Névoa escrita por Queen Vee


Capítulo 1
Unique — O estudante e o vagabundo


Notas iniciais do capítulo

OPA OPA!!!!
Honestamente, eu imagino que o povo do DeLiPa tá chocado. Sim, eu achei que o prazo acabava hoje e fiz a fofuchinha da Shianny cair nessa também. Desculpa???
Pra quem tá perdido: essa história foi escrita para o DeLiPa 18, baseada na música "He's a Tramp" (Infiel, na adaptação), do filme A Dama e o Vagubundo. Os DeLiPa's são desafios de escrita feitos pelo grupo Panelinha da Limonada, no Facebook.
Eis aqui meu filho de 4738 palavras (o Nyah disse que é menos, n sei pq) escrito em uma semana (sem necessidade).
Aproveitem a leitura! ✿~
P.S.: Obrigada pelo apoio emocional!! ♥ Shianny, Daddysaidno e Dudo, amo vocês muito!



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Não importa de que ângulo olhassem a situação, o lugar daquele garoto não era ali. Apesar de ter plena consciência daquele fato — principalmente notando as expressões nos rostos das pessoas —, Charles optou por ignorar. Até porque, estava ciente de que era um camundongo num ninho de cobras desde que colocou um pé dentro do Névoa.

Trombando nas pessoas logo na entrada, era como todos também tivessem optado por ignorar que ele era feito de carne e osso. Olhavam de longe, como se fosse um quadro torto na parede, e seguiam andando. Era incômodo de se ver, mas não o suficiente para fazê-los saírem de suas rotinas.

As luzes baixas e avermelhadas do lugar deixavam o loiro incomodado. Remexeu os óculos de grau no rosto, de ombros encolhidos, e se perguntou se a postura acuada lhe fazia parecer ridículo. Pela forma como as pessoas em pé há alguns metros riram, desviando o olhar dele em seguida, com certeza fazia.

O Névoa era a casa noturna mais movimentada da cidade há um bom tempo, e qualquer moleque de ensino médio sabia disso — apesar de nem todos terem coragem de visitá-la. Toda a comunidade que apreciasse música alta, sexo no banheiro e drogas estava ali. E, bem, para um jovem que mais preferia feiras de ciências, aquilo era muita coisa.

Deslocado, Charles apressou o passo para o balcão. Talvez, se fosse capaz de virar uma dose de alguma bebida quente, ficaria mais relaxado. Pediu um “qualquer coisa que faça minha cabeça dar a volta completa”, e juntou as mãos sobre a madeira envernizada da bancada.

— Sim, senhor. — não teve coragem de erguer o olhar para o bartender, mas sentiu o tom de piada contido em sua voz ao chamá-lo de senhor. Certamente não era algo comum de se ouvir no Névoa. — Aqui está.

Ele não sabia o que era aquele shot, mas se convenceu de que deveria ser vodka e aceitou. Na realidade, ele nunca entendeu ao certo o porquê dos shots serem tão pequenos… Mas acabou descobrindo assim que sentiu a bebida descer queimando pela garganta.

O jovem até tentou, mas acabou tossindo assim que o fundo do pequeno copo bateu no balcão. Também tentou ignorar a expressão risonha e debochada do atendente, o que era ainda mais complicado. Mantendo a educação, acenou com a cabeça ao bartender e agradeceu, saindo de perto do bar o mais rápido possível.

Sua cabeça parecia que estava prestes a dar um nó. Seu estômago já revirava desde momentos antes de entrar na casa noturna, e toda aquela interação social desconfortável não lhe ajudava em nada. Assim como qualquer um ao redor já deveria ter se perguntado, Charles fez um questionamento profundo:

— Que merda que eu tô fazendo aqui?

As palavras se embolaram na língua, confusas. Afinal, se ele não estava curioso para saber o que ocultava o mundo dos adultos, como muitos dos estudantes por ali, então o que diabos estava fazendo?

