Encontros, Acasos e Amores escrita por Bell Fraser, Sany, Gabriella Oliveira, Ester, Yasmin, Paty Everllark, IsabelaThorntonDarcyMellark, RêEvansDarcy, deboradb, Ellen Freitas, Cupcake de Brigadeiro, DiandrabyDi


Capítulo 11
Antes que você se case


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Aqui é a Isabela de novo!

Eu fico impressionada em como os desafios caem nas mãos das autoras da coletânea como luvas... A cada publicação, fico mais feliz por estar entre vocês e sinto o peso da responsabilidade!

Todas arrasando em suas one-shots. Parabéns, meninas, de coração! ♥

Então, desembarcando de um romance histórico e cheio de aventuras para uma comédia romântica... Aqui vamos nós!

O desafio proposto pela Bel foi todo detalhado e estruturado, com começo, meio e fim. Então, se eu for descrevê-lo nas notas iniciais, vou acabar dando spoiler. Por isso, vou revelar tudo o que a Bel incluiu no desafio apenas nas notas finais, ok?

Por enquanto, dá pra adiantar que a história gira em torno da moça que se apaixona pelo rapaz gentil e carente, que tem um grande "defeito": é comprometido. Para completar, ela é contratada para organizar o casamento dele (e a noiva não é nada fácil!).

E a dificuldade pra fazer esses dois parecerem boa gente, mesmo nessa situação tão delicada?

Espero ter sido convincente, pois, na minha cabeça, são "tutti buona gente", que se conheceram no momento errado (ou no momento certo, talvez?).

Por indicação da própria Bel, eu me inspirei bastante na comédia romântica "O casamento dos meus sonhos" (The Wedding Planner, de 2001), com Jennifer Lopez e Matthew McConaughey, que trata também da vida ocupada de uma organizadora de casamentos que se apaixona por um de seus clientes.

E, por minha conta e risco, inseri no texto uma cena de dança baseada num momento clássico do filme Ritmo Quente (Dirty Dancing, de 1987), que espero que vocês conheçam, apesar de ser antigo, pois faz toda a diferença para entenderem essa parte... Se nunca assistiram, procurem no YouTube a cena final do filme. Vale a pena!

De volta do túnel do tempo, há dois filmes beeeeem mais recentes que reproduzem esse "momento clássico". Em "Amor a toda prova" (Crazy, stupid love, de 2011), a Emma Stone e o Ryan Gosling arrasam ao refazerem a cena do salto. Vale a pena assistir também - e não somente porque o Ryan está sem camisa na situação.

Já no filme "Pânico na Escola" (Detention, também de 2011), ninguém mais, ninguém menos que nosso lindo Josh Hutcherson e sua parceira de cena, Shanley Caswell, imitam "maravilhosamente bem" o Patrick Swayze e a Jennifer Grey com caras, bocas e rebolado (hummm).

Um detalhe importante que preciso esclarecer é o fato de que, nos Estados Unidos, os homens que ficam noivos não têm o costume de usar aliança. Em regra, apenas as mulheres usam um anel de noivado, na mão esquerda.

Obs.1: Essa é a primeira one-shot da segunda rodada da coletânea que não é Peetniss, mas eu não deixei de fora momentos com nosso casal lindo!

Obs.2: Peço desculpas antecipadamente a quem é da área médica, pois devo ter cometido alguns deslizes. A minha intenção é apenas divertir quem se habilitar a ler e o desafio pedia que eu me aventurasse por esse campo desconhecido... Agradeço imensamente a quem puder me ajudar a melhorar a fic, se escrevi alguma coisa absurda! ;)

Obs.3: O banner maravilhoso foi mais uma obra da querida Belrapunzel!

Obs.4: atenção para a classificação etária - contém insinuação de sexo.



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Sabe aquele momento em que o mundo parece perder a estabilidade e você acha que está de pé, mas sabe que não está, porque a calçada está vindo em sua direção em alta velocidade?

Pois é. Estou vivendo isso nesse exato instante. E vou explicar os motivos de estar assim agora: desfalecida e com a cara no chão.

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Acordo tarde, faminta e exausta. A manhã de hoje é o típico dia seguinte a um evento de sucesso: uma mistura de cansaço e satisfação pelo dever cumprido, somada à vontade de não fazer nada.

Eu e minha sócia, Effie Trinket, comandamos uma agência especializada em organização de casamentos, chamada The Wedding Planners.

Estávamos particularmente empolgadas com essa festa, pois foi o segundo casamento que preparamos que teve ampla cobertura da imprensa internacional.

O primeiro deles foi o casório dos campeões olímpicos de natação Finnick Odair e Annie Cresta, o belo e carismático casal, que promoveu uma grandiosa festa, digna de suas conquistas desportivas, e nos deu grande visibilidade.

Como sempre, nós nos empenhamos para que tudo ficasse magnífico.

Eu e Effie estávamos à frente da cobertura de todos os setores de um local do tamanho de um campo de futebol, onde foi servido um jantar com pratos suficientes para agradar algumas centenas de convidados de um casamento franco-indiano: noiva francesa, respeitada chef de cuisine, e noivo indiano, ator consagrado em Bollywood.

A cerimônia se passou numa tenda gigante, com laterais de chifom carmim e teto de cetim preto com estrelas de lantejoulas, cortinas e almofadas de seda âmbar com detalhes dourados, toda iluminada. Isso é uma boa prova de que o planejamento de eventos exige criatividade e sabedoria para transformar algumas opções de gosto duvidoso em algo impactante, num sentido bom.

É assim que trabalhamos juntas. Coordenamos as ações nos bastidores, enquanto o show acontece, tendo que manter a postura impecável, sinônimo de: entusiasmo comedido, fúria contida e pânico controlado.

Devemos estar preparadas para imprevistos, parentes intrometidos e convidados que exageram na comida, na bebida e na vontade de arruinar nosso trabalho.

Não. Você nunca será apenas uma organizadora de casamentos, mas também uma estilista, esteticista, animadora de festas, segurança, mediadora de conflitos, psicóloga e meteorologista.

Tudo no salto e com um sorriso no rosto! E não para por aí.

É preciso paciência e bons contatos para cuidar de todos os detalhes, até mesmo do bronzeamento artificial da tia-avó do noivo – surpreendentemente pálida para uma autêntica indiana!

Quando estamos em ação, sempre me sinto como uma super-heroína pós-moderna. Apesar de ser inútil no combate ao crime, tenho um arsenal de utensílios e substâncias químicas em uma maleta de mil e uma utilidades, com algodão, remédios, pastilhas de menta, doces, lenços, spray de pimenta e cordas, dentre outras coisas. Acredite, já usei esses itens em mais de uma ocasião.

Ontem mesmo, precisei subornar o pajem com chocolate para ele entrar com os anéis, retocar o rímel borrado de uma madrinha com um cotonete e, por fim, consolar o avô choroso da noiva com ursinhos de goma.

Para não dizer que a noite foi perfeita, houve apenas um incidente no fim da festa: Effie torceu o pé, do alto de seus saltos plataforma. No entanto, não posso considerar um acidente tão ruim assim, pois a torção não foi grave e ela foi salva de se estatelar no chão por um magnata da indústria madeireira de Seattle, chamado Haymitch Abernathy.

Effie conquistou um admirador e nós ganhamos uma possível cliente, a sobrinha dele, Johanna Mason, que estava presente apenas no início da festa e, segundo seu tio, ficou impressionada com o projeto que executamos.

Depois de ter socorrido Effie, Haymitch nos contou que Johanna recentemente assumiu a presidência da madeireira de sua família e está sem tempo de planejar seu casamento. Pela terceira vez. Com o mesmo noivo.

Enfim, pés torcidos e noivas irresolutas à parte, todo o esforço foi recompensado pela felicidade de ver concretizada mais uma noite de sonhos. Tudo estava lindo! A decoração, a cerimônia, a noiva, o noivo... Se bem que, pensando melhor, o noivo não estava lá muito bonito. Pode-se dizer que ele é desprovido de beleza, mas sua personalidade cativante compensa isso.

De que adianta ser bonito, se for um canalha como meu ex-noivo?

Esse pensamento indesejado me faz me espreguiçar e sair debaixo das cobertas para pegar o porta-retratos em minha cabeceira, com a foto em que estou cercada de pessoas queridas, que foram meu sustento quando tive que cancelar tudo às vésperas do que seria o meu casamento.

Na fotografia, estamos todos preparados para celebrar minha malfadada despedida de solteira, durante a festividade conhecida como Mardi Gras, em Nova Orleans.

Peeta, Katniss, meu irmão, minha cunhada, Caesar, Effie, Gale, Madge e eu estamos sorridentes, erguendo nossas taças num brinde no saguão do hotel.

Foi um divertido passeio até o estado de Luisiana. Planejei cada detalhe com cuidado e, aparentemente, estava sendo um sucesso. Meu noivo não se opôs à minha ida sem a companhia dele, o dinheiro que juntei dava pra cobrir as despesas com passagens e hospedagem sem comprometer os gastos com o casamento e a agenda dos amigos coincidiu com a data dos festejos de rua.

Tudo estava se encaixando perfeitamente. Até mesmo meu noivo estava se encaixando perfeitamente com a ex-namorada dele, quando os flagrei juntos ao voltar da viagem.

Depois desse fatídico acontecimento, toda a alegria que sentia em meu trabalho se transformou em um fardo pesado demais para suportar. Afinal, tudo me remetia ao fiasco em minha vida pessoal.

Usei a comida para compensar minhas frustrações e meu peso se descontrolou de modo preocupante. Perdi as forças para cuidar de mim e tentei me isolar.

No entanto, recebi ajuda e carinho de cada uma dessas pessoas que estão na foto.

Ultrapassei essa fase em que acreditava que a culpa recaía apenas em meus ombros, livrei-me desse peso e me reequilibrei, a começar pelo trabalho e pela alimentação, que passou a ser mais regrada que antes.

Eu me recuperei quase completamente, mas me fechei para outros relacionamentos. Prefiro meu coração bem guardadinho e protegido.

Devolvo a fotografia ao pedestal de momentos felizes que virou a minha cabeceira, ao lado de outras fotos de ocasiões especiais, e vou até meu armário.

Sempre que esse fantasma do passado aparece, tenho que exorcizar sua imagem. E nada melhor do que fazer algo que amo.

Cada momento da minha rotina solitária é um evento em potencial. Hoje esse evento seria o meu café da manhã. Seria...

Ainda vestida no meu pijama vermelho de bolinhas pretas, com minhas pantufas de joaninhas nos pés, posiciono no alto da cabeça o adereço com o qual Mags me enfeitou em uma das festas beneficentes que organizei no abrigo de idosos onde ela vive: uma tiara feita de flores sempre-vivas, que ela própria teceu.

— Vocês um dia serão lindas noivas! – Mags profetizou ao ajeitar o arco florido em meus cabelos e outro nos de Annie, a responsável por me apresentar aos moradores do asilo.

O bom presságio deu certo para a ruiva. Por que não daria comigo?

Parece deprimente. Mas não é. Isso sempre me ajuda a renovar as esperanças de encontrar alguém com quem eu realmente possa planejar o meu casamento. E era isso o que Mags tinha em mente ao escolher aquele adorno para mim.

Repito mentalmente diante do espelho a frase de incentivo que a velha senhora me disse, ainda que brincando, e, assim paramentada, vou à cozinha preparar meticulosamente a mesa para um café da manhã impecável, que hoje escolhi que seria no estilo Shabby Chic.

— O rústico refinado que mistura o antigo e o moderno, com toques delicados e tonalidades pastéis – explico para um cliente imaginário, enquanto despejo leite desnatado e cereal integral na tigela de louça com estampa floral, que tirei do armário justamente para compor a ambientação.

Estou prestes a dar minha primeira colherada, quando meu telefone começa a apitar. Deslizo o dedo na tela do celular para atender ao telefonema de Effie.

Imaginando que fosse alguma emergência por conta do acidente de ontem, já espero o pior quando levo o aparelho ao ouvido.

— Oi, Effie!

Acordei você?

— Não. Acabei de preparar meu café da manhã. Está tudo bem?

Está tudo muito bem, Delly, querida!— cantarola com sua voz esfuziante. – Sinto muito por atrapalhar... Aliás, qual é a decoração de hoje? Espero que não seja no estilo indiano. Depois de ontem, nem tão cedo vou aguentar ouvir sobre tecidos esvoaçantes!

— Estilo Shabby Chic – confesso encabulada.

Não há como ocultar esse detalhe dela, porque Effie me conhece bem e sabe como minha cabeça funciona nos dias que se seguem às festas de casamento.

Ai, ai. Você precisa parar de cultuar a solidão, Delly. Precisa parar de se fechar em seu mundinho.

— Que injustiça, Effie! Pra começo de conversa, tenho me empenhado nas campanhas do asilo.

Mas não é lá que você vai arranjar um namorado, é?

— Nunca se sabe!

Estamos falando de que faixa etária mesmo? Setenta anos pra cima?

— O mais novo tem setenta e nove.

Então, invista nele, assim paro de falar em seu ouvido! – declara divertida e caio na risada. — Agora, vamos ao que interessa. Preciso da sua ajuda.

— Estou a postos.

Acabei de falar com Haymitch pelo telefone e ele é como aquela lição... Se você colocar pressão suficiente sobre o carvão, ele vai se transformar em pérolas! – suspira ela, sem se dar conta de que seu ensinamento equivocado é a única pérola que poderá surgir do referido procedimento. – Recebi flores dele pela manhã, acredita? Recebi também uma verdadeira intimação. A sobrinha dele conseguiu uma brecha na agenda e pode receber uma de nós em sua casa.

— Johanna Mason?

