Do Outro Lado do Véu escrita por Miahwe


Capítulo 1
Invisível


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem. :3

Capítulo não betado, então desculpem quaisquer erros. :)



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Fechou os olhos, puxou a coberta até cobrir completamente a cabeça e encolheu-se abraçando o travesseiro de forma carente. Não sabia se queria sonhar ou não, tinha medo do que viria depois que acordasse – normalmente eram lágrimas

Odiava a senhora Maya que apenas fingia que acreditava em si.

            Suspirou e aguardou o entorpecimento do sono tomar-lhe o corpo, para então, em poucos minutos ver-se dentro do próprio consciente onde aguardava os sonhos começarem para preencher o tédio da noite.

            Mal reparou quando estava pulando e tentando não escorregar nas pedras do ribeirão que ainda não havia começado a encher como fazia nos fins da tarde.

— Chihiro, cuidado. – Era a voz de Haku, ele sempre falava aquelas duas palavras enquanto a esperava sentado nos degraus onde haviam se despedido tempos atrás.

            - Haku! – falou correndo os degraus e o abraçando, fazendo com que ambos caíssem no chão. – Haku!

            - Hey, Chihiro, tenho um lugar para lhe mostrar... – O rapaz levantou-se saindo do abraço da garota e segurando a mão da mesma. Correram juntos por caminhos já conhecidos, já explorados e então entraram em outros caminhos até chegarem em um campo de flores. Chihiro já conhecia aquele lugar, mas ao mesmo tempo – no sonho – não conhecia. Sentaram-se juntos e conversaram sobre tudo e nada.

            Quando acordou naquela noite como em todas as outras, lembrava-se de Haku e sentia saudades de tudo que sonhará.

 

                                               ***

 

O som das brisas e o calor morno do pôr do sol inundavam o fim da tarde. O céu transformava-se em uma aquarela inenarrável a cada minuto que se passava. Os pássaros cantavam o fim das melodias dando aos grilos e as cigarras a regência da noite.

            Uma criança estava a passeio no Grande Parque com os pais, em um piquenique simples, onde as comidas estavam arrumadas em uma das mesas que eram dispostas para tal debaixo da sombra de uma grande árvore. A menina observava algumas formigas quando escutou o barulho de água, curiosa, caminhou até onde alguns arbustos e árvores grandes e robustas faziam uma espécie de fronteira. Destemida, esgueirou-se para longe dos pais e ultrapassou as árvores, arrastando-se no chão, mal se importando se estava sendo arranhada pelos galhos ou sujando as mãos e os joelhos de terra. Quando abriu os olhos, um sorriso inocente e contente pela descoberta desabrochou no rosto sardento.

            Um ribeirão de belas águas corria na base da encosta na qual estava em pé, admirou a correnteza calma e a mata natural que o parque tanto prezava do outro lado da margem. Correu o declive até perder o controle das pernas que apenas se apressavam rapidamente para chegar na margem e então, por pouco não caiu no chão quando tentou frear-se. Recuperando o equilíbrio caminhou até as águas, queria topá-la, ter certeza de que era real.

            Tinha achado um ribeirão!

            Quando chegou na margem pedregosa, caminhou até a água cobri-lhe os joelhos sem, ao menos, ligar se estava molhando a saia do vestido amarelo e rosa, sujo de tanto se sentar e cair no chão. Abaixou e topando as mãos na água gélida. Sorriu quando um peixe escuro passou por si nadando desesperado.

            Quando levantou novamente para voltar a margem, preparada para escalar a pequena encosta e contar aos pais sobre sua descoberta, encarou um rapaz sentado com as pernas cruzadas a olhando, um dos cotovelos apoiado em um dos joelhos e o queixo apoiado no punho; parou levemente assustada. Ele não estava ali antes.

            - Olha eu achei um ribeirão! – falou feliz e orgulhosa, girando dentro da água, sem intimidar-se com a presença do estranho rapaz.

            O garoto de grandes olhos verde-escuro franziu o cenho confuso. Ela havia falado com ele? Não, claro que não.

