Era o sol que me faltava escrita por Gabriela Cavalcante


Capítulo 1
Eu errei




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O vento frio entrava pela janela do apartamento e fazia Fernando tremer. Ele havia adormecido no sofá, o que não era de costume, mas, naquele dia, estava sozinho em casa e simplesmente não deu conta da solidão de seu quarto. Levantou-se devagar, esticando o corpo sem muita animação, e fechou a janela. Sentiu um ótimo alívio.

            Fernando não sabia direito qual era a emoção em seu peito. Tristeza, saudade... uma hora tudo isso se misturou numa só, que ele não podia distinguir. Namorar à distância era muito difícil, ele sabia. Aliás, os dois sabiam, e bem antes de embarcar nessa.

            Não havia tido conversa. Eles não discutiram, não falaram sobre o assunto, não cogitaram terminar, nem chegaram perto dessa hipótese. Parecia ter sido um século atrás, mas fazia apenas seis meses que ele saíra da cidade do sol para terminar suas noites com a frieza de Niterói entrando pelas frestas. Essa era a escolha que ele tinha feito, sozinho, sem ajuda, sem conselhos. Do mesmo jeito que se encontrava agora.

            O jovem sorriu para a noite e foi, enfim, para o quarto. Colocou uma música qualquer no celular pra preencher aquele silêncio e foi arrumar a mala.

Maria era mãe, e sempre se preocupava como uma. Talvez até se preocupasse demais, afinal. Tinha mania de agir daquela forma, mesmo que fosse filho dos outros. Mãe é mãe, e mãe se entende.

            Fazia um tempo que seu filho estava triste. Na verdade, fazia seis meses, desde que passou na faculdade. Ela sabia que não era por causa do curso, aquele era o sonho dele desde antes do ensino médio e tinha batalhado muito pra conseguir aquela vaga. Não podia ser isso, era outra coisa. Era amor.

            Seu filho estava sofrendo por amor. Vê-lo ali, trancado no quarto, ora estudando, ora ouvindo música – e às vezes os dois ao mesmo tempo – era de cortar o coração. Ela sabia. Ela mesma já tivera o coração partido. Tudo bem, não era o caso dele, porque ninguém o havia machucado. Era só saudade, e isso ela também entendia. Mas nem por isso deixava de se preocupar.

            O início foi a pior parte. Maria chegou a duvidar que o filho fosse conseguir chegar são e salvo na universidade, pegando aquele ônibus ruim de preço altíssimo todos os dias. Ele mal comia, não queria sair, não demonstrava nem um pingo de animação... Mas, aos poucos, o garoto foi ganhando confiança, se empolgando com as disciplinas da faculdade, fazendo novos amigos, indo a festas. E tudo se normalizou.

            É claro que às vezes ele ficava triste de novo, e lá estava Maria, fazendo brigadeiro e o levando ao cinema pra assistir qualquer coisa que tivesse tiros e explosões. E a rotina voltava, e o garoto irradiava felicidade, como era de costume.

            Naquela sexta-feira, especialmente, ela sabia que o filho estava vivendo um misto de emoções. Chegou em casa meio atrasada do trabalho, teve que fazer tudo rápido por lá, mas valeu a pena, porque fazia questão de levá-lo. Seu menino ia encontrar o amor de novo hoje.

            Maria bateu devagar na porta entreaberta do quarto, e viu que ele já estava pronto.

            - Filho, tá na hora – disse ela.

            O sorriso dele valeu mais que todas as palavras do mundo.

Lívia estava com o coração apertado. A saudade que tinha de Fernando chegava a doer, mesmo que tivessem passado apenas seis meses desde que ele se foi, mas isso é muito tempo pra quem estava acostumado a se ver todo dia. Eles dois eram unha e carne desde quando se conheceram, naquele pôr do sol em Ponta Negra. A amizade foi crescendo gradualmente e ela foi percebendo que já o amava. E foi recíproco. E Lívia sempre adorou reciprocidade.

            Sentia falta de abraçá-lo, e de contar seus perrengues sem precisar do telefone. De ficar até tarde conversando sobre coisas idiotas, de saber da vida dele, de se sentir bem com ele. Hoje esse vazio seria preenchido. Suas madrugadas não seriam mais tão silenciosas assim.

