Nós escrita por Graciela Pettrov


Capítulo 3
Silêncio


Notas iniciais do capítulo

Como devem imaginar, a nossa escrita é quase um enigma para muitos surdos. Quando eles gesticulam em línguas de sinais, é literalmente os verbos, sem qualquer mudança pra se encaixar na frase dita. Eles não têm conhecimento das conjugações verbais, como os ouvintes (Afinal, se conjugação verbal já é um inferno para nós, imagina para eles!).
Por exemplo:
Frase: Eu vou fazer uma visita na sua casa.
Frase em Língua de Sinais ou escrita: Eu visitar casa sua.
Coloquei isso para dar um ar um pouco mais real na história.



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A Haruno não via a hora de ouvir o sinal anunciando a hora de ir embora tocar. Estava na aula de história do cinema, sua matéria preferida, pois a turma era composta especificamente pelos alunos do curso, não era mista o que a tornava menos cheia. Ali era seu território onde ela poderia responder à frente sem temer passar por uma completa idiota, como no dia anterior.

— Escolham um longa de Charlie Chaplin. Assistam e façam uma síntese de observações quanto à qualidade visual, efeitos, desfecho e a ideia a ser passada visualmente. — Dizia a professora Kurenai, ela também dava aulas comunitárias de teatro no centro da cidade, Sakura ia pra lá todas as segundas, quartas e sextas.

Anotou todos os requisitos e fechou o caderno, aquela seria fácil. Era fã de Chaplin e tinha vários de seus filmes salvos em seu computador. Imaginou que não teria sua graça se não fossem mudos e em preto e branco.

O sinal tocou e ela foi rumo à parte norte do campus, pela segunda vez em dois anos.

[···]

Dessa vez foi diferente. Ela não deu de cara com Asuma tentando fumar escondido; o corredor não estava vazio, mas lotado de alunos saindo apressados rumo aos portões ao norte, alguns a olhavam com certa curiosidade; ela não precisou sair olhando de porta em porta; e quando chegou ao laboratório requerido notou que Sasuke não estava de jaleco e sim em uma camisa branca de mangas longas e jeans preto. Sem falar que desta vez ele a viu quando ela chegou.

A única coisa igual era o atraso de Kakashi.

Passou o caderno de anotações para a mão esquerda e acenou com a direita. Sasuke retribuiu o gesto e apontou para o assento ao seu lado, ainda na frente. Ela sentou, colocou seu caderno e sua bolsa sobre a mesa e ficou ali, encarando o quadro e de vez em quando dando uma olhadela no Uchiha.

Sakura sentia-se incomodada com o silêncio, qualquer coisa que abrangia o silêncio. Ela era uma pessoa que gostava de falar, conversar por horas e sobre qualquer coisa. Mas como ela poderia conversar com Sasuke?

Começou a imaginar o fracasso que seria essa monitoria, Kakashi era louco. Talvez o intuito dele fosse mesmo reprová-la desde o princípio e inventara aquela monitoria apenas para dar uma de bonzinho.

Olhou novamente para Sasuke e percebeu que ele rabiscava coisas aleatórias em seu caderno não demonstrando qualquer interesse em tentar iniciar um diálogo com ela. Ótimo. Ele também estava ciente da realidade. Sakura começou a batucar os dedos na mesa, precisava fazer qualquer barulho ou enlouqueceria.

[···]

Cinco minutos e nada do Hatake chegar. A Haruno estava a ponto de arrancar os cabelos. Já havia mandado umas sete mensagens de texto para Gaara avisando que não iria para casa com ele (imaginava pegar carona com ele depois que anotasse as coisas, mas não contava com o atraso do professor), e o ruivo ainda não havia respondido.

Não aguentou ficar mais sentada, levantou-se e passou a andar pelo laboratório. Observou algumas imagens estranhas grudadas em cartazes nas paredes, um armário repleto de recipientes de vidro em uma das portas e de jalecos em cabides na outra. Tentou abrir uma espécie de freezer que estava ao lado do armário, mas estava travado, desistiu quando olhou para trás e viu que Sasuke estava a observando de cenho franzido. Possivelmente pensando que ela havia enlouquecido.