Foi nesse momento que Charles teve um devaneio.

Por um instante, acreditou ter visto alguém. Cabelos curtos, ombros largos, braços fortes. Seus dedos ajeitaram o óculos no rosto,  tentando se convencer de que se tratava apenas da hipermetropia de alto grau.

Entretanto, se deu conta de que não era. E, tecnicamente, sua melhor chance era aquela. Não queria passar nem mais um segundo sozinho naquele lugar, ou acabaria se escondendo no banheiro para vomitar.

Respirou fundo, tentou tomar coragem e foi. Marchou até o balcão com uma pitadinha de confiança, certo de que ia conseguir se aproximar. Quando parou alguns metros às costas do rapaz, teve quase certeza de que era a pessoa certa — e aquilo o apavorou ainda mais.

Fez um pequeno retrospecto de como havia parado ali, naquela situação.

Lembrava de estar na escola mais cedo. Ficou até depois do horário, como sempre, auxiliando no laboratório de biologia. É, normal. Avançou a memória um pouco mais. E, bem, se lembrava do céu que parecia estar pintado à óleo, colorido do alaranjado amigável do fim de tarde. Carregava livros, e estava pronto para pegar a bicicleta e voltar para casa.

Por que não estava em casa?

Oh… Sim, claro.

Lembrou de, no meio do caminho, ser interceptado. Não literalmente! ...Mas se recordava de ver aquela figura perto do portão, como sempre. O corpo meio apoiado na moto, com o capacete debaixo do braço. Alto. O rosto era bonito, mesmo que só o visse de longe. Seus olhos tinham uma cor diferente, atraente… Como âmbar. Mas não tinha certeza.

Queria ver de perto.

Com o coração pulando dentro do peito, olhou pra dentro da escola para conferir se vinha alguém. Alguém? Não, não… Ela. A menina do rabo de cavalo que balançava, que sentava na sua bancada durante as aulas de biologia. Aquela garota que aquele desconhecido vinha ver todos os dias, desde o início do mês.

Se perguntava o que tinha demais numa garota como aquela. Não que fosse feia, de forma alguma! ...Às vezes Charles se olhava no espelho, perguntando se seria mais atraente se tivesse aqueles seios pequenos como os dela. Ou os lábios rosados e cheios. Talvez fosse o cabelo castanho, totalmente diferente do seu?

...Ou talvez fosse aquilo que ele tinha entre as pernas que não o atraía?

Hm… … Não ia mudar...

Mas queria ele. O motoqueiro de quem já havia ouvido muito falar. O sorriso malandro que ele tinha, sempre cheio de malícia. Os olhos felinos de um predador, que eram sempre tão atrativos. Os braços fortes. Os lábios grossos. As costas que-...

Engoliu a seco, apertando os livros nos braços. Lembrou que, mal havia se dado conta, a garota do rabo de cavalo se aproximou do seu sonho de consumo. O rapaz mantinha sua postura relaxada, sempre muito calma e despreocupada… Ela, no entanto, parecia conturbada com alguma coisa.

Parecia uma briga, apesar do moreno não demonstrar estar atormentado. Foi tudo bem rápido. Ela, triste e irritada, saiu andando na direção de Charles… E o outro, muito tranquilo, assistiu. Não se incomodou quando ela se virou, já muito próxima do loiro na calçada, e gritou:

Vai lá pro Névoa encher essa sua cara nojenta, seu escroto! Não aparece mais aqui, Scott! — E, ao passar pelo garoto, bateram os ombros. Ela não parecia muito contente com Charles também. — Tá olhando o quê, caralho?!

Sua melhor opção foi sair da frente.

Então, ainda tentando processar tudo que tinha visto, decidiu olhar uma última vez para o motoqueiro. Para sua surpresa, encontrou o par de olhos dourados lhe observando de volta, cheios de deboche e zombaria. Sentiu-se congelar por inteiro.

