Eu te amo - disse ela com ódio ao homem cujo crime impunível que cometera era o de não querê-la
Clarice Lispector

Quando Jemima chegou, o local já estava estragado.

Não que ela realmente tenha entrado no coração de James Potter, mas a entrada era protegida demais, e pelo que via pelas janelas, a confusão ainda estava eminente, apesar dos esforços para controlar a situação. Ela achava doce o interesse de James em suas habilidades em Runas Antigas, gostava de quando ele focava toda a sua atenção nela, como se ela fosse a única garota de toda Hogwarts.

Ele murmura algumas histórias sobre suas ex-namoradas, convencido e exibido, uma característica conhecida de James.

Mas havia alguns traços de sensibilidade, um peso... Parecia ter passado por um trauma tão profundo que todos os seus passos eram contados, como se ele soubesse que determinados caminhos o colocaria novamente em uma posição não agradável.

“James Potter namorou Hogwarts inteira, Jemima, tem certeza que quer se envolver com a maior rodada do Castelo?”, mas tudo que ela fez foi dar de ombros, sorridente.

A doce ilusão de que poderia mudar o imutável. Por que mulheres sempre acham isso? Que tem algum poder especial que pode mudar um homem?

“Isso aconteceu quando eu gostava de uma garota... Mas já faz tempo”, finalizou a história, mudando de assunto. Jemima chegou até mesmo a corar... James já fora apaixonado. Ele tinha algo batendo entre aquelas tiradas engraçadas e sua despreocupação quase agoniante. Se ele apaixonou-se uma vez, bem, uma segunda podia acontecer.

“E esse é Sirius, aquele é Remus...”, Jemima sorriu ao conhecer todos, impressionada, mesmo com o olhar de descaso dos garotos, como se cumprissem mais uma rotina de conhecer mais uma namorada de James.

Mas eu sou diferente, garantiu Jemima em pensamentos, entretendo os garotos, ganhando a atenção deles gradativamente. E os olhos de James sob ela agradavam. Os holofotes estavam sob ela. E tudo era perfeito, menos o olhar das ex-namoradas de James.

Elas olhavam para Jemima com pena, e para James, com uma falta de emoção quase tocante. Não havia remorso, raiva... Não havia nem mesmo compaixão.

Os olhares tocavam James como fantasmas o rondando e ele se esforçava para esconder o peso, mas cada uma parecia uma corrente o puxando para trás o tempo inteiro. Ele comenta sobre elas, comenta como se sente mal ao vê-las, como às vezes uma ou outra tem a capacidade de estragar seu dia inteiro apenas com um olhar, mas a mesma boca que relembra tristemente segue os olhos arrogantes, e os ombros que dão às costas ao passado, correndo para a frente.

Jemima se irrita, não querendo saber do passado, e sim escrever seu nome naquele livro chamado James Potter.

E sorri, sendo ela a receber os acenos durante os jogos que todos imploram pela atenção do Apanhador da Grifinória. E é ela a convidada de honra de James Potter à festinhas clandestinas. É ela a receber a atenção enquanto as garotas babam, desesperadas. Ela assiste James dar confiança rasa a elas, mas se sente confortável ao deitar todas as noites e saber que a confiança concreta é para ela, exclusivamente para ela.

Não.

Porque quando ela passa nos corredores, James está sorrindo e brincando com o cabelo de outras garotas. E ele sussurra em seus ouvidos, as deixando vermelha. Jemima ignora, mas ela não consegue parar de assistir, desesperada. Não está dando o suficiente? O que mais James quer?

Seu desespero é tão eminente que ela tenta forçar sua entrada na vida do garoto, mas ele a afasta o suficiente a ponto que não são amigos e nem namorados.

Não são nada.

Jemima tenta segurá-lo na água como se fosse uma pedra de sal, mas tudo que pode fazer é assisti-lo diluir-se. O tom de novidade nos olhos dele se tornara um olhar comum, como se ele tivesse chegado perto demais de Jemima quando ela lhe sussurrara que era difícil sua vida com déficit de atenção, e percebido que ela é humana. É igual as outras. O sorriso que antes era malicioso agora para a garota soa como caridade.