A própria! E nós não podemos perder essa grande, grande, grande oportunidade. Eu não me perdoaria se decepcionasse o Haymitch. Ele praticamente salvou minha vida.

Effie respira fundo, exagerada como sempre, e prossegue:

Só há um detalhe. É hoje. Agora. Sem falta. Johanna não tem tempo para desperdiçar! Mas não posso ir. Ainda estou com uma compressa de gelo no pé, sem condições de dirigir. Então...

— Sobrou pra mim.

Oh, não. A sobrinha poderosa que pretende organizar um casamento pela terceira vez. Já estou me preparando psicologicamente para enfrentar uma pessoa, no mínimo, muito indecisa. Normalmente, Effie é quem assume a linha de frente nessas horas com seu jeito enérgico, driblando os mais diversos egos e excentricidades e lidando com todos os tipos de personalidade, ou de falta dela. Nesse caso, é certo que vou enfrentar personalidade em excesso.

Eu já ia me esquecendo! – Effie interrompe minhas divagações. — Marquei também uma reunião com o Caesar a uma da tarde, no restaurante do Castor, para ajustar nossos calendários.

Faço uma expressão de dúvida e questiono mentalmente: Reunião com o Caesar? Em pleno sábado?

E não adianta fazer esse bico, pensando que enlouqueci por ser um sábado. Foi a pedido dele – reclama ela.

— Como você sabe que eu estava fazendo uma careta?

Delly, eu convivo com você quase 24 horas por dia! Agora, vá se aprontar. Você não tem um minuto a perder. A casa da Johanna fica na...

Effie, então, indica as coordenadas para a ida até a residência da nossa cliente em potencial e me arrumo às pressas. Não tenho tempo nem de me dar conta de que estou em jejum e, para arrematar, não me lembro de abastecer a bolsa com algo para comer antes de sair correndo de casa.

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Depois de me identificar no portão, o segurança chamado Brutus me acompanha até a mansão. A porta é aberta por uma mulher de olhar distraído, acompanhada de um homem numa cadeira de rodas, que logo se apresenta.

— Bom dia. Você deve ser a organizadora de casamentos. Nós somos Beetee e Wiress, assistentes da Srta. Mason. Ela vai recebê-la em instantes.

— Tique-taque. Já é quase boa tarde, Beetee – frisa Wiress.

— Bom dia, quase boa tarde – cumprimento, arrancando um sorriso dela, e estendo a mão a ambos. — Sou Delly Cartwright. Muito prazer.

— A senhorita aceita um chá ou um café? – indaga Beetee, depois que me sento na poltrona que me foi oferecida.

— Um chá, por favor. Não é preciso adoçar – digo e imediatamente me lembro do Peeta, meu melhor amigo, que me ensinou a apreciar a bebida desse jeito.

Torço para que o chá venha acompanhado de torradas e biscoitos, pois estou prevendo momentos constrangedores com a barriga roncando de fome.

— Wiress, você poderia pedir a alguém para providenciar um chá para a Srta. Cartwright? – Beetee pede. — Sem açúcar.

Não era só impressão. Wiress é mesmo muito desligada, pois trouxe pra mim, não o chá, mas um café bem forte. Infelizmente, ela só se lembrou da parte do "sem açúcar".

O café amargo faz um passeio solitário em meu estômago vazio e, como era de se esperar, não me cai muito bem. Os instantes em que tenho que aguardar Johanna se transformam numa eternidade e o mal estar só aumenta, sendo amenizado apenas pela curiosa interação com os assistentes dela.

Wiress é muito tímida e raramente completa suas frases. É Beetee quem termina as sentenças por ela, sem deixar de mexer em seus óculos constantemente.

Fico entretida com os dois, até que, finalmente, Johanna abre a porta do escritório, entrega alguns papéis a Wiress e troca algumas palavras com Beetee, que aponta discretamente em minha direção.

Johanna olha pra mim e sorri, não de modo acolhedor, mas de forma intimidante. Ela tem cabelos castanhos, um pouco mais escuros que seus olhos cor de avelã com matizes esverdeados, sempre muito atentos, e um corpo perfeitamente modelado, com tudo em seu devido lugar.

Fico de pé e ela para diante de mim.

— Você deve ser a Delly, não é? Então, já conheceu Pancada e Faísca. – Ela acena para seus assessores e me conduz à sala dela, fechando a porta atrás de nós. — Reclamo deles o tempo inteiro, mas não sobreviveria sem seus planos infalíveis. – reconhece ela. — Sente-se, por favor. Ontem tive uma boa ideia sobre como é o seu trabalho, mas o que você tem para acrescentar?

Eu me acomodo na cadeira em frente à sua mesa e entrego a ela o portfólio do evento mais expressivo da agência.

— O casamento de Annie Cresta e Finnick Odair, hein? Impressionante mesmo – admira-se ela. — Quero tudo a que tenho direito, sem limites de orçamento. Anúncio em colunas sociais, fotos em revistas, muitos convidados...

— E o casamento em si? A cerimônia e a festa? Como você quer?

— Não quero me preocupar com nada.

É o momento de usar as técnicas de encantamento de noivas, típicas da Effie.

— Basta dizer o que quer realizar! Imagine a festa com a qual sempre sonhou. À noite, talvez... Num lugar especial para o casal. Pode ser num hotel, num bosque, num vinhedo. Ao ar livre ou numa locação luxuosa, moderna ou clássica. No que depender da nossa agência, não será um casamento comum, não será apenas uma festa. Será um acontecimento, que marcará uma época!

A tentativa não surte o efeito esperado. Diversamente do modo como a maioria das noivas reage, Johanna não se abala, não suspira e não pisca pra mim com os olhos brilhantes.

— Tanto faz. – Ela dá de ombros e abandona o portfólio para folhear uma revista em busca de algo e, quando encontra, vira a página para mim. — A única coisa de que não abro mão é disso aqui. Eu quero borboletas.

— Hã... Bem, você quer uma decoração que remeta a borboletas? Isso é fácil...

— Não. Eu quero borboletas mesmo. Voando por todo o lado na hora do beijo.

— Sinto muito, Johanna, mas usar borboletas é ecologicamente condenável.

— Até no meu casamento tenho que me preocupar com o que é ecologicamente correto? Você não sabe o trabalho que dá e o tanto que tenho de investir para conseguir esses selos de proteção ambiental para minha empresa. Selo Verde disso e daquilo. Por que implicar com algumas borboletinhas?

— Eu só posso parabenizá-la pela dedicação às causas ambientais – acrescento, mantendo o tom tranquilo. — Mas podemos obter efeito idêntico com alguns tipos de flores, não se preocupe e...

— Delly, fofa, qual parte de "eu quero borboletas" você não entendeu?

Antes da minha resposta, o telefone dela toca e Johanna faz cara de poucos amigos.

— Oi. Você vai deixar seu carro aqui? Ótimo! Estou com a organizadora de casamentos. – Depois de um tempo escutando o que a pessoa do outro lado da linha tem a dizer, Johanna pinça a ponte do nariz com o polegar e o indicador. — Esse assunto de novo? Pela última vez, não insista! Gloss... Chega! – rosna ela, revirando os olhos ao desligar. — Noivos!

Johanna fita a janela por alguns instantes, ainda bufando. Em seguida, caminha até mim e me segura pelo braço de modo nada delicado.

— Vem comigo. Preciso fazer algo com urgência.

Estou fazendo isso pela Effie. Estou fazendo isso pela Effie. Repito a frase como um mantra, para não perder a paciência.

As passadas de Johanna são aceleradas e seu olhar é de pura irritação. Ela me leva até um espaço da área externa, bem distante de sua casa. Eu me esforço para acompanhar seus passos rápidos. A falta do café da manhã está me deixando fraca.

Johanna para em frente a uma construção com paredes de madeira e portas de vidro.

— Esse é o lugar onde costumo espairecer. – Ela abre a porta para uma sala climatizada.

O lugar é como um ateliê de artesanato. Está repleto de belas esculturas de madeira, algumas ainda inacabadas. No canto, há uma bancada e uma estante com ferramentas.

A única coisa destoante é um tronco de árvore no meio da sala, com um machado fincado bem no centro. Parece um monumento à indústria madeireira.

— Espere aqui – ordena e, quando sai, eu me aproximo de uma das janelas, esquecendo um pouco a fome e o descontentamento pelos rumos dessa entrevista com a Johanna.

Cerro os olhos e aproveito o silêncio, quebrado apenas pelo canto dos pássaros e pelos ruídos que Johanna está produzindo na bancada.

Respiro fundo e torno a apreciar a paisagem. Parece que estou num desenho animado de faroeste, com as partículas de poeira dançando ao meu redor nos feixes da luz do sol, enquanto observo um arbusto seco girando no solo ao ser levado pelo vento... Realmente, é relaxante estar aqui.

Abro um sorriso leve e, lentamente, vou me virando de volta para o interior do cômodo, mas salto para trás ao ver Johanna a dois palmos de mim com o machado numa mão e, na outra, uma tora de madeira onde ela acabou de talhar grosseiramente o nome do noivo. GLOSS.

— Isso que está na sua mão seria uma lembrança para o casamento? – Disfarço o susto como posso. — Tem tudo a ver com seu trabalho e...

— Não estou pensando em casamento. Aliás, isso é exatamente porque Gloss não fala em outra coisa!

Johanna pega a tora de madeira e a posiciona sobre o grande tronco com o nome do noivo voltado para cima. Ela estraçalha tudo com um único golpe de machado e um grito gutural.

As farpas voam em minha direção e o espaço é tomado por estilhaços de madeira.

— Ah! Estou me sentindo muito melhor agora. – Após reposicionar o machado, ela placidamente retira alguns fios de cabelo de seu rosto. — E, como disse, não vou pedir nada a você além de borboletas. Tudo bem?

— B-borboletas você terá, Srta. Mason.

— Então, terminamos por aqui.

Johanna abre a porta, suspirando relaxada, e passo ao seu lado, quase correndo, sem virar de costas pra ela em momento algum.

Quando já estou distante do ateliê, aperto minha barriga dolorida pela fome e ando mais devagar para retomar o fôlego.

Era só o que me faltava! Onde vou arrumar borboletas? Não sei como estou cogitando essa possibilidade, mas vai que descubro uma forma de fazer isso sem prejuízos pra ninguém, especialmente para os insetos indefesos?

Enquanto caminho em direção à saída, faço uma busca desesperada no meu celular por borboletários. Mando mensagens para todos eles, perguntando se é possível adquirir borboletas e como fazer para que elas voem naturalmente por todo o lado no clímax da cerimônia.

Entro em meu carro suando frio. No visor luminoso, constato que já está quase na hora da reunião agendada com Caesar e ele não tolera atrasos. Giro a chave na ignição mais que depressa e guio até o centro da cidade.

Estaciono a uma quadra do restaurante e a primeira coisa que faço ao sair do veículo é procurar pelo meu telefone. Paro no meio do passo, com os olhos fixos na tela iluminada, antes de processar a informação que acabo de ler uma vez. E outra. E mais uma.

Nenhum borboletário está autorizado a fornecer borboletas para serem usadas em festas.

O nervosismo misturado à falta de comida escurece minha vista momentaneamente. Fecho e abro os olhos em movimentos rápidos para recuperar a visão e seguir em frente, mesmo um pouco tonta.

Assim que consigo distinguir a figura espalhafatosa do mestre de cerimônias mais requisitado por dez entre dez noivas, aceno para Caesar e meu cérebro comemora: consegui chegar a tempo!

No entanto, meu corpo me trai, perdendo as forças, e é agora que preciso voltar ao início da minha narrativa.

Sabe aquele momento em que você está prestes a perder os sentidos, sente sua visão turvar, o corpo amolecer e... Tudo se apagar depois do baque surdo da queda com a cara no chão?

Pois é. Isso acaba de acontecer comigo.

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Ao acordar, a luz extremamente clara não me permite abrir os olhos de uma vez. Quando consigo, há um homem lindo diante de mim. Ele abre um sorriso angelical vagarosamente. Eu nunca havia visto tanta perfeição de tão perto. Tudo ao redor é branco, sua roupa é branca, seus dentes bem alinhados são brancos.

— Morri e estou no céu? – pergunto atordoada.

O odor típico de dependências hospitalares invade minhas narinas e me indica que esse ser de luz é, na verdade, um médico.

— Não entendi a pergunta. Quem caiu do céu foi você! – Ele ergue a parte superior do leito e toca cuidadosamente o meu rosto, onde sinto que há um curativo. — E não, você não morreu. Ficou apenas com um pequeno machucado na testa.

Posso não ter morrido, mas estou no Paraíso.

— Está sentindo alguma coisa? Dor, náusea, tontura, dificuldade de respirar? Além, é claro, da falta de clareza mental? – brinca ele, numa referência à minha pergunta absurda sobre ter morrido.

Eu rio cautelosamente e, ainda assim, a cabeça dói. Fecho a cara com o desconforto e o sorriso some.

— É uma pena que não tenha usado um paraquedas, pois é bom ver você sorrir. – O médico desvia o olhar amável para a prancheta em suas mãos e começa a remexer em papéis presos nela.

— Peço desculpas por parecer tão desorientada, mas do que está falando? Paraquedas? – Já estou zonza e, a cada palavra ou gesto dele, fico ainda mais confusa.

Ele dá uma risada gostosa, põe a prancheta numa bancada e se acerca da cabeceira da cama hospitalar.

— Você desmaiou e bateu com a cabeça no chão. Em termos médicos, foi uma queda da própria altura. Não precisava de paraquedas. Estou apenas brincando.

— Entendi. – Abaixo os olhos, com as bochechas vermelhas.

