Les Marcheé escrita por Marurishi


Capítulo 31
Na biblioteca particular




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Na biblioteca particular da Imperatriz, Lorde Meyne foi chamado. Não era bom deixá-la esperando, por isso ele atendeu imediatamente. Era inusitado que ela recebesse alguém em sua biblioteca. Quando ele entrou prostrou-se de joelhos diante da soberana em sinal de respeito.

Lady Beriune lhe dispensou de todas as formalidades indicando-lhe uma poltrona de dois lugares, sentou-se enquanto ele ocupava o lugar vago ao lado. Ele achou aquela atitude íntima demais e sentiu-se desconfortável.

Aquela postura e proximidade não o deixava à vontade, na verdade, ele tinha receio de ficar tão próximo da Imperatriz, mas também, não havia como recusar.

— O motivo de tê-lo chamado de imediato é uma questão muito preocupante — dizia em tom baixo e cauteloso. — Você bem sabe o propósito de mantermos as fronteiras a salvo, impedindo qualquer que venha do lado de fora — falou olhando-o firme.

— Sim, eu compreendo tudo o que compõe o Mar Infinito — respondeu evitando encará-la.

— Pois bem, sabe também, que se Hestea for bem sucedida em lançar a Maldição dos Mil Anos, há grandes chances de Yaksha despertar e retornar à Les Marcheé.

— Sim — concordou, mas na verdade, sentiu-se imensamente estúpido.

A Imperatriz colocava aquela informação como algo óbvio, era claro que ele deveria saber. Porém, ele não sabia que a Maldição dos Mil Anos estava ligada ao sono de Yaksha.

Ele tinha conhecimento sobre a tal maldição, mas em verdade, não lembrava se de fato, acontecera ou fora apenas parte dos mitos que envolviam Les Marcheé nas Eras passadas. Sempre houve lendas e histórias envolvendo maldições e magia, mas nenhuma que estivesse ligada a Yaksha lhe vinha à mente.

— Algo errado, Lorde Meyne? — A Imperatriz percebeu o semblante perturbado do rapaz, que tinha a testa franzida e fitava o chão.

— E... eu... — Ele gaguejou, envergonhado. — Eu não sabia que essa maldição estava ligada ao sono de Yaksha.

— Claro que você sabia, sempre soube; apenas esqueceu — falou baixando o tom de voz com certa angústia.

Ele a encarou alarmado. Não sabia, tinha certeza; do contrário se lembraria. Percebeu que estava olhando diretamente nos olhos castanhos da Imperatriz de forma profunda e indagadora, isso o fez corar involuntariamente e desviou o olhar para o chão.

— É natural esquecer algo — ela disse com um afetuoso sorriso. — Há um motivo para isso.

Sentiu uma sensação estranha e irritante, pois agora lhe parecia haver algo a ser lembrado. E não apenas do fato ligado à maldição, mas algo além, que sua mente buscava e encontrava um grande precipício. Nunca havia sentido isso antes, estava se aborrecendo por uma questão tão pequena e, aparentemente, sem importância. A própria Imperatriz acabara de dizer que não havia nada errado em esquecer, porém, sua mente gritava que havia sim algo errôneo ali.

Se não estivesse diante de sua Soberana, de forma tão próxima, usaria seus poderes para procurar onde estava o erro, onde havia o bloqueio que o impedia de lembrar. Viu o sorriso amigável da Imperatriz para si, queria retribuir a complacência que recebia da nobre dama, mas não conseguiu.

— Lorde Meyne, não se deixe esmorecer. Vocês tem a dádiva de Esteh — disse se referindo a ele e a sua irmã gêmea, Laurel. — Algumas coisas foram esquecidas e seladas, para o bem de todos. Por isso repito que não há nada errado em esquecer.

— O que a Imperatriz sabe a nosso respeito. O que nós esquecemos? — questionou intrigado.

— Laurel guarda um selo muito importante, por isso o sono dela é tão pesado — depositou a mão sobre a dele, segurando com uma leve pressão.

