Mentirosos escrita por Blair Herondale


Capítulo 17
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

Gente! Vocês não tem noção de quanto eu me esforcei para postar esse capítulo hoje. Faz exatamente um mês que eu postei o último capítulo e não queria (simplesmente não podia permitir) que esse capítulo demorasse mais de um mês para sair. Eu já tinha toda a ideia dele montada e inclusiva algumas frases na minha cabeça, tudo o que restava era sentar e escrever.

Porém, todavia, contudo, a vida na faculdade pode nos deixar um pouco loucas e eu acabei procrastinando...Procrastinei, procrastinei, procrastinei, ao ponto de perceber que eu não tinha mais tempo para procrastinar!!

De todo modo, aqui está o novo capítulo! Espero que gostem! E comentem, pessoas! Foi muito divertido escrever tudo isso, está até meio denso, acho, não sei. É a terceira e última parte pelo ponto de vista de Christian, então tentei abordar algumas partes que mostram um pouco do eu dele. Tipo, o amor do nosso querido baby por Bukowski! Aaaaa Sério, ler Bukowski me ajudou muuito a construir a personalidade de Christian e eu estava muito ansiosa para poder colocar isso no papel!

Esse capítulo é dedicado a todas as pessoas que ainda não desistiram de mim. Sério, eu amo muito vocês (cês sabem quem são! beijo no heart!)



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[Parte 3: Casa]

 

Foi muito após o pôr do sol que Christian chegou em casa. Esforçou-se para conseguir convencer June a dormir na casa de Elle, tanto porque isso lhe dava um tempo a sós para conversar com Dimitri e descobrir o que se passava na mente do loiro em relação aos acontecimentos dos últimos dias, quanto porque sabia que se June ficasse mais um dia longe da melhor amiga, provavelmente enlouqueceria.

Quando saíram do restaurante, ele estava pronto para uma muda separação entre eles. June já estava melhor, então provavelmente seguiria o seu próprio caminho e ambos agiriam como se aquela manhã não tivesse significado muita coisa para a relação de amizade que pouco a pouco estavam construindo. Entretanto, para sua surpresa, Silver prendeu os longos fios negros em um coque, ergueu as sobrancelhas e lhe perguntou:

—Qual o nosso próximo destino, capitão?

A frase, que continha um misto de brincadeira e deboche, por um motivo incompreensível o remeteu à descoberta das Américas, ao sentimento de ansiedade por estar navegando em águas proibidas, à excitação pela aventura que seguiria o desconhecido.

Christian nunca havia passado tanto tempo a sós com June, por isso lhe surpreendia a pergunta que legitimava mais algumas horas compartilhadas.

—Depende do que você deseja de mim, Silver. -soltou com malícia, apenas para não sair da rotina de lhe irritar. Com sucesso, conseguiu arrancar um revirar de olhos da menina.

Decidiram, em votação unânime, ir para uma livraria próxima de onde estavam, um lugar onde a temperatura estava mais suportável do que nas ruas. Porém, depois de tanto estudar as espinhas dos livros, resolveram caminhar em um parque. June não falou muito, parecia confortável em observar as próprias pegadas desenhadas sobre a neve. De vez em quando, erguia a cabeça, percorrendo as secas árvores espalhadas pelo parque até seus olhos encontrarem o de Christian. Nesse ponto, abria um pequeno sorriso e voltava sua concentração para seu próprio mundo.

Christian estava curioso para saber quais pensamentos rondavam a mente da garota. Queria saber se sua mordida de lábio e o franzir das sobrancelhas significavam tristeza, confusão, conformismo, ou nenhuma das alternativas. Lhe irritava o desconhecido, a dúvida eterna, a insegurança quanto às respostas que constantemente fazia acerca de June Silver.

Quem era ela?

Uma vez, havia lido em um conto sobre a história de um bebê que ganhara quatro presentes em seu batizado, as pessoas procuravam lhe ensinar o que era sagrado. Primeiro, recebeu um caracol, para aprender a amar a água. Depois, abriram a gaiola de um pássaro preso e lhe sussurram “para que você aprenda a amar o ar”. Logo em seguida, lhe deram uma flor de gerânio esperando que ele pudesse aprender a amar a terra. Por fim, deram a ele uma garrafinha tampada. “Não abra nunca, nunca. Para aprender a amar o mistério.”

