Sapatinho de Cristal escrita por Folhas de Outono


Capítulo 8
Capítulo 8




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Deixo esses pensamentos de lado. É claro que ele me era familiar, eu havia visto o desfile real em que ele participou na cerimônia da troca de estação apenas algumas semanas atrás.

CAPÍTULO 8

Minhas mãos estão suadas de nervosismo e minhas pernas tão bambas que aproveito que lágrimas de nervosismo ameaçam cair de meus olhos para abaixar minha cabeça e fazer uma reverência levemente exagerada.

Aproveito para soltar discretamente o ar que prendi e respirar profundamente antes de me erguer novamente, com o máximo de delicadeza que podia dispensar.

—Não é preciso que se curve a mim.

—O Sr. é o príncipe. Eu sou apenas uma plebeia. É preciso que me curve. – Respondi com a voz comedida e baixa, sem olhar em seus olhos novamente.

Respiro fundo mais uma vez, tentando controlar os batimentos do meu coração.

—Gostaria de dançar? – Sorriu para mim. Seus dentes pareciam peças de porcelana de tão brancos.

Só podia ser brincadeira...

—Me perdoe meu príncipe, mas já espero por alguém. – Disse, esperando que não fosse levado como ofensa a minha recusa.

O jovem olha para os lados antes de voltar seus olhos para os meus, que logo abaixo o olhar.

—Engraçado... – Começa.- Não vejo ninguém se aproximar de você. Quem você espera?

—Um grande amigo meu, o caçador de Vossa Majestade.

—Claro... Bom, ele ainda não chegou e estou certo de que meu amigo não se importará que tão bela dama se divirta um pouco comigo em uma dança enquanto ele não chega, certo? – O sorriso torto despretensioso com o qual terminou sua frase fez parecer que ele não poderia estar mais tranquilo. – Apenas uma música. Vamos? – Estendeu sua mão.

Um convite aberto desta forma vindo diretamente do príncipe não poderia ser recusado publicamente sem ser tratado como ofensa, então apenas repousei minha palma em cima da sua e nos dirigimos para o centro do salão, onde começamos a dançar lentamente.

Dizer que todos os pares de olhos me observavam seria generosidade. A verdade é que cada dama ali, me esquadrinhava com olhares, provavelmente esperando algum erro de etiqueta, alguma gafe no modo de me portar ou se tivessem muita sorte, uma queda no meio da dança. Chegava a ser ridículo saber que elas se sentiam ameaçadas por mim, a faxineira da família e vendedora ignorada da loja onde compravam suas roupas.

Os cavalheiros ali presentes, no entanto, pareciam muito mais curiosos em saber quem eu era do que sobre a minha etiqueta. Diante de tantos olhares, era quase impossível não deixar que o medo de fazer alguma besteira me dominasse, mas me segurei ao máximo até a última nota. Graças ao meu amor pela música instrumental e clássica, havia aprendido muito bem a dançar e consequentemente, a ter a postura necessária para honrar a melodia. Se deixei de cumprir algum protocolo eu não sei, mas já estava tão desejosa de que aquilo acabasse, rezando tanto para que minhas irmãs e madrasta não me reconhecessem, que mal tocou a última nota e me pus a reverencia-lo, agradecer pela dança e me retirar do centro do salão.

De tão agitada e preocupada com a possibilidade de ser descoberta, acabei por entrar na primeira porta que avistei, a fim de sair logo dali. Me deparei com uma sacada de pedra, com uma estreita escada no canto, grudada a parede, levando ao gramado.

 A vista de onde estava era privilegiada e não resisti a me aproximar do parapeito para observar melhor. Podia ver o espaço irregular, gramado e fechado por cercas vivas com apenas duas passagens. Tudo estava iluminado, seja com pisca-piscas amarelados ou lanternas. Simplesmente lindo. No segundo seguinte já me encontrava descendo a escada rumo a um dos bancos brancos de madeira.

Sentada ali, sem ninguém a me observar, me permiti relaxar. Fechei os olhos e logo pude sentir o ar fresco e gélido entrando pelas minhas narinas, coçando-as por dentro, enquanto minha coluna relaxava e meus ombros caiam.

