Les Marcheé escrita por Marurishi


Capítulo 34
Contudo




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Lady Hestea se ocultou nas trevas temendo seu destino. Havia uma nova Tríade e isso era preocupante. No entanto, confiava no poder adquirido e planejava manter-se oculta até concluir toda a maldição. Seu objetivo não era apenas Boandis, mas sim, o império todo.

Contudo, a Dama Albina não estava preparada para o poder das Musas, ou pelo menos, não sabia a extensão que elas poderiam alcançar quando estivessem à frente da batalha, dirigindo seus escolhidos e manifestando seu poder diretamente aos Tiones. Foi por isso, que mesmo estando oculta e protegida em uma ilha próxima a praia, Lady Hestea foi descoberta.

Os Lordes Magos souberam onde a Dama Albina se encontrava, mas sua prioridade era parar a maldição. Acreditavam que quando conseguissem anular aquele poder maléfico, a vida tomada pela maldição petrificante seria devolvida.

Na beira do precipício, no ponto capital da maldição, se reuniu a nova Tríade, com liderança de Lorde Meyne, o Mago do Gelo, do Tione Cintilante e seu Dragão Prateado; Lorde Codhe, o Mago do Fogo, do Tione Flamejante e seu Dragão Escarlate, e Lorde Shaido, o Mago da Luz, do Tione Resplandecente e seu Dragão Dourado.

Os três dragões Tiones brilharam em contraste com a escuridão que cercava o local, no ar, voando em círculos em meio a tempestade, acumularam magia para o ato final. Assim que as Musas deram o sinal, prontas para concluir a quebra da maldição, os Tiones subiram mais alto e expandiram sua magia em conformidade à Musa da qual provinham: Esteh, Ventura e Kursora.

Um grande arco foi visto no céu, como um cinturão luminoso, que se abriu em vários círculos, expandindo magia e quebrando a maldição.

Pouco a pouco, a escuridão foi dando lugar a claridade, as camadas de densas nuvens foram sendo dissipadas e a tempestade começou a perder força, tornando-se apenas um chuvisco, até parar por completo.

Como um milagre, em alguns minutos, no horizonte via-se um sol se pondo preguiçosamente. A Maldição dos Mil Anos fora quebrada e não mais existia. Não havia avançado mais do que os limites de Boandis.

Em Bherto, Lady Mclin desfez o escudo e desmaiou exausta, sendo segurada por Ventura. A Musa fitava o horizonte e sorria orgulhosa pelo excelente trabalho de todos os envolvidos. O povo correu eufórico para fora do castelo e em imediata comemoração, louvavam as Musas.

No centro de Boandis, assim que o céu ficou limpo, Bellepo desfez os escudos e os sorrisos foram vistos com facilidade no rosto da maioria. Lady Khei, mesmo cansada, abraçou os que estavam em sua volta, emocionada pela vitória. A pequena Allegra dava gritinhos de felicidade enquanto era erguida no colo por Belle. Todos saíram para as ruas comemorar, pois criam que a maldição havia acabado.

Entretanto, toda vida que fora petrificada, não havia voltado ao normal e tal fato foi chocante, doloroso e assustador de ser visto por todos os que sobreviveram. 

Imediatamente, toda comemoração e alegria deu lugar à tristeza e o desespero dos muitos que perderam seus entes queridos, surpreendidos ao constatarem que tudo ainda era pedra.

Todos acreditavam que quando a maldição cessasse, a vida retornaria. Mas não foi o que aconteceu e isso surpreendeu até mesmo os Lordes Magos. Indignados com tal fato, dirigiram-se, imediatamente, até a ilha onde se encontrava Lady Hestea.

A ilha foi invadida por uma luminosidade tão forte, que a Dama Albina sentiu seus olhos queimarem pela claridade. Quando focou o olhar, viu no céu três enormes e poderosos Dragões e, diante de si, os Lordes Magos. Nenhum deles estava disposto a ter misericórdia e sem nenhum aviso, a imobilizaram jogando-a no chão.

— Por que a vida não retornou a Boandis? Por que tudo ainda é pedra? — questionou Lorde Shaido, se aproximando de Lady Hestea.

— Responda, maldita! —– gritou Lorde Codhe. — Tua tempestade já cessou. O que falta para desfazer a maldição petrificante?

