Sapatinho de Cristal escrita por Folhas de Outono


Capítulo 15
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Música tocada neste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=lic9Z6yCbRU



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—Eu te amo.

Sabe quando você está mergulhando e, lá embaixo, dentro da água, você vê alguém na borda gritando, mas tudo o que pode ouvir é o nada, como se o mundo estivesse em mudo, ou como se uma bolha tampão o cercasse? Eu me senti em meio ao fundo da piscina. Minha mente flutuando inerte enquanto observava Henry falar alguma coisa que eu simplesmente não podia ouvir, como se ele estivesse na borda gritando e eu estava lá no fundo.

Sacudo de leve minha cabeça, tentando me despertar dessas sensações.

—Desculpe... o quê? – disse, baixinho.

8 metros de distância.

—O que você sente por mim? Porque não me diz seu nome?

O que eu sentia por ele? Eu deveria responder essa pergunta? Não. Não acho que deveria. Porque jamais poderia apenas dizê-lo e ser cem por cento sincera. Porque eu sabia o que sentia por ele, mas não apenas por ele. E o apenas era fundamental. Porque sem o apenas, eu iria simplesmente magoá-lo. Mas a pergunta era, eu poderia apenas deixa-lo ali e talvez nunca mais vê-lo, sem responder? Eu sabia a resposta para isso também. Eu não poderia.

—Eu estou apaixonada por você Henry. –admiti baixinho, olhando para os meus pés, parte de mim desejando que ele não ouvisse.

—Então porque continua fugindo? Porque não me diz quem é?! – sua voz sai baixa, tanto quanto a minha, mas a angústia havia sido acrescentada.

—Mas... Eu também amo outra pessoa. – completo, erguendo meu olhar. Porque ele merece saber que é verdade, não quero feri-lo, mas não posso faze-lo feliz também.

—Quem? – sussurrou.

Volto a olhar para baixo. Essa é uma pergunta que, pelo bem de todos, jamais responderia. Não apenas não adiantaria de nada, mas destruiria a amizade entre os dois rapazes, a confiança, e talvez, o Caçador sendo apenas, bom, um caçador, mesmo que nobre, poderia destruir sua vida. Mas não precisei responder, porque sem dizer uma palavra, ele soube.

O encaro profundamente em seus olhos.

5 metros de distância.

—Me desculpe... – sussurrei antes de soltar meu pé do calçado que estava prezo, me virar, e voltar a correr.

Capítulo 15

Me lembro de muito tempo atrás, quando era muito moça e nada sabia da vida, de passar horas lendo frases de efeito e cheias de drama sobre decisões difíceis e como elas mudam nossa vida, sobre como a indecisão é pior que o arrependimento; mas principalmente sobre o amor. Oh como são impactantes as frases sobre o amor, sejam elas positivas ou não. Belas frases com imagens de fundo cuidadosamente escolhidas. Mas quando corria do castelo, com lagrimas borrando toda a maquiagem, os cabelos se embolando cada vez mais profundamente e meus pés tremendo tanto que mal me sustentavam quando tocavam o chão frio, não me senti daquela forma. A forma com que as frases me fizeram sentir antigamente, com suas inverdades tão contraditórias, mas intensas, que me convenciam com poucas palavras.

Oh, como fui tola. O amor não era como subir o Everest e apreciar uma bela vista. Naquele momento, parecia mais como sonhar conquistar o Everest mas ao chegar no topo, depois de toda a dificuldade da escalada, perceber que subiu a montanha errada. Estou no topo ao lado e centímetros de ter escalado o pico mais alto. Centímetros de poder admirar o mundo de cima, em toda a sua glória e esplendor. De tê-lo conquistado como um todo. E não importa o quanto penso que tentei, no esforço e aprendizados que vieram com ele, aqueles centímetros que faltaram agora são tudo o que posso pensar.

Durante toda a volta, não me importei com o balançar brusco da carruagem que seguia a altas velocidades, não me importei com a vista. Tudo foi sufocado pelo sentimento de sufocamento devido a falta de ar imposta pelos soluços de um choro violento. Ao chegar, não pensei em agradecer ninguém, apenas em pé após pé, lentamente caminhar até a casa de meu falecido pai, consciente de cada passo lento que me empurrava para frente. Apenas em meu quarto permiti-me concentrar em algo mais e, não suportando os tremores, desabei no chão. Por alguns momentos, me permiti apenas chorar. Sentir meu coração se apertar, como se quisesse diminuir de tamanho, como se uma mão invisível invadisse meu peito e o apertasse até cada gota de sangue ser exprimida para fora.

Inspirei fundo uma vez.

De novo.

E de novo.

Até perder a conta.

Até sentir que a letargia era a única coisa que restava em mim.