Ele sorriu… E, sereno, colocou o capacete e subiu em sua moto. Foi quando, já prestes a ligar o motor e ir embora, ele piscou para Charles. Foi o que ele achou que viu, pelo menos. Talvez mais um de seus delírios, talvez hipermetropia. Era o que ele lembrava daquelas horas mais cedo, pelo menos.

Scott, o motoqueiro, no Névoa.

Era por isso que estava ali.

Talvez ele ficasse para sempre em transe, parado. Isso, claro, se não se desse conta de que um certo par de olhos âmbar muito familiares estavam lhe observando. Quem sabe ele poderia ter passado despercebido se não decidisse tirar um momento para sonhar acordado na frente do bar?

Independente do motivo, ele havia sido notado. Os ombros enrijeceram e se encolheram contra o corpo assim que seu olhar encontrou o do homem. Seu corpo inteiro pareceu dominado pela sensação de “socorro, não sei o que fazer!!!”.

Scott sorriu. Aquele mesmo sorriso travesso e encantador de sempre. Aquele sorriso que, mesmo você sabendo que não é único para você, é charmoso. Muito sereno, o rapaz girou no banquinho e apoiou os cotovelos no balcão do bar.

— Então você veio mesmo, hm? — Charles não sabia se aquilo era uma reclamação ou um comentário satisfeito. O sorriso calmo do homem não dizia muita coisa. — Interessante.

Aquilo dizia muito menos.

Sem saber como se comportar, optou por assistir Scott segurar seu copo e, muito tranquilo, beber seu… Uh… Uísque? É, provavelmente era uísque. A postura despreocupada do rapaz não lhe deixava nem um pouco mais confiante.

— Scott. — O loiro ficou satisfeito ao se dar conta de que, ao chamá-lo pelo nome, o motoqueiro ergueu discretamente as sobrancelhas. Era uma reação diferente! Até se permitiu sorrir com suavidade. — Seu nome é Scott, não é?

— Acertou.

Ficaram apenas se olhando por alguns instantes. Se estudando, até!

— Você é o menino que estuda com ela, né? O tal de…Hm… — Bebeu mais um gole de uísque, como se estivesse pensando no que dizer em seguida. Estava bem claro que não lembrava seu nome. — ...É, não lembro. Mas deve começar com C.

— Charles.

Honestamente? Era impressionante que ele sequer lembrasse a primeira letra.

— Ah! Charlie, então. — Assim, com a atitude descontraída e o copo largo na mão, levantou do banquinho e se aproximou de “Charlie”.

Quanto mais perto ele vinha, ficava óbvio que o garoto havia subestimado o quão atraente o (ex?) namorado de sua colega de classe poderia ser. Os olhos eram ainda mais bonitos de perto, para seu azar. E o cheiro…? Infelizmente, ele não fedia a álcool. Talvez, se assim fosse, teria sido muito mais fácil para Charles poder sair correndo do lugar. Com aquele cheiro agradável de sândalo e outras notas amadeiradas, estava desarmado.

O loiro sentiu-se ficar ainda mais retraído quando se viu frente a frente com o rapaz. Tecnicamente, não era maior de idade ainda — ainda tinha mais três meses para encarar até o aniversário —, então talvez tivesse isso como desculpa para ser tão medroso?

Sabia que Scott era mais velho. Não absurdamente mais velho! Devia ter, no máximo, uns vinte anos. Ele gostava de correr na sua grande moto, beber uísque e fumar. Era… Genérico, até. Os dois eram, honestamente! Era loiro, estudioso, tímido… Fazia Charles se sentir como se tivessem os dois saído do palco de Grease, o musical.

Uma pena que nada disso o deixava menos interessado.

— Você tem idade para estar aqui, Charlie? — Sentiu o tom de piada em sua voz.

— Sua namorada também não tinha.