            - É bonito não é! Eu vi um peixe grandão assim... – a garota falou abrindo os braços para mostrar o tamanho do peixe.

            O rapaz olhou para trás afim de encontrar com quem a garotinha falava, mas não viu ninguém. Uma brisa forte passou por ele, balançando os cabelos curtos, fazendo a franja balançar a cima dos olhos.

— Você consegue me ver? – perguntou apontando um dedo para si e ficou sem reação quando a criança assentiu inocentemente. Então, quando a mesma virou-se de costas respirou fundo e deixou que o vento morno do fim da tarde o levasse de volta as águas correntes do ribeirão.

— Outro peixe, olha... – A garota começou virando-se para a margem, mas o rapaz já não estava mais ali.

 

                                   ***

 

            - Não! – gritou enquanto acordava sobressaltada. Sentando-se na cama com uma mão aparando a testa suada. O lençol estava enroscado nas pernas e o barulho do ar-condicionado era quase inaudível em comparação aos batimentos cardíacos que pulsavam pelo corpo. Respirou fundo tentando manter a calma. – Foi um sonho, um sonho, um sonho... Acalme-se Chihiro, acalme-se...

            Desvencilhou-se dos lençóis e saiu da cama para abrir a janela do quarto. Uma brisa gélida entrou junto ao cheiro da madrugada que preencheu o quarto da garota, esta que respirou fundo até onde podia para então suspirar enquanto apoiava-se no peitoril da janela. Dali conseguia observar a rua iluminada com a luz laranja dos postes, o jardim florido que a mãe tanto prezava e o mar de estrelas que se estendiam em todas as direções observáveis do céu.

            Uma lágrima sem sentido escorreu solitária pela bochecha até encontrar os lábios onde desapareceu. Passou a mão na bochecha para limpar o rastro, ignorante do porquê da lágrima, então uma tristeza estranha apunhalou lhe o coração e outra lágrima irracional escorreu, então com grande esforço a garota prendeu um choro que mal compreendia ou se quer tinha motivo.

            Ficou ali na janela não se sabe por quanto tempo, viajando nos próprios pensamentos e tentando lembrar-se do que havia sonhado. Sentia que não tinha sido algo bom pelo estado ao qual havia acordado e em parte sentia-se bem por não lembrar do possível pesadelo.

            - Não importa. – falou debruçando-se no peitoril gélido, ajoelhando-se no chão e fechando os olhos. Não dormiu. Ficou ali até que os raios acolhedores do sol a atingissem, então levantou-se e foi ao banheiro tomar banho. Em algumas horas teria aula, se já estava acordada não custava nada se esforça para chegar mais cedo.

            Não fora a primeira vez que acordava daquela forma naquela semana, segundo a mãe deveria ser algum estresse ou algo a perturbando. Chihiro jurava que estava bem, que não estava tendo aqueles sonhos de anos antes que a tanto perturbaram no passado, pelo menos era o que ela esperava.

            Há seis anos atrás, tempos depois que se instalou na nova casa, sonhos começaram-na a perturbar. Não eram simples sonhos. Haviam monstros inenarráveis, pessoas anormais e animais que falavam. As noites, recordava-se apenas que acordava chorando e gritando por algo que – agora -  já não lembrava. Quando menor, jurou a mãe e a psicóloga que era tudo real, porém depois de consultas e conversas, tudo ao qual acreditava transformou-se em apenas sonhos irreais, fruto de sua imaginação infantil. E, quando as aulas começaram, quando fizera amizade, tinha esquecido de tudo. Os sonhos, pesadelos e sentimentos reais ou não tinham sidos exilados.

            Já não lembrava-se mais do que a tanto transtornava quando tinha dez anos.

            Agora, seis anos depois, quando contara a mãe sobre os pesadelos viu a face da mesma ficar séria e preocupada. – São os mesmo de antes? – A mãe tinha perguntado sentando-se na mesa.

            - Não sei, não lembro-me.

            - Oh, que assim seja, vai passar, é só uma fase ruim.

