Les Marcheé escrita por Marurishi


Capítulo 7
As visitas




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As visitas de Codhe à Biblioteca Imperial eram frequentes, pois tudo quanto precisava saber e aprender fora disponibilizado ali. Seus estudos estavam se aprofundando em determinados temas que envolviam leituras e pesquisas mais profundas, por isso, sua mesa de estudos era sempre cheia de livros, cadernos, anotações e resenhas.

Sempre muito organizado e metódico, quando não mais precisava de determinado livro, fazia questão de devolver na prateleira, diminuindo assim o trabalho dos bibliotecários e dando exemplo de ordem.

Havia uma quantidade absurdamente grande de livros ali, todos muito bem etiquetados e catalogados, de forma a serem encontrados com facilidade. Codhe adorava essa organização que permitia manter tudo em seu lugar.

Depois de ler a etiqueta na lombada de alguns livros, se dirigiu para os corredores e prateleiras indicadas com o propósito de guardá-los. Demorou alguns minutos nessa tarefa e pegou alguns novos livros para acrescentar nas suas pesquisas. Quando voltou à sua mesa notou que havia um livro do qual não se lembrava de ter pego.

Olhou a capa para ler o título e saber do que se tratava, pensando que poderia tê-lo pego junto sem perceber, porém o livro não continha nenhum título, apenas uma capa aveludada com desenhos arabescados. Olhou a lombada e também não tinha nada escrito. Com um dar de ombros indiferente, deixou o livro de lado, sentou-se e continuou seus estudos durante um bom tempo.

As horas passaram, o sol já havia descido o horizonte fazia algum tempo, Codhe tinha a cabeça cansada e os olhos dormentes por tantas horas de estudo contínuo. Decidiu que deveria descansar.

Organizadamente reuniu seus livros, separando primeiramente os que devolveria aos seus lugares. Olhou para o livro misterioso, procurou pela etiqueta de identificação e não encontrou, pensou que, provavelmente, tinha caído; deixou-o junto aos que levaria para casa.

Após organizados e devolvidos em suas prateleiras respectivas, voltou à mesa e pegou seus pertences, deixando em cima de todos, o livro sem nome. Dirigiu-se até a bibliotecária.

— Boa noite, este livro estava em minha mesa, mas não lembro-me de tê-lo pego e não está etiquetado — estendeu o livro para a moça que pegou analisando-o.

— Ah, boa noite Sr. Codhe, obrigada pela sua ajuda com os livros — disse em tom respeitoso sem esboçar sorriso. — Este, provavelmente, perdeu a etiqueta, mas vou procurar no catálogo e devolvê-lo ao seu lugar. Obrigada novamente.

— É um prazer ajudar em manter a ordem. A propósito, como devo chamá-la? — Já fazia algum tempo que Codhe notara o quanto a bibliotecária daquele turno era bonita e exalava uma magia como de uma fada, mas ainda não tinham trocado mais do que cumprimentos cordiais e informações sobre livros.

— Belle Poarvenlloascer — pronunciou seu nome com dignidade.

— Oh! — Codhe deixou uma exclamação escapar ao ouvir o nome tão complicado, se puniu mentalmente por uma atitude tão impensada.

— Desculpe, Srta Belle, vou chamá-la pelo primeiro nome, que aliás, combina muito bem com sua pessoa — falou abrindo um sorriso cheio de charme e imediatamente se deu conta da sua atitude. Não acreditou no que acabara de dizer, aquilo saiu mesmo de sua boca? Que vulgar! Estava flertando com a bibliotecária? Absurdo.

Codhe fechou o sorriso e com um aceno retirou-se quase correndo da biblioteca, não deu tempo para que Belle respondesse qualquer coisa, mas julgando pelo olhar reto e sem sorriso que a moça lhe deu, sabia que havia falado algo inapropriado. Evidentemente, ela não era comprometida, pois as mulheres casadas ou comprometidas, tradicionalmente, usavam tiaras que conforme os ornamentos ou pedrarias mostravam sua nobreza ou hierarquia. Belle usava muitos enfeites nos longos cabelos ondulados, mas nenhum era uma tiara.

Belle era uma visão única e mágica, era considerada uma das moças mais lindas de Imperah, com seu rosto anguloso e olhos azulados, sobrancelhas arqueadas e lábios carnudos, sempre pintados de vermelho.

Era evidente sua preferência pela cor azul, tinha os cabelos tingidos em um tom de azul lunar, sua maquiagem era marcante, sempre com um toque azulado, suas vestes sempre tinham tons azuis. Tudo o que escolhia tinha que ser nessa cor: sua bolsa, sua sombrinha, a fatia de torta decorada, o frasco de perfume, a folha de papel onde fazia suas anotações. Codhe sentia um interesse peculiar em Belle, sempre a observava discretamente.

Belle, por sua vez, se mantinha neutra em relação a todos os olhares e elogios, não esnobava ninguém, apenas permanecia indiferente. Às vezes, seu ar era inclusive divertido, como se achasse graça em tantos elogios que recebia. Se permitia sorrir raramente, sempre com simpatia e educação, nunca abertamente ou desproporcional.

Tinha uma mente brilhante e conhecimento em diversas áreas que causavam inveja até mesmo nos mais sábios. Sabia várias línguas, inclusive antigas e mortas. Ela dizia que se dava ao fato de tantos anos, desde bem jovenzinha, estar diretamente ligada à biblioteca. Lia avidamente e compreendia além do esperado.

