Quietude escrita por Sarah


Capítulo 4
Capítulo 04




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Steve estava passando pelo banheiro, os braços carregados com material de desenho, quando ouviu uma série de pragas soando atrás da porta.

— Bucky? Está tudo bem? — Em vez de uma resposta, algo metálico caiu no chão com um barulho estridente e Bucky voltou a xingar. Por sorte, antes que Steve pudesse decidir entre arrombar o banheiro ou preservar a privacidade do outro, ele abriu uma fresta na porta. — O que aconteceu?

Muito lentamente, Bucky deu um passo atrás, permitindo que Steve empurrasse a maçaneta. Uma navalha jazia na pia, e a face dele estava coberta de sangue. Um gotejar suave escorria por seu queixo e manchava o chão, enquanto apenas uma parte do rosto de Bucky estava barbeada.

Uma onda de desespero subiu por sua garganta diante do sangue, e demorou todo um segundo para Steve entender o que estava acontecendo. Ao compreender, suspirou de alívio, ao mesmo tempo em Bucky se esforçava para não encará-lo.

— Fui idiota, não precisa dizer nada — ele declarou quando Steve fez menção de abrir a boca.

O Capitão sacudiu a cabeça. Em dois passos, atravessou o apartamento e largou seus papeis e tintas de qualquer jeito no sofá, para então voltar ao banheiro. Bucky ainda estava lá, a cintura apoiada na pia, fitando o vermelho com os dentes trincados, obviamente envergonhado. Steve pegou um bolo de papel higiênico antes de se aproximar.

                Devagar, o Capitão tocou o rosto dele, guiando-o para expor o machucado. Para sua surpresa, Bucky não se esquivou. O corte ainda pingava quando Steve pressionou o papel sobre ele.

— Não acho que você seja um idiota — disse, e Bucky o mirou de soslaio. — Ok, talvez um pouco, mas só de vez em quando — concedeu, sorrindo.

— Eu me acostumei a ser ambidestro. Não achava que ia ser tão difícil fazer as coisas sem o braço esquerdo. — Ele tocou o ombro, sobre o espaço vazio onde costumava ficar seu braço de metal. — Às vezes eu esqueço que o braço não está mais aqui.

Steve podia compreender aquilo. Sentia o escudo como uma extensão do seu corpo ao lutar, e já era bastante ruim não ter o objeto por perto. A sensação de perder um membro devia ser centenas de vezes pior.

— Você devia ter me pedido para ajudar.

Bucky encolheu os ombros.

— Realmente pensei que dava conta.

— Posso ajudar agora?

O Soldado hesitou por um segundo, mas então concordou. Com a permissão, Steve deixou que o outro segurasse o papel amassado por si mesmo, indo para junto da pia.

Bucky tinha derrubado o pote com creme de barbear. Steve recuperou o que pôde, logo depois lavou a lâmina. Quando se voltou para ele, o sangue tinha coagulado e o corte era um traço fino.

— Eu era o melhor no combate com facas no meu batalhão, mesmo antes de tudo — Bucky contou. — É estranho não conseguir lidar nem com uma navalha.

— Você está sendo dramático — Steve repreendeu, enquanto limpava o sangue da bochecha dele. Em seguida, espalhou creme de barbear. — Acha que vai ficar com uma cicatriz?

— Costumo me curar rápido demais para isso.

— Acho que podemos manter o machucado em segredo, então — propôs, sorrindo de lado.

Bucky também sorriu, fazendo um ligeiro aceno de concordância um segundo antes de Steve correr a lâmina por sua face.

O Capitão trabalhou sem pressa. Podia sentir a respiração de Bucky sobre dorso da sua mão. A pele dele parecia suave sob os seus dedos. Céus, sentira tanta, tanta falta daquela proximidade.

— Se lembra quando me ensinou a fazer a barba? — Tinham dezesseis anos, no Brooklyn, e estavam em posições trocadas.

Bucky aquiesceu, fitando-o como se estivesse à frente daquele Steve franzino de quase oitenta anos atrás.

— Você ainda nem tinha barba de verdade, mas como eu já precisava me barbear você não queria ficar para trás — Bucky falou, nostalgia e carinho pesando em sua voz.

A resposta devia ser confortadora, mas Steve sentiu as palavras dele doerem-lhe.

— Posso perguntar mais uma coisa?  

O Capitão sentiu o pomo de adão do outro subir e descer.

— Você tem uma navalha na minha garganta, Stevie. Pode perguntar o que quiser. 

Parecia justo. Steve tomou fôlego, limpando a maior parte do creme de barbear do rosto alheio.

— Por que não me procurou quando suas lembranças voltaram? Devia saber que eu estava desesperado para encontrar você — disse, fazendo o melhor que podia para soar casual.

Os músculos de Bucky retesaram-se sob o seu toque. Steve afastou a lâmina, colocando-a sobre a pia, e deu um passo atrás. Com o rosto liso, Bucky parecia ainda mais jovem.

— Não foi fácil lembrar, as peças vieram aos poucos, mesmo depois de ter visto sua história no museu. Demorou muito tempo para eu entender o porquê de não ter sido capaz de matar você e para ter uma ideia sobre quem eu era, e às vezes ainda não tenho muita certeza... Sinto muito.

— Não precisa se desculpar — Steve se apressou em dizer. Não tinha sido sua intenção torturá-lo ainda mais, embora tivesse consciência de que sua pergunta fora egoista. — Eu só, bem, senti sua falta — deixou escapar.

Bucky o mirou por um segundo, em seguida deslizou os dedos pela própria face, ainda com restos de espuma.

— Também acho que estava acostumado a ser eu a cuidar de você, e não o contrário.

Steve deu de ombros diante da declaração, colocando-se ao lado do Soldado e provocando-o com um empurrão amigável, apenas pelo prazer de tocá-lo e de sentir que ele estava ali.

— Gosto mais da ideia de dividirmos a tarefa de cuidar um do outro.

Bucky considerou aquilo por um instante, e então anuiu.

Entre uma guerra e outra, aquele parecia um bom rearranjo para a relação dos dois.


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