— Você tem alguma ideia da causa do desmaio? Seu acompanhante não soube dizer. Ele deve estar achando que foi pela emoção de vê-lo. Ele dizia apenas: "ela me viu e caiu". – O médico imita com perfeição os trejeitos de Caesar. — Ele precisou ir embora, o que achei até bom, senão corria o risco de você desmaiar de novo quando acordasse e se deparasse com ele novamente.

— Ai, pobre Caesar! Estraguei nossa reunião... Na verdade, desmaiei de fome.

— Ficou sem comer por muito tempo? – indaga e eu assinto, enquanto ele volta a pegar a prancheta para fazer anotações. — Bem, seus exames já devem estar quase prontos. Você vai ficar em observação ainda e vamos aguardar os resultados para que seja liberada.

— Obrigada, doutor... – estico a última sílaba para que ele me diga seu nome.

— Ritchson. Sou o Dr. Ritchson.

Ele se retira e, depois de algum tempo, recebo de bom grado a refeição que me oferecem. Decorridas algumas horas, infelizmente, é outro médico que vem me dar alta.

Após resolver toda a burocracia para a minha liberação, retorno as milhares de ligações perdidas de Effie. Descubro que Caesar foi fazer uma visita a ela. Effie passa o telefone para ele, depois que a tranquilizo, dizendo que estou bem.

Você está viva!

— Graças a você, Caesar. Como me trouxe para o hospital?

Chamei uma ambulância. Não sabia onde você havia estacionado.

— Vou buscar o carro de táxi, então. Obrigada mais uma vez... E, já que você está com a Effie, não precisamos remarcar a reunião, não é?

Pare de pensar em trabalho, menina! Vá descansar e não deixe de pegar o telefone do médico bonitão que atendeu você— ele me aconselha e dou um sorriso triste.

— Já estou cheia de missões impossíveis, meu caro. Não acrescente isso à lista.

Eu me despeço e, antes de sair do hospital, como prova de que aprendi a lição, procuro a lanchonete para comprar algo de comer para deixar em minha bolsa.

Escolho um pacote de biscoitos, mas nem tenho a chance de guardá-lo. No trajeto até a saída, esbarro justamente com o médico bonitão, sem seu jaleco branco.

— Não deram nada para você comer? Foi a minha recomendação antes de deixar o plantão. – Ele se preocupa, observando o que tenho nas mãos. — Biscoito zero glúten, zero açúcar e zero lactose. Só se esqueceram de colocar no rótulo que é zero sabor, zero alegria, zero vida. É como mastigar lascas de parede. E das menos saborosas.

— Tenho que resistir às guloseimas. Ex-gordinha, sabe?

— A pessoa perde a alegria de viver comendo um negócio desses. Preciso salvar você antes que seu quadro se torne irreversível.

— É tão grave assim, doutor? – indago, entrando na brincadeira que ele começou.

— Sim. Você corre o sério risco de se tornar uma pessoa que foge das coisas boas da vida. O primeiro sintoma é esse. – Ele pega o pacote de biscoitos e o sacode no ar. — Se não se cuidar, não sei não...

— E qual seria o tratamento adequado?

— Por favor, esqueça que sou médico e deveria recomendar uma alimentação balanceada, mas há um restaurante aqui perto que tem uma sobremesa italiana perfeita para o seu caso.

Humm. Será esse um convite para algo como um encontro? Não vejo aliança em seu dedo. Espero mesmo que não seja comprometido. Minha mente sonhadora começa a fazer planos, porém logo recebo um balde d'água fria.

— Se quiser, dou o endereço a você. Posso também ligar pra lá e pedir para capricharem na sua sobremesa, pois você está precisando de energia.

De repente, surge a imensa vontade de sair daqui correndo, carregando meu pacote de biscoitos rejeitado. Tão rejeitado quanto eu.

— Ah, eu agradeço, mas acho que vou ficar com meu biscoito sabor tijolo mesmo.

— Não! Faço questão de apresentar você à Greasy Sae.

— Não é necessário. Você deve ter outros planos – resisto um pouco, para não parecer tão ansiosa em aquiescer, mas minha inquietação fica evidente, pois deixo o pacote de biscoitos cair no chão.

Nós nos agachamos ao mesmo tempo, porém ele é mais ágil, virando-se em minha direção para devolvê-lo. Nossos rostos quase se chocam nessa rápida movimentação e fico um pouco tonta por ter abaixado a cabeça tão abruptamente. Dr. Ritchson me ampara, colocando as mãos em meus ombros.

— Agora fiquei com vontade de ir ao restaurante também – diz o médico, olhando em meus olhos. — Você aceita?

Seu olhar me desestabiliza de tal modo que tudo ao meu redor desaparece e apenas sou capaz de balbuciar:

— Sim... Eu aceito.

E praticamente nos casamos ali, diante um do outro. Chego a ouvir o badalo dos sinos, as palmas dos convidados e as famosas frases do celebrante: "E eu vos declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva".

Menos, Delly. A pancada na cabeça foi mesmo forte. Aterrisso no planeta Terra novamente, quando o contato visual é quebrado e seus dedos deixam de me tocar.

Finalmente, guardo o bendito pacote de biscoitos bem no fundo da bolsa, antes de acompanhá-lo.

O Dr. Ritchson é dono de um charme autêntico. Ele cumprimenta a todos no caminho até a saída do hospital, funcionários e pacientes, de modo galanteador, mas respeitoso, fazendo cada um se sentir especial. Isso me dá a ideia de que não há motivos para me sentir mais especial que os outros, apesar do convite recebido.

No entanto, estou encantada com ele. Aliás, o mero encantamento ficou na lanchonete do hospital. No percurso de poucas ruas até chegarmos ao restaurante, fica cada vez mais difícil esconder o meu fascínio.

A aparência e o jeito dele também não ajudam: cabelos loiro-escuros modelados com gel, barba bem feita, lindos olhos verde-azulados, coroando seu porte escultural. E sua fala tem uma cadência leve, agradável de ouvir, e é exageradamente sexy.

Assim que chegamos ao local, concordo que é uma escolha ótima. Em um dia tão atípico quanto o que estou vivenciando, cruzar a entrada do restaurante é como ingressar numa realidade alternativa que me faz desembarcar na Itália. A decoração do ambiente ressalta as cores da bandeira do país e, nas mesas, estão postas as tradicionais toalhas de xadrez vermelho e branco.

Somos recebidos de forma acolhedora por uma senhora e o Dr. Ritchson a abraça de modo afetuoso. Ela logo nos indica uma mesa e nos entrega os cardápios.

— Eu vim aqui para apresentar a Delly ao seu tiramisù, Greasy Sae. Você pode explicar pra ela o que significa?

— Ah! Posso sim. – Ela alisa o avental que está usando e começa a explanação. — Como minha mãe me ensinava, o nome tiramisù vem de uma expressão italiana que significa literalmente "puxa-me para cima". É bem esse o efeito mesmo!

— Acho que é de um desses que preciso – declaro e ela sorri.

— Um pra mim também, Sae.

Em pouco tempo, ela volta com duas taças. Estou ciente de que ficar a sós com um completo desconhecido pode ser bastante desconfortável. No entanto, mesmo considerando que não havíamos trocado mais do que poucas palavras, essa é uma das refeições mais agradáveis que já tive. A conversa flui com facilidade e é tão gostosa quanto a sobremesa preparada por Greasy Sae.

— Então, você organiza casamentos? – Dr. Ritchson pergunta, depois que conto sobre minha profissão.

— Deve ser difícil acreditar, mas eu faço algo além de levar tombos pela rua.

Há uma breve pausa, enquanto o som ambiente toca uma música tradicional, cujo refrão sempre me dá uma vontade imensa de rir. Eu ameaço dar risada, fitando a caixa de som perto de nós. Ele percebe o motivo e começa a cantar junto, gesticulando como um verdadeiro italiano:

Funiculí, funiculá

Funiculí, funiculá

'ncoppa jammo ja'

Funiculí, funiculá

Então, não consigo segurar. Começo a rir, o que o faz rir também, mas minha cabeça lateja e sou obrigada a me conter.

— Ai, minha testa – resmungo.

— Eu disse e repito: você deveria ter usado um paraquedas, pois seu sorriso é lindo.

Pausa para conter um suspiro e colocar no rosto o sorriso que ele acha lindo. No entanto, ele mesmo fica sem graça com o comentário e olha pra baixo. Só assim consigo soltar o suspiro e falar:

— Quando eu sair por aquela porta, terei que voltar à realidade.

— E o que há de ruim nisso?

— Tenho que me virar do avesso para fazer borboletas voarem durante um casamento.

— Quem pediria algo assim? – espanta-se o médico.

— Uma noiva desalmada! – exclamo e ele desata a rir.

— Certo. Vou pedir ao Inspetor Google para investigar essa história de borboletas em casamentos. – anuncia ele, desviando os olhos para a tela de seu telefone e digitando os dados para a pesquisa. — Uau! Isso é horrível mesmo. Está dizendo aqui que elas são embaladas em caixas pequenas e congeladas para ficarem imóveis...

— Já tinha ouvido falar sobre isso, mas achei que era só uma maluquice isolada e que nunca teria que lidar com essa coisa brega e ecologicamente criminosa. Engano meu. Mas já estou pensando em como dar um jeito nisso, sem prejudicar ninguém... Nem o meu trabalho.

— Estou chocado com essa noiva sem noção. Espero que ela não faça outras exigências piores que essa.

Balanço a cabeça em anuência e reparo que ele já terminou de comer e está apenas me aguardando.

— Você se incomoda se eu raspar o pote? – pergunto e seus olhos se apertam quando ele sorri.

Essa seria a última coisa que eu faria na presença de alguém a quem quero impressionar, mas tudo nele é tão simples, natural e genuíno, que desperta em mim a necessidade de ir além do superficial, de mostrar quem realmente sou.

— Na verdade, vou achar adorável se você fizer isso, mas... Você quer outro tiramisù?

— Não! É apenas a ideia de infância de que o doce somente acaba depois de raspar até o final. E faz tanto tempo que não como uma sobremesa assim!

O Dr. Ritchson me espera com o rosto apoiado em uma das mãos e um ar contemplativo. Quando termino, ele me ajuda a levantar da cadeira e acenamos para Greasy Sae, que está atendendo a outros clientes. Faço menção de ir ao caixa, mas ele me impede, dizendo que foi um convite, e paga a conta sozinho.

— Como você vai embora? – pergunta ele.

— Tenho que buscar meu carro que ficou no centro da cidade. Preciso pegar um táxi.

— Divido um com você. Estou a pé por uns dias.

Sorrio para ele agradecida e caminhamos lado a lado pela calçada, no sentido contrário ao fluxo do trânsito, até surgir o veículo amarelo com as palavras Yellow Cab desenhadas nas laterais. O médico dá sinal para o táxi parar e oriento o motorista para ir até a rua onde deixei meu carro.

O Dr. Ritchson se senta na extremidade do banco e coloca sua pasta entre nós. Os minutos passam e ele não dá sinal de perguntar sobre alguma maneira de entrar em contato comigo. Num surto de ousadia, ofereço a ele meu cartão profissional.

— Se conhecer alguém que precise de ajuda para organizar um casamento...

Ele fita o pequeno papel com o meu nome por alguns instantes, com uma expressão triste, mas se esforça para sorrir e agradecer, ainda que evite olhar pra mim.

— Obrigado. Pelo cartão e, especialmente, pela companhia.

— Eu é que agradeço. Foi um desfecho inesperado para um dia muito atribulado – confesso e meus olhos passeiam por seu rosto, para memorizar cada detalhe.

Quando avisto meu nada discreto Mini Cooper vermelho, peço para o motorista parar. Abro a bolsa para dividir o valor da corrida, mas o médico põe a mão sobre a minha.

A intenção dele é somente me impedir de pegar minha carteira, mas parece que se transforma em algo mais quando seu toque se prolonga sobre a minha pele.

— Tome um analgésico, se sentir dor, durma e acorde bem amanhã – ele lista as tarefas calmamente e só agora sua mão deixa a minha. — Antes que me esqueça... – A pausa em sua fala me faz imaginar mil coisas em segundos. — Gostei do seu carro.

Engulo em seco e endireito a coluna para não demonstrar minha desilusão com seu comentário. Eu também adoro o meu carro, mas não esperava que fosse ele o alvo do elogio justamente nesse instante.

— É o meu xodó, presente do meu pai.

Balanço os dedos em sua direção em despedida e agradeço ao condutor. Meu desapontamento se desvanece ao sair do carro e perceber que seus olhos me acompanham e assumem uma expressão doce enquanto o táxi se distancia.

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

— Delly, por que não me disse que seu tombo foi tão desastroso? – Effie toma meu rosto entre suas mãos assim que entro na agência.

Do jeito que ela fala, dá a entender que estou desfigurada, mas há apenas o curativo em minha testa e alguns arranhões.

— Effie, acho que sua quase queda foi pior. Você está sem saltos!

— Ah, nem me fale! Não sou a mesma sem eles, mas o pé ainda dói muito. – Ela manca até uma cadeira e se joga nela.

— Você devia ficar em casa de repouso.

— Nem pensar! Hoje a Johanna virá aqui com o noivo. Haymicht me contou que ela ficou muito satisfeita com sua visita.

— Queria poder dizer o mesmo – murmuro e, em seguida, pouso os olhos numa pilha de cartões iguais ao que dei ao Dr. Ritchson. Um sorriso me escapa e não passa despercebido pela minha sócia.

— Que sorriso é esse? Você está com a cara tão boa... Apesar de toda arranhada.

— Não foi só você que conheceu um homem maravilhoso. O médico bonitão que o Caesar mencionou me levou a um restaurante – revelo.

— Conta mais! – Effie exige, porém o telefone em minha mesa começa a tocar e ela atende. — Alô? Ah, sim! Só um instante.

