Marisa tinha mais sorte que qualquer outra mulher como ela, ou era o que todos pensavam, afinal tinha o apoio da mãe para tudo, mas nem tudo havia sido tão perfeito em sua vida, na verdade, nada tudo era o contrário de perfeito.
Desde a infância Marisa se apaixonou por bonecas, pela casa, pelos saltos e pelos vestidos longos da mãe.
Alguns diziam que era uma fase, mas Marisa nunca pode deixar de sentir que havia algo de errado consigo, fosse quando conversava com seus primos ou quando se olhava no espelho. Não poderia dizer direito o porque apenas sabia que nada estava bem.
Na escola a chamavam de gay e nunca negou ser. Se apaixonou por um rapaz aos quinze anos, foi o primeiro amor de sua vida e nunca se esqueceria disso, não por ele ter sido o primeiro, não! Até porque depois dele vieram muitos mais, mas porque foi a primeira vez que o pai virou as costas para ela.
Ela sabia que nada estava bem, a mãe nunca a culpou, mas Marisa sempre soube que a família se dividira por culpa dela. O pai passara a beber e, a fim de evitar que a filha apanhasse, a mais velha sempre a protegia, mas a dor de ver as marcas roxas no rosto pálido da mãe doía mais que qualquer tapa que o pai pudesse lhe dar.
As pessoas viravam a cara quando a viam, evitavam toca-la. Cada dia de sua vida era como carregar uma praga e nos bons dias, era como ter um letreiro pedindo atenção, não era o que Marisa queria, só queria ser ela mesma, mas não sentia como se tivesse espaço em qualquer lugar, mas após a rejeição do pai, nada parecia ruim o suficiente para atingi-la, para faze-la acreditar que não poderia ser quem nascera pra ser.
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Depois de Bruno, tiveram mais alguns, já como Marisa, o que lhe rendeu muitos problemas. Ainda hoje, após tantas cirurgias. Se perguntava se um dia a veriam apenas como Marisa, mas isso parecia impossível.
Encostou o gelo no olho inchado, havia se envolvido de novo, um rapaz violento, era para ser apenas uma noite divertida, mas a verdade é que ele não gostara nada. As palavras cruéis ainda feriam os sentimentos de Marisa. “Você não é mulher, é apenas uma abominação, uma doença que precisa ser eliminada”. Ela sabia que eram palavras vis, mas não vãs, afinal era o que muita gente pensava.
Chorou em silencio, Marisa não nascera mulher, mas se descobrira ainda muito cedo, mais cedo que qualquer mulher nascida como mulher. Talvez isso fosse algum tipo de vantagem ou talvez uma maldição, mas Marisa só queria ser a mulher que descobrira ser e esquecer que um dia fora Paulo.
Afinal, ser mulher não tinha a ver com opção sexual ou sexo, não tinha a ver com roupas e paixões. Ser mulher sempre foi sobre a capacidade de se descobrir e redescobrir mulher, todos os dias de sua vida e enfrentar todas as dores e prazeres que isso trazia. E no fim, Marisa era tão mulher quanto qualquer Paula, Júlia, qualquer uma, pois lutara para ser quem era e isso ninguém poderia tirar dela.