Autumn Leaves In a Snowstorm escrita por Miss Moonlight


Capítulo 12
Trust


Notas iniciais do capítulo

Olá, galero! Como vocês estão?

Cá estou eu de volta com mais um capítulo dessa belezura. E já aviso (mesmo sabendo que vocês já devem ter notado) que esse aqui ficou grandinho. Eu acabei tendo uma ideia esses dias e por conta dessa ideia, tive que modificar esse capítulo algumas vezes até deixar do jeito que eu queria. E finalmente consegui. Isso acabou mudando o rumo da estória um pouquinho, então vou ter que arrumar todos os outros a partir desse. Portanto não me julguem tanto se o próximo demorar, tô tentando trazer uma estória decente procês u-u

Enfim, espero que gostem. Tem uma pausinha mais ou menos no meio do capítulo se vocês quiserem parar um pouco para respirar, porque eu sei que 5.000 palavras não é pouca bosta. Mas, sem mais delongas, tenham uma boa leitura!



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Na manhã seguinte, assim que meus olhos abriram-se, não demorou para que toda a avalanche de questões não respondidas do dia anterior voltassem a invadir minha mente. Também não demorou para que meus pés fizessem, sem o mínimo de hesitação, seu caminho até a mesa onde Charles estava sentado na hora do café da manhã. Ele não pareceu notar minha presença até eu colocar minha bandeja sobre a mesa e sentar-me a sua frente.

O rapaz de olhos claros levantou sua cabeça em minha direção e eu lhe lancei um sorriso amarelo sem mostrar os dentes, enquanto tentava fingir que aquilo era algo comum e que não era a primeira vez que eu ia tomar café da manhã onde Charles costumava ficar e não o contrário.

— A que devo a honra, Srta. Pierce? – Disse ele sarcasticamente, depositando sua caneca ao lado de sua bandeja. Caneca na qual eu nem precisava olhar para saber que estava cheia com café preto adoçado com apenas uma colher de açúcar.

Ao perceber meu conhecimento sobre aquele assunto, quase revirei meus olhos para mim mesma. Quanto tempo eu o conhecia para saber tal coisa sobre ele? Chegava a ser assustador ao mesmo tempo em que chegava a ser ridículo, eu tinha que admitir. Ao ver-me perdida em pensamentos secundários, balancei a cabeça tentando voltar a focar no objetivo principal de eu estar ali.

— Espero que esteja preparado para o interrogatório – respondi ainda com o mesmo sorriso amarelo. – Pois eu estou.

Seus olhos azuis, que naquele dia estavam límpidos e estranhamente brilhantes, reviraram-se para mim de um modo que indicasse tédio, apesar de seus lábios estarem levemente puxados nas laterais em um sorriso desdenhoso.

— Claro que está. Você nunca me decepciona, não é mesmo? – Soltou um leve riso, antes de ajeitar-se em seu assento, como se estivesse se preparando para algo. – Bom, mandar ver então, Pierce.

Não pude evitar estranhar sua súbita abertura para minhas perguntas. Elas costumavam causar uma reação oposta nele, deixando-o irritado, recluso ou mesmo frio. Aquilo estava mais do que estranho e eu o conhecia bem demais para saber que não poderia ser boa coisa.

— Tá legal... – Comecei a dizer, estreitando os olhos e tentando entender o que ele realmente pretendia. – Primeiro, por que de repente você está tão aberto assim a perguntas? Geralmente você me manda cuidar da minha vida ou algo assim e depois acabamos discutindo.

Ele sorriu-me mais gentilmente para minha surpresa, fazendo até com que meu coração parasse por um instante. Aquilo estava bizarro demais para o meu gosto, não sabia se ficava preocupada ou aproveitava dessa sua pacificidade inesperada.

— Bem observado. Acontece que dessa vez eu tive tempo para me preparar para todas elas ou boa parte delas pelo menos. Passei a noite preparando respostas para qualquer pergunta que você pudesse vir a fazer – respondeu com um ar de superioridade característico dele. Como se estivesse se gabando de sua inteligência.