Lady Hestea riu, como se saboreasse seu último trunfo e seu riso era sarcástico e maléfico, irritando os lordes, que ponderavam matá-la imediatamente sem esperar por respostas. Mas a vida dela talvez fosse a chave para o enigma que precisavam solucionar, precisavam saber o motivo pelo qual a vida não fora recuperada.

— Meu coração, Lordes Magos — respondeu ela em meio ao riso insano —, o meu coração é o motivo de tudo ainda ser pedra.

— Você nem ao menos tem um coração! — irou-se Lorde Meyne, ao lembrar-se de tudo o que sua ex-esposa fizera. — É somente uma pedra desprovida de qualquer sentimento bom.

— Exatamente, meu querido! — debochou. — Meu coração foi o primeiro a se petrificar e é ele que mantém tudo no estado em que se encontra.

— Então, se arrancarmos o seu coração, a vida retornará — concluiu Lorde Codhe, já concentrando o fogo em suas alabarda, decidido a concretizar o ato.

— Sim... —  Ela concordou e riu baixo, cansada pela derrota, mas ainda com forças para mais provocações. — Mas não é tão simples assim! Veja.

Ela exibiu a Insígnia de Kalanthos tatuada em seu peito, com um sorriso orgulhoso e olhar altivo, se vangloriando de sua condição.

— Precisam remover esta Insígnia para atingir meu coração — disse enfim e riu alto e maligno. — NINGUÉM PODE! — gritou com grande escândalo. — Nenhum de vocês, nem mesmo as Musas! Somente um Kaile pode retirar, pois este poder vem direto de Yaksha!

E, rindo desvairada, se levantou quebrando a imobilidade. Antes que eles pudessem desferir outro golpe para detê-la, a Dama Albina se teletransportou para um ponto remoto na praia de Boandis.

Assim que a Dama Albina fugiu diante dos olhos dos Lordes Magos, eles praguejaram entre si e planejaram ir atrás dela, mas foram impedidos por Kursora.

— Acalmai-vos, Lordes Magos da Tríade. O destino de Lady Hestea não pertence aos senhores!

— Devemos ignorar as vidas que ainda estão petrificadas e deixá-la partir? — questionou Lorde Shaido, furioso.

— Não me ouviste? — replicou a Musa. — Pois repito, acalmai-vos. Ela será punida no devido tempo, não cabe a nenhum dos lordes tal punição. Seu trabalho foi concluído. Retornem para seus entes queridos.

Kursora abriu suas asas e planou no ar, com suas mãos fez surgir um portal dourado e gesticulou para que os lordes passassem por ele. Cada lorde recolheu seu Tione e acalmou o coração, cruzando o portal com orgulho e expectativas em encontrar os que lhes esperavam do outro lado.

 

 

Do ponto remoto na praia, a  Dama Albina abriu um novo portal para voltar à Imperah, já que não havia mais nada a ser feito ali. Porém, antes de passar e fugir, foi impedida por uma voz bem conhecida, que lhe dirigiu palavras de impedimento e ofensa.

— Aonde vais, peçonhenta. — Bellepo a imobilizou e tinha o olhar sério e grave.

Quando a Musa abriu seu Livro Encantado e lançou uma magia no portal aberto por Lady Hestea, uma pessoa passou por ele, e sua imponência e poder, fizeram a Dama Albina cair de joelhos, assustada e temerosa ao ver quem estava ali diante de si.

— Me trás a morte como punição? — questionou a vil dama, admitindo sua inferioridade.

— Bem que pretendia. — Lorde Thwar a olhou de cima e fez uma careta de desdém. — Mas te olhando assim, tão inútil quanto fracassada, dá até pena.

— Engana-se, meu Lorde Imperador! — abriu um leve sorriso arrogante. — A Maldição pode não ter alcançado as proporções suficientes para o despertar da alma de Yaksha. Também posso não ter obtido o poder por completo, mas a Maldição dos Mil Anos ficará sobre Boandis para sempre!

— Não por mil anos — olhou-a de canto, com um sorriso esnobe —, aliás, não ficará nem mais um dia.

— Impossível! Nem mesmo as Musas podem trazer de volta a vida, só há uma possibilidade e ela não poderá ser alcançada.