Não dá nem um minuto e ela me passa a ligação, com a mão fechada sobre o bocal.

— Noiva surtada. Você é a especialista nisso.

Pego o telefone e já escuto os soluços mesclados às reclamações a que estou acostumada. Decifro o significado daqueles sons para pensar numa solução.

— Meu noivo... Ele... Não quer... deixar meu amigo fazer o show de stand up na festa! – choraminga a pessoa do outro lado da linha.

— Ele não deve ter feito isso para aborrecê-la.

— Mas o sonho é meu. Planejei cada detalhe. Ele não tem esse direito! – grita a cliente e afasto o aparelho do ouvido para contar até três.

Um, dois, três. Nova tentativa.

— O momento é de vocês dois. Eu sei que ele fez e faz muitas coisas para deixá-la feliz, não é assim? Você precisa fazer isso também. Ele deve ter um bom motivo... Seu amigo é amigo dele?

— Na verdade, não.

— Quando faz esses shows, seu amigo costuma brincar com o seu noivo?

— Meu amigo implica com ele.

— Você já se colocou no lugar dele? Você gostaria de ser ridicularizada no dia do seu casamento? – pergunto e ela reflete.

— Você tem razão, Delly. Obrigada.

Quando penso que a situação foi contornada, ela me sai com essa:

— Vou sugerir que meu amigo stripper faça uma apresentação, então.

— Acho que é melhor você deixar isso para outra ocasião – alerto para o vazio, pois ela já havia terminado a ligação.

Antes de colocar o telefone no gancho, ouço Effie falando atrás de mim.

— Você acabou de ouvir a minha sócia em ação. O resgate de uma noiva em crise. Só de pensar nisso, sinto vertigem, tontura e palpitações. Mas, nessas horas, Delly é calma, centrada, serena...

Penso em fingir que ainda há alguém na linha, para evitar me virar no momento em que Effie debulha um sem número de elogios à minha pessoa, mas ela é interrompida por uma voz masculina, logo depois de pronunciar meu nome.

— Delly? É você?

A ficha cai muito rápido. É ele. É o Dr. Ritchson. Seu timbre grave é inconfundível.

Giro meu corpo depois de colocar o telefone no gancho e sua presença compensa todas as horas desperdiçadas pensando nele, fantasiando se iria me ligar, obcecada pelos mínimos detalhes que estava me esforçando para não esquecer.

É maravilhoso e inesperado me deparar com ele em pessoa... E que pessoa!

No entanto, a agradável surpresa se transforma numa terrível constatação. O que ele busca numa agência de casamentos? Um compromisso. Muito sério. Com outra mulher.

Para dissipar de vez o breve sonho que está se transformando em pesadelo, quem assoma pela porta atrás dele é simplesmente Johanna Mason. A noiva que deseja a revoada de borboletas, motivo de chacota numa conversa minha com seu próprio noivo.

Faço bastante força para não deixar a pressão em minha garganta se transformar em choro. De vergonha, frustração e raiva.

— Delly, querida, preciso me ausentar para fazer uns telefonemas. É necessário providenciar louça extra para o casamento grego. – Effie se dirige à sala dela, andando com dificuldade, e aponta para seu pé. — Johanna e Gloss, infelizmente estou impossibilitada de dividir as tarefas com minha sócia, mas vocês estão em ótimas mãos... Parece também que já se conhecem, não é, Gloss e Delly?

— Você conhece a... Delly? – Johanna pergunta com desdém.

— Eu a atendi no hospital e a levei para conhecer Greasy Sae. Foi no dia em que ela se acidentou. – Dr. Ritchson dá um sorriso acanhado. – Quando caiu do céu.

— Caiu do céu? – Johanna inquire, com uma expressão que demonstra a compreensão de que se trata de uma piada interna.

Antes que eu possa contextualizar a frase, ela brada:

— Pena que caiu de cara!

Sou obrigada a rir da gracinha infame para não chatear a cliente. Rá, rá, rá. Toco o curativo em minha testa e Gloss parece querer evaporar.

— Menos, Jo! – censura ele.

— Não resisti à piada pronta. – Johanna ri do próprio sarcasmo, porém se recompõe rapidamente. — Agora preciso falar sério com vocês dois. – Ela aponta de mim para ele e eu gelo por dentro.

No entanto, em vez de sacar um machado escondido, Johanna apenas dá uma risada debochada.

Convido ambos a se sentarem e me acomodo em minha cadeira.

— Sei que vocês não terão problemas para planejar o casamento sozinhos, quando eu for viajar – declara Johanna sem pestanejar.

— Como é que é? – Gloss se irrita.

— É uma temporada na Costa Leste, depois alguns dias no sul. Preciso viabilizar a compra de algumas fábricas.

— Você vai rodar o país enquanto eu cuido do casamento? – Ele não quer aceitar.

— Serão viagens curtas e, pra ser sincera, não estou tão ansiosa por uma cerimônia chata e uma festa caríssima em que todos vão se divertir, menos eu, que tenho que me manter esplendorosa para as fotos e sóbria para a filmagem.

— Não é bem assim. A noiva e o noivo dão o tom da cerimônia e faço questão de que aproveitem muito o dia do casamento – defendo.

— Vocês no final das contas só estão interessadas em saber se as flores combinam com a louça e se as velas da decoração estão acesas na hora certa.

— De qualquer modo, esse é um momento muito importante, Johanna – persisto.

— Eu sei. – Ela repousa a mão sobre a perna do noivo. — É por isso que vocês devem começar já os preparativos. Confio que vão fazer um ótimo trabalho. – Johanna se levanta e ergue o dedo para mim. — Só não abro mão das minhas...

— Borboletas – completo e observo a reação de desconcerto de Gloss ao descobrir que falávamos da noiva dele anteontem.

Ele acompanha Johanna até a saída e apoio os cotovelos no tampo da mesa, esfregando os olhos úmidos. Apenas escuto seus passos de volta e não me contenho.

— Não acredito no que está acontecendo. Você é noivo e está prestes a se casar! – Espalmo as mãos sobre a mesa quando fico de pé. — E a tarde de sábado?

— Foi só um convite para ir ao restaurante e não significou nada!

— Você gosta de iludir suas pacientes, Dr. Ritchson?

— Eu não tinha intenção de iludir ninguém. Não tenho culpa se você me interpretou mal.

— Interpretar mal? Você me levou para fazer um lanche e me encheu de açúcar e de... e de... Esperança. – Apenas eu escuto a última palavra dita.

— E de quê?

— Não importa.

— Levar você ao restaurante foi um ato de cordialidade, por uma mera coincidência. Eu já disse. Não. Significou. Nada. – A respiração dele se torna pesada e só vejo incerteza e arrependimento em seus olhos. — Delly, qualquer que seja a ideia que esteja fazendo de mim... Não sou esse tipo de pessoa!

— O que está insinuando? Que tipo de pessoa você pensa que eu sou?

— Entendo que você estava num momento de fragilidade.

— Fragilidade? Eu não sou frágil! Estava muito bem, pronta pra saborear meu biscoito sem graça, e você apareceu com a promessa de uma vida maravilhosa e sem culpa, mesmo me entupindo de uma sobremesa italiana hipercalórica!

— Não sei que conclusões você tirou desse simples fato. Só não quero que isso arruíne meu noivado.

— Já tive a minha cota de noivados arruinados pra toda a vida.

— Isso explica o motivo de tanta amargura.

— Isso explica muita coisa. Especialmente o fato de me blindar para homens sem caráter como...

— Como quem?

— Como muitos por aí.

Cerro os punhos para me controlar e ele estreita os olhos pra mim, puxando as mangas da camisa longa para cima.

Busco sobre a mesa os formulários e informativos de que preciso para, como Johanna disse, começar já. Volto a falar como se nada houvesse ocorrido.

— Precisamos identificar locais para o evento, selecionar prestadores de serviços, escolher o tipo de recepção, o estilo da decoração...

Gloss parece odiar tudo o que está acontecendo.

— Eu jamais ia saber que um casamento tem tanta coisa chata para ser discutida. Não posso ficar apenas com a parte de experimentar diferentes sabores de bolo?

— Em vez de ficar me contrariando e deixando claro como detesta o fato de fazer isso comigo, por que não coopera? Assim, podemos finalizar esse suplício com o mínimo de desconforto possível e logo nunca mais vamos nos ver. E ficarei muito grata por isso!

Depois da bronca, o silêncio e a colaboração solicitada. Ele pega os papéis que apresento e analisa as propostas, expressando sua opinião de modo monossilábico. Agendo algumas visitas a fornecedores, conciliando com os horários de plantão dele, e concluo a pior reunião da minha vida.

— Acho que terminamos... Por hoje – aviso, suspirando pesadamente.

— Por hoje, não é? Não se preocupe. Vou poupá-la ao máximo de ter que esbarrar com tantos homens sem caráter por aí. Infelizmente, as circunstâncias me fizeram contratar a sua empresa e, mais infelizmente ainda, a sua sócia está impossibilitada de fazer o seu serviço. Então, vou evitar pedir ajuda e farei de tudo para resolver o que estiver ao meu alcance.

Ele pega o telefone e arrasta o polegar pelo visor, buscando furiosamente por algum dado importante.

— Aqui está... Você é dispensável no compromisso de amanhã à noite – afirma sem olhar pra mim e meu sangue ferve ao ouvir a palavra depreciativa. — Só vou precisar que me acompanhe na visita às possíveis locações e aos fornecedores, pois isso precisa ser otimizado. São muitas opções e temos pouco tempo.

— Estarei aqui às oito horas em ponto na quarta-feira.

— Assim espero, Srta. Cartwright. – Ele me estende a mão e eu a aperto.

— A seu dispor, Dr. Ritchson.

Custo a aceitar que a pessoa doce que conheci há menos de 48 horas possa ter tanta dureza na voz e no olhar. Mas o que é mais estranho é o fato de a afirmação dele de que a tarde de sábado não significou nada continuar me incomodando tanto.

Gloss ainda está na sala, quando Effie retorna.

— Onde está a Johanna? Você está indo, Gloss? – pergunta ela sem esperar respostas. — Delly, eu estava pensando... Talvez ele saiba quem é o médico que você conheceu no hospital! Qual o nome mesmo?

— É melhor esquecer isso, Effie. – Dou um riso nasalado, porém não é suficiente para encobrir a tristeza em minha voz.

— Mas como? Horas atrás, ainda havia estrelinhas em seus olhos.

Fico encarando os documentos sobre minha mesa, mas nem por isso deixo de sentir a mirada dele me fulminando.

— Tenho mesmo que ir, Srta. Trinket. – Gloss se prepara para sair.

— Ah, vocês conseguiram agendar tudo, então? Delly não é um amor, Gloss? Ela não tem uma natureza confrontadora. Enquanto eu, cá entre nós, de vez em quando tenho meus atritos com um ou outro cliente.

— Como você bem enfatizou, Delly é calma, centrada, serena. Até demais. Adeus!

Gloss deixa a agência pisando duro.

— Uau! Você sentiu a tensão? Não deve ser fácil ser noivo da Johanna! – Effie divaga distraída e, depois, bate na mesa para que eu erga os olhos. — Mas me explica... O que houve com o médico?

— O médico é o noivo. O noivo é o médico. E eu sou a organizadora do casamento dele.

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

No fim do dia, ainda tento inutilmente prender minha atenção no trabalho. No entanto, antes que eu decida me recolher ao meu lar amargo lar, meu celular começa a tocar. É o Peeta.

— Oi, Peeta.

Topa jantar comigo e Katniss hoje?

— Tudo bem – murmuro.

Dell, você está tão desanimada. Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu. Se eu disser que encontrei a pessoa dos meus sonhos, você acredita?

Mas isso não é algo bom?

— Descobri que ele está noivo.

Ah, não.

— E fui contratada para organizar o casamento dele.

O quê?

— E, sem saber disso, deixei claro que a noiva dele fez péssimas escolhas para a cerimônia.

Puxa...

— E ele descobriu isso hoje, quando ficamos frente a frente de novo.

Delly, que história é essa?

— Ainda não terminou! Briguei com ele por ter sido tão atencioso comigo e me dado falsas esperanças.

Então, ele sabe que ficou interessada.

— Acho que não me esforcei muito pra esconder minha desolação com a descoberta.

Você quer mesmo sair com a gente hoje?

— Quero sim. E, mesmo que não quisesse, sei que vocês viriam me buscar pra ir nem que fosse arrastada.

Claro!

— Onde encontro vocês?

No Panem, às sete.

Quando chega a hora, saio do cruel frio de outono e entro na temperatura amena do restaurante. O lugar está cheio e vibrante com as conversas e a música, apesar de ser início de semana.

— Mesa para três, por favor! – grito para Castor, o dono do Panem. — Adivinhe quem vem e o que vamos pedir?

— Já sei! Você, Peeta e Katniss vão querer o melhor cozido de cordeiro com ameixas secas que existe!

— Eles já devem estar chegando.

— Vou dizer ao Pollux para começar o preparo. – Ele vai até a cozinha avisar ao irmão sobre nosso prato favorito.

Não demora muito, o casal atravessa a entrada. Castor gesticula para ambos saberem onde estou e vai recebê-los. Eu me levanto para cumprimentá-los e ganho um forte abraço de cada um.

— Oi, Delly! Peeta me contou sobre o que aconteceu com o rapaz mau caráter que você conheceu – comenta Katniss. – Que horrível coincidência!

— Triste – admito.

— Calma, Dell, essa história pode ter um final surpreendente. – Peeta tenta me animar.

— Só se o significado de surpreendente passou a ser: Delly feita em pedaços. Literalmente. A noiva dele é a Johanna Mason, a jovem empresária do ramo madeireiro que brinca com um machado afiado nas horas livres.