— Bom, contando que sejam sinceras e não um monte de mentiras sem cabimento, tudo bem – suspirei, decidindo continuar com o interrogatório mesmo assim. – Agora voltando ao que realmente importa, o que foi aquilo ontem no hospital com o Dr. Lawrence? Eu entendi que se tratava de uma matéria que você cobriu sobre ele, mas sobre o que se tratava exatamente? E por que ele achava que seu sobrenome era Elliot?

 Charles franziu o cenho por uma fração de segundo e depois balançou a cabeça devagar, como se estivesse processando as perguntas. Tinhas os cotovelos sobre a toalha de mesa e as mãos cruzadas em frente aos lábios avermelhados. Parecia mais sério agora, tenso e seus olhos expressavam uma frieza que não estava lá segundos atrás. Por mais que ele tentasse disfarçar, estava claro que, por alguma razão ainda desconhecida, aquele assunto o incomodava e tanto.

— Bom, Dr. Lawrence é um médico bem famoso e renomado. Fui escalado para fazer uma matéria especial no jornal sobre ele e seus feitos mais excepcionais há alguns meses atrás. E sobre a outra pergunta, meu nome do meio é Elliot, ele deve ter confundido em algum momento, já que se quer lembrava meu primeiro nome.

Tentei procurar alguma pista em sua expressão, em seu tom de voz ou em seus olhos que indicasse que ele estava mentindo, mas, fora a frieza, ele estava impassível para o meu azar. Apesar disso, algumas coisas ainda não faziam sentido para mim, então continuei insistindo.

— Mas você é só um estagiário, Charles. Por que seria escalado para cobrir uma matéria assim? – Perguntei, cruzando os braços e os descansando sobre a mesa, aproveitando cada segundo do breve momento de superioridade que eu estava tendo a oportunidade de provar.

Sem demorar mais que míseros segundos, Charles respondeu-me:

— Sim, de fato sou apenas um estagiário, porém fui escalado porque meus superiores estavam ocupados em outras matérias mais importantes e não poderiam abandoná-las. Meu chefe, então, resolveu me dar essa oportunidade para mostrar-me capaz, até porque não era uma notícia de fato, era apenas um tapa-buraco para o jornal.

— Entendi – murmurei, enquanto meus olhos ainda queimavam sua figura tentando achar qualquer vestígio de mentira. Depois do nosso pequeno teatro, eu tinha visto o quanto ele era bom no quesito atuação e agora que aquele dom poderia ser usado contra mim, chegava a ser frustrante. – E por que eu nunca soube sobre esse seu “segundo nome”? A Sra. Stevens nunca mencionou nada do tipo.

— Eu nunca contei a ela e como não possuía nenhum documento quando cheguei aqui, resolvi omitir. Bom, aposto que se seu segundo nome fosse Elliot e você tivesse uma chance de apagar isso da história, você não hesitaria em fazer tal coisa também – argumentou, arqueando uma de suas sobrancelhas e lançando-me um sorriso lateral um tanto brincalhão.

Por algum motivo eu não havia comprado aquilo. Não fazia sentido para mim que ele escondesse algo do tipo. Charles nunca pareceu ter medo do que achariam dele, apesar de todo o assédio que sofreu por ser do jeito que era. Mas, apesar disso tudo, preferi fingir que tinha acreditado por aquele momento. Quem sabe? Vai ver seu segundo nome realmente era Elliot por mais bizarro que me parecesse.

— Ok, mas voltando ao assunto da matéria, quando é que ela sairá? – Perguntei, decidindo continuar com o interrogatório apesar da desconfiança.

Finalmente havia conseguido alguma reação diferente dele. Após ouvir minha pergunta, sua expressão murchou – se é que essa é palavra mais adequada para descrever – e Charles desviou seus olhos para sua caneca, brincando com a mesma de um jeito um tanto desanimado. Minha expressão devia estar de completa confusão, pois era exatamente isso que eu estava sentindo no momento e era fato confirmado que eu não era muito boa em fingir emoções.