— Quando teu coração se petrificou para dar início na Maldição, a alma de Yaksha se transferiu para ele. Sendo assim, quando toda Les Marcheé se transformasse em pedra, a Imperatriz das Trevas retornaria para este mundo em sua forma física, com total poder e domínio.

— A alma de Yaksha está no meu coração? — A Lady pareceu surpresa ao ouvir aquela nova versão dos fatos. — Sempre soube que o motivo do meu coração ser petrificado era o sacrifício necessário para receber o poder dela, não a alma! Assim que tudo se tornasse pedra, o poder seria liberado somente para mim.

— Uma versão distorcida contada pelos teus mestres, com o intuito de ludibriar e manter-te cega à frente dos planos.

— Sou a escolhida de Yaksha! — gritou tentando se levantar, com os olhos marejados de ódio.

— Não! Tu és apenas um instrumento nas mãos deles, para realizar um feito que eles não poderiam por estarem aprisionados — revelou com desdém. — Tu és apenas uma marionete, sendo manipulada para cumprir os desejos dos remanescentes que desejam trazer Yaksha de volta ao império.

— Eu sou a escolhida e a prova é que lancei a Maldição dos Mil Anos! — gritava tentando convencer a si de que o Imperador mentia e, a versão contada pelos Kailes, era a verdadeira.

As lágrimas de raiva e frustração escorriam pelo seu rosto. Fechava os punhos com tanta força que suas unhas machucavam, formando uma meia lua escarlate em sua palma branca.

Jamais admitiria ter sido usada dessa forma, para no final, ser descartada como lixo. Nunca passou pela sua mente que estivesse sendo manipulada para executar um plano no qual ela só seria necessária para o começo e, na sequência, não ganharia recompensa alguma, sendo descartada como resto. Saber que todo seu esforço fora em vão e que fora enganada de forma hedionda, a fez se sentir a criatura mais miserável do mundo. Estava ali, impotente, não conseguia nem ao menos ficar de pé e encara-lo, tamanha era sua humilhação. Chorou de raiva.

— Não acredito! O Lorde Imperador mente para me humilhar! Sou aquela que despertaria o poder de Yaksha, e assim, obteria o poder me tornando a mais poderosa soberana desta Era.

— Quanta tolice. — Lorde Thwar fechou os olhos, escorou-se em uma pedra e cruzou os braços. — Tão patética que não tenho nem vontade de matá-la.

— Se eu tivesse conseguido, nem mesmo o Soberano Lorde poderia me confrontar! — falava aos gritos entre as lágrimas.

— Se tu tivesses conseguido, Yaksha estaria de volta em sua forma física com todo o poder de destruição e maldade. E tu não serias nada além de um capacho, que pela tua soberba, ela sequer te manteria viva, te faria pó como este chão onde pisas.

— Os Mestres Kailes me prometeram o poder supremo.

— Esses aos quais tu chamas “mestres” são apenas sobejos das antigas sombras, hoje privados de agir por si próprios, precisam manipular tolos como tu para mover a ganância pelo poder.

— A vida nunca retornará a Boandis e eu ainda tenho o coração marcado pela Insígnia de Kalanthos.

— Como eu disse anteriormente — descruzou os braços e se aproximou —, não por muito tempo. Levante-se!

Lady Hestea não dominava seus movimentos e seu corpo se levantou em obediência ao Imperador, mesmo contra sua vontade.

— Me agradeça por ser benevolente e arrancar teu coração de forma rápida, tornando tua morte menos dolorosa — disse segurando-a pelo queixo e olhando diretamente nos olhos.

Ela riu, fraca e perturbada, mas tendo forças ainda para retrucar.

— Ninguém pode tirar meu coração! Se sabe tanto sobre todas as coisas, bem sabe sobre esse fato!

 Soltando-a novamente, o Imperador retirou a luva da mão direita. 

— Mas esta é... — A lady arregalou os olhos e a boca se abriu em um perfeito “oh”, tamanho foi seu espanto e surpresa ao reconhecer a tatuagem no pulso de Lorde Thwar. — É a Insígnia de Kalanthos! Como pode o Imperador ter essa marca?

— É tão óbvio, mas tu te tornastes tão estúpida na obsessão pelo poder que até tua inteligência se esvaiu.

