Destino Cego escrita por BeaFonseca


Capítulo 1
Inovando




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Dedilhava suavemente pelas teclas recém limpas de um piano. Meus pensamentos longe, vagavam por lembranças de um passado nem tão distante assim. Suspiro de olhos fechados.

(...)When I can’t think

(Quando eu não posso pensar)

Of the right words

(Nas palavras certas)

To say, I just sing

(Para dizer, eu só canto)

Oh oh oh, oh oh oh

Come on and harmonize

(Venha e harmonize)

My melody, and we’ll sing

(Minha melodia, e nós vamos cantar)

Oh oh oh, ain’t it a

(Minha melodia, e nós vamos cantar)

Perfect harmony?(...)

(Harmonia perfeita?)

            Finalizei apenas porque não era uma boa hora para me lembrar que estava longe de casa. Dois anos fora e eu já deveria ter me acostumado. Retomei o término da limpeza do piano para  voltar ao balcão da loja.

            Era mais um dia de trabalho, mais um dia de saudades.  

— Deveria pensar na possibilidade de começar a tocar para as pessoas aqui na loja. Isso pode atrair clientes. – Sunbae Yon-Lee sugeriu. E essa não era a primeira vez que o fazia, pois insistia que seria uma boa ideia.

— Vou ficar apenas com a limpeza e organização, Sunbae. – Respondi, recusando a sugestão. Mesmo que ele gostasse das melodias que o apresentava, eu era tímida demais para lidar com um público maior.

            No fim das contas, talvez nem fosse uma boa ideia assim.

— Porque não tenta? – Era a primeira vez de fato, que ele incentivava desta maneira. Estava com a placa de “Open” em suas mãos, e aguardava a minha resposta.

— Eu não tenho coragem, Sumbae! – Ralhei, achando graça em sua expressão falha de filhote pidão. Apesar de seus 50 anos de idade, Sunbae Yon tinha uma alma de criança. Ele me acolheu como um pai, quando pisei, pela primeira vez, na Coreia. 

            Eu sou de origem Coreana, mas fui criada nos EUA. Minha família precisou fincar raízes por motivos de trabalho do meu pai, que é Sub-Tenente das forças armadas no exército americano.

            Logo depois que fiz 16 anos, decidi fazer intercâmbio em meu país de origem para aprender mais sobre nossos costumes. Com total apoio, rumei a um destino completamente incerto. Em um ano, terminei meus estudos com a música, e hoje, trabalhava em uma das lojas mais antigas de instrumentos e artigos musicais da cidade de Seul.

            Não posso dizer que era bem frequentada, porque segundo Sunbae, depois que o K-Pop excedeu os limites de popularidade, milhares de lojas ainda maiores e mais elaboradas, se destacaram entre as próprias celebridades. Deixando a Classic 1981, completamente esquecida.  

            Yon-Lee lembrava-se a todo momento que sua loja já havia sido um verdadeiro sucesso no mercado da música.

— Prontinho! – Sunbae assumiu seu lugar no balcão, permitindo que eu escolhesse as músicas que seriam tocadas durante as atividades de trabalho. Como de costume.

            Não preciso nem dizer que essa era uma das melhores coisas do meu dia. Separar minha playlist favorita. Geralmente, os clássicos eram as minhas preferências.

            Pensativa, decidi renovar.

“EXO, BTOP, TWICE, BLACKPINK(...)”

            Nenhuma parecia me agradar. Talvez eu estivesse errada em julgar uma música pelo nome de um grupo. Mas no momento, eu só conseguia pensar que não me atraiam de forma alguma. Ou porque eu estava com preguiça demais para prestar atenção em qualquer uma dessas. 

“(...)BTS, GOT7, BIGBANG”

            Era tão difícil decidir, que acabei colocando os três últimos Cds para tocar no automático. Aumentei um pouco o volume, ciente de que o som poderia chamar atenção do lado de fora.

