Azul & Violeta escrita por TSLopes


Capítulo 2
Capitulo 1 - Edgar


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos de novo! Agora vamo que vamo, porque a historia começa agora!



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É hoje, escutei a voz arranhada e rouca - mas não rouca num tom doente e fraco, e sim em um tom sarcástico e zombador, que era capaz de ecoar em todo o meu ser, me lembrando um sussurro de uma cobra - dizer em minha cabeça e me fazer acordar.

Rolei na minha enorme cama macia e não permiti que meus olhos se abrissem, me forçando a me lembrar de meu sonho – se é que eu estava sonhando – só para poder adiar este dia. E em um desejo irracional, esperar que o próximo dia já chegasse. Não queria acordar hoje, no dia que eu mais temia na semana. O dia que chegava com mais velocidade do que deveria, me fazendo perguntar se o tempo se adiantava de propósito, a quinta-feira.

Pare de fugir da sua tarefa – a voz na minha mente ordenou em um tom impaciente.

Desde seis meses atrás, sou atormentado por essa voz. Tudo começou em uma quinta-feira, depois de viajar a negócios. A voz começou a falar comigo quando estava em meu carro, na viagem para casa, e eu me senti um louco, porque ela apareceu de repente e parecia que estava gritando em meus ouvidos, dizendo que nós dois iríamos nos divertir muito juntos. Por isso me tranquei no escritório quando cheguei em casa, para que ninguém  percebesse, e tentei dormir. Foi quando eu tive meu primeiro pesadelo vindo dele.

Sonhei que eu estava em uma floresta, minha visão avermelhada e eu conseguia enxergar no escuro da noite. Fiquei vagando, sentindo os solavancos dos meus passos pesados que produziam um barulho seco e forte, tum tum tum. Eu estava alto e minha mente só conseguia focar na mulher pequena e assustada, que corria de mim enquanto eu a atacava com minhas garras, cortando seus braços e então a deixava fugir, para cortá-la ainda mais.

Deus, eu senti prazer em vê-la gritar, eu adorei vê-la se desesperar! Quando acordei, não consegui tirar as imagens da mulher da minha cabeça. Então decidi dar uma volta e fui até o vilarejo.

Cheguei a um bar decadente, porque eu sabia que ninguém me notaria lá e pedi um uísque. Sentado naquele banco de madeira em meio a bagunça de homens se esbarrando em quem quer que esteja na frente, todos com uma expressão curiosa, escutei uns murmúrios. Perguntei o que acontecera para a mesa mais próxima, onde havia homens velhos com barbas sujas. Um deles - o que estava com menos migalhas de arroz e milho na barba longa e mal cuidada, talvez o mais sóbrio de todos eles - me disse com uma expressão séria e a voz sinistra, que uma ladra fora encontrada morta com cortes em todo o corpo.

— Não! - eu havia berrado.

Naquela hora apertei minha cabeça com força e trinquei os dentes. Não conseguia acreditar. Todos me olharam e disseram algo que eu não podia entender, pois só ouvia os resmungos atordoados da voz.

Voltei então para a mansão e nunca mais pus os pés naquele vilarejo.

Porque depois eu me escondera em uma cabana em um morro qualquer, onde ninguém sabia do meu paradeiro, onde fiquei preso em meus pensamentos durante três dias. A voz dizia coisas incompreensíveis e eu tentava entender o que eu tinha me tornado. E principalmente, entender porque eu quis tanto matar aquela mulher.

Foi ai que eu percebi. E foi como se minha razão se despertasse em meio a minha confusa loucura. Eu matei uma ladra, que não pensava duas vezes antes de tirar o sustento de alguém. Provavelmente salvei mais vidas do que tirei.

Com esse pensamento justiceiro em mente, passei a pesquisar sobre os maiores assassinos da região. Parecia que minha filosofia de vida tinha mudado, minha visão de mundo mais clara. Eu estava limpando o mundo, tirando toda a sujeira e corrupção dele, chegando a tão esperada paz mundial.

Isso durou duas semanas. Voltei a pensar como um humano na quinta-feira, quando estava no corpo da fera e um moleque estuprador estava em minhas garras e eu só precisava lhe dar o golpe final. Seus olhos estavam suplicantes, desesperados, rugindo de pânico porque queria continuar a vida. Então eu percebi que era exatamente assim que eu me sentia, que eu ainda me sinto. Com a alma desesperada, implorando para continuar a vida.

Porém, eu não consegui salva-lo. A fera era forte demais, e eu nunca pude lutar contra ela. Só que eu voltei ao normal, e hoje eu sei que não posso sozinho acabar com esse monstro, porque no fundo eu sei que esse monstro faz parte de mim. Eu sou como um mal que sabe o que é e que precisa ser derrotado pelo bem. A pergunta é: quando é que esse herói chega?

.....||.....

Daqui a pouco.