            - Deve ser.

            Contudo os sonhos não tinham parado desde o começo da terça feira quando fora mais cedo para casa.

            Naquela manhã de sexta-feira quando chegou na escola, notou o quanto estava exausta. Dormiu em todos os intervalos e faltou à aula de educação física para poder descansar um pouco mais. Na saída enquanto descia os degraus da escadaria da frente, Misaki apareceu ao seu lado sorridente e a cumprimentou.

            - Hey, Chihiro!

            - Oe, Misa. – falou bocejando.

            - Posso voltar com você para casa?

            - O Mugi faltou?

            - Sim, não notou?

            - Na verdade não. – respondeu sem jeito, afinal o Mugi estudava na mesma sala que ela.

            - Entendo. – A amiga falou enquanto andavam para fora do terreno da escola. – Ele está meio doente esses dias.

            - Oh. – foi a única coisa que escapuliu dos lábios de Chihiro naquele momento. – Desculpe. Estou tão cansada, só quero dormiiiir! – disse espreguiçando os braços para trás.

            - Ficou fazendo o que a noite?

            - Tive um pesadelo e não consegui dormir depois. Já faz três dias.

            - Ah, pesadelos com o que?

            Chihiro deu de ombros enquanto ajeitava a própria mochila em um ombro. – Não consigo lembrar depois que acordo.

            - Não acha que é um sinal?

            - De que?

            - Não sei. – Misaki respondeu lhe lançando um olhar sarcástico como se Chihiro soubesse realmente o que fosse. – Quer ir lá no Parque? Podemos deitar um pouco na sombra e cochilar como fazíamos antigamente.

            - Vamos! – respondeu retribuindo o sorriso.

            A sombra na qual Misaki citara ficava em uma área afastada do Parque, na parte alta do mesmo, onde uma pequena encosta fazia margem com um ribeirão que corria logo abaixo. A árvore na qual deitavam embaixo era um salgueiro com grandes galhos e diversas folhas lacrimosas que entoavam uma melodia a cada passagem do vento. A árvore ficava próxima aos limites do parque e as grossas raízes desciam e cresciam na borda do declive, como se tentassem chegar mais próximo ao ribeirão.

Perfeitamente calmo. Como não havia pensado em ir ali antes?

            Durante o percurso conversaram pouco, contaram algumas piadas e reclamaram dos professores. Misaki fora a primeira e única amiga de Chihiro depois da mudança, logo no segundo dia de aula, quando estava desenhando no caderno Misaki Hisaishi apareceu por cima de seu ombro e elogiou o desenho, disse que também gostava de desenhar e depois que ambas juntaram todos os lápis de cor, mal se deram conta do quanto inseparáveis tinham se tornado.

            Quando fizeram quinze anos, Misaki começou a namorar com Mugi e, de forma espontânea, Chihiro passou a andar sozinha de vez em quando, todavia não se incomodava em deixar Misaki e Mugi juntos. Às vezes os três marcavam de saírem juntos, irem ao cinema ou a loja de jogos onde passavam tardes defronte aos vários jogos disputando quem ganhava o jogo de dança, de tiro ou o de luta que Misaki mais gostava.

            - Finalmente chegamos! – falou sentando-se no chão próxima as raízes aéreas do salgueiro, sentindo cada pedra e capim abaixo de si. Contudo não sentiu-se incomodada. Fazendo a mochila como travesseiro deitou no chão ao lado da amiga e contemplaram os vários galhos estratificados da árvore. Desde o mais grosso até o mais fino onde haviam poucas folhas, aos pontos azuis e brancos do céu. – É tão bom ficar aqui.

            O cheiro de terra úmida, o barulho das águas e o canto sutil dos pássaros era tudo que Chihiro precisa para descansar um pouco.

            - Ei, Chihiro, sabe o Mugi? – começou Misaki, Chihiro virou para olhar a amiga, no entanto a mesma estava de olhos fechados; a imitou e virou-se em direção ao céu.

            - Sim...

            - Eu... estava pensando em terminar.