— Appa! – Ouvi de longe a voz de Shane-Lee chamar por Sunbae. Ainda de costas, imaginei o que ele diria. – Naomi está doente?

            Acompanhei as risadas e Sunbae com a suposição do filho mais velho.

— É a primeira vez que você coloca música boa nessa loja. – Ralhou, claramente se divertindo com a minha careta.

— Isso não é verdade! – Me defendi. – Sempre coloquei aqueles clássicos que eu e Sunbae gostamos. São músicas muito boas, Oppa!

— São músicas pra dormir. – Retrucou. Revirei os olhos, tentada a ignorá-lo.

— Então é por isso que as escutava ontem a noite? – Sunbae lembrou, deixando o filho envergonhado.

            Olhei para ele, com cara de quem estava realmente gostando de saber daquilo. Eu iria adorar importuna-lo com isso. Fingiu-se ofendido.

— Tenho certeza que está errado. – Desmentiu, voltando a descarregar a caixa com novas CDs que acabara de trazer. Negava veementemente com resmungos.

            Depois de Sunbae conferir que deixara o filho constrangido e afastado o bastante, sussurrou próximo a mim. – “Ele realmente estava ouvido”. Me limitei a uma risada discreta, afinal, Shane Oppa havia se tornado meu melhor amigo, e era orgulhoso demais para admitir qualquer coisa. Eu só não queria deixá-lo realmente aborrecido por isso.

            Durante o dia, poucas pessoas entraram em nossa loja, e a maioria parecia interessada apenas na música do momento. Vez ou outra, incentivava-as a comprar, pelo menos, algum chaveiro em formas de instrumentos. Eram tão baratinhos, que de fato, não se importavam em levar.

            Seja porque realmente gostam, ou apenas para se livrarem de minha investidas como vendedora. Era uma situação até comum para mim. 

— Já faz algum tempo que a loja vem com cada vez menos clientela – Shane suspirou, pensativo. – Papai não quer admitir, mas está começando a ficar preocupado com os lucros e em como irá manter a loja.

— Mas esta foi uma das primeiras lojas de instrumentos e artigos musicais da cidade. É quase um monumento histórico. – Pontuei. - Ele não pode pensar em abandonar tudo isso. – Lamentei.

            Pensei, principalmente, em meu emprego também. Eu dependia dele para manter meu aluguel e a feira de todo mês. Era pouca, mas era o suficiente. Eu ainda não poderia voltar pra casa, porque estava planejando um curso especial de vocal para o próximo verão. Eu realmente queria tentar algo novo.

— É uma pena que isso não dependa apenas dele.  – Shane deu de ombros. Ele também jamais admitiria que estava preocupado com isso. Como de fato não parecia estar tanto assim.

            Continuei a organizar as prateleiras, desviando a caixa de um dos clientes que parecia indeciso entre dois CDs para colecionador. Notei de longe Sunbae levar as mãos a cabeça que já dava sinais de fios grisalhos. Era a primeira vez que eu atinava para isso. Senti uma fagulha de tristeza.

— (...)Moça! – Me assustei com o rapaz que parecia está me chamando a um bom tempo. Suas sobrancelhas erguidas expressavam preocupação. Notei que segurava dois CDs no ar. – Preciso de ajuda. – Parecia inquieto.

— Jŏgyo! – Me desculpei pela distração. Ele entendeu, ainda aguardando minha resposta. – Bom, se vai aprender violino, sugiro as composições clássicas de Unsuk Chin. – Apontei para o segundo Cd em sua mão, tendo em vista que os dois tinham o mesmo gênero e objetivo musical.

— Kamsahamnida! – Ele disse, satisfeito. Não hesitou em levar o Cd consigo.

         Poderiam ter mais pessoas interessadas em clássicos, assim como ele. Suspirei, avaliativa. Voltei a olhar para Sunbae, que mantinha seu sorriso gentil de sempre. De que forma eu poderia ajudá-lo? Já que me ajudaria, igualmente.