— A resposta é nunca – riu, mas evidentemente sem humor algum, antes de dar um gole em seu café. Vendo minhas sobrancelhas franzidas logo depois, percebeu que teria que justificar-se. – Resumidamente meu chefe disse que não ficou do nível do jornal e que não teria condições de publicá-la.

Seu olhar voltou para o objeto que segurava, enquanto seus ombros caiam levemente. Meu coração de repente apertou-se um pouco com aquela visão junto ao que eu havia acabado de ouvir. Surpreendentemente sentia-me mal por ele, uma espécie de pena até, e uma inevitável surpresa. Nunca imaginaria que algo que Charles White fizesse seria rejeitado, não era novidade para ninguém o quanto ele era e sempre fora inteligente e evidentemente perfeito em tudo o que fazia. Além disso, eu nunca imaginaria que sentiria tal sentimento por alguém como Charles White, mas lá estava eu, sentindo-me completamente perdida. Queria fazê-lo sentir-se melhor, mas mal sabia o que fazer ou dizer para isso.

— Eu... Sinto muito, Charles – disse a primeira coisa que veio a minha cabeça, quando o silêncio começou a tornar-se constrangedor demais. Sentindo-me mais confiante, continuei a tentar animá-lo: – Mas foi só sua primeira matéria, não tinha como esperar que fosse sair impecável. Você terá outras chances, na próxima você terá mais experiência e aí se sairá melhor.

— É, pode ser – Charles finalmente disse, lançando-me um pequeno sorriso, mas que foi o suficiente para que eu pudesse respirar um pouco mais aliviada. – Mas, apesar de eu já ter aceitado o fato, não deixa de ser frustrante.

— Imagino, principalmente para alguém que costuma ser o Senhor Perfeição em tudo o que faz – murmurei de volta, tentando aliviar o clima. Charles revirou os olhos, mas acabou soltando um leve arfar em tom de risada. Sem conseguir segurar minha curiosidade, tive que pergunta-lo quando outra dúvida surgiu. – Mas por que não disse ao doutor sobre isso então?

O rapaz suspirou, fechando os olhos por alguns segundos.

— Sinceramente eu não sei, Autumn. Talvez por ter ficado meio constrangido em dizer isso a ele, quase tanto do que admitir isso para você na verdade.

— Não deveria – eu tratei de dizer rapidamente, balançando a cabeça de um lado para o outro, meio indignada com aquilo, apesar de não estar surpresa. – Principalmente depois de eu ter te mostrado aquele meu lado ontem – admiti, mesmo estando deveras constrangida ao lembrar-me de meu estado no dia anterior.

— Mas você não fez porque quis, Autumn. Você não tinha como evitar devido à situação em que se encontrava – disse, surpreendentemente, de modo suave, ao invés de zombar de mim, como eu assumi que faria. – Eu tinha, porém, por algum motivo, aqui estou.

Parando para analisar melhor a situação, aquilo estava realmente estranho. Nunca havíamos tido qualquer tipo de conversa parecida com aquela, ela era totalmente inusitada e eu não sabia se gostava daquilo ou não. Charles estava diferente, agindo de um jeito que eu nunca o vi agir e dizendo coisas que eu nunca pensei escutar vindo dele. A possibilidade de ele estar atuando em prol de algum objetivo desconhecido começava a surgir para mim, mas talvez por inocência e por estar de certo modo gostando de ver aquele seu lado mais aberto e frágil, resolvi deixar aquilo de lado. Pois, por incrível que pareça, eu não sentia vontade de sair correndo dali, não me sentia desconfortável apesar do assunto delicado. Estava a vontade e aquilo realmente assustava-me.

— Ok, sou só eu ou isso está realmente estranho? – Perguntei, tentando quebrar com aquele clima com medo de Charles ficar desconfortável demais. Desviei o olhar para minha bandeja pela primeira vez depois de infinitos minutos e os cereais encontravam-se moles por estarem mergulhados na tigela com leite por um bom tempo. Se eu já não estivesse sem fome, desistiria de comer na mesma hora. – Não sei se prefiro esse Charles ou o de sempre. Acho esse mais assustador pra falar a verdade.