Não sabia se aquilo o fazia sentir confiante ou tremendo de medo. Porém, apesar do erguer de sobrancelhas da parte do seu John Travolta, o clima se manteve descontraído. Com um sorriso lateral calmo, Scott acendeu um cigarro.

— Ela não é minha namorada, engraçadinho. — E tragou. E soprou. — ...E você já deve bem saber disso, já que estava assistindo tudo. Ou não?

Num misto de constrangimento e aborrecimento, balançou a mão na frente do rosto, suavemente afastando a fumaça de cigarro do rosto. Não que lhe incomodasse… Mas o tom irônico e o sopro de fumaça diretamente na sua cara lhe fez sentir tolo.

— Não é como se vocês estivessem tentando disfarçar… — retrucou.

— Essa é a parte chata de pegar gente mais emotiva por muito tempo. Eles ficam afeiçoados por você, mas ralham assim que você fala que não quer mais. — Como que pensando na reação da garota com quem estava saindo antes, ele revirou os olhos.

Era interessante a forma como ele gesticulava vagamente enquanto falava, usando a mão que segurava o cigarro. Era como se, de certa forma, ele mesmo estivesse inerte demais para ter certeza do que estava falando. Aquilo não parecia lhe incomodar, entretanto! ...Fez o garoto sentir inveja.

— ...Mas não vim aqui pra falar dela. Faz parecer que eu me importo. — disse, soltando um riso calmo. — E acho que nem você, Charlie.

A certeza em sua voz deixou o jovem levemente incomodado.

— Tecnicamente, foi você quem me chamou. — a expressão debochada de Scott não ajudou muito. — Você… Piscou pra mim! Eu… Eu… — quanto mais falava, mas estúpido parecia. Foi assim que desistiu, cruzando os braços na frente do peito.

— Você é engraçado! — Rindo, ele soprou a fumaça do cigarro pro teto, e segurou o braço do garoto com a outra mão. Então, já estava guiando-o para longe do grande salão do Névoa, entrando pelo corredor lateral. — Vem, vamos conversar um pouco.

— Conversar? Onde? Eu… Não, eu-... — Teria terminado a frase… Se não fosse interrompido pelo “shh” descontraído do homem.

Não era bem aquilo que esperava daquela noite. Apesar de que, honestamente, ele não tinha muita certeza do que estava esperando no início. O que achou que ia acontecer quando se encontrasse com ele? Oh, céus…

Pararam em um corredor com uma iluminação tão estranha quanto a do bar e da pista. Era baixa, colorida, e não ajudava muito Charles a enxergar melhor. No fim do corredor, uma porta com uma sinalização de saída de emergência, e umas latas de lixo.

Quando chegaram, quase tombaram com um casal que parecia estar voltando para a pista. O rapaz parecia o tipo de pessoa que daria uma surra no loiro se o visse passando na rua, e sua acompanhante parecia o tipo de mulher que nunca daria bola para ele.

Entretanto, quando passaram por eles, ela sorriu para Scott. Não era o tipo de sorriso que Charles recebia na rua, e não pareceu incomodar o homem. Sem poder fazer nada, assistiu o sorriso da mulher ser correspondido, malicioso e calmo, enquanto o casal se afastava.

Nada naquela situação o deixava mais confortável.

— Você é bem famoso aqui, não é? — Apesar de não ser a intenção, se deu conta do tom debochado da própria fala.

Entretanto, como parecia ser de costume, o outro não se importou muito. Apoiou as costas na parede, relaxado, e continuou fumando seu cigarro. Sorria, com os olhos dourados atentos, observando a linguagem corporal de Charles de um jeito que o fazia sentir nu.

— Eu não sei se diria assim, mas… — Com um gesto da mão, chamou-o mais para perto. — Vem cá, encosta aqui.

Como ele já havia chegado até ali… Não tinha muito porquê dar para trás. Juntando as mãos na frente do corpo, com a mesma postura tímida de sempre, aproximou-se. Apoiou as costas na parede, imitando o rapaz, e se resignou a encarar os próprios pés.