 Ele sentiu o toque da Imperatriz e desviou o olhar para as mãos. Seu coração acelerou e sua respiração ficou pesada, aquele era um gesto que ele nunca vira Lady Beriune fazer antes, segurar tão intimidante a mão de alguém. Era certo que ela sabia o quanto aquele assunto era delicado.

Pensou na irmã e na sua sina. Desde que nasceu, Laurel dormia a maior parte do tempo. Ninguém jamais soube dizer o porquê. Ele fechou os olhos, se deixando invadir pelo sentimento que lhe vinha à memória e acalentado pela mão da Imperatriz, desabafou.

— Teve um momento na infância em que ela andava, sorria e brincava comigo, conversávamos por horas até ela se cansar e dormir — balançou a cabeça em sinal de relutância. — Achei que se eu fosse poderoso o suficiente poderia curá-la. Tinha quase certeza que conseguiria quando dominei o selo Tione; mas não aconteceu.

— Ela não está morta, isso é o que importa.

— Pensei que a graça de Esteh fosse para ambos, mas depois que me tornei Lorde Mago, ela dormiu sem despertar sequer uma única vez — a encarou com os olhos marejados. — Eu não sei como ajudá-la e agora que minha alteza fala sobre o sono dela estar ligado a um selo... Sinto que eu deveria ter sabido disso antes. Por que, então, estou sabendo disso somente agora?

— Porque somente agora é importante, antes não faria sentido — retirou sua mão que estava junto a dele.

— Que selo é esse? Por que foi dado a ela? — fechou a mão em punho, como se quisesse guardar o calor que havia se formado ali pela mão da lady.

— É um selo de proteção. Para protegê-lo da dor e da tristeza — estendeu-lhe a mão novamente, mas desta vez, levou-a até a face dele de forma carinhosa.

— Então é um selo falho, pois não está funcionando — fechou os olhos com aquele toque sentindo seu coração doer ainda mais.

— Não deve procurar respostas no sono de Laurel — continuou acariciando o rosto dele e admirando os contornos delicados da face enquanto ele permanecia com os olhos fechados.

Ela continuou:

— Eu não tenho direito de pedir que me perdoe por isso — aproximou-se encurtando a distância dos rostos e acrescentou dramaticamente. — Eu sei o que está em seu coração. Eu sei da sua dor e do seu amor.

Ele abriu os olhos voltando a realidade com aquelas palavras e se viu muito próximo a Lady Beriune, que ainda mantinha a mão no rosto dele e sustentava um olhar diferente do costumeiro, não o olhar da soberana Imperatriz que ele sempre vira, mas ali estava um olhar pesado, fragilizado e cheio de angústia.

Por que motivo ela precisava pedir-lhe perdão e, no entanto, julgava-se sem o direito de fazê-lo? Mais lhe intrigava o fato dela ressaltar que conhecia o motivo da sua dor e sabia do segredo em seu coração. Isso o atingiu de forma voraz e comprometedora. Era como se o esforço que fizera a vida toda para esconder seus sentimentos sobre aquele amor proibido fosse jogado contra si de forma violenta e arrasadora.

De todas as coisas no mundo, o temor de perder a confiança da Imperatriz era o maior. Se ela sabia sobre seu segredo, como ela ainda o aceitava? Não era por ele ser o mais poderoso entre os Lordes Magos ou por sua dádiva ser proveniente das Musas, era por ter pena.

Lorde Meyne refletiu alguns segundos sobre o que se passava ali e concluiu rapidamente: ela tinha dó dele. Sabendo de toda a verdade, ela estava demonstrando compaixão pelo amor impossível que ele carregava e ocultava, por isso o aceitou, por isso o trouxe para perto dela, como um tipo de prêmio de consolação.

Seu pensamento o arrebatou de forma rude e grotesca, franziu a testa e se afastou virando o rosto na direção oposta. Sentiu raiva de si mesmo e surgiu uma revolta no seu interior misturada com frustração e humilhação. Todavia, antes que ele dissesse qualquer coisa, como se lendo os pensamentos dele — e talvez, de fato o fizesse — a Imperatriz lhe abriu um sorriso, quase divertido.