Charles riu a minha frente e o som de sua risada foi o suficiente para ganhar minha atenção. Era um riso leve, quase que despreocupado, que eu nunca tinha escutado vindo dele. Parecia que Charles White estava empenhado em surpreender-me aquele dia e estava sendo completamente bem sucedido na tarefa.

— Achei que gostaria de um tempo sem sarcasmo, ofensas ou hostilidade, mas vejo que estava errado. Não sabia que fazia o tipo masoquista – brincou ele. – Porém, antes de voltarmos ao nosso comportamento normal, alguma notícia do Sr. Baker?

Não preciso dizer que aquilo havia me deixado pasma outra vez, certo? Algo realmente não estava certo com o Charles aquele dia, mas novamente disse a mim mesma que tentaria aproveitar o máximo daquilo enquanto durasse.

Recuperando-me do choque momentâneo, depois de tomar um gole de meu chá, respondi-lhe:

— Falei com a Sra. Baker hoje de manhã, ela disse que estava tudo na mesma por enquanto. Perguntei se queria que eu fizesse companhia ao Merle para ela descansar, mas ela disse que o irmão mais velho dele, vindo de Bristol, viria para cá visita-lo, então não seria necessário – suspirei, sentindo o agora já familiar aperto no peito só de lembrar-me do homem que deixara de ser apenas um chefe para mim e de seu estado atual.

— E você? Está bem, sabe, com tudo isso? – Pigarreou, evitando olhar-me e corrigindo-se rapidamente. – Não, é óbvio que não está. Eu quis dizer se você estava bem na medida do possível.

Ao terminar sua frase, Charles bufou de modo bem audível e aparentemente frustrado, fazendo com que eu não pudesse evitar achar aquilo tudo um tanto cômico. Eu estava legitimamente admirada pelo seu esforço e suposta “preocupação”.

— Bom, não sei se “bem” é a palavra certa, mas acho que na medida do possível estou sim. É extremamente difícil não ficar pensando nele ou na Sra. Baker a cada segundo – admiti, sentindo-me a vontade para falar sobre aquilo com Charles, o que era algo um tanto inesperado para mim e muito provável que para ele também.

O rapaz a minha frente assentiu, enquanto fitava minha tigela de cereal intocada, aparentemente perdido em pensamentos. Logo eu encontrava-me na mesma situação que ele, mas não durou muito, pois o mesmo despertou-me dela de repente.

— Então, já que não vai comer isso aí mesmo e você precisa de uma distração, quer dar uma volta e ir à papelaria comigo? Preciso comprar um bloco de notas novo, o meu sumiu faz um tempo.

De repente algo despertou em mim e uma memória do dia em que havia invadido o quarto de Charles veio à tona. Toda a cena, desde o momento em que ouvi o som da porta abrindo e eu colocando o pequeno bloco dentro do bolso do meu casaco, passou em câmera lenta diante de meus olhos. Isso havia acontecido há semanas, mal lembrava-me do objeto, mas esse fato não ajudou na tarefa de fingir para o rapaz que fitava-me que eu não tinha ideia de nada sobre aquilo.

— E então, o que me diz? Vamos ter que passar na loja de ferramentas também, caso ela esteja aberta. E sem perguntas sobre isso, Srta. Pierce, do contrário esqueça a proposta.

Fazendo uma nota mental de checar aquele objeto mais tarde, eu disse, pondo-me de pé:

— Claro, por que não?

Eu precisava mesmo de uma distração afinal.

—––

Voltávamos da pequena loja que ficava ali perto e caminhávamos calmamente, lado a lado, e em silêncio de volta para orfanato. O dia estava surpreendente agradável depois de uma temporada de chuva que parecia não ter fim. O céu estava azul até e o sol estava em toda sua glória, espantando um pouco do frio que o vento gélido proporcionava.