— Você é sério, né? Gosta de estudar e essas coisas?

— Ah, bem… Gosto…? — Foi sua melhor resposta. Os ombros se encolheram e, sem jeito, ele suspirou. — Na verdade, é meu único hobbie. Gosto de ler e estudar porque é mais fácil do que conversar com as pessoas.

O outro pareceu achar graça dessa informação nova.

— Não ria! — Charles exclamou, levemente emburrado… O que só fez o rapaz achar mais graça. Mas… Bem, estava tranquilo, para variar, então o garoto acabou suavizando a voz. — ...É sério. As pessoas são complexas. É impressionante, mas assustador, ao mesmo tempo.

— Hm… Olha, não sou o maior fã de enfiar cara nos livros, não. Gosto mais de motocicletas, corridas… Essas coisas, sabe? — Por um instante, o loiro ergueu o olhar para observar o homem ao lado. A curiosidade falou mais alto que a timidez.

— Você aposta corridas…?

— E ganho. — ele respondeu, confiante, tragando seu cigarro.

Era impressionante o jeito como ele falava aquelas coisas tão tranquilamente. Fazia Charles se perguntar quantos litros de auto-confiança ele bebia pela manhã, e onde poderia encontrar um golinho para si. Nunca ele conseguiria ter uma postura relaxada assim!

— É onde você conhece tanta gente?

— Mais ou menos. Meu pai tem uma birosca onde fica um monte de gente, principalmente motoqueiros. Conheci um pessoal por lá, eles me apresentaram o prazer de andar de moto… E aí eu fui pelo meu caminho.

Inconscientemente, Charles sorriu. Imaginou um Scott mais novo, ainda com espinhas na cara, admirado ao ver as motos passando. Pelo jeito como sua moto era bem polida e pintada, ele devia ter um amor imenso por ela.

— Isso é legal… — balbuciou, se dando conta de que provavelmente sorria como bobo. — Eu não entendo nada de moto, mas gosto de ciência! ...Que você deve achar um saco, mas… — E riu de si mesmo, constrangido.

Foi um momento curioso aquele: onde os dois sorriam, mas um não via o rosto do outro.

— Ah, sei lá! Nunca fui muito interessado nisso. O que você gosta na ciência? — o Sr. Motoqueiro não fazia ideia, mas tinha acabado de acender uma luz dentro do jovem.

— O que eu gosto? — ele sorria, e finalmente olhava diretamente nos olhos âmbar do rapaz à sua frente. — Tudo! Quer dizer, amo biologia e engenharia! Eu penso sempre em como poderíamos usar nossos conhecimentos dos dois e juntar, sabe?

— Juntar os dois…? Como assim?

— Como… Como… — Olhou para os lados, averiguando o corredor. Não havia mais ninguém ali para ouvir a loucura que tinha para dizer. — Robôs! Mas não esses que parecem máquinas! Robôs que parecem gente! Com pele sintética, órgãos que pareçam os órgãos humanos… Reais o suficiente para passarem despercebidos! Não seria incrível?!

Assim que terminou de falar, o loiro se deu conta de quão maluco parecia. Quer dizer… Malmente o homem havia pisado na lua e ele falando aquelas coisas? Então, com as bochechas quentes de vergonha, voltou a abaixar a cabeça, sem nem ver a reação do rapaz.

Ficaram em silêncio por uns instantes.

— Como eu falei… Não entendo porra nenhuma de ciência. Então… Não faço nem ideia de como isso ia ser possível. Mas parece legal, eu acho! — ele disse, como se não fosse nada demais, já no meio pro fim de seu cigarro.

Para o estudante, como entusiasta da ciência, foi algo demais, sim. Ouvir o moreno dizer aquilo foi como… Uma bênção divina, talvez? E sorriu, feliz da vida, dele não achar que o que ele tinha dito era loucura.