Todas as vezes que parava para ler tais palavras, não conseguia deixar de lembrar de June. A jovem era a metáfora perfeita da garrafa fechada com o mistério. Incompreensível, fechada em si mesma, reservada ao seu próprio mundo. Quando ele pensava chegar perto de compreendê-la, June apresentava uma nova variável que mudava completamente o rumo da equação.

E talvez esse fosse justamente o encanto.

Nunca conseguir compreendê-la por completo.

Christian suspirou, sentindo-se um velho melancólico que destinava tempo demais para contemplar as miudezas da vida. Não via seus amigos importando-se com a forma que as vezes os olhos alheios pareciam refletir a própria loucura, ou como as folhas do outono quebravam melodicamente sobre seus pés durantes os treinos de educação física. Ele era diferente, e não via isso de forma positiva. Às vezes, ser igual a todos os outros lhe poupava muitas horas de dor e culpa. Era divertido fingir uma personalidade que não a sua.

Até certo ponto.

—Acho que a gente devia voltar. -pontuou o jovem, após ver o sol dar seu último adeus para aquela tarde de inverno. Christian decidiu que já não podiam mais continuar caminhando pelo parque sem qualquer destino em mente. Logo a temperatura estaria insuportável para as poucas roupas que vestiam e June não teria como adiar o que tanto temia. -Vamos, eu te acompanho até a casa de Elle.

June ergueu os olhos, surpresa. Entretanto, não soltou nenhuma palavra, porque ambos sabiam que aquilo era o certo a se fazer. June precisava conversar com a melhor amiga antes que as coisas tomassem uma proporção irreversível e Christian precisava descobrir o que Dimitri pensava sobre a situação toda.

—É o certo a se fazer, não é? -apesar da voz de June falhar de um modo que parecia pedir um suporte de Christian, seus olhos estavam duros, fortes, como se já soubesse a resposta para a própria pergunta. E mais, estivesse certa quando ao que fosse fazer.

—Você sabe que sim. -ele respondeu.

Caminharam todo o percurso até a casa de Elle, June guiava com descrição, divertindo-se ao ver Christian esperar por seus comandos para saber em qual rua virar e em qual atravessar. No caminho, pararam ainda em um sebo de livros, porque o jovem havia decidido comprar uma pequena pilha de cinco livros. Ainda vou chegar a te recomendar uma leitura, ele pensou com esperança, vendo o olhar interessado de June sobre os títulos. Entretanto, nenhum dos dois disse nada e Christian se limitou a passar uma amassada nota de 10 dólares para o velho senhor das vendas.

Quando, por fim, chegaram na esquina da casa de Elle, June parou um passo e soltou uma incrédula risada. Os fios negros acompanharam o movimento dos ombros que levemente tremiam. Incapaz de dizer se o movimento se devia ao frio ou ao nervosismo de encarar a amiga, Christian sentia-se confuso - nenhuma novidade.

—O que foi?

—Elle vai ter um ataque se você aparecer na porta dela, isso se não desmaiar na hora! - balançou a cabeça, os ombros ainda tremiam - Provavelmente vai me matar.

—E por que isso? - o cérebro de Christian parecia estar em um atraso eterno. Apesar da confusão ainda estar estampada em seu rosto, um pequeno sorriso desenhou-se sobre seus lábios. Era incapaz de manter-se sério a vista de uma June tão risonha.

—Você sabe, porque ela tem uma queda por você como todas as garotas daquela escola.

June começara a andar de um lado para o outro da rua, desviando o olhar de Christian para a entrada da casa da amiga. Ele só conseguiu imaginar a batalha mental que ela deveria estar travando, decidindo-se se teria coragem de enfrentar a situação de uma vez por todas ou se adiaria mais um dia.

—Nem todas. -Christian soltou, sem pensar, mas uma vez dito, não havia como fingir que suas palavras não tinham um significado.

Ela parou de andar, voltando seus olhos estupidamente azuis na direção do garoto. Pela milésima vez naquele dia, ele desejou ser capaz de ler as expressões de June. O que o franzir de sobrancelhas significava? E a mordida dos lábios?

Estúpido, nada disso importa realmente. Lhe dizia sua mente sem qualquer piedade. A realidade era dura como o esbarrar em um muro de tijolos vermelhos.

—É, nem todas. -ela concordou.

