Sussurros

Eu o amo desde o dia em que o conheci, mas não me permiti sentir isso até hoje.

— Sakura Haruno –

Na escuridão seus passos eram lentos e suaves, despidos de calçados, seguiam por um caminho estreito e gelado da grama ainda molhada da breve garoa. Com uma mão erguia parte da saia longa do vestido cor de noite e segurava o par de sapatos de boneca, enquanto a outra carregava um lampião de luz fraca, e com apenas tal frágil iluminação permitiu-se continuar pelo caminho estreito que levava aos estábulos, contudo aquele não era o local para o qual se dirigia.

Ainda mais distante seguiu, os relinchos dos cavalos tornavam-se distantes enquanto adentrava no labirinto de arvores que se estendiam pelos terrenos parcialmente explorados do território de sua família. Pisou em alguns galhos quebradiços, mas o som nostálgico sequer lhe deu qualquer ideia para retornar a seus aposentos, abandonar aquela ideia insana e dissimulada. Continuou seus passos, ainda havia metros a se cruzar antes de alcançar seu acompanhante, seu cúmplice. Aquele a quem nutria um amor inconsequente e proibido. Banhado de luxuria e desejo.

Seu amante.

Sasuke Uchiha.

Ironicamente ele era um serviçal de sua família, apenas um empregado que, vez ou outra, lhe servia café da manha, que separava suas roupas, e as vezes lhe penteava os cabelos longos e de um exótico tom rosado; aquele era o destaque de sua família afinal, a bizarra linhagem Haruno dos de cabelos rosados, e por ter nascido em tal linhagem estava fadada a um casamento incestuoso com algum primo estúpido.

Preferiria morrer a ter de que casar com qualquer membro daquela família hipócrita e não apenas por imaginar a reação de todos na manha seguinte quando despertarem e não a encontrarem em seu quarto, em sua cama, em meio ao seu sono de beleza, a moça mal podia conter o sorriso de prazer mediante a gritaria que se iniciaria, afinal, era filha única.

A amada filha favorita, Sakura Haruno. Ou como gostavam de lhe chamar: A Bonequinha Haruno. Podia ter de tudo, menos o que mais desejava, e agora que poderia ter aquilo pelo qual mais ansiou, não largaria, era, afinal, egoísta de nascimento.

Seu sorriso já presente apenas alargara-se quando a silhueta máscula se mostrara entre algumas árvores, um par de cavalos próximos indicavam que tudo estava preparado.

— Sasuke. – o sussurro fora suave quando a brisa apagara a ultima claridade disposta pelo lampião. Diante da pouco iluminação provinda pela lua as orbes verdes fixaram-se nas cor de ônix do homem metros a sua frente, o sorriso pequeno disposto pelos lábios finos deste lhe deram arrepios e um frio correu por sua espinha, sensações que sempre apossavam-se de si quando o via. Seu coração pulsava desconcertado diante de cada passo que o moreno dava em sua direção e antes que notasse o Uchiha já estava face a face consigo, suas respirações se entrelaçando enquanto a mão sorrateira libertava os cachos rosados das presilhas que os amarravam.

— Sakura. – a resposta fora nada menos que o nome da moça, tão calmo e suave que a fez perder o fôlego por um instante antes de fechar os olhos perante a caricia leve e morna feita em sua bochecha. Antes que percebesse, ele lhe tomara os lábios num beijo frio e brusco, agressivo, por que era assim que ela gostava, e de tirar o fôlego e nublar o raciocínio. Esquecera-se do tempo enquanto agarrava-se ao homem a sua frente, os sapatos largados ao chão e as presilhas de seu cabelo jogadas em qualquer canto em meio a floresta. Quando se separaram não houve palavras ou qualquer outra coisa, apenas uma troca de olhar sincera e apaixonada antes de seguirem para onde os cavalos os esperavam com alguma pouca bagagem que conseguiram reguardar para a ocasião.

Sob o luar como única testemunham o casal desapareceu na noite buscando um futuro que não seria ditado pela sociedade, por status, ou por suas famílias.

Como esperado pela rosada seu desaparecimento causou pânico e revolta, pensaram em sequestro por parte do servo também desaparecido, mas nenhum resgate fora pedido nos dias e semanas que passaram; buscas foram feitas por toda a cidade e pelas cidades vizinhas, mas apenas rumores eram o que chegavam à família Haruno. Então a verdade caiu sobre todos junto ao peso da incredulidade.

Ela havia fugido com um plebeu.

Um clichê, contudo, uma verdade inegável, mas diferente do que todos imaginavam, ela não desapareceria para sempre.

Uma década fora necessário para que o senhorio Haruno reencontrasse sua filha, meses após o falecimento da mãe da mesma.

Sua filha estava linda e estava feliz enquanto caminhava pelas ruas de uma cidadezinha qualquer no país vizinho, ao lado da mesma uma pequena menina de cabelos escuros trajando um vestido de babados avermelhados seguia desengonçadamente lutando para firmar-se sobre os pequenos sapatinhos de boneca.

Kizashi poderia eternizar aquela imagem numa pintura, desejava o fazer, contudo não interferiu na vida de sua filha. Amava-a e desejava tê-la ao seu lado, contudo desejava acima de tudo a felicidade dela e se ela fugiu para buscar o que sua família não pode oferecer, mesmo que lhe doesse, Kizashi manteria distancia.

Contudo, quando virou-se para seguir para longe dali, de volta ao hotel em que estava hospedado, não notara o par de esmeraldas o fitando, despedindo-se, algo que não haviam feito anos atrás. Não é que Sakura odiasse seu pai, ela odiava apenas as regras de sua família. Kisashi e Mebuki sempre estariam em seu coração, contudo ela jamais arrepender-se-ia da escolha que fizera.

Ela era, afinal, uma orgulhosa Uchiha agora.