— Achou mesmo? — perguntou, sem conseguir disfarçar a alegria na voz.

— É, achei! — Ele riu, balançando a cabeça e olhando para o teto. — Você tá afim de fazer isso, é? Virar um cientista maluco?

— Talvez não tão parecido com os dos filmes… E nem do mal! Mas, sim! — Sorriu em resposta, abaixando a cabeça e remexendo os dedos uns nos outros. Então, por algum motivo, a mente lançou-lhe um pensamento desagradável. Por algum motivo, verbalizou-o. — A Rebecca, sua… Hm… Ex… Ela com certeza me acha um cientista maluco.

— Duvido que você tenha vindo aqui pra falar da Rebecca. — Ele riu, e Charles estremeceu de leve. Era óbvio? Era. Mas o fazia sentir ainda mais culpado quando ele dizia em voz alta. Mordeu os lábios, sem jeito. Por que tinha dito aquilo, afinal? — Eu via você lá no portão… Me olhando.

Seus ombros travaram. Algo que parecia ser só um comentário da parte do motoqueiro fez seu corpo inteiro resolver entrar em tela azul e parar de funcionar. Por aquela ele não esperava.

Quer dizer… Se escondia todos os dias para vê-lo no portão? Sim! Ficava ansioso quando a tarde caía só para vê-lo fumando tranquilamente na porta da escola? Sim! Mas, puta merda, ele tinha que saber daquilo tudo?

— Não sei do que está falando. — mentiu.

Não foi uma mentira que passou despercebida, ele teve certeza… Porém, não teve coragem de erguer o olhar para conferir a expressão de Scott. Manteve o rosto baixo, possivelmente também escondendo rubor nas bochechas, e continuou segurando as mãos juntas.

O que aconteceu em seguida, entretanto, não lhe deu muita chance de esconder a timidez.

Enquanto se distraía tentando disfarçar o quão nervoso estava, o estudante estava muito mais vulnerável do que pensava. Foi quando o moreno se aproximou, com a mesma tranquilidade de sempre, e aproximou o rosto do seu.

Com a garganta travada, sentiu a respiração quente de Scott roçando por sua bochecha. Não teve coragem de se mexer — estava sem jeito, todo atrapalhado… E muito curioso.

Sentiu sua aproximação. A respiração foi se movendo para mais perto, quase como uma carícia morna em seu rosto… Até que, lentamente rasgando o clima de suspense, sentiu os dentes do homem roçando pelo lóbulo de sua orelha.

Como deveria reagir? Seu corpo inteiro estava arrepiado, e quente. Mesmo sendo tão simples, ele era só um estudante. O aluno exemplar, virgem e cheio de hormônios. Tudo que queria era ficar ali para sempre, sem se mexer, mas sentindo as aproximações do rapaz.

— Você mente mal, Charlie. — ouviu-o sussurrar ao pé de sua orelha, mas não pôde pensar muito sobre a afirmação. Logo sentiu os lábios de Scott acariciando sua bochecha, e podia jurar que seus joelhos iam ceder.

As mãos já não conseguiam mais passar a visão de um rapaz de boa postura. Agora só apertavam o tecido de suas calças sobre as coxas, enquanto ele tentava manter a respiração regulada e o coração quieto dentro do peito.

— Aposto que você nunca veio aqui antes… — ele acertou. — ...E também nunca deixou um homem chegar perto de você assim. — acertou novamente. Isso só deixava Charles mais tímido.

— Qual o problema nisso…? — gaguejou o questionamento, com certeza perguntando mais para si mesmo do que para o homem. Em resposta, viu de relance aquele sorriso tranquilo e charmoso que ele tinha.

— Não sei… — Então, o loiro percebeu a aproximação dos dedos do rapaz pelo outro lado de seu rosto. De certa forma, seu toque era delicado… Isso o impressionou.

