CAPÍTULO 5

POV PEETA

As luzes na casa de Katniss continuam apagadas e as janelas, como sempre, fechadas. Assim permanecem até o amanhecer, quando me levanto para fazer pães. Tento refazer a receita dos pães de queijo que Katniss tanto aprecia. Enquanto os pães assam, repenso a possibilidade de entrega-los pessoalmente. Não creio que eu seja a primeira pessoa que Katniss gostaria de ver pela manhã, afinal, nosso reencontro não foi exatamente o que se pode chamar de um sucesso. Tomo meus remédios matinais e retiro os pães do forno. Enquanto os embalo em sacos de papel, avisto Greasy Sae atravessando o portão da vila dos Vitoriosos. Me apresso para encontrar a senhora no caminho para a casa de Katniss.

— Bom dia, Greasy Sae! — a senhora me olha assustada, como se estivesse presenciando uma aparição fantasmagórica.

— Peeta! Que surpresa, não sabia que você tinha retornado ao Distrito 12.

— Cheguei ontem à tarde.- Respondi envergonhado, não imaginava que ela teria notado minha ausência. - A senhora está indo para a casa de Katniss, certo? — obtenho como resposta uma afirmação de cabeça - Poderia levar esses pães de queijo que assei agora pela manhã para ela?

— Por que você não me acompanha e entrega pessoalmente? Acredito que Katniss ficará animada com sua visita!

Logo percebo que Greasy não presenciou a cena de ontem à tarde. Mesmo não concordando com a senhora à minha frente, confirmo com um maneio de cabeça e a acompanho até a casa de Katniss. Ao chegar, mesmo com a chave em mãos, percebo que Greasy toca a campainha e aguarda que Katniss abra a porta. Não sei se ela está tão segura sobre a apreciação da dona da casa com minha visita matinal.

— Bom dia, Katniss. Não pude vir ontem à noite, Jasmine não estava se sentindo bem. - Katniss não parece dar muita atenção, já que seu olhar permanece em mim desde o momento que me viu, deixando-me sem jeito. — Bem, Peeta veio nos fazer companhia para o café. - A senhora passa por Katniss e entra para a cozinha, enquanto nós dois permanecemos em silencio.

— Na verdade, fiz pães de queijo hoje pela manhã e achei que você gostaria de alguns seus favoritos, pelo que consigo me lembrar.— Falo enquanto encaro o chão, já esperando pela rejeição. Katniss confirma com um maneio de cabeça enquanto me encara. — O que esse gato está fazendo aqui?— Me assusto após um Buttercup emagrecido e sujo se enroscar nas pernas de Katniss - Ele não estava no Distrito 13?

— Acho que caminhou até aqui procurando Prim.— responde Katniss com um olhar entristecido. - Eu também percorreria essa distância se achasse que a encontraria.  — Você pode colocar os pães na mesa da cozinha.

Percebo que seus cabelos estão penteados e presos em uma trança lateral que cai pelos seus ombros. Está com uma roupa diferente da que estava ontem, porém as olheiras fundas e arroxeadas permanecem abaixo dos seus olhos cor de tempestade. Katniss abre espaço para que eu entre e caminho até a cozinha.

— Você quer chocolate quente, Peeta?— estou prestes a responder que não será necessário pois farei minha refeição em casa quando Katniss, que estava me seguindo até a cozinha, responde.

— Chá de hortelã sem açúcar, Greasy. É seu favorito, certo? — Me viro surpreso por Katniss, depois de tanto tempo, ainda recordar minha bebida favorita. Um sorriso de canto escapa por meus lábios enquanto confirmo sua escolha para a senhora. — Sente-se Peeta.

Me sento à mesa. Tanta distância me faz lembrar que agora somos pessoas diferentes. É como se 10 anos estivessem passado e só agora voltamos a nos falar. Durante meu internamento eu sempre pensava em quais motivos me fizeram amar Katniss a ponto de abrir mão de um futuro, de uma vida. O que essa garota da costura tinha de tão especial para mexer comigo daquela forma. Foram vários meses sem sequer tocar em seu nome, mas não havia um dia em que não pensasse nela. E agora, vendo-a sentada com seus cabelos negros moldados em forma de uma trança e sua pele cor de oliva, sinto meu coração palpitar em meu peito e borboletas se agitarem em meu estômago. E é quando seus olhos cinzas me encaram que percebo que a amo. Ela não tem mais a pele tão morena, está pálida e possui manchas arroxeadas embaixo dos olhos. Não tem mais o olhar de tempestade que refletia sua alma destemida, agora seus olhos mais parecem um dia nublado. A garota em chamas agora parece uma pilha de cinzas, consumida por seu próprio fogo. Mas eu a amo. E faria tudo novamente só para ver um simples sorriso seu. Percebo que a encarava quando ouço o gato miar em seus pés pedindo por comida.