—Acho que você é a primeira dama que foge de mim.

“E tudo o que é bom, dura pouco, já dizia o ditado” pensei, sendo tomada pela frustração. Abri os olhos e o vi lá, erguido sobre a sacada onde estive minutos atrás. Pude, sem a pressão de todo um salão a me avaliar, enxerga-lo verdadeiramente pela primeira vez. Com um leve ar de superioridade o rondando, a verdade é que o homem parecia se perder em meio as pomposas vestes, dignas da majestade.

Sua pose lhe conferia um ar firme, mas levemente delicado, como se fosse um rapaz solícito, pronto a escutar uma velha a discursar sobre toda a sua vida, sem deixar de exercer autoridade e de se impor, simplesmente por estar lá. Ali, ele não parecia um príncipe, ele parecia um rei. Ou quase isso, não fosse pelo rosto juvenil completamente escondido pela máscara e os curtos cabelos negros que não lhe permitia um ar aristocrático.

—Há sempre uma primeira vez. No entanto, peço perdão. Não me sinto confortável em uma sala em que dezenas me observam e rogam pragas na esperança de que quebre algum tornozelo durante a dança para que nos afastássemos. – Respondi tentando soar o mais divertida que pude, mesmo ambos sabendo que aquilo era a mais pura verdade.

—Elas apenas o faziam pois sabem que jamais se igualariam a sua beleza. Sendo a beleza e educação a única coisa que a maioria delas tem, esperam que você peque no segundo quesito já que no primeiro sabem que é uma batalha perdida.

Pude senti-lo a poucos passos de mim, parando de se aproximar apenas quando as palavras terminaram de sair por sua boca. Sorri sem graça antes de me levantar.

—Obrigada, me sinto lisonjeada. – Disse-lhe antes de me dirigir as escadas. – Acho melhor voltar e procurar meu acompanhante.

—Antes de ir, acho que me deve uma dança. Afinal, você estava tão preocupada com os demais convidados que mal se permitiu realmente aproveitar o momento e dançar comigo. Não sei porque, mas não consigo tirar da minha cabeça que você dança muito melhor do que aquilo. – Sorriu, como se tivesse plena convicção do que afirmava.

—Claro.

Mal a próxima música começou a tocar, e começamos a dançar sobre a sacada, já que seria impossível dançar na grama considerando o tamanho dos saltos que usava. A porta, aberta desde que Henry chegou, permitia que tivéssemos a impressão de ainda estarmos debaixo daquele lustre. Logo a música começou a me rodear, como se desejasse tocar minha pele, causando arrepios nos pelos dos meus braços. O vestido, mesmo pesado, parecia tão leve quanto uma organza e meus pés, antes tão instáveis, agora pareciam tão confiáveis que guiavam todo o meu corpo através da melodia, inicialmente calma, mas que não tardou a crescer.

Viemos e voltamos diversas vezes por todas as direções. Giramos e fui girada mais vezes ainda. Até que, por fim, quando a música atingiu seu auge, Henry me ergueu, rodopiando enquanto mantinha meus braços abertos e minha cabeça levemente tombada para trás, rindo. E então, voltando a ficar lenta novamente, voltei tranquilamente ao chão, onde demos mais alguns passos até que ela, por fim, se findasse.

—Venha, quero te mostrar algo.

Logo o príncipe agarrou minha mão e me puxou em direção a uma das passagens da cerca viva, ignorando todos os meus protestos e exclamações a respeito de ter que voltar para casa.

Quando enfim paramos, me vi de frente a uma pequena ponte de madeira, e logo após atravessá-la, fui engolida por um belíssimo jardim. Caminhos tortuosos eram desenhado por flores roxas e árvores de copa florida encantavam os meus olhos. O muro criado de ambos os lados do jardim, além de guiar-me pelo único caminho existente, também parecia bloquear o mundo de fora, como se estivesse em outra dimensão.

Árvores tão altas que me faziam parecer uma formiga esguiam-se no fundo, enquanto arbustos esculpidos em desenhos afunilados surgiam vez ou outra, quando não havia uma copa colorida nas proximidades. Apesar disso, o grande destaque, eram as flores. Ao lado do caminho das roxas, havia uma outra enchente vermelha fina, ao lado de um mar amarelado. Era tão lindo que pude ocultar minha surpresa.

