Winter levou a garrafa da bebida púrpura aos lábios, sendo observada atentamente por Dimitri. O loiro tinha um brilho nos olhos que se tornava difícil de apagar enquanto escutava a garota falar empolgadamente sobre um concerto dos melhores violinistas que haviam assistido no último final de semana.

Naquela noite, June não conseguia ser capaz de reparar que a loira parecia uma personagem vinda de algum filme francês, Amelie Poulain, possivelmente. Suas vestes destoavam de tudo aquilo que era considerado moda atual, uma vez que optara por um antiquado vestido beje, cheio de pequenas abelhas desenhadas, com uma gola peter pan -aquelas que são levemente arredondadas-, um cardigan vermelho vinho, e um sapato oxford amarronzado. Em seus fios loiros, havia prendido discretas presilhas com flores vermelhas que contrastavam com o dourado.

—E tem certas canções que são capazes de lhe tocar no fundo da alma, porque o outro toca aquilo que acredita, que sente. -Winter concluiu sua frase de modo encantado, olhando para o teórico casal de namorados.

Enquanto Dimitri tinha um braço sobre o ombro de Winter, Christian nem se preocupava em fazer qualquer contato com June, mesmo estando sentados lado a lado.

Comiam um macarrão com molho branco, queijo e ervas finas feito com bastante cuidado por Dimitri.

Quando June e Christian chegaram em casa após o acontecimento no ônibus, o amigo havia acabado de ajeitar toda a mesa. Os pratos estavam postos, assim como a panela e os talheres. Ele lançou um sorriso rápido para os dois antes de correr para o quarto, informando que deveriam se trocar porque Winter já estava a caminho dali.

Tudo no apartamento 403 agora se voltava para essa nova presença. A garota parecia mudar o equilíbrio que os três haviam conquistado com tanto esforço e, embora June ainda tivesse dificuldade de aceitar a garota de belos olhos castanhos, se empenhava em atuar no papel de namorada de Christian para fazer Dimitri feliz.

—Foi realmente impressionante, no meio do concerto, precisei abraçar Winter com força porque ela não parava de chorar. -O loiro comentou, tentando disfarçar o sorriso bobo que possuía no rosto.

—Ele já estava ficando preocupado. -completou com um riso baixo e melódico escapando de seus lábios.

June sorriu minimamente com a cena, contendo um revirar de olhos que gostaria de expor, porque apenas um cego não perceberia que toda a atuação que Dimitri pedira para Christian e ela fazerem era completamente desnecessária. Se o garoto de bagunçados fios dourados estava louco por Winter, ela estava tão louca quanto.

Eram incapazes de conter a troca de sorrisos e de observarem o outro fazer coisas extremamente simples, com bebericar o vinho. Se encaravam como se estudassem objetos completamente novos e interessantes, cada um tentando aprender mais sobre o outro.

—Isso é tedioso. - June escutou em forma de um arrepio suave, um baixo comentário de Christian em seu ouvido. O garoto havia se aproximando apenas o necessário para que ela fosse a única a escutá-lo.

Com o que esperava que tivesse sido uma cotovelada rápida e discreta, ela o afastou de si. Não demonstrando paciência para tais comentários, principalmente quando a esperança de comer em paz ainda estava viva em seu interior.

Christian lhe lançou um olhar irritado no momento em que Winter voltou a dar atenção para eles.

—Estou me sentindo culpada por monopolizar a conversa, me falem mais sobre vocês. O que pretendem fazer quando terminarem a escola? -perguntou educada e genuinamente curiosa, direcionando seu sorriso pequeno e tímido na direção do suposto casal.

—Ainda é algo que eu pretendo descobrir, mas acredito que minha vocação esteja voltada para às artes. -June respondeu gentilmente, repousando no prato o garfo com macarrão para poder dar a atenção que Winter merecia.

—June está dizendo isso para ir contra o que os pais dela queriam. Direito. -Christian explicou casualmente- O que tem muito mais a ver com ela se formos parar pra pensar em todos os discursos que costuma fazer sobre direito das mulheres e dos excluídos.

Dimitri se engasgou com o vinho que bebia ao escutar as palavras de Christian e observar a expressão incrédula na face de June. A pergunta que se passava na mente daqueles que já conheciam o jovem de cabelos negros era como ele poderia saber tanto de June quando se esforçava tanto para se manter indiferente e alheio a tudo que era relacionado a ela.

A risada sonora do loiro preencheu o ambiente, fazendo Winter virar o rosto para apreciar o pequeno leão em toda a sua informalidade e tranquilidade.

—Acho que ninguém estava esperando por essa. - Dimitri comentou de forma explicativa para a futura namorada, colocando em palavras apenas uma parte do que se passava na mente de June.