Christian ergueu o queixo, forçando-se a não deixar abalar pelo comentário. Ele já sabia da completa indiferença de June em relação a ele, e estava tudo bem, porque tinha uma fila de lindas garotas esperando ansiosas pela oportunidade de deitar-se com ele.

—Certo. -disse seco. Espantado com o próprio tom, suavizou apenas um pouco a voz -Você quer que eu vá embora agora?

—Sinceramente? Não sei. - June havia voltado a caminhar de uma lado para o outro, a diferença agora se dava porque ela encolhia-se sobre os próprios ombros- Queria ainda estar naquele parque, acho.

—Eu também. -concordou.

A verdade era que Christian queria os sorrisos de canto voltados especialmente para ele e aspirava, de forma completamente utópica, por uma fotografia daquele dia. Ele tinha consciência de que um momento como aquele nunca voltaria a acontecer. Subitamente, sentiu-se triste pela certeza de sua incapacidade de possuir algo de bom, algo como ela. Sabia “que nada de bom nunca viria a lhe pertencer, não porque ele estivesse sempre pobre de dólares, mas porque era pobre em expressar-se a dois”, relembrou da citação de Bukowski, que dialogava perfeitamente com a situação.

Que triste estado de espírito levava. Apesar de sempre ter respeitado muito o escritor do feio, nunca desejou sentir-se como ele.

Mas sentia.

Porque na manhã seguinte, June voltaria a ser inatingível, Dimitri seria novamente o centro das atenções e ele, com a mera lembrança daquele dia, voltaria aos seus rápidos relacionamentos com garotas com quem pouco se importava.

—Eu também queria estar naquele parque, Silver. -Christian repetiu- Mas em alguma hora precisamos encarar a realidade, não podemos adiar para sempre.

—Nunca pensei que diria isso, mas você tem razão. -ela suspirou.

No fim das contas, enfrentar Elle não foi tão difícil quanto Christian esperava. Tinha imaginado que a negra fosse lhe dar muita, talvez gritar com June ou simplesmente bater a porta, como é de praxe nos filmes de drama adolescente, mas ao invés disso, Elle apenas deu uma rápida olhada de Christian para June e cruzou os braços.

Por não ter qualquer contato com a amiga de June, o rapaz não seria capaz de dizer o que ela queria com aquele gesto mudo, mas, para sua felicidade, June leu as entrelinhas. Bastou um pedido de desculpas, baixo e envergonhado, para Elle suavizar a feroz expressão do rosto e abrir os braços para abraçar a amiga.

Christian sorriu, soltando o ar que até aquele momento não havia percebido ter prendido.

—Até amanhã, meninas. -disse antes de dar as costas e rumar para casa, deixando as duas amigas conversarem sobre a loucura que estava a vida de June. Ele não se surpreenderia se as confissões perdurassem até a madrugada.

O caminho de volta, embora solitário e desconfortável, devido ao frio, lhe deu tempo para pensar em como conduziria a conversa com Dimitri. Christian ponderou diversas maneiras para entrar no tópico June, sem deixar o loiro irritado, mas ele só teria certeza de qual opção escolher ao observar o estado que se encontrava o amigo.

 

***

 

A primeira visão que Christian teve ao chegar em casa foi de um deprimido Dimitri deitado sobre o sofá. A televisão estava ligada em um canal de filmes clássicos, o som alegre do musical ecoava pela sala e, em sua visão, apenas parecia oprimir ainda mais a negatividade alheia. Por isso, o mais novo tinha absoluta certeza de que o loiro apenas fingia prestar atenção nas cenas que rapidamente cortavam para outra.

Em um suspiro interno, rumou até a cozinha e abriu a geladeira. Felizmente, ainda restavam algumas firmes cervejas ao fundo. Pegou duas e voltou para a sala.

—E ai? O que você fez hoje? -perguntou logo que atravessou a divisória da cozinha.

—Você está parecendo a minha mãe com esse tipo de pergunta, Christian.

—Ei, não desconte esse seu mau humor em mim. -disse de forma divertida ao se jogar no sofá ao lado de Dimitri. O loiro continuava emburrado.

—Onde está June? -a pergunta havia saído de forma direta demais, o que o fez tentar fingir uma indiferença, ao mudar o canal da televisão. Entretanto, Connor o conhecia bem o bastante para saber que aquilo não passava de uma má atuação.  

