Este não é o fim escrita por Morgana


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Oi, meus amores!

Este é um presente para quem, como eu, ficou decepcionada com o final da trilogia. Não gosto de histórias tristes, então deixo a minha versão para vocês.



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Tudo aquilo parecia um pesadelo. Desde o início da batalha, Sonea já vira inúmeras mortes e estava ciente dos riscos que corria. Mas não estava disposta a perder ele, não ele. Esquecida de tudo mais, inclusive dos três ichanis contra quem guerreavam, obrigou-se a olhar o local onde a faca enterrava-se no peito de Akkarin. Sentiu os olhos marejarem e tentou controlar-se. Ela o salvaria ou morreria tentando, não estava disposta a viver em um mundo sem ele.

Foi trazida de seus devaneios quando viu que ele a chamava e encarou seus olhos com pesar.

— Sonea, você tem que se concentrar. Essa luta ainda não acabou.

Ela sentiu o calor das mãos dele envolverem as suas. Uma sensação confortante em meio ao caos, e só então percebeu o que ele estava fazendo. Sentiu a energia dele fluindo para seu corpo e retirou as mãos abruptamente.

— Pare com isso Akkarin. Você precisa se curar e já está no limite de suas forças. - seu tom estava carregado com um misto de raiva e determinação. Ele hesitou, como se estivesse escolhendo as palavras certas para convencê-la.

— Você sabe que nós dois morreremos se continuarmos aqui. Não há sentido em me curar. Mas ainda podemos salvar o clã se eu te der toda a minha energia. Segure minhas mãos, Sonea.

Ela balançou a cabeça em negação. Não podia terminar assim. Bom, ele já sabia que ela era uma cabeça dura mesmo.

— Não, Akkarin. Tem que ter outro jeito. Cure-se, agora! -disse em tom de comando.

Sacudiu a cabeça e obrigou sua mente a tomar consciência da luta que ainda transcorria. Percebeu que só não tinham sido atacados porque seus amigos distraiam os seus oponentes com uma chuva de golpes. Entretanto, eles deviam estar quase sem forças. Tentou pensar rápido em um plano, ela precisava salvá-lo, salvar todos eles. Então sua mente lembrou-lhe do óbvio: a arena. “Só em último caso”, ele havia dito. Bom, acho que essa situação exigia medidas desesperadas.

Tentou pensar em como chegaria até lá. Akkarin ainda estava se curando, um ferimento tão profundo leva tempo para fechar. Ele não poderia se mover agora e ela também não tinha mais forças para levá-lo. Entretanto, se os dois ficassem, morreriam. Ela só podia rezar para que os ichanis não o matassem. Puxou-o para si e encostou seus lábios nos dele em um último beijo. Então tomou fôlego e, reunindo toda a sua coragem, correu o mais rápido que podia em direção a arena.

Akkarin tinha visto os sentimentos alternando-se na face dela enquanto tomava uma decisão. Percebeu seu olhar encher-se de determinação, quando ela levantou e correu. Pelo visto, ela tinha um plano, só esperava que funcionasse.

Os ataques aos ichanis cessaram, provavelmente os outros magos também haviam chegado ao seu limite. Logo os três inimigos estavam ao seu lado e ele sentiu seu corpo ser puxado com violência para as mãos de um dos ichanis. Já tinha conseguido retirar a faca, parando o sangramento, mas estava longe de estar completamente curado e qualquer ataque poderia resultar na abertura do ferimento.

Ele estava sendo erguido pelo pescoço, o que tornava difícil respirar. Sabia que agora o mago tinha acesso aos seus pensamentos e não havia nada que pudesse fazer.

— Você tem uma mente interessante, Akkarin. Acho que aprendi muitas coisas úteis. Em troca, deixarei você vivo por mais um tempo, tempo suficiente para ver sua amada morrer.

Riu com escárnio, enquanto o arrastava em direção a Sonea.