Lentamente, soltei meus cabelos. “Uma palha”, pensei.

Depois, soltei botão a botão, anágua a anágua, até que não restasse mais nada, e joguei tudo em seu esconderijo. Caminhei até o banheiro, seguindo diretamente para o banho. A água estava tão quente que, em outros tempos, eu não o suportaria, mas agora era como o consolo que meus músculos mereciam. Suspirei profundamente, sentindo o calor escorrer pelos meus cabelos até a minha coluna, minhas narinas dilatando e meu peito inflando lentamente. Quando finalmente me deitei em minha cama, nada mais importava, apenas a escuridão de um mundo paralelo a esse onde tudo era mais simples. Antes mesmo de realmente perceber, dormi.

Na manhã seguinte, acordei consciente de cada músculo existente em meu corpo. Tentei me sentar, mas me senti tão pesada que apenas me deixei largada ali mesmo, um pequeno quadrado de luz ultrapassando minha janela e deixando tudo mais em uma bela penumbra. Ouvi quando bateram na porta, gritando pelo café da manhã. Nem mesmo pisquei em resposta. Minha mente estava longe em lugar nenhum. Em algum momento, tudo se calou de novo. “Saíram” concluí.

Levantei-me. Ouvi o som de cada um dos meus passos colidindo contra o piso. Por um momento fiquei ali, meio a sala de estar, apenas olhando pela janela, através dos bosques. Quis poder ir a clareira, mas sabia que não me faria bem. Que não era certo. Era como trair as memórias ainda frescas do príncipe. Apanhei o violino e, sem me importar com o vento gelado, me coloquei em posição nos jardins da casa. Com o olhar vago, mal registrando minhas ações, dispus o arco sobre as cordas e, olhando para a floresta, toquei minha saudade em um som lento e grave de “Arioso”.  Fechei meus olhos, concentrando-me na melodia que, sendo bela, também nunca havia se mostrado mais triste para mim como agora soava em meus ouvidos. Cada vibrar da madeira soando como um acalento na alma. Antes de perceber, os cinco minutos aviam se repetido em um lupin incansável e transformando-se em meia hora ou uma completa. Não sabia com certeza, e provavelmente nunca teria notado não fosse aquela nota desafinada que interrompeu todo o caos dentro de mim, trazendo novamente o silêncio para todo o local, para mim. O violino havia esquentado, dilatado e então desafinado. Coloquei-o para baixo e voltei para casa.

Recusei-me a fazer quaisquer tarefas, nem mesmo olhando a lista que, como sempre, estava disposta na cozinha. Não. Não hoje. Apenas arrumei-me melhor que pude, agarrei o belo vestido azul e a bicicleta e segui para a loja. Estava na hora de encerrar toda essa loucura, começando por devolver o vestido a sua verdadeira dona. A loja estava uma loucura quando cheguei, havia retalhos de tecidos brilhantes de obvia qualidade por todo lado.

—Alice?

—Bella! Que bom que chegou... – diz suspirando em claro alívio, ao aparecer na área de vendas da loja. – Três dias! Consegue imaginar isso? Três. Dias! Tudo tem que estar pronto e não terminei o último vestido ainda... -não ouvi o restante, pois Alice já havia sumido novamente no fundo da Fary Land.

Segui o pequeno furacão o mais de perto que consegui.

—Três? Mas já? Jurava que ainda tínhamos uma semana!

—Bem.. – disse parando e se voltando para mim. – Tínhamos uma semana. Hoje pela manhã chegou um cliente mega especial, super exclusivo; ele praticamente exigiu ver os novos lançamentos. Infelizmente, ele não estava disposto a esperar uma semana, disse que tinha esse mega evento pra ir, enfim.. – Alice respirou profundamente antes de voltar a disparar tão rápido quanto conseguia. – Em resumo, antecipei o máximo que pude. Tive que.

Precisei de alguns minutos para realmente entender o que havia sido disparado para mim tão rápido que fez a baixinha energética ficar ofegante.

—E quem é esse cliente mega especial ao ponto de fazer Alice Woods adiantar o lançamento de toda uma coleção? – perguntei incrédula.

—Bom... Er... Quero dizer...

—Alice..? Quem é?

—Esqueça isso Bella. – Suspirou. - Sabe que não posso dar quaisquer informações sobre os clientes da Fary Land para ninguém. Faz parte de toda a mágica e suspense dos eventos dessa cidade. Você sabe disso. Você trabalha aqui, afinal. – Sorriu. – E o baile? Como foi? Me conta tudo! – Puxou meu braço, me arrastando mais ao fundo até sua prancheta de desenho.

—Bom... Ele não me perseguiu dessa vez...

—Viu! – gritou. – AHA! Sabia que era a escolha certa mandar aquela mensagem para você ir ao baile!