No fim da tarde do dia seguinte, Codhe estava novamente na biblioteca para mais estudos. Belle, concentrada em catalogar e etiquetar livros que acabara de chegar, notou Codhe entrar e dirigir-se a mesa de estudos. Cumprimentaram-se com uma breve reverência respeitosa e silenciosa. Codhe ainda estava se sentindo vulgar por ter feito um elogio de forma tão desleixado, mas Belle parecia não lembrar ou importar.

Após algumas horas rotineiras de estudos, findando o horário estipulado, Codhe reuniu seus pertences como de costume. Ao empilhar os livros que levaria para casa, notou um diferente... não era possível! Aquele misterioso livro sem nome estava ali novamente. Teria Belle não encontrado o seu lugar na prateleira e devolvido a ele achando que era um dos livros que estava estudando? Decidiu devolvê-lo mais uma vez e explicar o ocorrido.

— Srta Belle, o livro que lhe entreguei ontem, creio que haja um engano, ele não faz parte dos meus estudos — disse estendendo o livro para a moça. — Devolvo-o novamente para que encontre o seu lugar.

— Ah! Eu realmente não o encontrei no catálogo e deixei separado para que Lady Shalot, a Diretora da biblioteca se encarregar dele — falava naturalmente. — Não sei porquê ele estava em sua mesa, vou deixa-lo para Lady Shalot novamente — pegou o livro, acenou educadamente em despedida  e dirigiu-se até uma sala anexa, onde era o local de trabalho da diretora, que já havia encerrado suas atividades e não estava mais ali.

Codhe foi para casa e não pensou mais no incidente. Até a manhã seguinte quando precisou voltar na biblioteca antes de suas aulas diárias.

Sentou-se em sua cadeira junto a mesa, pretendia ser rápido, apenas copiar algumas anotações e verificar algumas referências bibliográficas que necessitava para a aula daquele dia. Abriu alguns livros, copiou o que desejava e logo foi fechando todos para devolver e seguir para sua aula. Quando foi fechar o último livro notou que estava aberto em uma ilustração que não lembrava ter visto, era um grande dragão de fogo que ocupava ambas as páginas.

A figura estava centralizada, dividida ao meio entre as duas páginas e não havia nada em volta, como se as chamas do dragão tivessem consumido tudo ao redor. Codhe pegou o livro e se interessou por aquela figura inesperada, não fazia parte de seus estudos nenhum livro que mencionasse dragões, na verdade, os livros que estava pesquisando nem eram ilustrados.

Aproximou o livro dos seus olhos como se quisesse analisar os detalhes, porque era muito bem feitos. Notou que não se tratava de um desenho, mas sim, uma xilogravura com relevo no papel amarelado pelo tempo. Com certeza era antigo, passou a mão sobre a imagem notando a textura. Podia sentir nos seus dedos o calor das chamas que emanava da fera furiosa, com suas asas abertas e ameaçadoras.

Em curiosidade virou a página, mas não havia nada ali, folheou o livro e constatou que estava todo o resto em branco, com sinais do tempo e do fogo. As páginas do livro estavam chamuscadas, como se o dragão tivesse demonstrado seu poder e queimado toda a história que antes havia estado escrita ali.

Sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Fechou o livro com força exagerada e sua feição ficou séria e irritada. Era aquele livro misterioso, sem nome, sem autor, sem etiqueta e fora do catálogo. Que tipo de brincadeira de mau gosto era aquela? Afinal, era apenas um livro velho e queimado. Por que despertaria tanto interesse e suspeitas?

Segurando o livro com raiva, dirigiu-se até o bibliotecário daquele turno, um senhor de idade que o recebeu com um sorriso.

— Posso ajudá-lo meu jovem Senhor?

— Sim, por favor, verifique de quem é esse livro, de onde veio, se é de alguma coleção, o porquê está nesse estado — falava claro e pausadamente. — Quero que pesquise todas as informações acerca dele.

— Sim, senhor, farei como o solicitado! — pegando o livro, o separou dos demais na mesa.

— Obrigado. — Com uma breve reverência se despediu e seguiu para sua aula, tentou não pensar mais no ocorrido.

Um pouco mais afastada do balcão do bibliotecário, no canto em uma poltrona aveludada, uma jovem de cabelos negros presos em um coque alto e elegante, de olhar atento e ouvidos apurados, sorriu de canto e suspirou enquanto balançava levemente a cabeça em negatividade. Voltou seus olhos castanhos para o livro de contos de fadas em suas mãos, como se a cena que acabara de presenciar lhe fosse tão óbvia e lhe desse a confirmação de algo que sempre soubera. Continuaria ali lendo por mais algum tempo, silenciosa, discreta, quase imperceptível.

Codhe, em seu desnorteamento momentâneo causado pelo livro, esqueceu suas anotações na mesa e voltou rapidamente para buscá-las. Entrou na biblioteca indo direto à sua mesa recolhendo-as. Dirigiu-se a saída novamente passando pelo balcão do bibliotecário dando uma rápida olhada ao redor, sem pretensão alguma, seu olhar acabou cruzando com o da moça de coque.

Não havia nada anormal ali, ele não a conhecia e não havia nada suspeito nela, era bonita e tinha notórios olhos castanhos tão raros em Les Marcheé, onde a maioria tinha olhos claros.

Ele cruzou a porta e foi embora, a moça também não acompanhou sua saída, tinha seu olhar voltado ao livro de contos e um enigmático sorriso de canto.


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Notas finais do capítulo

Por favor, deixe-me saber das suas opiniões!!
Amo vcs!! Obrigada por lerem!
Bjsss



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