Sonea sentia suas pernas protestarem enquanto corria. Os sachakanos aproximavam-se rapidamente e ela não conseguia ser mais veloz do que isso. Resistiu à vontade de se virar e ver o que tinha acontecido com Akkarin. Mal acreditou quando conseguiu chegar, tocando a barreira que envolvia a Arena com a ponta dos dedos. Buscou a magia presente ali e imediatamente sentiu uma corrente poderosa fluindo pela sua mão e preenchendo seu corpo. Virou-se, mantendo o contato dos dedos com a barreira, enquanto observava a aproximação dos ichanis.

Viu quando Akkarin foi jogado com desdém contra uma parede e o riso do seu oponente encheu o ar, bem como sua voz:

— Vamos começar o show. Tenho certeza que ele está ansioso para assistir.

Só então os ichanis pareceram notar que não havia mais um traço de medo nela. Se eles pudessem ver o que se passava na sua mente agora, na verdade saberiam que ela estava genuinamente feliz. “Ele está vivo”, pensou. Os três magos a analisaram curiosos com a sua mudança de atitude, detendo-se nos dedos da mão ainda pressionados contra a barreira. Sonea podia imaginar o mago que estivera com Akkarin buscando as informações que com certeza havia retirado da mente dele e fazendo as conexões. Assistiu a expressão ir de desdém a curiosidade e, por fim, um olhar de pavor quando percebeu o que estava acontecendo.

— Fujam!

Ao comando do ichani, os outros dois viraram-se para correr, mas antes que dessem um passo, Sonea os ergueu no ar. Seu corpo transbordava de poder. Pensou em Akkarin ferido, nos amigos que perdera, em todo o sofrimento e medo que passaram, e então, com um único gesto, criou uma barreira forte o suficiente para conter a explosão que a morte deles causaria, ao mesmo tempo em que fez com que fogo consumisse seus corpos.

Depois de se certificar que os três haviam morrido e que a explosão tinha sido contida de forma eficaz, ela tentou afastar a mão da barreira, sem sucesso. O formigamento que havia se espalhado pelo corpo de Sonea, agora causava uma leve dor e ela puxou a mão de forma mais vigorosa, mas seus dedos pareciam colados à estrutura, de onde fluía cada vez mais poder. Olhou para Akkarin e então viu o medo estampado em seu rosto. “Ele já imaginava que isso pudesse ocorrer, por isso disse que era a última alternativa, por isso ele não queria usá-la”, percebeu, tarde demais.

A dor obrigou-a a fechar os olhos com força, todo seu corpo parecia queimar agora e ela perguntava-se quanto faltaria para que não suportasse mais a corrente de magia e sucumbisse.

Seu último pensamento foi o pesar de constatar que, com tanto poder acumulado, a explosão causada por sua morte destruiria todo o terreno do clã e resultaria na morte de Akkarin, assim como de Rothen, Dorrien e de Balkan, que provavelmente ainda estava transmitindo o resultado da luta.

Akkarin tentou mais uma vez se mover. Ele precisava ajudar Sonea mas sequer tinha forças para ficar de pé. Tentou clarear a mente e não pensar na expressão de agonia que tinha visto estampada no rosto dela. Olhou ao seu redor, tentando elaborar um plano. Ele precisava de força se quisesse alcançá-la, mas onde conseguiria? Sentiu o peso da faca, que ainda segurava, se houvesse alguém ali, qualquer pessoa para doar energia… então, subitamente, percebeu que não precisava necessariamente ser uma pessoa. Ignorando a dor, arrastou-se até uma árvore próxima e cortou-a até que a seiva escorresse por seu tronco. Pôs a mão sobre o corte e sentiu a árvore murchar enquanto sua força vital era drenada. Era muito pouco, mas o suficiente para que ele conseguisse se manter de pé e cambalear até onde Sonea permanecia.

Agora ele podia ouvir os gritos dela enquanto se debatia contra a barreira e torceu para que ainda tivesse tempo. Ergueu os olhos e ficou em choque, marcas parecidas com as feitas por queimaduras espalhavam-se pela pele da garota.