—Você quer mesmo saber? -questionou desconfiado, ao mesmo tempo que estudava as expressões de Dimitri para tentar conseguir ler nas entrelinhas.

Não era costume seu se esforçar para ler Dimitri, o que normalmente acontecia era justamente o contrário daquela situação. Christian até podia parecer aberto para todos os supostos colegas com quem convivia durante o seu tempo na escola, nos esportes e nas festas de gala realizada por sua família, mas aqueles que paravam apenas um minuto para tentar estudar o garoto, percebia que ele poderia ser muito mais fechado, introspectivo e desconfiado do que seu charme deixava transparecer.

Christian sentia-se muitas vezes como um manequim de loja, a diferença é que ele conscientemente forçava-se a vender uma mentira de si. Dimitri, e talvez aquela fosse a característica que lhe tornasse tão especial, fora uma das primeiras pessoas que realmente se esforçaram para quebrar a barreira do superficial e, por fim, conseguir compreendê-lo um pouco mais. Aquele tinha sido um dos motivos para decidir dividir o apartamento com Dimitri, ele queria experimentar viver com alguém além dos seus familiares, que realmente se interessava com o que ele tinha a dizer

Estar na posição de tentar estudar o loiro, que sempre se mostrava tão aberto, era um grande desafio.

—Na verdade não, eu não poderia me importar menos em saber saber onde ela está. - pontuou orgulhoso, tal qual uma criança mimada quando lhe negam um doce.

O mais novo revirou os olhos com o drama alheio. Típico, pensou, mas não chegou a reclamar, porque chegava a ser um pouco divertido observar uma pessoa mais velha que ele agir de forma tão imatura.

Christian tinha plena consciência de que Dimitri estava machucado com o fato de June ter quase revelado toda a verdade para Winter, mas mesmo assim, achava que talvez ele estivesse indo longe demais com tudo aquilo. June não faria aquilo por pura maldade de seu coração, tiveram um série de variáveis que a colocaram ao ponto de não aguentar mais manter a mentira que lhe fora imposta quase a força.

E se não a força, ponderou, por uma manipulação emocional, já que era evidente que a garota nunca iria negar um pedido de Dimitri.

—Vamos lá, cara. Você não precisa ser tão duro com June. -pediu em um quase suspiro, enquanto permitia uma leve batida entre seus ombros. Não tinha porque ele estar tão estressado, e Christian tentava de tudo para amenizar o clima.

Abriu seu característico sorriso de lado, como se pedisse para ele esquecer tudo aquilo.

—Desde quando você se importa com a forma que eu trato June? -Dimitri não parecia em um clima para manter conversas confortáveis. Sua expressão tinha endurecido e afastou-se o suficiente para poder mudar sua posição.

Estudava Christian, começando a deixar o mais novo desconfortável com aquela situação.

—Eu me importo a partir do momento em que isso afeta a relação de vocês dois. -explicou com cautela- O que aconteceu, Dimitri? Você nunca chegou nem perto de ter uma briga com a garota e de uma hora para outra decide parar de falar com ela? O que June fez foi tão grave assim?

—Você não viu o que ia acontecendo? -ergue-se do sofá, movimentando os braços com agitação, em um gesto que apenas contribuía para aumentar o nervosismo e desconforto de Christian - Ela quebrou a minha confiança completamente! Completamente, Chris! E não venha me dizer que isso é mentira porque eu sei exatamente o que eu vi. Ela ia contar toda a verdade para Winter!

—Olha. -Christian respirou fundo, não sabendo como conduzir a situação de uma forma que amenizasse a raiva do amigo- Ela tinha tido um dia ruim, estava cansada e você apareceu para falar com ela logo depois, não sei, talvez uma parte de June só não tenha aguentado lidar com todo esse estresse. Você não pode culpá-la dessa forma com um dia ruim, isso não vai ajudar em nada a consertar a situação de vocês.

—Se vivêssemos em uma ditadura, eu como foragido e ela uma presa política dentro de uma câmara de tortura, tenho certeza que June não pensaria nem duas vezes antes de me denunciar.

