Rune abr Fricai - Os Versos do Amigo escrita por Dan Achard


Capítulo 4
Alva Nau - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Hey! Então, aí está o capítulo que me causou problemas. Não se preocupem, não foi nada demais - o problema é que esse capítulo foi escrito pra ser postado como um único, mas houve complicações: 4.260 PALAVRAS! Um número assim pode não ser problema pra muitos de vocês, mas sei que deve haver gente que, como eu, fica meio tenso quando se depara com capítulos muito grandes. De qualquer forma, tanto essa primeira parte quanto a segunda serão disponibilizadas agora mesmo, mas decidi dividi-lo meio a meio pra que ficasse mais fácil de acompanhar caso queiram dar uma pausinha e continuar depois! Enfim, boa leitura e espero que gostem! s2
PS: Sintam-se à vontade para ler a segunda parte logo após a primeira, caso queiram. :>



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Naquela noite, Ismira e os demais acamparam em uma duna no Deserto Hadarac. Passados dois dias desde sua partida do Vale Palancar, a moça mal suportava seu próprio peso - não haviam parado muitas vezes durante a viagem e suas pernas doíam. Sentando-se ao lado de Ki’dáin, que observava as chamas da fogueira com um olhar distante, envolveu as pernas em seus braços e repousou o queixo entre os joelhos. Ambos permaneceram imóveis e em silêncio, contemplando a dança ardente do fogo alaranjado à sua frente.

Desde que saíram de Carvahall, o anão mostrara-se pouco receptivo a conversas e taciturno. No dia anterior, Ismira o convidara a caminhar pela estepe onde haviam acampado, porém o amigo recusou-se gentilmente e foi dormir. Ele não era assim, a garota sabia. Não agia dessa forma, mesmo estando exausto ou atarefado. Porém, ela não o culpava por tal comportamento. Entendia que deixar a tudo e a todos a quem amava deveria ser doloroso e recusava-se a forçá-lo a conversar – seria exaustivo para ambos. Em vez disso, caminhou solitariamente em meio à vegetação amarelada, observando o mar de estrelas que banhava o céu.

A rainha Arya estava agachada do outro lado da fogueira, preparando várias espécies de cogumelos e leguminosas para um jantar ao estilo élfico. Trajava uma bela túnica verde musgo escura, com bordas prateadas resplandecendo à luz das chamas. Seus movimentos eram medidos e graciosos como apenas um elfo poderia realizar, feitos como se cada tempero posto no caldeirão que pendia acima da fogueira exigisse a concentração e eficiência de um caçador ao abater a presa.

Após alguns momentos observando a elfa cortar legumes, Ismira decidiu ajudar Arya a preparar o jantar. A rainha possuía um excepcional talento em cozinhar legumes e preparar saladas, mas recusava-se a temperar uma coxa de galinha sequer. Dessa forma, os demais membros do grupo deveriam aprontar a carne caso quisessem comer algo de maior sustância que os vários pratos compostos à base de plantas e fungos. Enquanto a moça punha-se de pé, o anão agarrou seu pulso e a fez encará-lo, confusa.

— Sinto muito. – disse ele, desculpando-se. Sua curta barba negra estava mais desgrenhada que de costume.

— Não há motivo algum. Sei que deve estar sendo difícil. – respondeu Ismira, sorrindo.

— Mesmo assim... Essa viagem não deve estar sendo divertida para você, e fui eu quem a convidou. – prosseguiu Ki’dáin, baixando o olhar para os pés.

— A viagem está sendo ótima. – retrucou a jovem mulher. – Estou adorando voar com você, Mustethun e os outros. Além disso, nunca vim ao Deserto Hadarac e estava curiosa para saber como era.

— Espero que esteja satisfeita em descobrir que não passa de areia. – resmungou Naatruk com sua voz retumbante. Estava sentado ao lado de Adsha, seu dragão, um pouco afastado da fogueira. O urgal raramente falava algo, sendo aquela apenas a segunda vez em que dirigia a palavra à Ismira desde que chegou ao Vale dois dias atrás.

— E lagartos. – acrescentou Ki’dáin.

— E lagartos. – concordou o urgal. – E escorpiões, escaravelhos, serpentes e outras criaturas peçonhentas.

— Sim. – assentiu o anão, com um sorriso maldoso. - Ouvi falar que há uma espécie de réptil pequeno que se esconde nas dunas e costuma esconder-se em pelagens muito densas de animais maiores enquanto eles dormem... Ou no cabelo.