Sem pressa, os dedos acariciaram sua face, escorregando pelo pescoço. Brincaram perto da gola de sua camisa social, como uma provocação… E deslizaram na direção de sua nuca. Foi justamente aquilo que o quebrou: o afago manso por sua nuca, subindo pelos cabelos loiros. Assim, se viu dominado pelos beijos brandos em seu pescoço e as carícias de seus dedos.

— Qual é a sensação, Charlie? — A voz grave e rouca de Scott foi como um curto pulso de consciência em sua mente. Lembrou de onde estava.. Mas não quis sair dali. Não queria se afastar do calor da palma de sua mão, nem dos seus lábios grossos. — É bom ser tocado por um homem?

Com o tom levemente risonho da fala, o jovem se perguntou se era uma pergunta retórica ou não. Então, seus dedos magros, trêmulos de nervosismo, se ergueram até se apoiarem no pulso de Scott.

O toque leve pareceu chamar sua atenção. Assim, depois de mais uns dois beijos suaves por trás da orelha do estudante, ergueu o rosto. Para sua surpresa, estavam frente a frente. Olhos nos olhos.

— ...É bom. — Foi o máximo que Charles conseguiu balbuciar, mas precisou de uma dose de coragem para isso, e Scott percebeu. Sorriu, então. — Faz isso com todo garoto do ensino médio que vai atrás de você…? — sussurrou, tentando disfarçar que o olhar sempre acabava descendo na direção dos lábios do homem.

— ...Só aqueles que parecem que vão implorar por um beijo.

Ele teria levado como uma ofensa… Se não tivesse notado a aproximação do rapaz. Ainda estava de orgulho ferido? Sim. Mas sabia que, se interrompesse, era bem capaz dele fazê-lo implorar de verdade.

E, com o calor que estava sentindo, era bem capaz do garoto implorar, mesmo.

Sua respiração estava trêmula, já revelando o quão nervoso estava. Mesmo tão de perto, Scott não era feio. Nem um pouco feio! Tinha indícios de uma barba rala no rosto, dessas de uma semana depois de fazê-la. Seu perfume se misturava ao cheiro do cigarro, mas não era repulsivo — muito pelo contrário. Era um cheiro ao qual o garoto não estava acostumado.

O primeiro toque foi o roçar suave dos lábios de Scott pelo cantinho dos seus. Um beijo tênue, delicado, até. Como o primeiro contato de um humano com um animalzinho arisco e frágil. Aquilo foi o bastante para Charles sentir que suas pernas virariam gelatina.

Foi quando veio o segundo. Os dedos ásperos do moreno, antes submergidos nos cabelos loiros do mais jovem, escorregaram por sua bochecha. Tocaram-lhe a pele alva, e seu polegar afagou-lhe a face com uma gentileza antes desconhecida.

Nunca ele havia sido tocado por alguém desse jeito.

Percebeu, então, que ele mesmo já sentia as pálpebras pesadas. Nem havia se dado conta, mas estava entregue a ele. A última coisa que viu foi o sorriso malandro do rapaz quando ele recuou o rosto… E, quando se aproximou novamente, Charlie já tinha fechado os olhos. Esperava que não fosse uma brincadeira boba dele.

Queria aquele beijo.

Quando ele veio, pensou que nunca na vida experimentaria algo assim.

Não tinha experiência nenhuma com isso. Quando sentiu os lábios do motoqueiro contra os seus, praticamente derreteu em seus braços. O máximo que o loiro já havia chegado daquilo foi um selinho bobo, anos atrás.

Os braços do homem eram quentes e aconchegantes. Sentiu que ele havia se desencostado da parede, e agora estavam literalmente como o casal anterior provavelmente estava antes. Sem saber o que fazer com as mãos trêmulas, Charles laçou o pescoço do rapaz com os braços, esticando o corpo para tal.

Achou que fosse morrer.