— Exceto... – disse, retirando o vestido da embalagem e jogando ele todo em sua mesa, com a barra manchada de preto por cima. – Que ele jogou piche nas escadas para não me deixar sair. – Foi a minha vez de suspirar – me desculpe, não consegui salvar os sapatos. Bom, ao menos não os dois pares. – Completei, jogando o par esquerdo sobre o amontoado de pano azul cintilante.

Alice estava em choque, encarando a barra preta. Senti pena dela e quase pedi desculpas, mas, bem, não fui eu quem insistiu em ir aquela festa e certamente não fui eu quem jogou piche nas escadarias. Tudo bem que quando se devolve uma roupa emprestada deve-se entregar lavada e tudo mais, mas pra ser sincera, não tinha ideia de se era se quer possível tirar piche de um tecido tão fino e rico. Muito mais provável que eu só estragasse ainda mais ao tentar tirá-lo.

—Bom... Quer dizer... Isso é... – Sua cabeça despencou sobre a mesa fazendo um baque suave. – Ahg... – vi-a respirar fundo. – Não se preocupe, sei que não foi sua culpa, e não está tão grudado ainda. Não vai ficar perfeito, mas... Dá para salvar e ninguém vai perceber a não ser que procure por isso. É só que vai dar tanto trabalho. – Sussurrou.

E ela estava certa. Alice não quis dizer qual era seu último projeto, no qual trabalho quase todos os dias até o desfile, então me ofereci para recuperar os danos sofridos pelo vestido vendo a quantidade de trabalho que minha amiga já estava tendo. Foi bom também para tirar a mente de um certo príncipe e seu amigo o Caçador. Pensar neles resultava em uma dor surda no peito e ardor nos olhos. Era bom estar distraída. E foi o que o vestido me proporcionou, dois dias e meio de uma distração intensa, cheia de bolhas de sabão e linhas de costura até que o máximo de tecido tivesse sido recuperado e o restante, substituído. Não era tão boa na costura quanto Alice, mas claramente havia melhorado muito desde que comecei o trabalho na loja com ela. Precisei apenas seguir suas instruções, cortar um pouco de tecido, preparar a saia para receber novos para repor o que foi perdido e deixar tudo pronto para que ela só fizesse sua mágica.

E que mágica. Na noite da véspera do desfile, depois de terminar o projeto secreto, Alice colocou suas mãos no vestido e vualá! Estava praticamente novo. Nem mesmo uma manchinha cinza sombreava o vestido. E no dia seguinte, ele estaria nas passarelas.

—Terminamos. – Sussurrou Alice, suspirando de cansaço. – Vamos?

Por um momento, a loja fiou em silencio enquanto Alice me encarava esperando resposta. Eu, no entanto, só tinha olhos para o vestido.

—Você pode esperar um momento? -Disse me voltando para a baixinha – Sei que parece estranho, mas... Amanhã, o vestido estará na passarela. Ele não vai ser mais meu. Não que algum dia tenha sido, mas... mesmo assim, gostaria de me despedir dele. - “Das memórias”, pensei.

—Claro. – Alice sorriu simpática, nenhum julgamento em seu rosto. – Vou pegar minha bolsa. Fique a vontade.

Quando estava sozinha novamente, voltei-me para o amontoado de tecido azul. O amontoado de tecido mais especial que já havia usado. Não apenas porque sem dúvidas nenhuma era o vestido mais encantador que já tive a sorte de experimentar. Pensar que passei com ele três das noites que, com certeza foram as mais memoráveis possivelmente de toda a minha vida, era surreal.

Pela última vez, toquei os brilhos e pedras delicados, como gotas de diamantes por toda a sua extensão. O tecido maio e leve da saia... Me lembrei do quão pesado o vestido realmente era. Me lembrei também de como esperei, nele, o Caçador que nunca veio. De como flutuou, mesmo com a quantidade absurda de tecido, quando rodopiei com o príncipe ao som da sinfonia da orquestra pelos jardins.

Me afastei, sentindo o choque de uma lágrima colidindo nas costas das minhas mãos, se transformando em várias pequenas gotinhas de água que se espalharam por aí. A verdade é que, amanhã, quando o holofote atingir a modelo estranha que irá usá-lo, então ele verdadeiramente não será mais meu. Nosso vínculo será rompido e ele levará consigo a história do romance que vivi para que seu novo dono fizesse suas próprias lembranças. Em breve, eu não teria uma única foto, um único lembrete além de minhas próprias memórias, da espera pelo amor que lentamente desenvolvi e da conquista de um amor que em tão pouco tempo cultivei tão intensamente.

—Vamos? –Alice me chamou suavemente, se pondo ao lado da porta.

—Vamos.


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