Olhei para o meu lado e Charles parecia calmo. Seus olhos estavam mais azuis do que o próprio céu que dos rodeava e eu queria poder vê-los melhor, mas estavam direcionados ao concreto da calçada. Seus lábios naturalmente avermelhados estavam em uma linha reta, apesar de parecer que ele estava de bom humor naquele dia. A mão que não segurava a sacola com o que ele havia comprado estava enterrada no bolso da sua calça e ele usava um simples suéter quase tão preto quanto os fios de seu cabelo que caíam sobre sua testa. Era irritante o quanto ele chegava a ser atraente. Seu comportamento usual quase fazia com que eu esquecesse-me disso. Quase.

Não demorou muito para que ele notasse o meu olhar sobre si. O mesmo franziu a testa e perguntou, sem parar seus passos:

— O que foi?

Demorou um pouco para que eu raciocinasse o que estava acontecendo, porque seu olhar caiu direto no meu e seu azul tão vívido bateu de frente com os meus, quase fazendo com que um suspiro escapasse por meus lábios.

O que diabos estava acontecendo?

— Nada – pigarrei, antes de responde-lo – é só que você está realmente estranho hoje. Digo, estranho de um jeito bom eu acho.

O rapaz riu pelo nariz e lançou-me um meio sorriso, quando notou a maneira na qual eu havia acrescentado a última frase apressada.

— Não se acostume, cabeça de fósforo, não ache que esse bom humor vai durar muito tempo. Acho que foi a mudança de clima que fez isso comigo, não sei – disse, desviando seus olhos para o céu e ainda mantendo o mesmo sorriso em seus lábios. – Acho que o outono faz isso comigo.

— Você poderia fazer o favor de parar de me chamar de “cabeça de fósforo”? Já basta eu ter que ouvir coisa parecida o primário inteiro – Eu reclamei, antes de bufar e revirar os olhos. – De qualquer forma, o clima está realmente bom hoje.

Já podíamos ver o edifício ao longe ficando cada vez mais perto, enquanto, por outro lado, a minha vontade de chegar lá diminuía. Olhei ao nosso redor e avistei a pequena praça, se é que aquilo poderia ser chamado assim, logo mais a frente. Consistia em um modesto espaço aberto, coberto por grama, com alguns bancos de madeira e alguns brinquedos de criança. Por ser domingo e um tanto cedo, estava deserto. Rapidamente uma ideia ocorreu-me e quando notei, já estava dizendo-a ao Charles.

— O que acha de ficar um pouco aqui?

Ele olhou para o lugar em questão e parou seus passos, parecendo pensar no assunto por alguns instantes. Estava começando a arrepender-me de tê-lo convidado e já estava abrindo meus lábios para dizer que não precisava aceitar, quando o mesmo surpreendeu-me ao dizer, dando de ombros:

— Pode ser.

O observei caminhar até a praça, ainda surpresa por ele ter aceitado, antes de rapidamente seguir seus passos e seguir meu conselho de mais cedo, que consistia em aproveitar o máximo daquele Charles amistoso que eu pudesse. Ele sentou em um dos balanços ao invés dos bancos e eu tratei de sentar no outro ao seu lado.

Se perguntasse para a Autumn de dez anos se um dia ela imaginaria estar em uma situação como aquela, ela riria e diria que era óbvio que não, apesar de querer muito. Enquanto eu balançava-me de leve, pensava no quanto aquilo era agradável ao mesmo tempo em que era estranho. Eu sentia-me feliz, apesar de nunca admitir isso para mim mesma. Era difícil naqueles momentos não considerar Charles como um amigo. Eu deveria voltar a considerar o que temos como amizade ou estaria eu voltando a cometer o mesmo erro?

— Você nunca me falou sobre seu relacionamento com os Baker antes. Claro que deu a entender que eram mais do que apenas seus chefes, mas nunca cheguei a pensar que o laço de vocês era algo desse nível. Então tenho que admitir que fiquei bem surpreso com sua reação ontem – ele disse do nada, despertando-me de meus pensamentos.

Virei minha cabeça em sua direção e ele encarava a rua a nossa frente com as mãos descansando sobre suas coxas. Parecia um pouco sério, mas ainda sim com uma postura tranquila. Parei para pensar um pouco no que ele havia dito, antes de respondê-lo.