— Como é possível que meu Imperador seja um Kaile? — estava bestificada e incrédula. — Por que os Mestres Kailes nunca me disseram isso?

— Eu já te disse, mulher estúpida. Tu não precisas saber de nada, tampouco te serviria tal conhecimento.

Sem aviso, Lorde Thwar usou sua magia e arrancou o coração de Lady Hestea, que nada mais era, do que uma pedra cor ocre opaca, sem vida e sem brilho.

No momento em que Lorde Thwar arrancou o coração de Lady Hestea, a vida retornou diante dos olhos daqueles que antes choravam. Naquele instante, todas as cores, formas, movimento e, principalmente, o sopro da vida fizeram-se presente, exatamente, como antes da maldição. Ninguém teve dúvidas de que o mal havia sido erradicado por completo. A dor se transformou em alegria, abraços, sorrisos e gritos eufóricos de emoção. Boandis comemorava.

A Dama Albina sentiu todo seu poder ser sugado violentamente de seu peito e seu sangue queimou como fogo, sentiu um gosto amargo como fel em sua boca e sua visão ficou turva. Ainda conseguia ver Lorde Thwar segurando a pedra que antes era seu coração. Também viu Belle se aproximando. A Dama Albina respirava com dificuldade e quase não podia falar, mas havia muitas perguntas e queria respostas antes de morrer.

— Por quê? — Sua voz soou baixa e fraca. — Se o Imperador é um Kaile e detém todo o poder supremo, como pode aceitar o mundo dessa forma. Como pode não usar a glória e poder que lhe é devido?

— Usar a glória e poder que me é devido? Ao meu benefício, como a mente gananciosa de todo Kaile? — examinou a pedra em sua mão como se fosse um objeto digno de estudos. — Sim, eu uso meu poder dessa forma, afinal, sou o Imperador, não sou? O mundo é assim porque eu quero e porque tenho para mim a maior das dádiva.

— Qual dádiva? — perguntou sem pensar.

— O amor. — Ele olhou para Belle, abrindo um breve sorriso. — Sou escolhido de Bellepo, a Musa do Amor. E é pelo meu amor, que o império de Les Marcheé é assim, perfeito e imutável.

— Há um buraco vazio no seu peito. — Bellepo falou com voz doce e piedosa. — Por um breve instante, eu vou preenchê-lo com minha dádiva, somente para que você sinta o poder do amor quando age no coração.

A luz azul brilhou do Livro Encantado de Belle e penetrou lentamente no local onde antes Lady Hestea tinha um coração. Naquele momento, a Dama Albina sentiu o amor pela primeira vez. 

Tendo o amor no peito, ela foi capaz, por aquele breve instante, de sentir a dor mais profunda, atingida diretamente na alma, por ver e sentir todo o mal que causou há tantas pessoas inocentes. Toda dor, angústia e tristeza. Todo desespero, pesar e aflição.

O amor lhe causou algo pior do que a morte. Veio o arrependimento, uma agonia aliada a vergonha; o remorso. Pela primeira vez, ela chorou verdadeiramente, com sofrimento e amargura. Chorou por seus atos, por sua bela família, sua irmã Reiea, que a vida inteira tentou fazê-la abrir os olhos. Por Meyne, Ahiel e Allegra; todo o caos e maldade que fez a eles e as consequências que isso causou. Chorou por Boandis, e por toda vida perdida, desde a pequena relva no chão até vidas de pessoas nobres e importantes, tomadas por sua ganância e tolice.

Conformou-se com a morte e achava até injusto morrer, pois não merecia tal descanso após ter consciência de todos os seus crimes. Finalmente, estava lúcida e via a verdade. Merecia a pior e mais alta punição e aceitaria; não que buscasse o perdão, uma vez que sabia não haver perdão para si, mas talvez, aqueles aos quais ela fez tanto mal, pudessem alcançar a justiça na sua punição.

Então, Belle retirou de seu peito a magia e Lady Hestea sentiu-se vazia novamente. Porém, todos os outros sentimentos recém-adquiridos permaneceram, estava vazia somente de amor, e sem amor, nada mais valia a pena; deixou-se cair no chão e aceitou a condenação final do Imperador para si.


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