Ismira enrijeceu seu corpo. A verdade era que a garota tinha pavor de répteis, desde as mais venenosas serpentes às mais inofensivas tartarugas. Ela não sabia o motivo - talvez fosse apenas algum trauma de infância há muito esquecido -, mas o fato era que não suportava a ideia de ser confinada a um ambiente que contivesse qualquer uma dessas criaturas ardilosas. Ki’dáin conhecia seu medo, e logo ela percebeu que ele estava tentando apavorá-la.

— Parece que seu humor melhorou. – resmungou Ismira acusadoramente.

Naatruk encarou confuso o Cavaleiro anão, como se tentando recordar-se do tal animal que o homenzinho citara.

— Que réptil é esse? – indagou, por fim. – Nunca ouvi falar...

— Nenhum. – interveio Ismira. – Este nobre Cavaleiro só estava tentando me irritar. Sabe que odeio répteis. – concluiu, proferindo a palavra nobre sarcasticamente.

— Mas você não tem problemas com Mustethun. – disse Ki’dáin. – Ou Adsha. Ou Fírnen-elda.

Por alguns segundos, os três dragões rosnaram, fazendo o anão arregalar os olhos. Abaixando a cabeça, ele desculpou-se com as belas e assustadoras criaturas.

— Sinto muito. – disse ele, baixinho. – Não quis ofendê-los com essa comparação.

— Imagino que isso tenha sido o suficiente para explicar-lhe as diferenças. – comentou Ismira, com um sorriso sádico.

Ela contornou a fogueira, agachando-se ao lado da Cavaleira Arya e ajudando-a a picar alguns cogumelos brancos para uma espécie de salada de fungos. O jantar ficaria pronto em minutos, e a moça de longos cabelos cor de cobre já podia sentir suas entranhas protestarem pelo pouco tempo que ainda precisariam esperar.

***

No dia seguinte, levantaram acampamento e partiram antes que o sol se elevasse mais de um dedo do horizonte. Quanto mais cedo saíssem do deserto, maiores seriam as chances de passarem uma noite mais confortável que a anterior.

Seguiram para o leste, sobrevoando a vastidão do deserto a quilômetros de distancia do solo. Não havia paisagem à qual admirar – apenas areia e mais areia em todas as direções -, então Ismira decidiu arriscar uma conversa com seu amigo, que demonstrara uma melhora de humor desde a noite anterior.

— Ki’dáin? – chamou ela, hesitante. – Quanto tempo acha que falta para chegarmos lá?

— Na próxima campina ou em Hedarth? – indagou o Cavaleiro, gritando para se fazer ouvir no vento que sacudia seus cabelos escuros.

— Em Hedarth – respondeu Ismira, sentindo uma oportunidade de falar com o amigo.

— Não sei... – foi a resposta do anão, que parecia pensar. – Talvez na noite de amanhã ou na tarde do próximo dia já possamos avistar o rio. Por que pergunta? Cansou da viagem?

— Não! É claro que não, é só que... – a moça não conseguiu concluir a frase, sentindo um gosto amargo na boca.

— É só que...? Quer se livrar de mim mais cedo? – perguntou Ki’dáin, rindo.

— Você sabe que não é isso! – rebateu a garota. – É o contrário...

Seguiu-se um silêncio, interrompido apenas pelo som das asas dos dragões ou pelo vento que zumbia ao redor deles. Ismira esperava não ter estragado a oportunidade de conversar com o anão por começar com o assunto errado. Entretanto, o humor do Cavaleiro parecia mais inabalável do que nunca desde a conversa no espelho que tivera na noite anterior com alguns amigos anões que não vira nas celebrações em Carvahall. Pelo menos, fora o que ele disse quando Arya o indagara sobre a identidade de quem o havia contatado.

— Ora, quem diria! – exclamou, gargalhando intensamente. – Logo a Mulher Lobo sentindo falta de mim! Acho que sou realmente importante. – e o anão riu-se mais uma vez.

— Cale-se, Pedrinha Preciosa! – disse Ismira, empurrando-o pelas costas. O anão por pouco não se chocou com um dos enormes espinhos de Mustethun à sua frente.

— Calma aí, dama da corte! – reclamou Ki’dáin. – Eu pretendo chegar vivo e inteiro ao cais.

— Então trate de não me dar motivos para assegurá-lo do contrário. – retrucou a ruiva, mortalmente calma.