A última coisa a se olhar era uma pequena pia embutida em um canto da parede do outro lado da sala. De repente sentiu sede. Procurou por um copo, mas era óbvio que ali não havia um, então lembrou-se que no armário tinha um utensílio que lembrava muito um copo, pegou um e foi até a torneira. Encheu o negócio de vidro. Hesitou por um instante, pensando se seria prudente beber aquela água, mas logo se deu conta de que se tinha um lugar limpo, era um laboratório de biologia.

Deu de ombros e voltou a sentar-se dando pequenos goles, a água estava um pouco quente, mas era melhor que ficar com sede. Olhou para a porta e nem sinal de Kakashi.

Bebeu um grande gole e notou os microscópios que ficavam em cima de cada mesa. Não sabia como ajustar as lentes nem nada, mas percebeu que Sasuke parara de rabiscar em seu caderno e continuava a olhá-la, e fingiu que sabia o que estava fazendo. Aproximou os olhos das duas lentes e encostou-os até poder ver, bem, nada além de um pedacinho de vidro.

Ouviu o ranger da cadeira de Sasuke e levantou a cabeça para vê-lo ir até o freezer e, com um sorriso ligeiramente presunçoso, destravar uma tranca na lateral e abri-lo com facilidade. Meteu a mão lá dentro e começou a passar os dedos por uma pilha de objetos de vidro. Escolheu um e fechou o freezer. Aproximou-se da mesa, mas não a contornou, apenas ficou do outro lado com o vidrinho quadrado em mãos olhando alternadamente dela para o microscópio.

— Ah, você quer esse ou...— Parou de falar ao se dar conta de que não receberia uma resposta, pelo menos não uma que ela entendesse. Constrangida por seu deslize empurrou o objeto para o lado dele na mesa.

Sasuke rapidamente virou-o para o seu lado e aproximou os olhos das lentes. Habilidosamente abriu a caixinha de vidro e tirou um pedacinho e encaixou-o em baixo, apertou na lateral do microscópio e uma luzinha acendeu sobre o vidro, depois começou ao que parecia para Sakura, a regular as lentes para que pudesse ver sabe-se lá o quê que estivesse naquela placa de vidro.

Virou novamente o microscópio para o lado da Haruno e apontou dele para ela. Ela havia entendido e rapidamente, movida a curiosidade, ajustou os olhos ao lugar indicado. A princípio ela não conseguiu distinguir nada além de uma manchinha escura sobre o vidro, mas conforme seus olhos se acostumavam viu o que devia ser um inseto. Parecia uma arraia em miniatura, com uma calda e o corpo em forma de um triângulo. Era uma espécie de arraia fundida com um piolho, pois ela percebeu que também tinha várias perninhas. Era bem feio. Tirou os olhos das lentes e abaixou o rosto rente a mesa até ficar bem próximo a plaquinha de vidro que parecia limpíssima, depois voltou a olhar pela lente e lá estava a mini-arraia-piolho. Era uma coisa simples, mas fascinante.

Sentiu Sasuke cutucar seu ombro e escrever algo em seu caderno, abaixo dos rabiscos.

Ele havia escrito: "Saber o que ser isso?"

Ao o ler o que ele havia escrito, franziu o cenho, estranhando. Sua estranheza não era pelo o que ele havia escrito, mas como. Se fosse em outro caso, Sakura poderia pensar que uma criança que estava aprendendo a escrever é que tivesse escrito aquilo. Apesar disso, ela logo deixou esse pensamento de lado, afinal ele era bom com números não com letras.

Sakura pensou em responder que se tratava de uma mini-arraia-piolho um milhão de vezes menor que um piolho e que uma arraia de tamanho normal. Mas por algum motivo achou que se dissesse isso ele a acharia idiota. Então apenas balançou a cabeça.