— Ei! Eu conheço o noivo da Johanna. É o Dr. Gloss Ritchson. Ele e a irmã dele, a Dra. Cashmere, trabalham com a minha mãe no hospital. Não achei que ele fosse tão canalha assim.

— Aí é que está. No fundo, não acho que ele seja um cafajeste, apesar de ter me magoado bastante em nossa última conversa... Eu é que tirei conclusões precipitadas e criei a ilusão de que ele estava interessado em mim. De qualquer modo, não teria dado certo – reconheço, com aquele tom de voz em que finjo estar conformada. – Alto demais, bonito demais, atlético demais, gentil demais.

— Esses são defeitos insuperáveis. E digo por experiência própria, porque tenho todos – graceja Peeta e eu e Katniss reviramos os olhos.

— Comprometido demais também – completo.

— É... Também tenho esse defeito. – Peeta pisca para Katniss e ela confirma com a cabeça, dando um beijo na bochecha dele.

— Estão vendo? Compromisso não é um defeito. O defeito é meu, por ainda sonhar com ele.

— Ai, Delly, difícil isso – lamenta Katniss.

— Vamos pensar no lado positivo. Ele despertou sentimentos em você e, ao menos, acabou com aquele bloqueio emocional, que não permitia a aproximação de ninguém – reconhece Peeta.

— Ao menos, alguém vê um lado positivo nessa história trágica! Mas tenho a ligeira impressão de que vocês não vieram aqui para falar sobre mim – tento trazer à tona o principal motivo de estarmos reunidos.

Os dois se entreolham por alguns segundos e sorriem do jeito que sempre fazem, como se não existisse mais nada no mundo além deles. Depois, ambos se viram para mim e exclamam em uníssono:

— Nós queremos contratar os seus serviços!

— Que lindo! Eu shippo Peetniss desde a época da escola, sabiam? – Seguro suas mãos unidas sobre a mesa.

— Peetniss? – Katniss franze o cenho.

— Ou Everlark. Como preferirem! Agora, contem mais sobre os planos para o casamento...

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

Apesar de ser basicamente inútil em esportes, com exceção de "maratona em dia de evento", eu me identifico com as aulas de dança.

Termino o alongamento final da minha sagrada classe de balé de terça à noite na academia de Thresh. Quando desvio os olhos da barra de exercícios, é ele quem está recostado no batente da porta.

— Já sabe que estou precisando da sua ajuda, não é, minha bailarina favorita?

— Achei que Atala fosse a favorita.

— Ela é o amor da minha vida, mas a bailarina favorita é você. Então, vai me ajudar?

— Dirty Dancing para noivos?

— Perguntei se eles queriam começar pela valsa, mas a escolha do Ritmo Quente foi quase unânime. Temos três casais afoitos e um noivo que veio com a irmã, porque a noiva não conseguiu chegar a tempo. Mas parece que a irmã é obstetra e foi chamada para fazer um parto às pressas. Já viu no que vai dar esse casamento, não? Se é que esse noivo vai conseguir se casar...

— Então, não vou ter que fazer a coreografia com você, mas com um desconhecido?

— E faz diferença? Você não tem confiança de fazer o salto do grand finale nem comigo! – Thresh reclama, circundando meu pescoço com seu braço musculoso e me carregando para a outra sala de dança.

— Qual é o nível da turma?

— Melhor iniciarmos com a coreografia mais simples.

Ufa! Eu me preparo para fazer a sequência especialmente criada por Thresh para reproduzir alguns dos passos menos elaborados do filme.

— Mas um dos casais quer tentar o salto – informa Thresh e estremeço, torcendo para que ninguém peça uma demonstração, pois a ideia de reproduzir o famoso passo sempre me apavora.

Duas vozes bastante conhecidas invadem meus ouvidos ainda no corredor e encontro Peeta e Katniss em frente ao espelho da imensa sala.

— Ei, pombinhos!

— Você conhece o Peeta e a Katniss?

— Sim! Desde criança – respondo a Thresh que, sem se desvencilhar de mim, vai até eles. — Aposto que são vocês que querem tentar o salto!

— Você quer dizer o Peeta, né? – Katniss acusa.

— Para quem carrega aqueles sacos de farinha na padaria, segurar você no alto vai ser moleza. – Ele esfrega as mãos, confiante, e segura Katniss pela cintura para depois erguê-la com facilidade.

— Mas no grande dia nós só vamos dançar uma simples valsa! – diz ela entre risadas.

— Isso é o que vamos ver! – Peeta a desafia, enquanto coloca Katniss no chão. – E o que está fazendo aqui, Dell?

— O Thresh pediu meu auxílio.

— A ajudante dele é você? – Katniss se aproxima de mim.

— Sou apenas uma aluna muito prestativa, não é, Thresh? – Acotovelo meu professor antes que ele se afaste para preparar a música.

— Não sei não, mas acho que você vai ter uma surpresa – segreda ela em meu ouvido, mas Katniss não precisa se explicar. No canto da sala, Gloss está de pé, observando minha imagem refletida no espelho. — Ele veio com a irmã, mas a Dra. Cashmere precisou ir embora mais cedo.

Minhas bochechas esquentam. Terei de dançar logo com o Gloss?

— Vamos começar? – Thresh convida todos a se posicionarem e me segura pela mão.

Dou uma espiada rápida. Gloss está lançando olhares predatórios em nossa direção.

— Esta é Delly, a aluna mais aplicada da academia e minha ajudante nas horas vagas – Thresh me apresenta. — Você já conhece Peeta e Katniss. E aqui estão Marvel e Glimmer, Clove e Cato e este é...

— Oi, Dr. Ritchson – cumprimento de modo altivo.

— Falhei na tentativa de não ocupar você essa noite, Srta. Cartwright – diz Gloss secamente.

— Vocês também se conhecem? – Thresh se espanta.

— Estou organizando o casamento dele.

— Isso é perfeito! A noiva não tem motivos para sentir ciúme do ensaio de hoje, então – festeja Thresh.

Não respondo, apenas olho para o chão para disfarçar a culpa.

— Delly vai me ajudar a ensinar o passo a passo da coreografia e, depois, ela ensaia com você, Gloss.

Thresh me leva com ele até perto do aparelho de som.

— Por que esse cara está olhando pra você desse jeito? – Ele franze a testa. — Acho que entendi o que está havendo aqui. Em algum momento do passado, esse crápula partiu seu coração.

— É. Foi isso mesmo. Num passado distante, tipo... Ontem.

— Então, não se segure, "Baby" – Thresh faz aspas com os dedos, destacando o apelido da personagem principal do filme Ritmo Quente. — Vou fazer você colocar fogo nessa pista de dança. Não será uma aula, mas um espetáculo! A começar por seu visual. – Ele retira a rede que protegia meu coque de bailarina e joga longe, soltando as pontas dos meus cabelos, que caem em ondas por meus ombros e minhas costas.

— Quer fazer ciúme nele? – pergunta.

— Não, Thresh. Além disso, como ele poderia ter ciúme de mim?

— Assim. – Ele me agarra pela cintura e pega a minha mão esquerda. — Pronta para a coreografia completa?

Thresh me faz voltear e me solta, tomando distância.

— P-pronta – respondo de cabeça baixa, tentando me recompor.

Meu olhar só se ergue novamente quando ouço as primeiras frases da música tema do filme.

Now I've had the time of my life
No, I've never felt like this before
Yes, I swear it's the truth
And I owe it all to you

Thresh aponta o indicador pra mim e leva a mão para perto de si, usando o mesmo dedo para me dizer sem palavras "Vem cá".

Ele se aproxima novamente, prende minha mão e escora firmemente meu tronco com seu braço para que eu possa me lançar para trás, curvando as costas. Novamente com a postura ereta, ele me rodeia por detrás, sem soltar minha mão, e me rodopia para longe, girando-me de volta em seguida.

Quando nossos corpos se encontram de frente um para o outro, Thresh começa a dançar comigo de modo mais sinuoso e ousado do que de costume.

De início, ainda me atrapalho e me assusto com alguns movimentos pra lá de sensuais, porém resolvo me divertir, apesar de tudo. Thresh segura minhas mãos, colando nossas testas, e é inevitável relaxar e dar risada com as caras e bocas que faz.

Ele me conduz livremente, explorando toda a sensualidade dos movimentos.

A dança e a música têm esse efeito mágico sobre mim e me entrego inteiramente. Como meu professor de dança, Thresh explora bem essa minha característica e imprime novo vigor à coreografia, marcando bem as mudanças de ritmo com seu gingado envolvente.

Até que chega a hora que eu temia. Ele se afasta e se prepara para me amparar depois do meu salto.

— Vem, Delly! No três, você salta... Um, dois, três!

Como em todas as vezes anteriores, travo e não consigo mover um músculo sequer, apenas balanço a cabeça negativamente. Conhecendo-me tão bem, Thresh circula pelo salão estalando os dedos e se impulsiona, deslizando de joelhos até os meus pés.

— Se a dançarina não vai até o instrutor, o instrutor vem até ela.

Estico o braço para ajudá-lo a se erguer e, já de pé, Thresh segura o meu pescoço num movimento calculado para parecer brusco – sem ser de fato –, joga minha cabeça para trás e me dá um beijo daqueles.

Quando me põe na vertical novamente, ele sequer olha em minha direção. Enquanto os outros casais assoviam e aplaudem a nossa performance, seus olhos estão focados num ponto atrás de mim e sua boca se entorta para o lado, num sorriso sarcástico.

— Se você queria alguém enciumado, você conseguiu, loirinha! – sussurra ele, encostando os lábios propositalmente em minha orelha.

— Thresh! – resmungo baixinho, ainda ofegante e sem coragem de olhar nem para os lados. — Eu tenho amor à vida! Atala é capaz de me derrubar com um peteleco.

— Ela vai saber que foi por uma boa causa. – Thresh pisca e segura minha mão. — Agora, cabeça erguida.

Ele se vira para a turma, faz uma reverência engraçada e estende as mãos soltas no ar em minha direção. Todos voltam a bater palmas, exceto Gloss.

— Sensacional, Delly! – Peeta elogia.

Também faço uma mesura e devo estar completamente corada. Thresh me leva até onde Gloss está e me posiciona na frente dele, voltando para o centro da sala sozinho.

— Então, casais, gostaram da demonstração? Preparados para arrasar? – Thresh pergunta e as duplas se formam para receberem as instruções.

— Foi uma demonstração e tanto – dispara Gloss ao se mover até mim.

Pelo seu tom de voz áspero, ainda estamos em pé de guerra. Então, não baixo a guarda.

— Pode se aproximar, Dr. Ritchson. Como médico, você deve saber que minha amargura não é uma doença contagiosa – retruco ao perceber que ele estica o braço o máximo que pode, mantendo o corpo tão distante quanto possível.

Gloss enlaça minha cintura, com ar irritado. Sua mão quente paira em minhas costas descobertas, fazendo-me arquear um pouco. Ele me puxa para perto dele e posso sentir seu delicioso perfume. Levo uma mão aos seus ombros e seguro seus dedos com a outra.

Elevo a cabeça para focar em seus olhos, mas Gloss recua o olhar, passando a prestar atenção nas orientações iniciais de Thresh.

Tenso, ele erra os primeiros passos e, por fim, pisa no meu pé quando troca o lado para onde devemos girar o corpo.

— Ai!

— Já basta! – Gloss se recusa a prosseguir e me solta, respirando fundo. – Ok, ok. – Ele ergue as palmas das mãos em sinal de rendição. – Acho que só vou conseguir depois que fizermos as pazes.

Gloss segura o meu queixo e sorri. Correspondo ao sorriso timidamente e não faço nada para me afastar. Fracasso terrivelmente na missão que assumi de criar inúmeras situações para justificar nossos conflitos e me fazer detestá-lo.

Ele afasta alguns fios de cabelo do meu rosto e sussurra:

—  Quero dizer isso a você desde ontem... Perdão pelo que falei, Delly.

— Preciso me desculpar também – balbucio.

Gloss toca minha mão com cautela e entrelaça nossos dedos para recomeçar a guiar os passos, dançando magnificamente bem para um novato.

— Como você sabe essa coreografia?

— Minha irmã me chantageava para aprender com ela quando éramos adolescentes. Cashmere sempre amou filmes de dança e Dirty Dancing é seu preferido. Foi ela quem me matriculou nessas aulas para noivos e parecia que estava torcendo para a Johanna não poder vir. Cash quase chorou quando recebeu a ligação do hospital.

Minha resistência inicial vai aos poucos sendo transformada em confiança nos braços do meu parceiro. Ops. Do meu cliente. Somente um cliente.

Infelizmente, apenas minha mente trabalha dessa maneira racional, porque meu corpo mostra meus sentimentos mais profundos. Minha pele se arrepia a cada toque e arfo a cada rotação que me faz ir de encontro a ele.

Gloss pressiona seu corpo contra o meu e tenho que me concentrar para não perder o ritmo. Ainda assim, ele dança comigo em uma sincronia impressionante, até que se desprende de mim e se desloca alguns passos adiante.

— Pode saltar, Delly. Confie em mim. Eu já treinei bastante com minha irmã.

— Jura?

— Por nada no mundo, deixaria você escapar... Digo, cair. – Gloss demonstra tanto carinho e segurança no olhar, que me desligo do mundo ao redor e não penso em mais nada.

Ele estende os braços para mim e corro para saltar. Fecho os olhos e deixo-me levar nos segundos em que praticamente flutuo no ar, com as pernas estendidas e os braços abertos, enquanto Gloss me sustenta acima de sua cabeça com as mãos em meu tronco.