“Só mais um pouco, Sonea. Aguente, por favor!”, suplicou. Parou ao lado dela e ergueu a faca. Teria que ser cuidadoso, não queria machucá-la mais do que o necessário. Com um golpe preciso, cortou a ponta dos dedos dela, onde se ligavam a barreira e puxou-a para frente com a pouca força que lhe restava. Caíram com um baque para a frente e ele buscou a mão de Sonea. O corte foi muito bem executado, constatou, ao ver que pouco mais do que a pele havia sido retirado. Olhou uma última vez para o rosto dela, que estava inconsciente agora, e deixou que a escuridão o levasse também.

—-------------

Akkarin abriu os olhos lentamente, acostumando-se com a claridade ao seu redor. Reconheceu a sala simples que pertencia ao prédio dos curadores. Um jovem aprendiz estava em um dos cantos, observando-o e curvou-se em uma saudação, saindo apressadamente para chamar Lady Vinara. Ela entrou na sala pouco depois, enquanto ele tentava sentar-se, sentindo seus músculos enrijecidos.

— Lorde Akkarin, como se sente?

— Bem, obrigado. - a pergunta que ele queria fazer pairava em sua mente, bem como o medo da resposta que teria.

— Sonea está bem. - ela antecipou-se a sua pergunta, parecendo ler seus pensamentos. Deu-se conta, então, que a luta fora transmitida e todos viram quando ela o beijou. Corou levemente e censurou-se por isso. - Não foi fácil. Os nossos melhores curadores trabalharam por toda a noite para salvá-la. Ela deve acordar nas próximas horas. Pode ficar com ela, se quiser.

— Eu adoraria. - Ele permitiu-se um pequeno sorriso de alívio ao saber que tudo ficaria bem.

— Entretanto, tem algo que gostaria de discutir antes com você. Você sabe que nós tivemos que analisar todo o corpo de Sonea para verificar a extensão dos danos… - Vinara fez uma pausa, como se procurasse as palavras certas,  e Akkarin franziu as sobrancelhas, uma rigidez trazida pelo medo apossou-se dele. Ela havia dito que estava tudo bem, então, qual era o problema? Fez um leve sinal com a cabeça, indicando que continuasse. - Bem, suponho que não haja outra forma de dizer isso: Sonea está grávida.

O choque era visível no rosto dele. Mil pensamentos ecoavam em sua cabeça. Um filho! Mas como? Ela devia ter tomado as precauções necessárias. Só agora percebia que os seus professores mais próximos eram homens e provavelmente nenhuma das professoras achou que algum menino das casas chegaria a ter tamanha intimidade com ela.

Uma felicidade imensa o invadiu: um filho! Uma família! Mas sua felicidade foi nublada ao perguntar-se como Sonea reagiria… será que ela o culparia? Será que ficaria com raiva dele? Ela era tão jovem… mas era madura também e o amava. Não adiantava perder tempo imaginando o futuro. Pôs uma expressão neutra no rosto e saiu do quarto, seguindo Lady Vinara.

Passaram algumas horas antes que Sonea despertasse. Durante esse tempo, Akkarin não pode evitar de pensar em como ela receberia a notícia. Tentou esconder a ansiedade que sentia assim que a viu abrir os olhos. Apertou suavemente a mão dela, que estava entre as suas.

— Como você está?

— Bem, eu acho. - ela disse, incerta.

Sonea ergueu-se com a ajuda dele e sentou-se na cama. Perguntou-se como seria entre eles daqui para frente, agora que tudo havia acabado. Queria abraçá-lo, mas não tinha certeza de como seria recebida. Lembrou-se de como ele não deixou ela usar seu anel e mais uma vez sentiu-se insegura sobre os sentimentos dele.

— Sonea, temos que decidir muitas coisas, mas, antes, tenho algo para te contar. Algo que pode mudar tudo…

Ela sentiu um frio súbito. Algo que pode mudar tudo… várias possibilidades insinuaram-se em sua mente: ele não a amava? Ele decidiu deixá-la agora que tinham voltado ao clã? Odiou-se por saber que através do anel ele podia sentir todas as dúvidas que pairavam em sua mente.

Ele arqueou os cantos da boca em um sorriso mínimo e ela sentiu-se ainda mais frustrada por saber que ele realmente estava acessando seus pensamentos.