Não conseguia ligar bem os fatos…

O raciocínio estava lento…

Sabia que Scott mordiscava gentilmente seu lábio, e sentia o calor úmido do beijo… Mas não tinha a mínima noção do que estava acontecendo. Seu corpo estava arrepiado, e a mão de Scott acariciando seu tronco por dentro da camisa social e do suéter não ajudava.

Entendia que aquilo era imprudente e pervertido. Se alguém da sua escola descobrisse que estava ali, tendo um beijo sem pudor daqueles, anda mais com um rapaz mais velho, sua vida acadêmica já era.

Todavia, não é porque tinha consciência dessas coisas que ele ia parar. Estava bom demais para parar. Com as unhas curtas e limpas, o garoto arranhou a nuca do homem, agarrando-se nele como podia. Era sensível, e estava quente. A língua de Scott era quente.

Jesus.

Quando viu-se livre, ofegava. Não tinha a mínima noção do que tinha acabado de fazer, mas tinha gostado. Seu corpo parecia pegar fogo, e as roupas pareciam sufocá-lo. Nunca tinha beijado daquele jeito. Nunca havia sido beijado daquele jeito.

Ainda com as pálpebras apertadas, recuperando o fôlego, Charlie teve consciência de que estava excitado. “Que merda”, pensou… Mas não podia fazer muito a respeito.

Ao menos não sentindo os beijos úmidos do motoqueiro por seu pescoço outra vez. Seu corpo já tremia, confuso com todos aqueles estímulos novos que não entendia. O cheiro dele, a mão dele, o corpo dele, o calor dele.

Estava entregue.

...Estaria.

Muito tranquilo, ainda plantando mais um ou dois beijos em seu maxilar e rosto, Scott recuou o rosto. O loiro não viu, mas ficou alguns instantes admirando seu rosto vermelho, seus lábios entreabertos e inchados pelo beijo, o jeito como arfava.

Porém, foi isso. Só admirou.

Então, os braços o soltaram devagar, e Charles pensou que fosse cair. Com o movimento, acabou por abrir os olhos… E deu de cara com o sorriso sereno do rapaz. Calmo, ele tirou um papel do bolso e colocou no bolso do suéter que o garoto vestia, sem dar uma palavra. Mesmo assim, ele entendeu que Scott estava indo embora.

— Você… Você já vai? — A voz falhou. Por quê? Tinha feito alguma coisa errada?
— Relaxa. — ele riu, tranquilo, e beijou seu rosto. — Já deu minha hora.

E foi assim. Charles não podia contestar.

Assistiu ele ajeitar o agasalho no corpo, e empurrar a barra da saída de emergência. Ficou… Em estado catatônico. Então era por isso que o Névoa tinha esse nome? Nada parecia fazer sentido lá dentro.

Cabisbaixo, conferiu o papel no bolso.

Era um número.

Olhou a placa iluminada que dizia “Saída” acima da porta, e ajeitou os óculos no rosto. Sabia o tipo de cara que Scott era. Não era o tipo que Rebecca apresentaria aos pais. Não é o tipo que te acompanha para a festa de formatura.

...Mas, honestamente? Charles não dava a mínima.

O queria mesmo assim.

Seguiu a orientação da placa e saiu pela porta, abandonando o Névoa no meio da noite e seguindo seu motoqueiro pelo estacionamento.

Queria uma carona para casa.

Não. Queria uma carona para casa na moto polida de Scott, pela rota que ele decidisse.

Por mais torto que fosse, seguiria por seu caminho.


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Notas finais do capítulo

É, foi isso aí!!!!
Na semana seguinte, Scott apareceu no portão da escola dele. Dessa vez, não era pra esperar outra pessoa.
Sim, esse é o passado do Charles de Android Passion. E, sim, ele criou mesmo os robôs que planejava!
Comente o que achou!!!!!!! ♥ Eu me matei muito por essa fic, sério.
Eis meu primeiro (último? Não sei.) DeLiPa.
Beijocas doces e soberanas,
Queen Vee~