Em seguida, ele me puxa para si, envolvendo meu corpo com cuidado para me deslizar até o chão. A respiração dele se choca contra minha pele e enrosco meus braços em seu pescoço para me equilibrar.

Ao abrir meus olhos, Gloss fita meu rosto com um misto de emoções e me provoca outras sensações que vão muito além do que a dança com ele foi capaz de transmitir.

A música deixa subitamente de se ouvir e é substituída por um silêncio seguido de palmas. Com o fim da canção, não há mais desculpas para a nossa proximidade e dou um passo atrás.

Os outros casais haviam parado de dançar para nos admirar e eu nem havia notado. O único que olha pra mim com uma cara confusa é Thresh e sei o motivo.

Peeta e Katniss me cercam e disfarçadamente me levam para a outra extremidade da sala.

— É, minha amiga, você está encrencada – Peeta fala baixo ao meu lado, coçando a cabeça.

— E ele também, se está achando que é indiferente a você – complementa Katniss.

— Ai, o que foi que fiz? – Ponho as mãos em minhas bochechas ainda quentes, retomando minha consciência.

— É mais fácil perguntar o que você não fez. Foi uma aula movimentada, Dell – Peeta remarca.

— Estou semeando a discórdia entre dois casais. Thresh e Atala. Gloss e Johanna.

— O Thresh também é comprometido? – Katniss indaga.

— Sim. Ele só fez aquilo pra provocar ciúmes no...

— Er... Com licença. – O alvo do meu comentário surge atrás de mim e me interrompe antes que pronuncie seu nome.

Imploro por ajuda com os olhos, mas Peeta e Katniss saem de fininho. Só me resta encarar Gloss e é isso que faço, dando meia volta. Forço-me a parecer fria e distante, para reverter tudo o que minutos atrás deixei transparecer sem pensar.

— Já estou indo, Delly. Obrigado por sua ajuda.

— Não precisa agradecer. Foi um ato de cordialidade, por uma mera coincidência – reproduzo a frase que usou comigo. — Considere como um bônus por ter escolhido a The Wedding Planners como agência de casamentos.

— É muita generosidade... Da sua empresa.

— Exatamente. Tudo em prol dos negócios.

— O que aconteceu aqui foi algo apenas profissional.

— Estritamente profissional – enfatizo.

— Entendido... Você vai voltar pra casa como? Quer dividir um táxi? – Ele oferece e sorri docemente.

— Não, obrigada, vim de carro.

O semblante de Gloss se entristece um pouco.

— E Delly não vai sair daqui tão cedo. – Thresh se intromete, sorrindo de modo travesso ao apoiar uma das mãos em meu ombro. — Ainda preciso ter uma boa conversa com ela. Talvez a gente saia para tomar alguma coisa.

— Mas já está tarde e nós temos um compromisso amanhã de manhã! – Gloss argumenta chateado.

— Não esqueci, Dr. Ritchson. Como disse, sou profissional.

— Até amanhã, então, Srta. Profissional. Quero dizer, Srta. Cartwright! – Gloss se confunde e deixa a sala rapidamente.

Os outros casais também se retiram, gesticulando um adeus para nós.

— Definitivamente, você tira o cara dos eixos. Estou com o pressentimento de que o casamento dele não sai – prevê Thresh e suspiro, negando com a cabeça. — Agora, Srta. Profissional, você sabe que vai ter que me explicar direitinho o que aconteceu aqui.

— Consegui saltar, Thresh! – comemoro sem jeito, para amenizar a reclamação que sei que virá a seguir. — Você viu?

— Você pergunta se eu vi? Confesso que foi absolutamente fascinante ver vocês dois dançando... Agora me explica um detalhe. Por que você saltou com ele e não comigo, mocinha?

— Não sei, Thresh. Não estou me reconhecendo. Eu não sou assim impulsiva.

— Ao contrário. Você calcula cada passo e tenta controlar tudo. Mas vocês têm uma excelente química. Isso ficou nítido durante o ensaio.

— Thresh, você já encontrou a pessoa certa no momento errado? E já sentiu coisas que não deveria sentir?

— Sim, para a primeira pergunta. – Atala nos surpreende ao adentrar o recinto sorrateiramente.

— É verdade. Quando nos conhecemos, Atala estava saindo de um relacionamento complicado e tudo o que consegui com ela foram alguns tocos. Em meses. Meses.

— Quanto à segunda pergunta, não dá pra controlar nada no campo dos sentimentos – prossegue Atala. — Podemos apenas decidir como agir a partir deles.

— E eu estou decidindo errado – defino assim meus últimos atos em relação a Gloss.

— Não sei exatamente o que você fez, Delly, mas as notícias correm e ouvi falar num beijo entre você e Thresh para provocar ciúmes – anuncia ela, com uma calma preocupante.

— Você soube o que ele aprontou comigo? – Escondo o rosto com as mãos.

— Era apenas um personagem, meu amor – defende-se Thresh.

— Ah, é? Esse personagem está abusando da sorte. – Atala usa um tom brincalhão.

— O que você faria se ele resolvesse jogar charme pra uma mulher linda, confiante e segura de si? – Thresh a abraça e ela envolve os braços no pescoço dele.

— Bom, pessoal, o papo está bom, mas estou sobrando – constato em voz alta, mas eles mal percebem quando eu os deixo a sós.

Ao me acercar do meu carro, vejo que há um pequeno papel preso no limpador de para-brisas. Penso ser uma multa. Quando abro, encontro um bilhete de Gloss:

"Dirija com cuidado. Não gostaria de encontrá-la mais uma vez em meu ambiente de trabalho."

Eu ficaria irritada com essa mensagem, se não fosse o desenho de uma carinha sorridente no rodapé. Guardo o bilhete com carinho no porta-luvas.

— Dr. Gloss Ritchson, preciso da sua ajuda para agir corretamente. Desse jeito, não posso evitar me apaixonar – confesso para mim mesma, depois de dar partida no carro.

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Nos dias que se seguem, nós nos reencontramos inúmeras vezes para que Gloss eleja cada detalhe da cerimônia e da festa. Já definimos o bufê, a gráfica para os convites e a lista de presentes. Também visitamos Portia, a estilista para o traje dele.

Tenho o cuidado de me policiar para tratá-lo como um cliente como os demais. A única distinção que faço são algumas mudanças no roteiro de sempre, para que a nossa peregrinação por locações e prestadores de serviço fuja do lugar-comum. E acho que consigo fazer com que, apesar de cansativas, nossas andanças não sejam nada chatas, como ele mesmo adjetivou as etapas para a organização da festa.

Hoje, em vez de levá-lo a uma floricultura normal, opto por um passeio pelo Pike Place Market, o mercadão de Seattle. No galpão repleto de barracas descoladas com todo o tipo de coisas, encontramos lindas flores, coloridas e perfumadas.

Nesse mesmo dia claro e sem nuvens, visitamos a Space Needle, a torre símbolo da cidade, para conferirmos se as instalações comportam a recepção que Johanna quer realizar. No entanto, o que conferimos de fato foi a vista maravilhosa com as belas montanhas da região.

— Estou me sentindo um turista na minha própria cidade. Você se sairia bem como guia, Delly – avalia Gloss, com sua simpatia característica, que aos poucos foi reaparecendo com nossa convivência.

— Amanhã vou guiar você até a Padaria Mellark, para escolhermos o bolo.

— Não pode ser hoje? Ainda temos tempo.

— Não. Tenho um compromisso.

— Ah! Entendi. Não quero atrapalhar seu encontro. – Ele franze o cenho.

— Não é um encontro. É a visita semanal que faço aos meus amigos que vivem num asilo – explico e a expressão dele se suaviza. — Você quer uma carona até em casa? Eu realmente tenho que ir.

— Vou ficar por aqui, refletindo um pouco. Estou precisando. E a paisagem ajuda muito.

Libero o assento ao lado das grandes janelas inclinadas e sinto o olhar dele sobre mim enquanto me afasto a caminho da saída do restaurante.

Enquanto aguardo o elevador, solto os ombros desalentada. Apesar da minha resignação, é difícil ver tudo se encaminhando para que Gloss se case com outra pessoa.

A companhia dele não colabora para o meu propósito de afastá-lo de meus pensamentos. Ao contrário disso, só consigo lamentar o fato de que nosso convívio tem um prazo final. O dia do casamento dele com a Johanna.

Além disso, nem tudo está se resolvendo bem. Ainda não foi escolhido o local da cerimônia, que é o meu maior dilema. Nós visitamos vários lugares, como hotéis, igrejas, fazendas e clubes, mas em nenhum deles é possível incluir a única imposição da noiva, as benditas borboletas.

Quando as portas de metal se abrem e entro no elevador, sinto o toque em meu ombro.

— Posso ir com você?

— Ah, sim. Resolveu ir pra casa?

— Não. Ao asilo.

A grata surpresa faz meu peito inflar de felicidade.

— Você gosta de jogar cartas?

— Depende da companhia.

— Então, vamos! Você vai adorar todos por lá.

Aperto meus braços contra o meu corpo quando surge o frio na barriga após o solavanco que marca o início da descida ao longo da famosa torre, a 10 milhas por hora.

O engraçado é que esse frio na barriga me acompanha pelo restante da tarde até o fim da divertida noite em que descubro que eu e Gloss somos uma péssima dupla no carteado, principalmente por minha causa, já que não consigo raciocinar direito diante dos sorrisos cúmplices e de algumas piscadelas durante as jogadas.

— Fim do jogo! – Ripper celebra a rara vitória sobre a minha pessoa em nossas jogatinas semanais. — Delly, o que está havendo?

— Você ainda pergunta, mulher? – Mags olha de mim para Gloss e para mim novamente. — Eu sei bem o que está acontecendo aqui.

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Estamos na Padaria Mellark e Gloss está experimentando bolos e decidindo sobre confeitos, quando recebo a mensagem milagrosa.

— Eu não acredito! – exclamo.

— O que houve? – Gloss fica curioso com meu alvoroço.

— Vou ficar em dívida com meu irmão até a quinta geração!

— Conta logo o motivo! – Peeta estica os olhos para o aparelho em minha mão.

— Ele trabalhou com um dos diretores do Pacific Science Center, o museu de ciências naturais que possui aquele magnífico borboletário. E conseguiu autorização para fotos exclusivas de você e Johanna lá dentro, Gloss! – despejo as informações animadamente e me contenho para não dar um abraço saltitante nele. Minha sorte é que Peeta está ao meu lado e pulo no pescoço dele antes de continuar. — É preciso observar um monte de regras e vamos ter que ajustar os horários, mas acho que está resolvida a exigência da Johanna! Será que conseguiremos a liberação do pátio do museu para a cerimônia? Então, usaríamos o borboletário apenas para o ponto alto da...

— Delly, admiro seu empenho, mas não dá pra levar isso adiante. – Sem jeito, Gloss corta minha falação. – Eu assumo as consequências com a Johanna, mas realmente não quero essas pobres borboletas voando sobre minha cabeça. Já pensei bastante a respeito e resolvi optar pela Catedral de St. James.

Tento ignorar o olhar complacente de Peeta em minha direção. Ele sabe que a Catedral de St. James é o local onde sempre sonhei me casar.

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Boa madrugada, Delly. – A voz sonolenta de Gloss ao telefone me faz sorrir.

— Bom dia! O plantão foi puxado? Já são dez da manhã! – digo, conferindo o relógio. — Foi bem complicado conseguir uma data tão próxima, mas marquei o casamento e também agendei um horário com a conselheira matrimonial da Catedral. Johanna já voltou de viagem, não é? Será que poderá ir? É amanhã, às dez.

Acho difícil.

— Está tudo bem?

Johanna está ótima, fazendo negócios e chutando o traseiro de quem se coloca em seu caminho. Sabe como é... E está ocupadíssima. Vou tentar passar cinco minutos com ela nos próximos dias – exagera Gloss.

— Então, você precisa ser mais rápido do que eu, pois preciso ligar pra ela agora!

E lá se vão meus cinco minutos!

— Tcha-au! – despeço-me dele.

Disco o número dela e aguardo. Fico pensando em como eu daria tudo para passar a vida inteira com esse homem único e maravilhoso, enquanto ele precisa ficar mendigando a atenção da noiva.

— Quem perturba?

— Bom dia, Srta. Mason. Aqui é a Delly.

— A que devo o desprazer de receber uma ligação a essa hora, desmiolada?

— Bem... Eu e o Gloss já adiantamos bastante os preparativos. No entanto, uma coisa ele não pode resolver comigo.

— Deixei claro que ficaria tudo a cargo de vocês.

— É o seu vestido de noiva! Nós não podemos escolher.

— Mas é claro que podem. Basta saberem o meu tamanho.

— Isso é tão... inusitado! – Seguro a língua para não dizer absurdo, inimaginável, terrível.

— Acostume-se.

— Johanna, marquei com o estilista mais conceituado da atualidade. O Cinna. – Uso minha última cartada.

— Humm. Agora a conversa ficou interessante... Vou abrir essa exceção. – Ela muda de ideia de uma hora pra outra. — Mal posso esperar para ele tirar minhas medidas, se é que você me entende...

Em vez de dizer que "não, não entendo", eu me limito a informar a ela o horário agendado e o que escuto em resposta é que não preciso acompanhá-la.

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É uma longa caminhada da minha casa até a Nona Avenida, mas prefiro ir andando mesmo. Estou alguns minutos adiantada e atendo prontamente ao pedido de um casal para fazer uma foto dos dois em frente à Catedral de St. James, enquadrando as duas torres laterais.

Quando me dou conta, Gloss também havia chegado cedo e está me observando a alguns metros.

— Fazendo um bico de fotógrafa? – comenta ele, quando eu o alcanço.