— Sonea, - ele segurou as mãos dela de forma firme, decidido a não prolongar os medos que assolavam os dois. - você está grávida.

Ela abriu a boca, tentando formular algo coerente, mas era difícil quando não sabia o que dizer. Grávida? Como poderia ser? Ele tinha tomado as precauções, não tinha? O que ele pensaria dela agora? Como estaria se sentindo sobre ser pai? Ele acharia que era obrigado a casar-se com ela por causa disso?

— Sonea, pare com isso. Você está me deixando tonto com tantas perguntas! - a voz dele tinha um tom risonho. Ele devia estar se divertindo às suas custas.

— Então bloqueie minha mente ou tire esse maldito anel. - A resposta dela foi imediata, os olhos reduzidos a pequenas fendas pela irritação.

— Melhor do que isso. Vou responder todas as suas perguntas de uma vez. Sabe, quando eu não quis que você usasse o anel, foi porque eu não queria que você sentisse caso eu morresse. Também tive medo de que você pudesse fazer alguma bobagem ao ver meus sentimentos. Sabemos de seu terrível hábito de querer se sacrificar por mim. - terminou, com a última frase vindo cheia de ironia. Então levou uma das mãos a túnica e, para espanto de Sonea, mostrou-lhe o outro anel, colocando-o no dedo dela.

Em um instante, ela foi invadida pelos sentimentos dele. Viu o que ele pensava sobre ela: uma mulher forte, impetuosa, que foi capaz de salvar o seu clã, tudo que ele considerava seu lar e sua família. Sentiu o amor que ele tinha por ela, intenso e profundo, e, por fim, a felicidade extrema que o invadia quando pensava sobre a criança que estava por vir.

Sorriu de forma boba, incapaz de se conter. Ele a amava muito mais do que ela poderia sonhar. Não havia mais dúvidas ou insegurança e ele sentia-se aliviado por saber que ela estava feliz, que ainda o amava.

Akkarin puxou-a para si, beijando-a intensamente. Os sentimentos de ambos misturando-se em suas mentes de forma devastadora através dos anéis em seus dedos. Poder sentir as sensações que causavam um no outro era avassalador. Afastaram-se constrangidos quando uma tosse discreta ecoou da porta. Sonea levantou-se de um salto da cama, jogando-se nos braços de Rothen, que a olhava divertido.

Ele afagou os cabelos dela e olhou para Akkarin:

— É melhor cuidar bem da minha filha, Lorde Akkarin. Acho que vou ter que ficar de olho em vocês.

— Um pouco tarde para isso. - Akkarin respondeu sorrindo e Rothen olhou desconfiado para Sonea, esperando que ela se manifestasse.

— Bem, se eu sou sua filha, você vai ser avô.

Rothen parecia ter virado uma estátua, a boca aberta de forma cômica, arrancando um riso do casal.

—-------------

Sonea e Akkarin voltavam para casa depois de um dia extenuante de trabalho. Dois anos haviam passado desde a batalha com os ichanis e muita coisa mudara desde então. Eles foram aceitos no clã, obviamente, e a magia negra passou a não ser proibida, embora limitada a pouquíssimos magos. Akkarin ficara responsável pelo treinamento destes e Sonea, por sua vez, aprendera muito com os curadores e agora cuidava de um prédio onde recebiam moradores das favelas para serem curados. Sua mente fervilhava de outras ideias que poderiam ajudar os favelados, mas teria que ter paciência e dar um passo de cada vez. Pelo menos não havia mais Dia da Purificação.

Akkarin caminhava pacificamente ao seu lado, imerso em pensamentos. Depois do que aconteceu em Sachaka, nunca imaginara que poderia ter uma família. Agora tinha uma esposa, a quem amava imensamente, e um pequeno garotinho que tinha herdado os olhos da mãe. Sentia-se completo e feliz, como nunca imaginara que poderia ser. E agradecia todos os dias a Sonea por isso.


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Notas finais do capítulo

Este é o final que eu escolheria e espero que tenham gostado também.
Vejo vocês por aí!