— Quanta bobagem se passa em sua mente, o que faz um coração atormentado! — balançou a cabeça negativamente. — Me sinto mais culpada por submetê-lo a isso, você está tendo ideias erradas ao meu respeito e imaginando fatos errôneos.

— Me explique, por favor — pediu confuso. — Se sabe do meu amor, por que ainda estou aqui?

— Não é por pena, com certeza — levantou-se e caminhou se afastando ficando de costas para ele. — De fato, é pelo seu poder e pela pessoa que sempre foi. Tens minha total confiança e isso nunca mudará; garanto-lhe.

Aquelas palavras lhe deram certo alívio, mas não o acalmaram completamente.

— Desde quando sabe sobre meus sentimentos? — perguntou preocupado.

— Desde sempre — virou-se para encará-lo e sorriu briosa. — Não posso lhe responder mais do que isso, se souber de toda a verdade, quebrar-se-ia o selo de Laurel e isso traria dor e tristeza.

— Mais do que a dor que sinto agora? — levantou-se e elevou o tom de voz em indignação. — Acaba de me dar a solução e ainda sim, diz não poder revelar a verdade. Qual é a maldita verdade que foi selada e apagada da minha memória? Quando isso ocorreu se lembro-me de toda minha vida! Por que Laurel deve sofrer se é algo que diz respeito a mim e aos meus sentimentos?

Ela não respondeu, apenas fez uma careta descontente. Lorde Meyne se deu conta que estava diante da soberana Imperatriz gritando e exigindo que ela lhe desse respostas. Envergonhou-se por sua conduta e imediatamente se prostrou de joelhos, arrependido, mas ainda irritado.

— Perdoe-me a audácia e insensatez, deixei o momento me dominar e esqueci meu lugar — falou moderando a voz.

— Ahh, meu lorde... Meu Mago do Gelo… Meu amigo! — falou baixo se aproximando e repentinamente, ajoelhou-se diante dele, tomando-lhe a face entre as mãos, fazendo ele a encarar. — Se o lorde soubesse do seu lugar, não se prostraria diante de mim dessa maneira, quem sabe até devesse ser o oposto!

Aquelas palavras o chocaram tanto que ele não soube o que dizer, o que pensar e nem mesmo conseguiu se mover. Primeiramente, aquela frase sequer fez sentido, mas quando a Imperatriz derramou as primeiras lágrimas e o abraçou, sussurrando pedidos de desculpas, era como se o mundo caísse sobre si e sua mente foi invadida por um déjà vu, onde aquele mesmo gesto, aquelas mesmas lágrimas naquela mesma situação, com aqueles mesmos pedidos de desculpas já tivessem acontecido por algo que ela não era capaz de fazer, um amor que não pode ser retribuído e um trono que não pode ser unido.

Ele viu claramente a cena se repetir, num momento decisivo para ambos. Porém, em um lugar diferente, de uma Era que não era esta. Ele soube que existia algo oculto em sua alma, selado no esquecimento, fora condenado a mantê-lo consigo e levar em silêncio passando pelo tempo para todo o sempre.

Ele suspirou estarrecido, o que era tudo isso, afinal? Sentindo o peito lhe arder em dor e consternação. Não tinha coragem de se levantar ou afastar-se. Aquela revelação o fizera encher-se de algo além de um conhecimento fatídico, que provavelmente, não deveria ter sido revelado naquele momento. A Imperatriz havia cometido um erro ou foi de propósito? Contudo, ela havia dito, se lhe fosse revelado causaria maior dor.

Por isso, ele sentiu Lady Beriune se esforçando em manter oculta a verdade sobre aquele buraco obscuro na alma dele. Ele soube da existência dessa lacuna esquecida, mas não do que realmente se tratava.

— Quem é você? — conseguiu perguntar, num tom baixo como um sussurro. — Capaz de ocultar memórias de vidas passadas.

— Lorde Meyne, qual memória você deseja guardar? — soltou um riso nervoso. — É o presente que você precisa saber e viver.