— Isso se chama gentileza - respondo aborrecida.

— Ah. Precisa praticar mais, especialmente comigo.

Olho feio para Gloss antes de notar que está sorrindo com minha irritação.

— Acho que já superamos a fase de implicar com tudo o que o outro diz – pontua ele.

— Acho que sim. Em que fase estamos?

— Eu gostaria de saber. Tenho andado tão confuso ultimamente.

Não esperava tal resposta, nem um semblante tão sério de Gloss. Guardo silêncio e, mais uma vez, estou alerta para evitar qualquer sinal do que passei a sentir por ele.

Percorremos o caminho até as escadas, falando sobre como a iminência de chuva poderia atrapalhar nossa programação da semana.

Atravessamos a grande porta marrom, que se destaca na fachada clara da igreja. Não posso esconder o fato de que estar na Catedral mexe muito comigo.

— Esse lugar faz parte da minha história. Foi onde meus pais e meu irmão se casaram – sussurro. — Precisamos falar bem baixinho a partir daqui.

O organista começa a tocar uma música suave, que preenche o ambiente. Gloss ergue o rosto para admirar a ornamentação do teto abobadado e me pego olhando para seus traços e seu cabelo claro. Apesar de todos os meus esforços, aqui estou, admirando a beleza masculina dele.

— O que preciso fazer? – Ele abaixa a cabeça rapidamente e me surpreende a observá-lo.

— Você vai conversar com a conselheira matrimonial, principalmente sobre a cerimônia.

A distinta senhora surge e se apresenta:

— Olá, meu nome é Patina Paylor... E você não é o Dr. Gloss Ritchson, do Kindred Hospital?

— Sim. Sou eu.

— Pois eu me lembro de você! Um excelente profissional. Quer dizer que vai se casar?

— Esse é o plano.

— Com essa bela moça? Vocês formam um lindo casal.

— Ah! Não, Sra. Paylor. Sou apenas a organizadora do casamento. Muito prazer. Delly Cartwright. – Eu a cumprimento com um aperto de mãos. – A senhora deve conhecer minha sócia, Effie Trinket. Ela é quem costuma atuar nessa parte.

— Ah, sim. É verdade... Vamos? – Ela se encaminha para sua sala e é seguida por Gloss.

Ele dá alguns passos e, notando que não o acompanho, vira-se para trás.

— Você não vem?

— Vou ficar por aqui.

Caminho sobre o piso desenhado com losangos pretos e brancos que leva à nave central circular e me sento num dos bancos de madeira.

Não consigo evitar as lágrimas durante a prece que profiro para que eu tenha força e discernimento para fazer o que é certo, e não a minha vontade. Enxugo o rosto quando Gloss e a conselheira retornam.

— O Dr. Ritchson falou muito sobre você. – Paylor me olha intensamente, piscando para mim sem que Gloss veja, e torna a falar com ele. – Da próxima vez... Se houver uma próxima vez, venha acompanhado da sua noiva.

Gloss assente e ela se retira. Quando estamos novamente ao ar livre, indago:

— E então? Tudo definido?

— Saí com mais dúvidas do que tinha antes de entrar. E não resolvi nada sobre a cerimônia. Apenas confirmei a data.

— Deve ser a pressão do casamento.

— Ou a ausência dela. Johanna não dá a mínima. – Gloss fica constrangido por sua amargura evidente.

— No final das contas, parece que a minha amargura é mesmo uma doença contagiosa.

— Você não é amarga. Ao contrário, é muito doce.

— Reconheço que fui amarga com você algumas vezes. Efeitos colaterais de um encontro insignificante de uns tempos atrás.

— Doçura com toques amargos. Isso fica bom numa sobremesa, porém não combina com você. Tenho certeza de que sabe que não foi insignificante.

— Foi o que você disse.

— Estava enganado... Ou tentando me enganar. – Gloss direciona seu olhar para o chão. – Você aceita um tiramisù? Como naquela tarde?

— Eu adoraria, mas não devo.

— Você lamenta aquele dia, Delly?

— Não, nem um pouco. Fazia tempo que não experimentava nada tão... – interrompo a frase no meio. — Não adianta elogiar, pois já risquei essa opção do meu cardápio.

— Vamos pelo menos almoçar juntos. Já passa de meio-dia e você teria que buscar outro restaurante mesmo... Tenho certeza de que Greasy Sae adoraria revê-la.

— Tudo bem.

Partimos no carro de Gloss, recém-concertado pela Johanna, segundo ele.

— Conheci Johanna e sua paixão por carros há alguns anos, quando eu estava voltando da casa dos meus pais e ela estava parada na estrada, trocando um pneu. Quando parei no acostamento, a situação já estava praticamente resolvida, mas ainda ajudei um pouco. No final, ela me perguntou se eu queria ser o mecânico particular dela. Recusei a oferta, dizendo que já tinha um bom emprego. Não satisfeita, ela me pediu em namoro ali mesmo. E, quando uma garota que fica feliz em trocar pneus pede você em namoro, você simplesmente aceita. Assim, desde esse dia, sou o namorado dela, mas ela que é minha mecânica particular. Se bem que, depois que assumiu a presidência da empresa, Johanna tem sido apenas essa segunda opção.

— Isso vai mudar. Vocês vão se casar – eu o encorajo, mas ele fica quieto por alguns segundos.

— Johanna é fantástica. O modo como assumiu a madeireira da família, quase falida, e aproveitou esse viés ecológico de Seattle para reerguê-la é inacreditável. Infelizmente, o mundo dos negócios também é muito machista e discrimina alguém tão capaz apenas por ser uma mulher e, além disso, solteira. Acho que essa é a maior motivação dela. Eu sei quando a Johanna é movida pela paixão e, definitivamente, isso não está acontecendo em relação ao casamento – desabafa ele. — É difícil saber se é algo que ela realmente quer ou se é apenas conveniente.

— Vocês precisam conversar, Gloss.

Logo após ele estacionar, começa a chover e temos que dividir meu guarda-chuva até chegarmos ao nosso destino. A alguns metros de onde estamos, avisto meu ex-noivo. Abaixo o guarda-chuva bruscamente, para bloquear a visão dele.

— O que houve? – Gloss pergunta, estranhando o meu comportamento.

Retraio o corpo ainda mais, porém relaxo em seguida, quando vejo a silhueta de Sêneca cruzando a calçada ao meu lado. Acho que o perigo já passou. Mas estou enganada.

— Delly? – A voz do homem que tanto me fez sofrer arranha meus ouvidos e paro de andar, batendo o guarda-chuva na cabeça de Gloss, que se afasta para se proteger da chuva sob uma marquise. Eu me viro a contragosto. — Ainda é Cartwright? Ou já mudou de sobrenome? Se bem que não estou vendo uma aliança no seu dedo...

— Oi, Sêneca. Para minha sorte, ainda sou Delly Cartwright.

— Eu me casei, sabia? Pensei em você para organizar a festa. Seria engraçado.

— Não, não seria.

— Vamos deixar o que passou pra trás, Dell. Aliás, você está muito bem.

— Sim. A carreira vai bem.

— Não estou falando apenas profissionalmente. Quando perdemos as coisas é que damos valor a elas... – Sêneca me esquadrinha da cabeça aos pés. — Você está muito bem em alguns aspectos mais interessantes.

— E você não mudou nada.

Dou-lhe as costas e continuo andando meio sem rumo, passando direto pela porta do estabelecimento de Greasy Sae.

— Ei, Delly! – Gloss me chama e retrocedo alguns passos. — O que aquele cara fez pra você?

— Resumindo bem... Ele nasceu! – respondo, encolhendo os ombros, e ele dá um sorriso torto.

Greasy Sae nos recepciona na porta do restaurante e, antes que eu possa desviar para passar pelo vão livre, ela segura minha mão e minha chateação se desmancha quando recebo seu abraço apertado, daqueles que lembram carinho de avó quando sabe que seus netinhos não estão bem.

Ela me solta e abraça Gloss também.

— Meu querido, sua irmã acabou de sair daqui. – Greasy Sae alisa o rosto bem desenhado dele.

— Sério? Vou ligar pra ela. – Gloss procura o aparelho por seus bolsos, mas não o encontra. — Gostaria de apresentar você à Cashmere, Delly, mas meu celular ficou no carro.

Greasy Sae nos acomoda em uma boa mesa, prometendo voltar logo.

— Pode usar o meu. – Depois que nos sentamos, entrego meu telefone a ele, que tenta em vão falar com a irmã.

— Ela não atende. – Gloss deixa o celular sobre a mesa. – É uma pena. Cash queria muito conhecer você.

— Por quê?

— Minha irmã me contou que a convivência com você me deixou mais calmo. O efeito da Johanna sobre mim é o inverso. Como Cash diz, é preciso preparo emocional para lidar com minha noiva. Costumo brincar que ela é uma força da natureza. – Ele balança a cabeça. – Thresh não fica muito atrás. Parece um furacão.

— Thresh?

— Ora, Delly! Vi vocês juntos – afirma Gloss, ajustando as mangas do casaco, com os olhos fervendo com uma forte emoção que não decifro o que é.

— Ah! Não! Ele é só meu amigo.

— Então, o flerte, a dança, o beijo...

— Aquilo era uma encenação para deixar certa pessoa com ciúme.

— E conseguiu! – afirma ele de modo veemente, mas logo depois pigarreia e disfarça, repetindo a frase em forma de pergunta. – E conseguiu?

— Talvez... Quero dizer, não sei. Aquele beijo não provocou ciúmes nem mesmo na namorada do Thresh.

— Namorada do Thresh? – O olhar de Gloss permanece fixo em mim por mais alguns segundos antes de ele limpar a garganta. — Isso muda tudo. – Gloss estende o braço e desliza os dedos pela minha testa, no lugar onde estava o curativo feito no hospital, e se demora nesse gesto. — Aquele acidente mudou tudo.

Engulo em seco, buscando em minha mente algumas frases sensatas para dizer, mas elas me fogem por completo. E ele acrescenta por nós dois:

— Acabei de conhecer você. Não sei quase nada sobre sua família, seu passado ou seus planos. Mas posso descrever com precisão as adoráveis sardas do seu rosto e cada gota de azul dos seus olhos. Nas últimas semanas, eu tive os melhores momentos da minha vida. E eu devo isto a você. – Gloss segura minhas mãos. – Por favor, diga algo.

De repente, minhas costelas ficam estreitas demais para conterem o meu coração.

— Gloss, antes que você se case... – começo, mas não consigo avançar. Essa seria a chance de me declarar, mas não posso repetir o que tanto abomino que Sêneca tenha feito comigo. — Você precisa saber que o homem que falou comigo lá fora é meu ex-noivo e a última pessoa com quem me relacionei, porque ele me trocou por outra, às vésperas do nosso casamento. Então, eu insisto, você precisa conversar com a Johanna.

O pedido que faço não é garantia de nada, pois tudo pode resultar de uma conversa, principalmente entre pessoas que convivem há anos. Pode ser que se afastem, mas pode ser que eles se acertem.

— Você deve estar pensando o pior de mim – supõe ele, apertando minhas mãos, porém sem olhar pra mim. — Não posso culpá-la, pois não faz sentido levar adiante os preparativos do casamento e, mesmo com a data se aproximando, dizer tudo isso a você. Mas nada estava muito claro na minha cabeça e...

— Não precisa se justificar.

— O que fiz não tem justificativa, eu sei. – Ele solta as minhas mãos e se levanta.

— Não quis dizer isso. – Eu me ergo também e minha pulsação desenfreada se descontrola ainda mais quando Gloss aproxima os lábios do meu ouvido.

— Não me odeie. Eu já estava decidido a falar com a Johanna – sussurra Gloss e fecho os olhos com o calor de seu hálito em minha orelha.

Ele se afasta um pouco até estar novamente diante de mim, tão perto que sinto sua respiração irregular tocar minha face. Abro os olhos e falta pouco para eliminar qualquer distância entre nós.

Sou tomada por uma coragem capaz de suplantar toda a minha prudência. Estou pronta para abrir meu coração, que parece ter se expandido ainda mais em meu peito, provocando a necessidade de aliviar essa pressão com palavras.

— Gloss, eu...

No entanto, não consigo terminar a frase, pois meu telefone toca sobre a mesa. Na tela colorida, aparece o nome de Johanna. Num choque de realidade, a razão cala a frase que a emoção quer que eu diga. Atendo o celular rapidamente.

— Alô? Johanna? – Eu me esforço inutilmente para disfarçar a culpa na voz.

Gloss abaixa o olhar e põe as mãos nos bolsos da calça.

— Delly, não consegui entrar em contato com o Gloss. Preciso falar com ele com urgência.

— Aconteceu alguma coisa, Johanna?

Gloss arregala os olhos, expressando preocupação.

— Aconteceu algo maravilhoso e interessa a você também. Ao menos, em parte. — Ela toma fôlego para voltar a falar, tamanha é a sua excitação, e sinalizo para Gloss que não é nada tão terrível como temíamos. — Consegui me inscrever no evento que vai me garantir o Selo Ecológico de que estou precisando para expandir os negócios.

— Ah, que bom! Assim você vai conseguir mais uma certificação ambiental – comemoro com Johanna, falando pausadamente, com a única intenção de esclarecer para Gloss o motivo da ligação dela.

Ele sorri e o alívio ilumina sua face.

— Só há um problema. É no fim de semana em que marcamos o casamento. Então... Pode cancelar tudo.

Agora é a minha vez de arregalar os olhos.

— Cancelar o casamento?

O celular é tirado da minha mão no mesmo instante.

— Johanna, onde você está? – Gloss questiona transtornado. — Não saia daí. Estou chegando.

