de palmas acompanhou o momento em que se ergueu.

— Seja bem-vindo, Arthuel. Eu, o Vice-Pretor Arulus e todos da Excelsis estão à disposição para ajudá-lo. E tenho certeza de que você também será capaz de nos ajudar no presente e no futuro.

— É claro. É um prazer – meneou a cabeça positivamente. Não sabia o que dizer além daquilo. Arulus cutucou-o novamente, e ele se sentou. Outra salva de palmas veio em seguida, e Arthuel julgou ter ouvido Zephyr soltar outro “hah”.

— Agora, às pautas. Arulus? – ele olhou para o syrel e em seguida para o assento do Vice-Pretor. Valet, ainda sentado ao lado de Arthuel, devolveu olhares enigmáticos. No fim das contas, Deimos continuou a falar – Certo. Peço desculpas pelo atraso – apesar disso, sua expressão não transmitia arrependimento algum – Ando ocupado com o acúmulo de funções.

— Esse atraso foi devido à sua campanha para o Conselho? – Fjord questionou em tom agressivo.

— Bem…

— Isso é o exato oposto do que um Pretor devia fazer, Lyrael! Existem prioridades.

— A sua, aparentemente, é impor autoridade através de gritos e insinuações. Cale-se, Fjord. Vamos ouvir o Pretor – retrucou Mansel, do outro lado da sala. – Prossiga. Deimos.

O jovem Pretor respirou fundo. O veterano de quarenta anos bufou de raiva, mas Deimos prosseguiu, como pedido.

— Aproveitando a presença de Mansel entre nós, sugiro que comecemos pela questão do Conselho. Nos últimos três meses, a paciência deles se esgotou, e isso ficou bastante claro com esta mensagem que Lakshmi nos trouxe. – ele lia o rolo, agora não mais amarrado com o selo da Ordem –  Insistem que o tal Levante seja investigado de imediato. Como entramos em recesso por um mês, e as atividades voltaram há também um mísero mês, não tivemos o tempo necessário para organizar a investigação. Mas com o pouco que reuni, começo a desconfiar de que existam mais infiltrados do que imaginamos.

— O Conselho quer que sejamos detetives? – perguntou Agnes.

— Colocando de maneira simplista, eu poderia dizer isso.

— E por que eles mesmos não resolvem isso? – disse Fjord.

— Todos no Elareum voltaram suas atenções para o Império. Não que eles venham a nos dizer algo. Certo, Valet?

— Obviamente. – se limitou a responder.

— E o que pretende fazer? Não estou disposto a fazer favores para os Darchinia. – Fjord resmungou.

— Iremos decidir agora. – disse Deimos, com um sorriso. – Mas não fazer não é uma opção. Queiramos ou não, o Conselho é quem nos mantém.

— Que piada – comentou Zephyr, baixinho.

— Essa é realmente a maior das nossas preocupações? Não achei que teríamos mais uma vez os desentendimentos com o Conselho como pauta principal. – disse Agnes.

— Vilanizar o Conselho não vai fazer bem para nenhuma das partes…

— Fácil para você dizer isso, Mansel! Você trabalha para eles!

— Fjord, abaixe seu tom de voz. – disse Deimos, com olhar compenetrado.

— Você… – ele apontava o dedo indicador para a tribuna do Pretor – … vocês sabem que eu não estou errado.

— Acho que todos aqui estamos plenamente conscientes dos nosso problemas com o Conselho. Não é preciso ressaltá-los o tempo todo – falou Arulus, calmamente. – Além do mais, é exatamente para nos aproximarmos dos Darchinia que eu e Deimos estamos concorrendo ao Conselho!

Arulus comentara dias antes que estava participando da disputa pelo cargo de Conselheiro Sênior, e que sem sequer ter sido eleito já começava a perceber a ingratidão da função.

— Tem razão, Candidato Primário. – disse Zephyr. – Não é por interesses próprios, definitivamente.

— Ora, seria hipocrisia dizer que interesses pessoais não estão envolvidos, Zephyr. Mas eu e Valet sabemos bem dos nossos papéis e do quão importante seria para toda a instituição ter nossas vozes ouvidas pelos Darchinia.