—Então, sei que você veio pelo meu amigo, mas já que ele não veio e você já está aqui, porque não ficar? – Sorriu. Reconhecendo que, em partes ele estava certo, assenti e me pus a seguir a diante. –Esse é o jardim real. Bonito, não? – Suspirou.

—Sim, é lindo majestade. –Respondi, mal conseguindo controlar a tentação de tocar em algumas flores e sentir se eram tão delicadas quanto de fato pareciam.

—Apenas Henry, quando não houver ninguém por perto, por favor. – Suplicou. No entanto, neguei. Seria muita ousadia para com ele, e muita intimidade para com um desconhecido cujo nome raramente poderia ser utilizado como vocativo. Minha insatisfação deveria estar clara em minhas feições, pois logo emendou. –Já sou muito bajulado, exaltado e exigido por ser o homem com tal título. Aqui, sem ninguém além de nós, me permita ser apenas um homem.

Diante de tal pedido, apenas lhe sorri antes de continuar a caminhar por entre o veridário.

Não conversamos sobre assuntos muito profundos. Ele me disse sobre a sua rotina como herdeiro de um trono e líder político, e eu lhe contei sobre a vida de uma cidadã comum, eliminando detalhes desnecessários e evitando sempre assuntos que fossem deveras pessoal ou que fizessem menção ao tema “família”. Também não contei que tocava violino. Aquilo era uma parte tão... minha, que mesmo que fosse uma informação geralmente cabal, não pude contar a alguém que a menos de três horas era um completo estranho, não dessa forma, como se não fosse nada demais. Mas não pude evitar falar sobre o Caçador, quando ele me questionou de onde o conhecia. Evitei, porém, falar mais do que o necessário ou o básico.

—Eu o conheci em um dos passeios que faço na floresta. Ele estava caçando e quase me acertou. Desde então, viramos amigos. – Sorri, admirando um pequeno riacho com fundo de pedra, águas cristalinas e rasas, que rasgavam a paisagem, e logo depois segui em frente, esperando que ele entendesse, não falaria muito mais sobre o assunto.

Pouco tempo depois, chegamos novamente ao fundo do palácio, onde estávamos inicialmente. Conversamos sobre mais alguns assuntos e, por fim, voltamos a dançar.

De súbito, bater dos sinos toca, e vejo apavorada o ponteiro indicar que dará meia noite. Entro no salão novamente, sabendo que sou seguida pelo Henry, e passo pelas pessoas, tentando ser discreta e não chamar atenção desnecessária para a minha saída, o que não era tão difícil tendo em vista que a festa já estava a todo vapor.

Olho ao redor tentando localizar as bruxinhas e a madrasta, logo as vejo, as primeiras dançando de forma tão desengonçada que quase dá vontade de rir. Já a última, estava séria no fundo do salão. Pelo menos não haviam saído ainda.

O príncipe, sem entender minha pressa, apenas me acompanhava, as vezes pedindo para ir mais devagar ou com mais calma. Infelizmente para ele, apenas ignorei seus pedidos e continuei, afoita, tentando sair dali enquanto ouço o segundo badalar.

—Realmente tenho que ir agora. Mas obrigada pela companhia. – Disse, sinceramente agradecida quando chego á porta, sem mesmo me virar para olhá-lo. Mas sei que ele ainda me seguia enquanto tentava acompanhar meus passos, que agora eram uma leve corrida.

—Ainda é cedo. – Afirmou, parecendo incomodado com minha partida eminente. –Fique mais algum tempo.

—Obrigada, eu me diverti bastante. – Disse-lhe simplesmente, dessa vez, olhando em seus olhos, antes de adentrar a carruagem e bater a porta, enquanto ele ainda estava a alguns metros de distância.

—Espere! – O ouço gritar. Mas apenas aceno, em sinal de adeus. E então, novamente, grita. -Esperarei ansioso pela noite de amanhã.

Uma pena que não pretendia voltar, já que meu par me dera um bolo. Bom, pelo menos, podia dizer que fiz um amigo.


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