— Bom, não é como se conversássemos sobre assuntos como esse até ontem, você deixou bem claro que tudo não passava de encenação antes. Sem contar que eu mal sabia da profundidade do meu relacionamento com eles até ontem também. Então, se servir de consolo, saiba que eu também fiquei surpresa com minha reação – confessei, rindo levemente da minha própria ignorância.

A sensação confortável ainda continuava presente enquanto eu falava sobre aquilo com Charles. De fato, não havia muito que esconder dele agora e algo me dizia que ele de certo modo entendia-me, só esperava que não estivesse sendo positiva demais sobre aquilo. Mas a sensação de poder conversar com alguém sobre aquele assunto era tão boa, que eu deixei-me levar pela primeira vez.

— É claro que eu já havia notado o quanto eles eram diferentes comigo, como se preocupavam com meu bem estar e chegavam até a ser carinhosos demais. Sempre havia ligado aquilo ao fato de que eu era a funcionária que estava ali há mais tempo, mesmo que no fundo eu sabia esse tempo todo que não era isso. Era difícil admitir que o sentimento deles por mim fosse recíproco, na verdade eu nem tinha tanto conhecimento disso até ontem. Foi assustador e continua sendo, se quer saber – disse, encarando a grama sob os meus pés, enquanto ainda balançava-me suavemente. – Eu não estou acostumada a sentir essas coisas por outras pessoas. Nem pela Sra. Stevens eu sinto algo assim, por ela é mais gratidão do que qualquer outra coisa. Por eles eu sinto...  Eu não sei.

Enquanto eu colocava tudo, ou quase tudo, o que sentia para fora praticamente sem censura pela primeira vez, Charles ouvia tudo em silêncio. Os segundos se passaram e as dúvidas sobre aquele silêncio ser um bom ou um mau sinal começaram a surgir. Enquanto eu pensava em algum outro assunto para mudar o rumo da conversa, ele finalmente entreabriu os lábios, pronto para dar o seu retorno sobre o que eu havia dito, permitindo que eu acalmasse-me um pouco.

— Eu não sei o que te dizer pra falar a verdade, mas eu imagino como deve ser difícil pra você lidar com tudo isso agora. Não quero compartilhar tanto, mas, por experiência própria, tome cuidado, está bem? Seres humanos são imprevisíveis, Autumn.

Quando o olhei, senti que não seria mais capaz de desviar meus olhos dos seus. Era como se o azul e o cinza dos seus olhos brigassem entre si em uma mistura de angústia e ódio, mas não eram direcionadas a mim, eu podia sentir. Ele olhava-me, mas não me via de fato, parecia perdido em seus próprios pensamentos. Meu coração apertou-se em meu peito e de repente me vi compartilhando uma parcela de sua dor, como se o que ele sentia tivesse algum efeito em mim também.

 Desde quando eu sentia empatia por Charles White?

Eu queria perguntar-lhe sobre o que estava passando em sua cabeça, pedir que explicasse melhor sobre sua “experiência própria” e o motivo dele dizer sua última frase com tanta convicção. Tinha tantas perguntas, mas sabia que não era o momento certo para aquilo. Eu podia ter me aberto com ele, entretanto isso não significava que ele faria a mesma coisa comigo ou que era sua obrigação fazê-lo.

Dessa vez eu estava decidida de que deixaria minha consciência falar mais alto do que minha curiosidade. Andar com Charles White havia me ensinado algumas coisas, uma delas é ter paciência, passar a ser mais cautelosa. Já que o alvo rapaz poderia facilmente ser comparado à fina superfície de um lago congelado: era preciso avançar em passos lentos e suaves, pois qualquer passo mais apressado, mais pesado, causaria em sua ruptura e talvez até em danos irreversíveis.

— Eu mesmo achava que você, Autumn Pierce, era uma pessoa bastante previsível. Sem ofensa, claro – disse Charles, de repente recuperado daqueles sentimentos e começando a esboçar um sorriso lateral. – Mas fui deveras surpreendido.

Franzi o cenho em silêncio, enquanto o encarava esperando algum complemento para o que ele havia dito e perguntando-me para onde foram aqueles sentimentos todos que estavam ali há segundos atrás.