— Conhecendo-me e sabendo que me traria maior sofrimento, não deveria ter me revelado algo assim — falou com discrepância. — Sabe que agora quero saber da verdade sobre o que me foi velado.

— Eu não tenho o poder da verdade, pois esta dádiva foi perdida e ainda não retornou a Les Marcheé — tentou passar tranquilidade, mas não conseguiu disfarçar sua preocupação. — Por isso, é importante que Yaksha seja destruída por completo. Para que a dádiva da Verdade volte para nosso reino e assim, tudo seja esclarecido!

— E por que me revela tudo isso neste momento?

— Porque você tem o poder de Esteh, a Musa da Esperança.

— Estou tão confuso que não consigo organizar meus pensamentos ou por onde começar minha busca — estava tão desnorteado que usava, inclusive, uma linguagem informal para tratar com a Imperatriz e não havia se dado conta disso.

 — Por isso é importante lembrar sobre a maldição que Hestea pretende lançar, por estar ligada ao sono e Yaksha. Se a maldição for bem sucedida, poderemos destruí-la e trazer as duas dádivas que faltam no reino: A verdade e a Paz.

— E com essas dádivas meu coração poderá descansar — concluiu e sentiu uma pequena esperança crescendo.

— Sim — concordou. — Por isso, você deve saber dessas coisas. Deve vigiar Hestea e agir com todo o seu poder, caso ela dê qualquer passo em direção suspeita.

Ela se levantou e ele a seguiu, reverenciou rapidamente e se retirou, voltando à ala oeste do castelo. Seu coração não doía mais e pensar no seu amor secreto já não lhe causava tanta angústia. Porém, a raiva que sentia de Hestea voltou e pensou sobre os avisos da Imperatriz. Iria vê-la e certificar-se que ela estava no seu devido lugar. Também queria ver suas filhas, pois sentiu saudades e por algum motivo estranho, seu coração ficou ansioso ao pensar nelas.

 

Muitas lendas eram contadas sobre os Lordes Lynzeths. Alguns diziam que eram seres dotados de magia onipotente, vigilantes e protetores do império inteiro, outros acreditavam que se tratava de um gigantesco exército mágico onipresente; outros ainda pensavam neles como seres invisíveis que somente apreciam quando a paz era ameaçada. Tudo o que se dizia era verdade, menos sobre os números, pois eram apenas oito.

Também não eram invisíveis. Todavia, podiam ocultar-se dos olhos de qualquer pessoa e esse poder, aliado as suas armas míticas de magia inigualável, os tornavam como divindades semelhante as Musas. Certamente, os atributos que lhes eram atribuídos existiam e os faziam os seres mais poderosos de Les Marcheé.

Estavam reunidos na Torre de Panapanézia com o Imperador. Discutiam os assuntos primordiais.

— Temos vigiado incansavelmente as fronteiras e sabemos todo tipo de poder que entra ou nasce em Les Marcheé — dizia Lorde Thwar, enquanto andava de um lado para outro. — É nossa missão: proteger o império de qualquer magia relacionada à Yaksha.

Ele parou e observou todos os lordes e ladys presentes ali. Era incomum reunir os oito Lynzeths em um único lugar, mas aquelas circunstâncias também eram inusitadas.

— Yaksha conseguiu uma chance através da Maldição dos Mil Anos — comentou o segundo Lorde Lynzeth, demonstrando toda sua raiva no tom de voz agressivo.

— Temos que impedir que ela desperte, a qualquer custo — o sexto Lorde Lynzeth concluiu rapidamente, fechando a mão em punho diante de sua face, como se fitasse e esmagasse o inimigo.

— Também penso assim — concordou Lorde Thwar —, mas a Imperatriz discorda. Ela prefere que a maldição seja lançada e esperemos na neutralidade.

— Esperar o quê? — levantou o segundo lorde, exaltado e batendo as mãos na mesa. — Com Yaksha acordando depois de tantos séculos não há como prever o tipo de poder que enfrentaremos!

