Os Meus Olhos? escrita por Astus Iago
Os meus olhos estão duros. Os meus olhos estão duros.
O calor escaldante do sol pica cada poro da minha pele. Pensava que seria seguro falar disso desta forma, mas afinal não é. Pensam que não penso. Ignoram meus conselhos e profecias, olham-me de lado. Mas é o que sinto e quero expressá-lo. Está-me na ponta da língua e luta para sair. Dói-me a boca de o tentar negar. Num momento de fraqueza, ele sai.
Os meus olhos estão duros.
Como se fossem de madeira ou de vidro, de aço ou de pedra. Parecem-me diferentes dos meus olhos normais. Não são os meus, são os olhos de outro. Mas ninguém percebe, ninguém quer compreender.
Os meus olhos estão duros!
Ouçam-me. Parem de me achar doido. Sim, eu sei que estou doido, mas tenho a certeza disto. Estes olhos simplesmente não são meus. Estes assustam-me. Vêem só o que querem. Controlam-me, visto que estão ligados ao cérebro. Alguém os ligou, não fui eu. Sinto-me mal...
Não há forma de evitar o vómito. A náusea derrama o almoço que ingeri com relutância. Estava levemente envenenado, tenho a certeza. Deve ser por isso que agora o estou a deitar fora. É isso mesmo, é um comprovativo. Eu tinha razão. Querem enganar-me. Não lhes fiz nenhum mal. Porque é que me querem matar? Não lhes vou perguntar isso. Não lhes vou mostrar que sou fraco. Tentam matar-me mas, com eles, sinto-me em paz. Tantas vezes o tentaram, tantas vezes perdoei. E perdoarei mais e mais vezes porque eles gostam, riem-se ao mentir-me constantemente, falam em sussurros uns para os outros. Escondem-me tudo, seus planos, suas mentiras. Eles próprios se escondem de mim. Fogem e vão divertir-se enquanto ralho sozinho. Sempre sozinho. Não posso confiar em quem sempre me contraria. São meus inimigos mortais. Querem enlouquecer-me.
Porque é que as horas estão erradas? Também as trocaram? Amaldiçoo-vos a todos, seus mesquinhos! Nunca mais é manhã...
Tenho certas memórias, as más que mais me interessam neste momento, que parecem alteradas. Adulteradas, como se alguém lhes tivesse mexido. Certas partes parecem turvas e indefinidas mas não passou assim tanto tempo. Não me consigo lembrar do que quero e ficar descansado com este passado duvidoso que me incomoda.
Distração. Preciso de distração.
Os meus oponentes desapareceram. Finalmente, deixaram-me só. Finalmente, poderei comer. Cozinharei a minha própria comida. Nunca me deixam fazê-lo, isso dificultaria o seu plano para me destruir.
Pego na faca, nos condimentos...
O que devo fazer? Um bifinho e uma salada, talvez. Devo ter as alfaces no frigorífico. Vou ver.
Está fresquinho. Mas pouco. Devem ter-me modificado isto para os alimentos saudáveis apodrecerem nas minhas costas. Estúpidos mesquinhos! Invejam-me, invejam tudo o que tenho. Deixam-me cansado, levam-me à exaustão. Invejosos! Canalhas invejosos!
É uma faca bonita, esta. E os meus olhos ainda estão duros. Deixarão de estar.
Só me apetecia ir lá para fora, meu filho. E deitar-me ao sol, deitar-me ao sol...
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