— Não posso negar que prefiro os seus interesses aos de Arulus. – disse Lucius, jovem risonho apenas um ano mais velho na Academia do que Arthuel – Nada pessoal, claro.

Arulus revirou os olhos, como costumava fazer.

— Minha candidatura é paralela à candidatura do Pretor. Não somos inimigos, Lucius.

— Esta é uma pauta digna. – comentou Agnes – Ainda não discutimos as candidaturas de vocês.

— Já teremos debates o bastante nas próximas semanas. Não vejo necessidade de abordarmos o assunto aqui. – respondeu Deimos.

— Desde que você represente melhor nossos interesses do que Magnus o fez, já tem o meu voto. – Zephyr falou.

— Por falar nisso, onde está Magnus? – disse Mansel.

— Foi transferido para o Templo de Holygarr no último recesso. Estava apreensivo com as relações estremecidas após seu mandato. Palavras dele. – Deimos continuou, olhando para o livro em sua mesa – … Apesar de continuar constando como membro aqui. Jocelyn, me faça o favor de atualizar isto, certo?

Jocelyn balançou a cabeça em sinal afirmativo.

— No fim das contas, nos desviamos do assunto. – Aida, isolada de todos os outros na sala, manifestou-se pela primeira vez – O que faremos em relação à investigação?

Todos pareceram se dar conta da bagunçada sequência de argumentos sem rumo que tinham iniciado, e voltaram a seus lugares. Após os segundos de calmaria, Zephyr foi o primeiro a falar.

— Eu sugiro que o Conselho pare de se preocupar com essas lendas de que Aclus, o Levante ou os fantasmas de Arikur e Daxam andam entre nós e nos dê funções realmente úteis.

— Ceticismo é idiotice quando lidamos com problemas na Ordem. Não adianta, teremos que investigar. O Conselho foi estrito na decisão dele.

— Você me parece interessado até demais nesse caso, Deimos. Tem algum, como tanto dizem, interesse particular nessa questão? – diferentemente de Fjord, Zephyr sabia como acusar alguém e manter a classe.

— Nenhum além do usual, Zephyr. O melhor para a instituição. Eu bem queria que tudo fosse mero delírio dos Darchinia, mas infelizmente não é o que parece.

— Eu também daria o meu máximo para provar meu valor para o Conselho quando estou tentando me tornar parte dele. – disse Fjord, como era de se esperar.

Apesar da acusação grave, Deimos não deu indícios de que fora afetado por aquelas palavras.

— Que o seja, Fjord. Não somos iguais. Alguém mais tem algo a dizer?

Lucius levantou a mão.

— Eu acho que o calouro não está entendendo nada.

E com aquela atitude, Lucius conseguiu conquistar a desafeição de Arthuel. De repente, todos voltavam a olhar para ele. Mas vestiu sua máscara e demonstrou naturalidade para com a situação.

Huh… eu estou entendendo o suficiente. Não vejo problema. É só a minha primeira reunião.

Deimos concordou.

— De fato. Lucius, guarde seu cinismo para você. Temos mais coisas para discutir. Por exemplo, o desaparecimento do professor Lucas, chefe do departamento de geografia.

As duas horas seguintes foram repletas de pautas que Arthuel entendia cada vez menos, como acusado pelo syrel Lucius, que ainda ria junto ao colega Normand. A pauta do início do encontro, no entanto, ainda chamava a atenção do garoto, que mesmo após a reunião continuou maquinando o caso em sua cabeça. Deimos, de fato, tinha um interesse quase suspeito naquilo.

Arulus dissera que, de todas as virtudes necessárias para se tornar membro da Excelsis, a confiança não era um delas. E aquilo estava claro como cristal para Arthuel.

Continuou ali, porém, pois sentia que talvez pudesse ser realmente útil saber de informações privilegiadas.

Às dez horas, o encontro foi encerrado. Arthuel voltou para o quarto, mas não encontrou Danyel.


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