            - O que aconteceu?

            - Acho que não estamos mais conectados como antes, ele quase não me manda mais mensagens como antes e faz tempo que não saímos juntos.

            - Ah, sério? Ele sempre parece tão apaixonado por você.

            - Parece é?

            -Sim.

            - Talvez seja só uma fase, então.

            - É, tem que ser paciente.

            - Ei, Chihiro, você já se apaixonou?

            Abriu os olhos e olhou para a amiga que a encarava curiosa. – Não, eu... – começou ao sentir um pouco de incerteza. Por que estou tão reluta? Que me lembre eu nunca me apaixonei, ou será que já? Por quem? Mas não conseguia lembrar de ninguém. – Não, acho que não. – respondeu simplesmente.

            - Ah, tudo bem. – Misaki falou e ficaram em silêncio. Um silêncio que trouxe a ambas uma sonolência entorpecedora e irresistível que, antes que percebessem, tinham-nas levado para os braços de Morfeu1.

            —Chihiro... preciso de ajuda...— foi a voz que escutou antes de abrir os olhos. Não teve sonhos naquela tarde, apenas aquela voz surgiu em seu consciente. Uma voz masculina calma que a deixou sem reação por um tempo enquanto um sentimento de dejavu se misturou aos demais sentimentos confusos que haviam explodido dentro de si.

            Misaki ainda dormia, pequenas folhas se emaranharam nos cabelos escuros da colega e tal vista fez Chihiro passar as mãos nos próprios cabelos para limpá-los de supostas folhas.

            “Chihiro... Preciso de ajuda”, a voz se repetiu quando voltou a fechar os olhos. Sentou-se desperta e olhou ao redor em busca de quem a chamava, mas não viu e nem ouviu ninguém. Era óbvio que naquela parte do parque não teria ninguém, só podia ser imaginação. Suspirou, encostou no tronco robusto da árvore e fechou os olhos.

            Eu devo estar ficando maluca com essas noites sem dormir. Provavelmente meu inconsciente está pedindo ajuda, que situação bizarra.

                         

                                ***

            Ela não me escuta e nem me vê, pensou enquanto observava a garota de cima de um dos galhos do salgueiro. Suspirou insatisfeito, precisava falar com ela, tudo no momento dependia dela.

            Pulou do galho, usando magia para flutuar até o chão. O vento balançava as roupas folgadas e os cabelos curtos enquanto se aproximava do solo. Pousou sentindo a grama amassar sobre as sandálias e sentou-se ao lado da garota. Então, um sorriso tremulou nos lábios quando a mesma virou a cabeça em sua direção, todavia este não cresceu, quando notou que ela não o via. Ela olhava para além de si.

            Os olhos castanhos, reparou, ainda tinham o mesmo brilho obstinado e chorão que se lembrava e os cabelos estavam maiores desde a última vez que ela havia ido até o parque. Ergueu uma das mãos e sutilmente encostou em uma das mãos da garota.

            Anos atrás quando haviam se despedido, Kohaku tinham guardado esperanças de que Chihiro fosse conseguir vê-lo no mundo humano, esperanças de que Chihiro não fosse esquecer de tudo. No entanto, o tempo apenas mostrou o quanto estava errado. Não demorou em aceitar que ela não o veria mais, mas nada o impedia de ficar ao lado dela ou de a observar toda vez que ia ao parque onde o ribeirão corria para si.

            Agora não tinha mais como manter essa distância. Chihiro pode ser a única que poderá o ajudar a concertar o Véu entre os Mundos. Segundo Zeniba, era preciso de um humano para selar as runas novamente. Chihiro era sua esperança, precisava de ajuda e o tempo estava passando. Tentara falar com ela antes, pelos sonhos, no entanto fora bloqueado todas as vezes que tentou.

            Não tenho outra escolha. Preciso falar com Zeniba novamente.


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Notas finais do capítulo

1- Braços de Morfeu: Na mitologia grega Morfeu é o deus dos sonhos.

E então? O que acharam?
Tentarei postar toda semana. :p



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