— Pensei que você odiasse esse gato. - Falo enquanto aponto para o felino com pelo lamacento que come alegremente o bacon que Katniss se recusou a comer e lhe deu por baixo da mesa.

— Eu odeio. Ele também me odeia. Mas quando ele voltou, pude ver em seus olhos a falta que ele sentia de Prim. Acho que nos toleramos agora.

Ela pega um dos pães de queijo que Greasy Sae retirou do saco e colocou numa cesta. Ao mastigar, ela fecha os olhos e dá um leve sorriso, assim como eu me recordava que acontecia quando ela os comia. Ao menos essa memória não foi alterada pela Capital. Começo a comer enquanto o silêncio que dominava o ambiente é quebrado pela senhora.

— Estou indo, crianças.     Como disse, minha neta está adoentada e preciso tomar conta dela por hoje. Não poderei vir ao final do dia, Katniss. Você consegue se virar?

— Eu posso fazer o jantar, Greasy.— Falei timidamente antes que Katniss pudesse responder. Ela me olha surpresa. - Se Katniss não se importar, é claro. Já que também farei para Haymitch, não será incomodo.

Katniss dá de ombros e a senhora sai, nos deixando a sós. Me levanto para lavar a louça suja enquanto ela termina de recolher as comidas e se junta a mim para secar os pratos. Assim que terminamos, coloco os restos de comida no prato de Buttercup e sigo Katniss até a sala. Pensando que talvez ela não queira mais minha presença, me levanto para ir embora após um longo período de silêncio.

— Acho que já vou indo. Obrigado pelo café da manhã, Katniss, retorno na hora do jantar.  Tem algo em especial que você queira comer?

— Não vá. - Ela fala apressadamente e eu paro supreso. - Você não precisa ir se não quiser. - completa envergonhada.

—Você quer que eu fique? - pergunto com um sorriso começando a se formar. Talvez eu não seja uma companhia tão ruim quanto eu pensava.

— Você terminou de plantar as prímulas? - Katniss ignora minha pergunta e eu respondo a sua com um maneio de cabeça. - Eu gostei. Obrigada.

— Pensei que ela merecia uma homenagem. - Falo tristemente e percebo que Katniss encara a parede tentando disfarçar uma lágrima que escorre por sua bochecha. - Estava pensando se você gostaria de me ajudar a plantar mais mudar ao redor da casa ? - Tento mudar o rumo da conversa.

— Ainda dói demais, Peeta. - Ela volta a me encarar, agora sem tentar disfarçar seu sofrimento. E só em vê-la assim, meu coração se contorce em dor também. -  Eu tenho pesadelos todas as noites com a morte de Prim.

Levanto da poltrona que estava e sento ao seu lado no sofá. Passo meu braço por seus ombros e ela encosta a cabeça em meus peito. Vou lentamente desfazendo sua trança.

— Eu não consigo imaginar o que você passou estando sozinha aqui. Me desculpa por não estar com você, não havia um dia que isso não atormentasse meus pensamentos. Assim que fui liberado do hospital peguei o primeiro trem para cá. - Despejo tudo que queria falar para ela de vez. - Eu sinto muito pela morte de Prim. Ela não devia estar no meio dessa guerra, ela não merecia ter ido tão cedo. E não pense que você falhou em protegê-la, Katniss. Você protege ela desde os 8 anos de idade, quando caçava para dar-lhe comida. Ela está bem agora, em um lugar onde ninguém a pode machucar. No mesmo lugar onde está a minha família. - Concluo tristemente. Assim como Katniss, também estou só.

Continuo acariciando seus cabelos até que percebo que sua respiração está desacelerando.  Fico observando sua face relaxada até que decido a levar para a cama. Pego Katniss no colo enquanto ela contorna meu pescoço com seu braço esquerdo e subo as escadas de sua casa. Não lembro quando foi a ultima vez que estivemos assim tão próximos, acho que foi no centro de treinamento antes da segunda arena. Ela está bem mais leve do que o habitual. Coloco Katniss na cama de modo mais cuidadoso possível porém, assim que começo a me afastar, ela desperta.

— Eu quero que você fique, Peeta. Por favor, fica comigo? - me surpreendo com sua pergunta que só possui uma resposta possível em minha mente e, assim, respondo.

— Sempre.