Porque a verdade é que,  mesmo com toda a intimidade existente entre June e Dimitri, o loiro nunca seria capaz de expressar tudo aquilo que se passava na mente da garota, porque nem ela conseguia manter uma linha lógica de raciocínio. Antes de tudo, estava muito confusa e aquilo apenas se intensificava ao ver o sorriso levemente presunçoso que brincava no canto dos lábios de Christian. Depois, sua consciência bombardeava diversos questionamentos acerca do porquê do garoto saber tais informações sobre ela.

June não sabia praticamente nada sobre ele e perceber que ele tinha conhecimento de algo tão pessoal da vida dela a fez sentir um pequeno espanto.

—Eu estou errado? - Christian questionou após alguns segundos de silêncio- Pode me corrigir se eu estiver, babe.

—Não. - June balbuciou, preferindo ignorar o proposital babe na frase- Talvez você tenha razão.

Atordoada era uma boa palavra para expressar como June se sentia.

—Entendi. -Winter falou, lançando um olhar doce para o casal que compartilhava a beleza misteriosa dos fios negros e dos olhos azuis- E você, Connor? O que pretende fazer?

Dimitri tinha seu braço sobre o ombro de Winter e lançava um olhar confortador para June.

Não faça essa cara. Está tudo bem.

Mas a garota continuava assustada, sua mente trabalhando para responder a pergunta referente ao porquê Christian saber tal informação sobre ela. Será que Dimitri que deixou escapar em alguma conversa entre os dois, ou ele foi atrás de perguntar para as pessoas que tinham mais contato entre ela?

Ela odiava não saber a resposta.

—Para você, queria Summer, eu tenho cara de que? -Christian perguntou pomposamente, não deixando de fazer um trocadilho com o nome e a aparência da garota de Dimitri.

De fato, Winter tinha fisicamente uma relação muito maior com o verão do que com o inverno. Ela era brilho dourado, sorrisos fáceis, luz, sol. Não tinha nada da melancolia do inverno e da frieza que o acompanha, ao contrário, parecia trazer sempre uma alegria ao ambiente, aquecendo todos aqueles que ficavam à sua volta.

—Eu não sei. Ator? -perguntou, um sorriso tranquilo e fofo em seus lábios.

Christian sorriu de volta, deixando-o muito mais belo do que June já o tinha visto. Ele normalmente se vestia com as suas expressões de tédio, indiferença ou malícia. Entretanto, vê-lo de uma forma tão relaxada e sincera surpreendia June. Era uma outra pessoa, o sorriso dando vida ao seu rosto morto.

A certeza daquela constatação a atingiu com força. Se ele sorrisse de tal maneira na escola, as garotas não só suspirariam por ele, mas se apaixonariam sem ser necessária nem mesmo uma palavra.

—Apesar de ser uma boa tentativa, não. -disse sorrindo devido ao efeito que Winter causava em si- Pretendo ser escritor e, se essa carreira não der certo, talvez eu considere viajar o mundo fazendo bicos em restaurantes esquecidos.

Novamente, June o olhou surpresa.

Ele só podia estar brincando, certo? Porque não tinha como aquelas palavras serem verdadeiras.

Escritor? June nunca o vira com um livro, nunca o vira escrevendo, muito menos prestando a atenção na aula. Tudo o que o garoto parecia ser capaz de fazer era usar garotas para descartá-las logo em seguida. Ele não tinha a profundidade requerida no mundo da literatura, Christian era e sempre fora raso demais para a poesia e coisas pequenas.

—Desde quando você quer ser escritor? Pensei que você fosse ser...não sei, nada. Pensei que fosse viver do dinheiro dos seus pais. Avós, digo. -corrigiu-se ao lembrar da história que Elle lhe contara sobre ser negado pela mãe.

Sabia que suas palavras poderiam ser consideradas cruéis, mas as dizia de forma tão espontânea e sincera que não acreditava que fosse possível Christian se ofender com elas.

—As pessoas são mais do que a casca. -afirmou, o sorriso morrendo no rosto-Pensei que você, de todas as pessoas, já soubesse disso.

Ela engoliu em seco, não sabendo responder se aquela era uma frase dita sem qualquer significado, apenas para se encaixar dentro do contexto da atuação que faziam, ou se na verdade o garoto se referia ao fato de June não gostar de ser reduzida simplesmente ao papel de filha de um empresário falido.

Depois de descobrir que ele sabia sobre sua pequena paixão pelo direito, June sinceramente não duvidava de mais nada.

—Verdade. -concordou Winter ao olhar de lado para Dimitri, ajudando June a se esquivar daquela conversa inesperada e deixando claro que se surpreendera com o garoto.

Dimitri abriu um largo sorriso ao retribuir a troca de olhares e, em um gesto delicado, colou os seus lábios nos da garota. Naquele instante, June abaixou o seu olhar para o prato de macarrão que esfriava com o tempo e Christian acompanhou esse movimento com um pequeno, quase imperceptível, vínculo entre as sobrancelhas.