E o bom dia, antes um gracejo para algo a mais, virara apenas um cumprimento rápido.

Os amigos de James passam por ela com um olhar penoso, como se soubessem que aquilo ia acontecer muito antes dela, mas não se deve interferir no futuro. Jemima dá alguns passos para trás, assistindo James apaixonar-se por outra gradativamente.

Tocá-la como a tocou. Sorrir como sorriu para ela. Beijá-la como...

“Quero beijar seu pescoço”, sussurrou Jemima, o assistindo.

Ele deve ter dito aquilo à ela. Pois foi o que dissera a Jemima.

E assim como Jem, a garota passou algumas semanas desfilando com o pescoço à mostra, arrancando sorrisos de James. E então ela vira para os fantasmas de James, entendendo os olhares. Sentiu ódio. A fúria a consumia dia e noite, James Potter era o ser mais desprezível que já pisara em Hogwarts. Jemima se negava a soltar a rocha que a mantinha ali na beira daquele precipício, mesmo com James já ameaçando pisar em suas mãos machucadas.

Ela não queria virar um fantasma.

“Isso aconteceu quando eu gostava de uma garota... Mas já faz tempo”, a obsessão de Jemima estava a fazendo delirar ou algo do tipo, mas aquela frase de James parecia ter muito sentido quando ele flertara com toda a sala de História da Magia, menos uma estudante.

E nos corredores, ele dá espaço para ela passar, abaixando a cabeça, como se a imagem fosse forte demais para ser vista e a vergonha o recobrisse, como se ele estivesse fazendo algo vil. E seu humor muda bruscamente, como se a existência da mesma pudesse alterar tudo... Aquela realidade alternativa na qual ele se enganava, fingindo gostar de outras, uma realidade na qual ela não existia.

James consegue fugir dos fantasmas, mas ele só cai quando Lílian Evans é o fantasma.

As outras são apenas lembranças frustradas, como se ele tivesse usado mil chaves falsas para abrir um baú, mesmo ele sabendo exatamente onde estava a chave mestra.

Jemima observa a garota que ocupou seu lugar e parece assistir a mesma história, mas por fora. Quis saber se James não se cansava de viver a mesma história mil vezes e achou engraçado ter pensado que seria diferente. Era fácil se deixar levar pelos minutos em que James Potter estava olhando apenas e unicamente para você. Fica fácil de ignorar e relevar todo o resto.

“Ah, Jem... Me perdoe, eu só vacilo com você. Eu me importo com você. É que eu sou muito doido”, sorriu ele, visivelmente exausto mentalmente, cansado uma noite após a ronda, quando Jemima comentou sobre uma matéria do Jornal com uma série que ele gostava, mesmo sabendo que devia ignorá-lo, por mais que não entendesse muito bem o porque.

Agora entendia.

A garota assentiu lentamente e James simplesmente lhe deu boa noite, com o anel de compromisso brilhando no dedo, subindo para o dormitório. O silêncio da Sala Comunal cobriu Jemima, que chorou em silêncio, sem dor.

Apenas lágrimas saindo espontaneamente, sem sequer um soluço.

Deixou James destruí-la e sequer notou que merecia um pedido de desculpas, por mais que não reparasse um terço do estrago feito. Devia ignorá-lo e seguir em frente porque até mesmo ele notara o estrago que fizera, menos Jemima, que não cansava de relativizar e glamourizar a dor provocada. Se ele queria tanto ser amado, por que ele não a deixou amá-lo?

Quem disse que ele quer ser amado?, indagou-se Jemima, o observando no café, gargalhando de algo que sua nova namorada dissera. Ele não quer o amor de ninguém... Que não seja certa pessoa.

Ela olhou Lily à sua frente, concentrada nas notícias.

Lamentou um amor nunca vivido tempo o suficiente para assistir James repetir sua história mais duas vezes, até pensar nele cada vez menos, até qualquer tipo de sentimento sobre ele desaparecer. Quando o encontra no corredor, James parece temer ser um fantasma... Mas Jemima sorri, afirmando que não é.

E James passa, também sorrindo.

Ele era seu fantasma.

Jair Naves - Poucas Palavras Bastam