Escutar aquelas palavras da boca de Dimitri foi como receber um soco em seu estômago. A incredulidade lhe deixou sem expressão por alguns segundos. Christian não conseguia acreditar que ele havia feito aquela absurda comparação, porque era impossível que ele desconsiderasse todo o amor que June sentia por ele. O carinho e respeito destinados à Dimitri eram tão grandes que transbordam pelos espaços que eles compartilhavam.

—Mas que merda você está dizendo? Porra, cara! Você está louco? Quer realmente comparar o que ela fez com isso? -balançou a cabeça, incapaz de esconder a repulsa que sentia pelo amigo- Não acredito que você teve coragem de usar esse exemplo Dimitri, sinceramente... A situação é completamente distinta. Pare de agir como um idiota. Nós dois sabemos que June morreria por você! Ela se colocaria na frente de uma bala, sem pensar duas vezes, se isso significasse proteger você.

—Agir como idiota? Agora eu não tenho nem mais a liberdade de me sentir irritado por um momento?

—É claro que você tem. -ao mesmo tempo que sentia-se frustrado com o mal encaminhamento daquela conversa, Christian queria ser capaz de colocar um pouco de senso na cabeça do outro. -Mas eu acho injusto você vir com essas alegações que são inteiramente falsas para cima de mim. Eu fiquei com vontade de bater em sua cabeça para ver se isso faria você voltar para realidade. Em que mundo estava? -o mais novo parecia um boneco programado a fazer uma única ação, balançar a cabeça em desapontamento- June nunca lhe trairia, porque ela é completamente louca por você, cara. Mesmo que já não namorem mais, eu sei que você é a pessoa que ela mais se importa nesse mundo e nunca faria nada que pudesse te machucar.

—Bem, não importa o que você diz, ela já fez.

Os fios loiros caiam sobre seus olhos, mas o maxilar permanecia travado. Ele se mostrava certo quanto a alegação.

—Não, Dimitri, não fez. O seu segredo ainda está intacto.

Porque Christian não sabia fazer nada além de pontuar o óbvio para a situação.

O loiro ficou calado.

As cortinas balançavam, a televisão ainda ecoava as melodias de um típico musical, mas no momento, nada parecia importar muito. Christian continuou: calmo, cauteloso, mas ainda assim, calculista.

—E, ao invés de culpar June por tudo isso, poderia começar a considerar contar a verdade para Winter. Vamos ser sinceros aqui, você realmente acredita que essa mentira pode durar? Ela não faz bem para ninguém, apenas irá abalar a confiança que Winter tem por você. Construir relacionamentos em mentiras nunca é algo positivo. E, para ser sincero, você é capaz de conquistar qualquer pessoa, chega a ser irritante algumas vezes -pontuou baixinho- Winter não está alheia a esse seu esquisito charme.

Dimitri riu, balançando a cabeça.

—Nunca pensei que fosse escutar isso vindo de você. Você sabe que eu não tenho nenhum charme.

Christian limitou-se a dar de ombros. Não havia muito o que dizer.

—Sabe, Chris? Talvez você tenha razão. Manter essa mentira não é justo com ninguém - Dimitri pausou, voltando a sentar-se no sofá- Por favor, não diga a June que eu disse isso, senão depois ela vai jogar isso na minha cara. -pediu com rapidez após uma epifania particular.

Compartilharam uma prazerosa risada. Era relaxante descontrair após tantos minutos de tensão.

—Não se preocupe, não direi.

Por alguns segundos, ambos aproveitaram o confortável silêncio instalado na sala. Agora eram capaz de perceber o som das cortinas batendo contra a parede, o vento correndo rápido pelas janelas, as melodias animadas do filme que tocavam ao fundo. Beberam mais um gole de cerveja.

—Vocês dois estão bem próximos, não é? - Dimitri perguntou, fazendo Christian virar o rosto para poder observá-lo com atenção.

—Defina próximo.

—Deixa disso! Você sabe bem o que quero dizer.

—Bem, eu não usaria exatamente o termo próximo, mas acho que estamos em um momento que somos capazes de manter um diálogo suportável. Por que pergunta?

O loiro bebeu mais um gole de cerveja, tamborilando os seus dedos na garrafa de vidro, enquanto provavelmente deveria estudar as palavras que iria dizer.

—Christian, aquilo que eu disse quando você se mudou para cá, ainda está valendo.