Ismira.viu o amigo empertigar-se e, após alguns segundos, ambos caíram na gargalhada. A garota de olhos verde-amarelados abraçou o amigo, aproveitando cada momento que ainda teriam juntos até que ele partisse para as novas terras. Quando o soltou, perguntou-lhe como fora o treino com a rainha dos elfos e o que achara de Ellesméra e seus habitantes e, assim, prosseguiram conversando durante o resto do dia. Em certo momento da conversa, Ki’dáin lançou um encantamento que os permitiria dialogar sem a perturbação do vento ou do som das asas de Mustethun e dos outros, o que facilitou a troca de provocações e histórias que tinham desde crianças.

Ao anoitecer, pararam em uma elevação da campina que conseguiram alcançar naquela tarde e fartaram-se de um jantar rapidamente preparado, descansando para o próximo e último dia de viagem.

***

O sol beijava o horizonte às suas costas quando Ismira pôde finalmente avistar a embarcação reluzente pairando acima da longa faixa de água formada pelo rio Edda, a algumas centenas de metros a leste de Hedarth.  

Passara as primeiras horas da manhã, antes de partirem da campina onde passaram a noite, caminhando e conversando com Ki’dáin e Mustethun. O dragão mostrara possuir uma língua mordaz, sempre fazendo comentários difíceis de ser repassados pelo seu Cavaleiro. A garota adorara o dragão e sentia-se triste por ter convivido tão pouco com ele. Contudo, seu maior pesar era pela iminência do que estava por vir: uma dolorosa despedida de seu melhor amigo.

Ismira possuía um número resumido de amigos. Apesar de frequentemente cercada pela nobreza de cada raça da Alagaësia, jamais se permitira manter contato íntimo com tantas pessoas – sabia a diferença entre sinceridade e interesse, sua posição não a permitia negligenciá-la. Além disso, estava ciente de que grande parte dos nobres que a faziam companhia em suas diversas viagens com o pai apenas respeitavam a regras de cortesia. Era puramente encenação, algo para manter as aparências e evitar conflitos. Entretanto, fizera amigos valiosos ao longo da infância, como Ki’dáin ou Hope, e a perspectiva de perder um deles apavorava-a intensamente.

À medida que os dragões preparavam-se para pousar a algumas dezenas de metros de distância do píer, Ismira pôde distinguir as edificações do entreposto de Hedarth a oeste e um número razoável de guerreiros, anões e elfos, postados ao redor de cinco figuras de mantos brancos perto do cais. Ao estreitar os olhos, a moça percebeu seu equívoco – eram quatro figuras trajando mantos brancos e uma criatura totalmente azul-escura. Parecia uma espécie de felino, porém permanecia de pé como se fosse bípede. Após alguns instantes de confusão, Ismira identificou o sujeito: Blödhgarm, um dos elfos que auxiliavam seu tio em sabe-se-lá-onde, a nova terra de dragões e Cavaleiros. Ela o vira apenas uma vez, quando o elfo de aparência incomum interrompera uma de suas conversas com Eragon para informar ao mestre sobre algum problema que ela não conseguira captar.

Ancorado no rio, plainava uma longa embarcação branca diferente de tudo o que algum dia a ruiva já vira. Possuía um único mastro, que refulgia à luz do entardecer, e uma cabine grande o suficiente para portar um casal de búfalos e suas crias. Ao longo de seu casco, estavam grafados alguns símbolos que Ismira reconheceu como traços usados na Língua Antiga – a moça sempre tivera um fascínio inexplicável pela linguagem dos elfos e aprendera o básico dela em uma de suas viagens à Ellesméra. Entretanto, não conseguiu decifrar a palavra gravada em prata.

Fírnen pousou pesadamente na praia de cascalhos, fazendo vários seixos saltarem alto e quicarem pelo terreno circundante. Em seguida, Mustethun e Adsha juntaram-se ao dragão maior, de forma mais leve, porém não menos impactante. A rainha Arya desceu pela pata dianteira esquerda do dragão esmeralda, postando-se diante da enorme criatura. Naatruk e Ki’dáin seguiram seu exemplo, com Ismira ao lado do amigo anão. Os dragões postaram-se logo atrás de seus Cavaleiros, como se para protegê-los de qualquer ameaça.

Os soldados que cercavam os cinco elfos abriram caminho, cedendo a estes o espaço necessário para que se dirigissem aos recém-chegados. Ismira notou que, apesar de todo o esforço para disfarçarem, os elfos vindos do leste estavam exaustos da viagem. Entretanto, sabia que eles se recusariam a passar a noite em Hedarth – cada segundo daquele encontro poderia custar-lhes caro. Mesmo depois de dezoito anos de paz, o temor de que alguém ou algo pudesse ferir aos novos Cavaleiros e a seus dragões ou mesmo roubar os quatro novos ovos trazidos era motivo de extrema cautela.