— Você sabe, aquele dia em que te flagrei dentro do meu quarto, e que ocasionou no fim do nosso teatrinho, até o dia de hoje. Principalmente hoje.

Por dentro, meu coração começava a acelerar suas batidas e minha boca secava cada vez mais a cada segundo passado. Já por fora, eu esforçava-me para manter a expressão de confusão em meu rosto, ao mesmo tempo em que tentava parar de pensar no que eu havia feito aquele dia, no objeto que eu havia furtado de seu quarto, sentindo a culpa tomar conta de mim.

— O que sobre mim te surpreendeu exatamente? – Consegui perguntar, logo depois de engolir em seco e desviar meus olhos para uma mãe e seu filho que acabavam de entrar no parquinho, como em uma desculpa para não ter que encarar os seus olhos tão intensos.

— O fato de você ter ido comigo comprar um bloco de notas novo, quando você sabe exatamente onde está o meu antigo.

Por um momento é como se meu coração tivesse parado. A visão daquela mãe e de seu filho mudou totalmente sua importância para mim e eu nunca fui tão agradecida pela presença de outros seres humanos no mesmo ambiente que eu. Eu estava quase certa de que, caso estivéssemos sozinhos, eu não estaria viva depois para contar a história, certamente Charles já teria acabado com a minha vida. Mesmo assim meu medo era tanto que quase poderia ser palpável.

Meus olhos fixaram-se naquelas duas pessoas a minha frente, enquanto eu tentava buscar qualquer indício que denunciasse o seu próximo passo pela minha visão periférica. Eu estava paralisada, só esperando um movimento seu, como um cervo quando sente que algo não está certo e espera por qualquer movimento mais brusco para sair correndo pela sua vida o mais rápido possível depois.

Esforçava-me para não transparecer nada, pois sentia seus olhos de caçador grudados em mim, assistindo minha reação em puro deleite. Eu mal conseguia pensar direito, muito menos no que deveria dizer ou não dizer em seguida, apenas concentrava-me em manter a expressão mais tranquila que eu pudesse no momento.

Deveria contar-lhe a verdade e confirmar o que ele havia alegado com tanta convicção? Ou deveria eu negar até minha morte que havia furtado o seu bloco de notas em um ato totalmente impensado e imprudente? Após pensar melhor sobre minha situação, era como se eu não tivesse saída. Se Charles havia dito tudo aquilo na minha cara e com aquele sorriso presunçoso de quem sabia demais, era porque ele havia pensado naquilo por dias e, por fim, chegado a conclusão de que o objeto estava de fato em minha posse. Do contrário, ele nunca diria tal coisa, isso era fato confirmado. Charles jamais arriscaria estar errado sobre algo.

O suave som de sua risada sarcástica alcançou meus ouvidos, fazendo com que um arrepio subisse por meus braços, ao mesmo tempo em que eu ia voltando à realidade.

— Mas sabe o que me surpreendeu ainda mais nisso tudo, Autumn? Foi você não tê-lo lido até agora. – Ele disse calmamente, como se estivesse fazendo algum comentário sobre o clima. De súbito, minha cabeça virou em sua direção, enquanto meus olhos arregalavam-se. Não estava esperando que ele tivesse tirado tal conclusão, já que na minha cabeça aquilo não era possível.

— Mas como... – abri minha boca para perguntar-lhe, porém fui interrompida.

— Você é movida pela sua curiosidade, isso é algo que eu já havia percebido em você desde muito tempo e com o qual eu costumava contar. Então você ter pegado o bloco de notas não foi tão surpreendente assim, apesar de eu ter demorado a ligar o fato a você, achando que você tinha medo demais de mim para ser capaz de tal coisa. Porém, você me provou errado, Autumn Pierce. Parece que você não tinha tanto medo assim de mim quanto aparentava ter, ou pelo menos é mais corajosa do que eu esperava – lançou-me um pequeno sorriso, antes de continuar. – Mas o que não bate aqui é você não tê-lo lido ainda, o que eu tinha assumido que você faria no mesmo dia. E eu soube disso, porque, diante de certas situações, você não fez perguntas ou mesmo esboçou certas reações que deveria ter esboçado caso tivesse lido o conteúdo do bloco.