O mais novo era capaz de sentir o seu maxilar tremer de raiva, enquanto os dedos se fecharam em punho. Se sua avó estivesse presente, perceberia, sem qualquer dificuldade, a mudança do tom de azul de seus olhos, o que a faria se aproximar para mexer no seu cabelo em uma frustrada tentativa de tentar acalmá-lo.

Porque o fato era que Christian sabia exatamente ao que Dimitri estava se referindo, mas o misto de raiva e indignação eram tão grandes dentro de si, que desejou escutá-lo dizer a proibição palavra por palavra, para que cada uma lhe atingisse com força e ele pudesse afirmar que havia tido motivos explícitos para atacá-lo.

Eu fui agredido com repressão, tive que lutar de volta.

Em direito à liberdade!

—O que você disse? -perguntou, o queixo estava virado como se desafiasse o outro a repetir as próprias palavras. As palavras tremiam como o resto de seu corpo.

—Eu sei que vocês têm se aproximado, e que começaram tudo isso porque eu pedi pra vocês mentirem por mim, mas eu queria apenas te lembrar que June não pode ser mais um nome para sua interminável lista de fodas.

—Por que eu não sou bom o bastante para ela? - naquele momento, era pura indignação e ódio. Aquela composição o faria parecer mais velho, maduro, como se as pancadas da vida o tivessem fortalecido para lidar com momentos como aquele.

Me dê um soco e eu virarei o rosto, sou capaz de aguentar mais um. Até que a sua mão sangue e que lhe apareça os ossos. Não serei eu a pessoa a recuar.

Christian sabia que não era bom o bastante para ela, queria gritar para o outro que era completamente consciente do fato de nunca ser suficiente o bastante para uma mulher como June, porque mulheres como ela desejavam homens como Dimitri. Brilhantes, espaçosos, que eran capazes de conquistar o mundo com um simples olhar. E Christian nunca seria alguém como Dimitri. Se ele atraia tantos olhares para si, nas ruas ou na St. Swhithin's Academy era meramente porque as pessoas o temiam e respeitavam, como os antigos povos fazia com seus reis sóis.

E aquele respeito só se manteria a distância. Ele era forçado, então, a manter as farsas e esconder o verdadeiro eu.

—Não foi isso que eu disse, Chris, mas você sabe que não daria certo. Uma hora enjoaria dela, como sempre acontece, e a deixaria com o coração partido. Eu não posso permitir que isso aconteça. -o loiro explicou.

Christian dispensava explicações. A raiva agora lhe subia à garganta e rasgava o peito.

—Que bela imagem você tem de mim. - a acidez de suas palavras era intensa ao ponto de corroer a si próprio.

Depois de tantos anos compartilhando verdades com Dimitri, não conseguia acreditar que ele ainda mantivesse as mesmas ideias de quando ele havia se mudado pelo apartamento pela primeira vez. O sentimento que misturava-se com todos os outros, deixando Christian nauseado, era a dor da traição.

—Não quis dizer as coisas dessa maneira.

—Mas disse.

—Você sabe que tenho razão, Christian. -Dimitri parecia realmente confuso com a raiva do outro, como se não entendesse o porquê de toda aquela reação.

E isso realmente machucava o mais novo, porque ele podia não ser como June que estava sempre pronta para aplaudir as ações de Dimitri, mas admirava a forma que o loiro era capaz de observar e compreender, verdadeiramente, a particularidade de cada um. Lhe doía que seu melhor amigo o visse daquela maneira.

—Talvez eu seja pior do que pensava.

—Você não está sendo justo.

—Tanto faz, Dimitri. Não precisa se preocupar, porque eu não chegarei perto da sua preciosa June. E nem precisa agradecer pela minha tentativa de ajudar você. - a ironia, o ressentimento e a dor misturavam-se no ar.

Christian se levantou do sofá: irritado, enjoado, acabado.

Antes de fechar a porta, um último poema de mais de Bukowski lhe veio à mente. Não podia dialogar mais com sua situação.

 

“Agentes cortam os fios e testam meu batimento cardíaco,

para escutar sanidade

ou alegria ou amor, e sem acharem nada,

satisfeitos, vão embora.”

 

E eles realmente foram.

 


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Notas finais do capítulo

Pessoas, comentem! Sério, os comentários aquecem o meu coração e me deixam muito mais animada para continuar! Favoriteeem! E ah! Eu também aceito recomendações! (Uuuuh, lancei a direta e sai correndo!)