         Olhei para o piano, tão próximo de mim e abandonado no canto da loja.

“Ora... que mal havia em tocar em frente as pessoas? Talvez ideia fosse inovadora. Até mais inovadora do que a mudança do repertório musical da loja.” – Pensava.

         Meu pés tremiam de ansiedade. Minhas mãos começavam a suar como nunca. Meu olhos eu nem mesmo precisava dizer que estavam arregalados. Sentia minha bochechas arderem e minha cabeça pender para baixo. A ideia era um suicídio a minha sanidade mental. Era irônico ter feito um curso de música e a intenção de fazer um curso de vocal, com o objetivo de subir na carreira, e ser tímida demais pra lidar com o público.  

“Seja corajosa” – Dizia para mim mesma. “Não tem quase ninguém, alí. Era apenas um teste. Nada demais!”

         Se não funcionar, eu realmente não precisaria tocar novamente. Mas eu travava um batalha íntima entre a vontade de que isso atraísse as pessoas, e o desejo de que eu não precisaria fazê-lo.

         Quando me dei conta, já estava sentada ao piano, analisando cada teclado branco que a pouco eu havia expressado sentimentos. Porque afinal, a música poderia ser nada mais, nada menos, que a transcedência emocional. Não era difícil de expor. Eu só precisava de um pouco mais de coragem.

         Evitei olhar ao redor. Não queria ter a certeza de que alguém prestava atenção em mim. Talvez nem estive, ainda.

“Primeiras notas” 

Sam Smith - Safe With Me  

****

If you ever need me

Just tell me, and I'll be there

'Cause I was built for you

Yes, I was built to carry all your feelings

'Cause I won't let them know

I won't let you go, baby

I don't care what your past is

I don't need no answers

Just have faith in me

Don't you know your secret's safe with me?

(my heartbeat)

All your worries can be put to, can be put to sleep

(my heartbeat)

Don't you know your secret's safe with me?

(my heartbeat)

All your worries can be put to sleep

(my heartbeat)...

(...)

            Essa tinha sido uma das últimas músicas que eu havia escutado antes de vir para a Coreia. Não era um clássico instrumental, mas era tão linda que não pude deixar de recordar. Foi a música que me fez ganhar a bolsa de estudos no intercâmbio.

            Eu só percebi que sorria ainda grudada ao piano, quando algumas palmas chamaram a minha atenção. Com o susto, me levantei do banco, envergonhada.

DEZ

            Exatamente dez pessoas me assistiam e aplaudiam meu desempenho. Eu me limitei a curvar-me em cumprimento. Me permitindo sentir a emoção e a adrenalina de ter uma plateia. Eu mal podia acreditar que havia conseguido essa façanha. Meu olhos procuravam por Sunbae, que parecia tão feliz por mim, quanto eu mesma.           Agradeci gentilmente as pessoas que pareciam esperar por mais uma “apresentação”. Quando viram que não teria mais nenhuma, vagaram pela loja, finalmente notando que CDs e instrumentos eram vendidos ali.

— Isso foi muito bonito! – Sunbae elogiou, animado. – E eu disse que chamaria atenção. – Sussurrou esta última parte. Sorri, ainda envergonhada demais para pensar em como cheguei a isso.

— Tinha razão, Sunbae. – Respondi. Olhei em volta. – As pessoas vieram. – Meu coração disparava, descompassado.

            Se eu consegui tocar para dez pessoas, eu conseguiria tocar para mais. No fim das contas, a ideia era realmente boa, e isso salvaria a loja da falência.

— Não vai mais se preocupar com o que fazer com a loja. – Disparei, sem esperar sua resposta, que apenas veio com uma expressão confusa.

            Avistei Shane de longe, que acenava pra mim, empolgado. Andei até ele, mal notando meu excesso de confiança naquele momento. Não era pra menos. Eu quebrei uma enorme barreira e ainda salvaria a loja.


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Notas finais do capítulo

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