Escutei sua risada que me enojou. A voz já estava alta e em um nível insuportável. Senti meu corpo tremer de medo e prazer.

Odeio isso. Odeio essa sensação de felicidade. Odeio esse monstro que há em mim. Odeio essa minha falta de autocontrole. Odeio me olhar no espelho e ver esse ser desprezível. Eu me odeio.

Lá vem você com essas lamentações.


Um suspiro de impaciência.

Por que você não vê o lado bom?

— Cala a boca! - berrei para o escritório vazio.

Meus empregados já se acostumaram com meus acessos de loucura. Eles eram os únicos que poderiam saber da minha insanidade. Mas só uma pequena parte, já que tenho o titulo de conde. Ouço uma risada tão forte que me faz por a mão na cabeça e me segurar para não arrancar meus cabelos.

É tão bom te provocar.

 Olhei o relógio. Eram sete da noite, daqui a pouco vou apagar e o monstro fará mais uma vítima. Não a nada, nada, que eu possa fazer para impedir.

Caminhei em círculos em volta do meu escritório. Na ultima vez, consegui controlar o monstro o bastante para os caçadores me verem. Droga, por que não atiraram? Não deveriam vingar a morte dos outros? O mal não deveria ser extinto? Por que ainda estou vivo?

Você não vai morrer.


Ri alto. É lógico que não. Não seria tão fácil.

Escutei alguém bater na porta. Ajeitei o cabelo e o meu terno. Controlei meu nervosismo e tentei ser normal. Por que era isso o que eu tenho feito durante todos esses meses. Fingir ser apenas um conde rico e elegante.

Conde por fora, monstro por dentro.

— Não enche - sussurrei e depois, com o sorriso mais cortês, falei - Entre.

— Com licença, vim para lhe trazer o chá.

Sarah entrou com o seu sorriso mais doce que o chá na bandeja. Era a governanta da mansão e também minha confidente. Porem, nos últimos meses parei de contar meus principais problemas, entretanto,  ainda a considero como alguém de confiança.

— Obrigado.

Ela colocou a bandeja na mesa e eu caminhei até ela. Seu sorriso diminuiu um pouco quando me olhou. Com a testa franzida, ajeitou minha gravata.

— Não acredito que o conde Edgar Borchacell está com a gravata desarrumada.

Não acredito que o conde Edgar Borchacell não notou esse catarro escorrendo.

Pus a mão no nariz e a voz começou a gargalhar. Abri a boca para responder e me lembrei de Sarah. Esforcei-me ao máximo em ignorar a gargalhada e parecer normal. Peguei uma xícara, o chá estava bom. Concentrei-me em parar de tremer a mão.

— Você está bem, criança?

Como se todo em esse tempo eu estivesse me afundando num oceano vazio e escuro e subitamente desejasse ser puxado para cima, meu coração se acelerou de repente. Era uma força, uma energia, uma vontade pulsando em meu peito, gritando por liberdade. Porem, eu não tinha como fugir. 

— Estou ótimo - sorri - Melhor ainda com esse chá.

— Meu chá pode ser milagroso, criança, mas uma conversa também - ela pegou minha mão e olhou no fundo dos meus olhos, como se estivesse analisando minha alma - O que você tem?

Pensei em algo rapidamente, não apenas por causa dela, mas para que aquela sensação de prisão e sufocamento não me dominassem e me prendesse em um casulo escuro e vazio. Eu estava desesperado. Muito desesperado.  Entretanto, o tempo me ensinou a esconder ate esse sentimento. 

— Nostalgia - olhei a enorme janela que cobria a maior parte da parede atrás da minha mesa - Lembra-se de quando minha mãe me colocava de castigo no quarto e você sempre me trazia biscoitos?

Sarah me encarou por um instante. Conversar sempre me distraia.

— Lembro, - ela olhou pensativa a paisagem da minha janela - fazia isso com vocês quatro.

Não acredito que vou ter de escutar isso de novo.

— Não precisava trazer para os outros três, meu pai iria tirá-los do castigo mesmo.

Minha infância fora maravilhosa, a melhor que alguém poderia ter. Cresci junto com meus irmãos, em uma mansão, rodeado de mimos e em contínuas viagens. Não sou ingrato o bastante para reclamar. Entretanto, meu pai, como em qualquer outra família, tinha uma preferencia clara pelos meus dois irmãos mais velhos e sua caçula. Eu sempre fora apenas mais um.

— Não, não iria - pegou minha xícara e pôs na bandeja - você não conhece seu pai.

— Como se ele estava sempre viajando?

Meu pai na verdade é ministro do rei Theomir III, e sempre levava meus dois irmãos mais velhos em suas viagens. Eu só era o caçulinha que ficava na barra da saia da mãe.

— Já tivemos essa conversa. Seu pai ama vocês quatro igualmente.

E como não tem ele para cuidar de você, tem eu.