Eu estava chocada demais com toda aquela informação jogada em cima de mim para conseguir pronunciar algo. Um assentir de cabeça foi tudo o que consegui realizar, enquanto o encarava com os lábios levemente entreabertos. O rapaz sorria-me um tanto desdenhoso e, depois de um tempo retribuindo meu olhar, Charles desviou seus olhos azuis para o garoto brincando com sua mãe no pequeno gira-gira logo a nossa frente.

Observando-o por um momento, enquanto recuperava-me do choque, percebi que lhe devia uma explicação sobre a única coisa que ele não havia deduzido sobre mim e que sentia-me no dever de contar-lhe. Talvez fosse a culpa, talvez fosse porque não havia mais motivos para esconder algo dele e nem para temer, já que se ele tinha intenção de fazer algo contra mim, já teria feito há tempos. Isso sem contar que ele parecia tranquilo e seus olhos ainda estavam em um tom de azul límpido. Aos poucos, conforme organizava minhas próximas sentenças, meu coração ia se acalmando e minha respiração voltava ao normal.

— Também não sei por que eu não o li ainda. Até havia esquecido sua existência depois de tê-lo guardado no fundo da minha gaveta – eu disse, finalmente, após pigarrear, atraindo seu olhar para mim outra vez. – Eu quis devolvê-lo no dia seguinte quando estava mais calma, mas não conseguia nem ao menos olhar na sua cara, quanto mais confessar o que havia feito.

— Sentiu arrependimento pelo o que fez? Por isso não leu? – Perguntou Charles, franzindo o cenho, confuso.

Mordi o lábio, encarando meus sapatos levemente sujos de terra, ponderando se devia dizer-lhe a verdade de uma vez, apesar de ser totalmente vergonhosa. No fim, apenas suspirei e decidi que lhe devia a verdade afinal de contas.

— Eu... Eu me senti mal por trair sua confiança, Charles. Pra mim, naquele tempo, mesmo que não admitisse, eu o considerava um amigo – confessei, não conseguindo encará-lo e sentindo meu rosto arder. – E mesmo depois de tudo, eu ainda sentia-me mal por ter feito o que fiz, então só o escondi e decidi esquecer sua existência. Sei lá, só sei que pela primeira vez minha curiosidade não falou mais alto – dei de ombro, abrindo um sorriso pequeno sem mostrar os dentes e um tanto culpado.

— Entendo – sua voz rouca disse ao meu lado. – Mas eu quero que você o leia.

Meu cenho franziu-se enquanto meus olhos subiam para os seus, totalmente confusos.

— Você o quê?

— Quero que o leia, Autumn – o rapaz levantou-se de seu balanço e parou de pé a minha frente, cobrindo o sol com seu corpo esguio.

— Mas por quê? – Perguntei ainda sem saber se havia escutado direito.

Ele lançou-me um sorriso lateral antes de responder-me:

— Porque você conseguiu, Pierce – Charles estendeu sua mão para que eu a segurasse e, como em um ato totalmente espontâneo, a minha logo encontrou seu caminho até a sua. Um milésimo de segundo depois, fui puxada em sua direção, fazendo com que meu corpo levantasse do balanço e se chocasse contra o seu. Ainda paralisada por conta da surpresa de seus atos, tudo o que pude fazer foi ouvi-lo sussurrar as seguintes palavras rente ao meu ouvido: – Você finalmente tem a minha confiança.


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Notas finais do capítulo

Bom, é isso por hoje.

Não queria falar nada, mas eu tenho um pouco de orgulho desse capítulo. Espero que tenham gostado tanto quanto eu!

Como já sabem, sintam-se livres para deixar suas sugestões, críticas e opiniões. Vou adorar ler todas elas. E se acharem algum erro, por favor, me avisem.

Muito obrigada por terem lido e por continuarem acompanhando!

Espero ver vocês na próxima! ♥


Tati.



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