Ele voltou a escrever, ela podia jurar que viu um sorriso maldoso em seus lábios. Sakura deu o último gole em sua água enquanto esperava ele escrever. Estava na metade de engoli-la quando leu o que ele havia escrito:

"Ser o parasita que ficar em água não-filtrada. Como essa que você beber. Ter milhares deles em apenas 1 ml"

E foi assim que o restante da água fora parar no chão do laboratório quando Kakashi chegou alegando que se atrasara por ter ido almoçar em um restaurante do outro lado da rua, pois não havia comido do refeitório.

Ele não entendeu o motivo da água no chão, nem da cara emburrada da Haruno que resmungava sobre mini-arraias-piolhos, muito menos do riso que Sasuke tentava esconder enquanto anotava em seu caderno as aulas das quais ajudaria Sakura a estudar.

[···]

Fome. Era exatamente isso que Sakura sentia quando finalmente foi dispensada por Kakashi. O homem não havia sido o único a não almoçar no refeitório. Na hora do almoço a equipe de torcida havia se juntado para treinar alguns movimentos e ensaiar outros, quanto acabaram o horário do almoço já havia passado. Tudo o que Sakura conseguira comer fora uma barra de cereal que Ino passou para ela quando se encontraram no corredor a caminho de suas respectivas aulas.

Quando guardava as coisas na bolsa aproveitou para checar o celular, havia uma mensagem de Gaara e outras duas de Ino:

"Ok"

Essa fora a resposta de Gaara, curta e simples. Eles não tinham o costume de conversar via mensagem de texto. Eles não tinham costume de conversar de forma alguma.

"As meninas e eu estamos indo almoçar no Free's. Procurei por você, mas não te encontrei."

A de Ino viera um pouco depois de ela guardar o celular quando chegara ao laboratório mais ou menos meia hora atrás

"Onde se enfiou garota? Precisamos conversar sobre táticas para o campeonato. Venha imediatamente pro Free's!"

O horário desta estava marcado como de sete minutos atrás. A Haruno respondeu um 'Ok' para Ino e voltou a colocar o aparelho na bolsa junto das canetas e maquiagem apressadamente.

O Free's era a lanchonete dos alunos, por assim dizer, pois praticamente todos iam pra lá quando matavam aula ou na saída quando não queriam ir para casa. Ficava a apenas um quarteirão da faculdade, coisa que Sakura achou bastante conveniente uma vez que iria andando.

Kakashi havia apagado o quadro e saíra. Sasuke também já havia se retirado. Foi então que ela se deu conta de que não marcara com o Uchiha quando seria sua primeira seção de estudos. Queria muito resolver isso e ir logo para onde Ino e o resto da equipe, mas sabia que se ainda fosse escrever no caderno para que ele lesse seria demorado e Kakashi com certeza não estava mais no laboratório para interpretar suas palavras através dos sinais. Colocou a bolsa no ombro e o caderno em mãos e correu rumo ao portão norte torcendo para ainda poder avistá-lo.

Por sorte alcançou-o já na calçada, correu para se aproximar e tocou-lhe no ombro esquerdo. Sasuke virou-se calmamente e ficou surpreso em vê-la.

Sakura abriu a bolsa com dificuldade, remexeu a mão e tirou uma caneta marcadora preta de dentro. Prendeu a tampa entre os dentes e a abriu depois ergueu a mão em direção a Sasuke como se pedisse algo. Ele apenas arqueou uma sobrancelha e ela vendo que ele não fazia ideia do que ela pretendia fazer resolveu que não tinha tempo para explicar, então puxou a mão esquerda dele e colocou a palma para cima, começou a rabiscar depois o soltou, acenou e saiu praticamente correndo calçada acima.

Sasuke levantou a mão e observou o conjunto de algarismos escrito em tinta preta em sua palma e constatou três coisas: (1) Tratava-se, sem sombra de dúvidas, do número do telefone dela. (2) Era a primeira vez em muito tempo que ele não fazia ideia do que resultaria do uso de um conjunto números. (3) E por algum motivo isso o deixava nervoso.


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