Trinquei os dentes, fui até a janela e pus a mão na vidraça. Notei que minha mão ainda tremia e a fechei com raiva. Odiava quando a voz falava de repente e cortava o clima de paz e tranquilidade.

O meu escritório ficava em frente à entrada da mansão. Havia um enorme portão com uma estrada que dividia o enorme jardim de rosas. Havia todo tipo de rosas, e todas bem cuidadas, por mim e pelo jardineiro. Desde pequeno sou fascinado por rosas, para zombaria do meu irmão mais velho, Edward. Ele jamais conseguiu entender a mensagem de uma rosa, como sua cor intensa e calorosa, expressando total paixão e avivamento, me fazia sentir uma sensação de êxtase e uma energia eletrizante. As rosas eram como as mulheres, belas, calorosas e ardentes.

Estava chuviscando e parecia que viria uma tempestade. O anúncio da morte. Cerrei mais o punho. Por que eu? Por que eu faço isso? Cadê o herói para salvar essas pessoas de mim?

— Desculpe-me se falei algo errado - Sarah falou - Mas só acho que você devia aceitar as coisas como são.

Ora, temos um convidado.

Olhei o portão e a vi em meio a chuva, uma mulher com uma capa envolta do corpo, entrando. Ela caminhou rapidamente até a entrada e a perdi do meu campo de visão.

— Edgar! - Sarah exclamou e eu murmurei.

— Uma mulher entrou. Vá ver o que quer e a mande embora.

— Mulher? Estranho. Vou lá ver.

Nem notei quando Sarah foi embora. É muito estranho alguém vir até a mansão, por ser afastada e por eu nunca convidar alguém. Ela estava perdida?

Pelo menos aqui ela se salvou. Mais alguns minutos e ela seria minha vítima. Irônico, ela se salvou do monstro na casa dele.

Acho que não bobão, você acabou de mandar Sarah expulsá-la daqui.

Meu Deus, é mesmo! Andei para fora do escritório e como ele ficava no segundo andar, encostei-me ao corrimão do outro lado do corredor e a vi, junto com Sarah e Rubens na enorme sala embaixo. Rubens era meu guardião, mandado por meu pai. Não valia a pena pensar muito sobre ele, para mim ele era apenas um guardião. Desci as escadas silenciosamente, para que ninguém me notasse enquanto escutava a conversa deles.

Sarah a estava cobrindo com meus cobertores em frente à lareira. Rubens estava como sempre mal humorado. Como a escada ficava do lado esquerdo da lareira e todos estavam virados para ela, ninguém me notou.

— O que há Rubens? A menina não pode sair nessa chuva.

— O senhor Borchacell não vai gostar – reclamou Rubens.

— Não podemos deixar a senhorita – Sarah parou e encarou a jovem – Qual o seu nome, linda?

— Angelina. Angelina Líbia.

— Que belo nome – se virou para Rubens – Não podemos deixar a senhorita Líbia nessa tempestade e na floresta a noite.

— Pensasse ela antes de caminhar sozinha na floresta.

Sarah o encarou, perplexa. Angelina se levantou e se virou para Rubens.

— Senhor Rubens, a única coisa que te peço é que me conceda um espaço para me abrigar da chuva. Não vou roubar e nem quebrar nada. Amanhã irei embora e pode até me revistar – uma pausa – Eu só lhe peço um lugarzinho para me proteger da chuva.

Rubens pensou um pouco e depois se virou para Sarah.

— Avise o senhor Borchacell – se virou para Angelina – e depois conversamos.

— Avisar do quê? – entrei no campo de visão deles, para surpresa de todos, com o meu sorriso charmoso e o ar imponente.

Esses eram um daqueles momentos em que eu adorava ser um rico, influente e poderoso, Borchacell.

Sarah veio na minha frente.

— Essa menina estava perdida...

Pausei-a com a mão.

Edgar botando ordem na casa.

— Antes de tudo, devo conhecer minha visitante.

Sarah ficou sem fala. Estendi a mão para a bela jovem de cabelos dourados, caindo em ondas pelo corpo magro. Tinha a boca carnuda, nariz fino, a pele branca como seda. Usava um vestido lilás simples e velho que fazia destacar seus olhos violeta. Era anormalmente bela para uma simples camponesa.

Angelina ficou surpresa e pegou minha mão.

— Sou o conde Edgar Borchacell – beijei sua mão – Muito prazer.

Para a minha surpresa, ela abriu um sorriso tão grande e charmoso que parecia iluminar todo o seu rosto. Seus olhos violeta brilharam e eu me prendi no brilho e na imensidão deles. Esse seu charme parecia ser tão natural e espontâneo que me perguntei ser verdadeiro ou apenas fingimento.

— Prazer, eu sou Angelina Líbia – para meu encanto maior ela inclinou o rosto para a direita – Professora do vilarejo de Santa Liberdade.


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Notas finais do capítulo

Capitulo betado pela lady mikaelson.
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