            Lívia ainda não contara à sua mãe que planejava que Fernando ficasse lá, pelo menos por uns dias. Ela também não sabia se ele ia querer, afinal, tinha família em Natal, mas desejava poder deitar com ele no sofá o fim de semana todo fazendo maratona de suas séries preferidas. A mãe de Lívia não gostava de Fernando, e Lívia até entendia. Ou talvez não. Não sabia ao certo se podia culpá-la.

            Aquela era uma história longa, e Lívia preferia nem pensar nisso agora. Ansiava por poder fazer como Fernando. Passar em uma universidade daquelas e ir pro Rio de Janeiro morar com ele. Sair de casa, parar de ouvir sua mãe insistindo num curso que ela não queria, se sentir livre, que era o que ela mais queria ser.

            Chegou da escola morrendo de fome, e foi almoçando e ligando para o pai ao mesmo tempo.

            - Painho?

            - Oi, filha.

            - Que horas o senhor sai do trabalho hoje?

            O pai riu ao telefone.

            - Não precisa se preocupar, meu amor. Eu vou levar você no aeroporto. Passo aí em vinte minutos, pode ser?

            - Tudo bem – respondeu Lívia, meio sem saber como aquele sorriso podia caber no seu rosto miúdo.

            - Tá falando com quem? – perguntou a mãe, entrando na cozinha. Observou a pressa incomum com que Lívia almoçava.

            - Com painho. Ele vai me levar no aeroporto.

            A mãe fez cara feia.

            - É hoje que Fernando chega, né?

            - É sim, mainha – disse ela, raspando o prato e jogando na pia. Fez tudo em menos de 20 minutos. Escovou os dentes, penteou o cabelo e calçou os sapatos ao mesmo tempo. E já estava pronta quando o pai buzinou na frente de casa.

Até que aquele avião não estava tão desconfortável assim. O que estava pior era a cabeça de Fernando, que fervia em dor de cabeça, sono e ansiedade. E muitas dúvidas que não tinha conseguido deixar em seu apartamento em Niterói, mas que o estavam perseguindo desde que pusera os pés para fora do prédio.

            Ele devia manter aquilo, afinal? Será que não estava só trazendo problemas para ambos os lados? Eles brigavam por mensagem, não tinham tempo de se falar direito, estavam estressados. Fernando não queria ceder ao estresse. E também não queria tratar mal a pessoa que sempre lhe fez tão bem...

            E se o “sempre” tivesse acabado? Aquele “sempre” que ele acreditava sem pestanejar desde que tinham se conhecido, desde que pusera os olhos naquele sorriso maravilhoso pela primeira vez. Desde que tiveram a primeira conversa, e tudo parecia se encaixar tão bem, inclusive seus beijos, seus diálogos, seus anseios, seus sonhos.

            Tudo cabia perfeitamente, como um quebra-cabeça, mas Fernando achava que estava tendo dificuldades demais em montar o dele.

            O avião pousou no aeroporto de São Gonçalo do Amarante, e Fernando pensou como ainda estava longe de casa. Pensou no trânsito que teria que enfrentar e o olhar triste que receberia ao expor todos aqueles pensamentos. E se o seu sol não estivesse em Natal? E se fosse parte do destino que ele abrisse mão de tudo aquilo?

            Não queria ver ninguém triste. Queria partir no fim das férias e deixar todos sorrindo. Inclusive ele próprio.

Quando saiu pelo portão do desembarque, Fernando esticou o corpo e ficou na ponta dos pés, apoiado no carrinho de bagagem, para tentar ver alguém conhecido. Então ele a viu, e seu coração encheu de alegria.

            - Mãe!

            Deixou o carrinho de lado e abraçou-a como nunca havia feito.

            - Oi, filho – disse o pai, beijando o alto de sua cabeça, e o rapaz o abraçou também.

            - Fernando! – Lívia exclamou, muito feliz, e o envolveu pelo pescoço. Ele agarrou-a pela cintura.

            - Ai, que saudade da minha irmãzinha.

            Fernando havia começado a ter contato com o pai há pouco tempo. Descobriu que ele era casado e tinha uma filha, Lívia, hoje com 15 anos e que ele já amava como se a tivesse visto crescer. Ele sentia falta dela. Notava constantemente o vazio que ficava no seu céu quando estava longe daquela estrela. Mas ele sabia que havia um sol que, mesmo com todas aquelas dúvidas na cabeça, era o que ele mais esperava daquela viagem.

            Enxergou dona Maria adentrando os portões automáticos e seu coração parou. E, então, afrouxou o abraço de Lívia quando pôde, finalmente, ver aquele sorriso vindo em sua direção de novo.

 


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