— Arya Dröttning – cumprimentou Blödhgarm ao se aproximar da rainha dos elfos, com a mão contorcida em seu peito no gesto de máximo respeito da raça élfica. – Atra esterní ono thelduin

— Atra du evarínya ono varda, Blödhgarm-elda. – respondeu a Cavaleira. – É ótimo revê-lo depois de tantos anos.

— De fato. – concordou o elfo, com sua voz cantada.

Os demais elfos cumprimentaram sua rainha de forma semelhante à de Blödhgarm, de forma solene e emocionada pelo encontro. Ismira estava ciente de que duas décadas para um elfo equivaliam a praticamente nada, mas estar afastado de sua terra natal e de sua soberana certamente era desagradável até mesmo para um dos seres imortais.

Blödhgarm e os outros, tão logo cumpriram todas as formalidades para com a rainha, caminharam na direção de Fírnen e repetiram o gesto de respeito, cumprimentando saudosamente a bela criatura de escamas reluzentes. O dragão pareceu dizer algo em seus pensamentos e um zumbido escapou do fundo de seu peito, ao que eles sorriam e inclinaram-se mais uma vez. Então, dirigindo-se a Mustethun, Blödhgarm parou e contemplou o dragão de escamas cintilantes cor de cobre, com os olhos mais brilhantes do que Ismira jamais vira os de algum outro elfo brilharem.

— Magnífico. – maravilhou-se o elfo de pelos azulados. – Atra esterní ono thelduin, skulblaka.

— Atra du evarínya ono varda, vinr älfakyn. – disse Kidáin após alguns segundos. – Ele manda dizer.

— Como se chama? – indagou Blödhgarm ao dragão.

— Mustethun. – respondeu o anão, sorrindo.

— Um belo nome. – comentou, por fim, o elfo.

Dessa vez, dirigindo-se ao Cavaleiro, ele repetiu as frases de cortesia. Ki’dáin retribuiu e logo Blödhgarm cumprimentou Adsha e Naatruk. Caso o feiticeiro de pelos azuis tenha se incomodado com o fato de Naatruk ser um urgal, não o demonstrou – atitude reproduzida forçadamente pelos demais elfos que o acompanhavam.

— Esplêndido! – exclamara o elfo ao observar Adsha. – Mais uma fêmea nasceu dos ovos reservados aos Cavaleiros. E que belas escamas!

— Adsha agradece o elogio. – disse Naatruk com uma polidez raramente vista em urgals. Ismira tinha de admitir, não pela primeira vez nem pela última: o urgal, de fato, era um bom Cavaleiro. Pelo menos, pensava ela, no quesito “diplomacia” ou “cortesia” ele se saía melhor que ela.

Blödhgarm encarou a moça ruiva por alguns instantes, como se tentando recordar-se de onde vira aquele rosto anteriormente. Antes que ele pudesse decidir sobre qual seria sua identidade, Ismira surpreendeu-o ao usar o cumprimento élfico, pondo dois dedos nos lábios e recitando a frase que ele usara para dirigir-se inicialmente à rainha Arya. O elfo esgazeou os olhos e, após a surpresa inicial, sorriu e cumprimentou-a igualmente.

— Atra du evarínya ono varda, Ismira. – disse ele, encarando-a com um novo interesse. – Imagino que este seja o seu nome.

— Sim. – concordou a garota, sorrindo. – E eu imagino que meu tio fale um pouco de mim.

— Ele comentou que você era uma jovem promissora e que estudara um pouco de nossa língua e nossa cultura. Além disso, lembro-me se tê-la visto pelo espelho há alguns anos. – acrescentou Blödhgarm.

— Vejo que sua memória é tão boa quanto a minha. – disse Ismira. O elfo inclinou a cabeça, voltando em direção a Arya.

— Creio que Vossa Majestade deseje receber os ovos neste momento. – disse Blödhgarm, soando mais como se estivesse pedindo aquilo do que sugerindo.

— Claro. – respondeu a Cavaleira, com a voz em um tom melancólico quase imperceptível. – Leve-me ao Talita.


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Notas finais do capítulo

Bem, sintam-se livres para comentar, criticarem ou qualquer coisa do gênero! E vamos lá à segunda parte - garanto que vão gostar mais do que essa, ainda!



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