Ele passa as mãos sobre a jaqueta e imagino que esteja em busca das chaves do carro. Pego o chaveiro que está sobre a mesa e estendo diante dos olhos dele, que rapidamente toma o objeto das minhas mãos e sai apressado, ainda demonstrando seu descontentamento ao telefone.

— Vamos tratar disso pessoalmente. Essa é a terceira vez, Johanna... Não mesmo! Isso não é algo com que eu tenha que estar acostumado.

Estou tão atordoada que, apenas quando ele sai do meu campo de visão, eu me dou conta de que levou o meu celular. No entanto, isso não é o pior. Ruim mesmo é perceber que ele me deixou aqui sozinha, achando que estou decepcionada com ele e, não sei ao certo, parecendo bastante decidido a salvar seu noivado.

Meu coração expandido volta a se encolher no canto dele, do jeito que deveria ter ficado desde quando descobri que Gloss não era um homem desimpedido.

— O que houve, Delly? Por que o Gloss saiu daqui correndo desse jeito?

— A Johanna cancelou o casamento. Acho que não vamos mais almoçar. Sinto muito, Greasy Sae.

— Eu não sinto. Espero que Gloss perceba que ele fica melhor sem a Johanna – declara ela de modo enfático.

— Ele saiu daqui tão determinado...

— Ele pode estar determinado a terminar tudo – pondera Greasy Sae.

— Não sei. Quando perdemos as coisas é que damos valor a elas.

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Os dias correm e me ocupo com tudo o que tenho que cancelar. Estou assoberbada com multas contratuais pela desistência e comprovantes de gastos dos fornecedores, que precisam ser ressarcidos. No entanto, o que está tirando o meu sono é a falta de notícias de Gloss e de Johanna.

Nem mesmo meu celular foi devolvido pessoalmente por Gloss. Foi Brutus, o segurança de Johanna, quem o entregou à Effie na agência anteontem.

Fito a tela do computador com o olhar perdido, quando minha visão periférica capta a presença de uma pessoa no corredor em frente à minha sala.

— Pensando em alguém especial, desmiolada? – Johanna recosta-se no batente da porta. – Por acaso, esse alguém se chama Gloss Ritchson?

— Como?

— Não se faça de desentendida, Delly.

— Johanna, como você pediu, eu e ele cuidamos da organização do casamento e até fizemos uma aula de dança juntos, mas não passou disso. – Saio de trás da minha mesa e me ponho diante dela.

— Bem que você queria passar disso, né?

— Ah... Eu não... Melhor dizendo...

É tão difícil ocultar o que estou sentindo. Minhas bochechas coradas e minha voz insegura, sem dúvida, estão me denunciando.

— Pra sua informação, nós conversamos bastante e resolvemos dar um tempo. O que acontecerá no futuro? Não sabemos. Enquanto isso, estou decidindo quem é mais gostoso, se é o Gloss ou se é o Cinna... – Ela morde o lábio inferior, enquanto meus olhos se abrem em espanto. — Ah, não me olhe assim.

— Cinna?

— Ele já sabia que não haveria mais casamento. Fui encomendar um vestido para comemorar minha solteirice. Por fim, concordamos que era melhor celebrarmos ali mesmo, sem vestido nenhum, se é que me entende... – Ela sacode a cabeça e abre a bolsa para me entregar um cheque gordo, que cobre todas as despesas com sobra. — Embora não precise mais dos seus serviços, tenho que admitir que você é uma ótima profissional. Não precisei usar o meu machado nenhuma outra vez para me acalmar.

— Isso parece algo mesmo muito bom – alfineto e ela ri.

— Nem quando percebi que Gloss está encantado por você.

— Johanna, garanto que nada aconteceu. E ele não me procurou em momento algum depois que você cancelou tudo.

Pensativa, ela olha para um ponto fixo e murmura enigmática, antes de sair:

— O amor é estranho.

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A vida segue e, felizmente, muitos casais continuam sonhando com um casamento e buscando nossa agência para concretizá-lo.

Finalizo mais um atendimento e tomo fôlego antes de me dirigir à sala da Effie. A pauta do dia é o anel de brilhantes que ela está exibindo na mão esquerda.

Haymitch fez o grande pedido ontem à noite e, se eu achava que a Johanna era uma noiva difícil, posso classificar a Effie como uma noiva impossível.

Antes de alcançar a porta, o telefone em minha mesa toca. Faço o caminho de volta para tirar o fone do gancho.

— The Wedding Planners. Delly. Boa tarde.

— Boa tarde. A senhorita uma vez me deu um cartão com esse número e disse para procurá-la, se eu precisasse de alguém para organizar um casamento. Uma companhia para um café também estaria incluída nos serviços?

— Podemos negociar. – Sorrio, reconhecendo a voz grave de quem está do outro lado da linha.

— Estou na cafeteria em frente à agência. Eu entendo, se estiver ocupada, mas... Posso esperar por você?

— Pode sim, Gloss.

Como lidar com a surpresa e com o coração palpitando de alegria e esperança? Simples: derrubando o telefone num estardalhaço e tropeçando no tapete, ao mesmo tempo em que espicho o braço para pegar minha bolsa e tudo o que está dentro dela cai.

— O que está havendo aqui? – Effie questiona, adentrando a sala com a mão esquerda pousada na testa, deixando seu anel bem visível.

— Effie, Gloss acabou de me convidar para um café! – explico, ainda abaixada, catando meus pertences.

— E o que você ainda está fazendo aqui? Deixa que arrumo isso. – Ela me incentiva, agachando-se à minha frente e soltando o meu cabelo.

— Volto logo pra ajudar você.

— Já eu quero que você demore bastante! – replica ela, puxando meu braço para me levantar.

Enquanto caminho em direção ao local do encontro, um filme passa em minha cabeça, com todas as confusões e reviravoltas que aconteceram num prazo tão curto. Em vez da calma, é o nervosismo que toma conta.

Através do vidro da janela, vejo Gloss em uma das mesas do café, de cabeça baixa, manuseando o cartão que dei a ele no dia em que nos conhecemos, com os olhos fixos nas letras douradas nele impressas.

Respiro fundo antes de empurrar a porta do estabelecimento, fazendo soar o sino pendurado nela, que anuncia minha chegada.

Os olhos de Gloss se fundem nos meus e ficam graciosamente diminutos, quando ele alarga o sorriso.

Ele se levanta e puxa a cadeira para eu me sentar à mesa. Não sei bem como agir ou como devo cumprimentá-lo.

— Que bom que pôde vir – agradece ele e eu simplesmente me acomodo, aguardando que faça o mesmo.

— Você não deu mais notícias.

— Estava colocando as ideias no lugar.

— E está tudo bem?

— Agora sim.

Será que isso é um galanteio? Ou será que ele está se referindo a algo mais concreto como... ter reatado com a Johanna?

— E você? – indaga.

— Trabalhando bastante. Não sei o que é mais complicado, se é organizar ou cancelar um casamento.

— A boa notícia é que nem todo o seu trabalho foi em vão. Vou aproveitar tudo o que adiantamos para quando marcar meu casamento pela quarta vez.

— Ah... – A notícia é como um soco no estômago, mas não esboço reação alguma. — Você ainda tem esperanças de se casar?

— Nunca vou perder as esperanças de me casar com a mulher que eu amo.

Oh, não. Decepção em nível máximo.

— Sim, claro. Com a mulher que você ama – balbucio, sentindo o golpe de novo, dessa vez mais forte.

Fico me maldizendo por me colocar nessa situação. Dói demais dizer cada uma dessas palavras, reconhecendo que ele ama outra pessoa.

Pressiono minha língua no céu da boca. Que ironia! Agora estou aqui, usando a velha tática que ensino às noivas para não chorarem no momento da entrada. Talvez o mais emocionante de suas vidas. A diferença é que as lágrimas que pretendo segurar não são de emoção, e sim da mais profunda tristeza.

No entanto, não posso mais me segurar. Preciso falar com ele.

— Eu não entendo! A Johanna pagou pelos serviços da agência e pediu o cancelamento definitivo de tudo o que havia contratado...

— Delly, calma. Você precisa saber que alguns detalhes importantes mudaram.

Arrasto a cadeira para trás e fico de pé. Ele imita o gesto.

— Não, Gloss, não preciso saber de mais nenhum detalhe. A Johanna deixou claro que não quer mais a minha assistência. Eu fico feliz por vocês. De verdade. Mesmo assim, não posso seguir com isso. Não posso continuar planejando o seu casamento com a Johanna.

— É bom mesmo, porque em nenhum momento mencionei a Johanna. Falei apenas sobre a mulher que eu amo. E ela não é a Johanna. A mulher que eu amo é você, Delly Cartwright.

Gloss dá um passo à frente e se inclina. Com uma das mãos perdida entre meus cabelos, ele acaricia meus lábios com as pontas dos dedos e depois me beija com tanta entrega e paixão, que nada mais importa. Finalmente, sinto as borboletas em meu estômago e essas, sim, são muito bem-vindas.

Como havia antecipado, ele pretende mudar alguns detalhes nos preparativos para seu casamento. O principal deles é a noiva.

 

Cenas após os créditos finais     
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— Você vai continuar a ter aulas na academia do Thresh?

— Eu já falei que o Thresh só queria fazer você ficar enciumado.

— E conseguiu.

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— Por que você está comendo esse biscoito horrível, Gloss?

— Tenho uma dívida de gratidão com o biscoito sabor tijolo.

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— Haymitch tem outra sobrinha, a Enobaria, e ela está fazendo uma exigência: quer libélulas voando na hora da saída. Não seria lindo?

— Effie, qual é o problema das sobrinhas do Haymitch com os pobres insetos?

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— Thresh, estou tão insegura... Preciso de uma opinião masculina.

— O que foi?

— Quem em sã consciência vai querer fazer sexo comigo depois de se relacionar com Johanna Mason, a força da natureza, por anos e anos?

Meu professor de dança gargalha com vontade, olhando por sobre meu ombro e imagino que alguém mais ouviu minha pergunta nada sutil.

— Eu.

A voz de Gloss sobressai em relação à música que Thresh deixou tocando após a aula.

— Quer dizer que vocês estão ensaiando o Ritmo Frio, muita dança e nada de sexo?

— Uma coisa está levando à outra, Thresh. – Gloss me abraça por trás, beijando meu pescoço.

— Posso imaginar. – Thresh coça o queixo. – Oh, droga! Não posso imaginar nada! Como tiro essa imagem da cabeça agora?

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A onda de calor que se transforma em êxtase sobe pelo meu ventre e me força a fechar os olhos. Os lábios de Gloss abandonam o meu pescoço, onde ele deixou beijos sôfregos entre sussurros, e sinto que ele apoia seus antebraços na cama para contemplar meu rosto.

Abro os olhos lentamente e a iluminação externa contorna a silhueta do homem que acabou de me fazer tocar as estrelas. Ele, sim, é uma força da natureza e, agora, parece novamente o ser de luz que pensei que fosse, no instante em que o vi pela primeira vez.

— Morri e estou no céu?

Gloss ri e roça o seu nariz no meu.

— Você caiu do céu. E está nos meus braços, meu amor.

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— Dr. Gloss Ritchson, você não ouviu meus conselhos e, mais uma vez, está acompanhado apenas da organizadora do casamento. Que pena! Onde está a noiva?

— Sra. Paylor, a noiva é a Delly.

— Ah! Então, você realmente ouviu meus conselhos.

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Sabe aquele momento em que você está prestes a cair e seu corpo está quase paralelo ao chão, em queda livre?

Pois é. Já senti algo parecido alguns meses atrás, talvez no dia mais conturbado e importante da minha vida... Mas o que sinto agora são as mãos precisas e os braços fortes do meu noivo, Gloss, que está me sustentando no ar, no último ensaio de dança antes do nosso casamento.

***FIM***




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Notas finais do capítulo

Oi de novo!

Confesso que fui uma desafiada bem "rebelde" e negociei algumas mudanças no roteiro proposto, que foram aceitas pela minha querida desafiante.

Vejam só:

"Desafio - Isabela
>>>>>>>>>>>>
Delly é dona de uma agência que organiza casamentos. Em um dia corriqueiro se envolve em um pequeno acidente e chega a desmaiar, ao acordar se depara com o charmoso Dr. Gloss. Ela o acha encantador, o sorriso Colgate (rss) a faz divagar por dias. Passado um tempo, ela recebe em sua agência Johanna Mason, uma mulher muito bem sucedida que está noiva... Delly começa a pesquisar o que Johanna quer e como quer, mas ela faz com que Delly e o noivo cuidem de tudo. Quando conhece o noivo é nada mais nada menos que o Dr. Bonitão. Johanna está bem desinteressada nos preparativos, pensa mais em sua empresa, enquanto isso Delly e Gloss constroem uma amizade entre escolher as flores, o bolo e o local... faltando uma semana para o casamento, Johanna diz que tem uma viagem importantíssima e imperdível, resultando no cancelamento pela terceira vez e terminam definitivamente o noivado. Dias depois, Gloss convida Delly para um café, eles gostam da companhia um do outro e vão se envolvendo até namorarem, noivarem e se casarem.
>>>>>>>>>>>>"

E aí, Bel, passei no teste, apesar da minha rebeldia? Agora entrego o bastão a você!

Agradeço a leitura! Fiquem à vontade para dizer o que acharam...

Queria também deixar um recadinho pra quem gostou da minha primeira one "Blind date": já publiquei a versão estendida e estou escrevendo a continuação... Está no meu perfil! ;)

Outro recadinho, pra quem gostou desta one: eu a transformei numa short-fic Peetniss, com muitas novidades. Espero vocês por lá para conferirem!

Aproveito para fazer uma pressão aí em todas as autoras... 'Bora continuar esses fics, meninas!

Beijos!

Isabela



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