— As Ordens existentes nesta Era são fracas! — falou a quinta Lady Lynzeth, fazendo uma careta de desdém. — Nem ao menos estão preparadas para uma batalha deste nível.

— É quase certo que não tem ideia sequer de quem é Yaksha ou o poder que possui — completou o segundo, novamente com impulsividade.

— Por isso as Musas já estão novamente no reino, em sua forma feminina e poderosa, na liderança dos seus escolhidos — falou o Imperador.

— Vamos nos dividir e auxiliar as Ordens, como no passado? — questionou a quarta Lady, com seriedade.

— Até parece que somos apenas um suporte! — retrucou o segundo. – Somos os líderes e deveríamos mandar as Ordem ficarem fora disso enquanto fazemos nosso trabalho.

A quinta Lady revirou os olhos em desaprovação ao comentário soberbo do segundo, enquanto os outros permaneceram em silêncio.

— Vamos testar o novo poder dos selos Tiones. Deixaremos acontecer como a Imperatriz deseja — resumiu o Imperador. — Caso o poder não seja suficiente, faremos a intervenção.

E aquela reunião foi encerrada sem muitas delongas. Cada qual voltou as suas obrigações, com exceção do sexto Lorde Lynzeth, que ao invés de ir vigiar no seu posto, foi para o centro de Boandis, observar o Palácio de Linmor, onde estava Khei Protheroi.

 

 

Assim que Lorde Meyne saiu da biblioteca particular da imperatriz e retornou à ala oeste do castelo, encontrou sua cunhada, Lady Reiea no corredor:

— Oh, meu Lorde! Hestea e Allegra sumiram, levaram junto duas veilana, Catania e Mosa, as veilanas que cuidavam da pequena.

— Ah, com certeza, Hestea resolveu dar algum passeio — falou estreitando os olhos e tomando aquilo como uma “atitude suspeita”. — Vou achá-las, não se preocupe, não devem ter ido longe.

— Estou com um mau pressentimento!

— Acalme-se Reiea, não é a primeira vez que sua irmã faz um ato irresponsável — tentou não demonstrar sua tensão, mantendo o tom de voz baixo e ameno para não deixar a moça ainda mais preocupada.

— Nem me lembre que aquilo é minha irmã… Eu temo por Allegra.

— Não diga isso. Lady Hestea se arrependeu e a própria... — de repente se lembrou do que a Imperatriz lhe falou e algo se desfez em seu íntimo. 

Mudou seu tom para indignação e raiva, prosseguindo com voz firme:

— Olha só, que absurdo! Parece que o encanto ludibriante que Hestea colocou em mim ainda faz algum efeito... Eu quase a defendi!

— Mulherzinha pavorosa né! — Lady Reiea fez uma careta. — Suspeito que ela tenha ido para Boandis, pois tinha uma viagem marcada faz bom tempo.

— Vou achá-las e será o fim de Hestea se fizer algo contra Allegra! — disse decidido e saiu apressadamente.

 

 

Faltavam algumas horas para que Belle assumisse seu turno na biblioteca, mas o Sr. Havin não estranhou ao vê-la entrar rapidamente e se dirigir a ele. Muitas vezes Belle se adiantava ou fazia horas extras, o que era plausível. Todavia, notou certa inquietação na moça e achou estranho.

— Sr. Havin, preciso de sua ajuda — disse antes mesmo de chegar até a mesa onde o idoso estava.

— Belle, o que aconteceu? Nunca a vi tão agitada?

— É por um motivo sério e o tempo urge, preciso que o senhor assuma meu lugar por algum tempo ou contrate outra bibliotecária, caso eu não retorne.

— Do que está falando menina! — assustou-se. — É tão grave assim?

— Sim, preciso me ausentar imediatamente e não sei quando voltarei.

— Pode me dizer o que houve ou é algo muito particular? — demonstrou preocupação.

— Não, não posso falar, mas preciso ir agora.

— Claro, querida! Vá, mas tome cuidado e retorne em segurança.

— Obrigada Sr. Perko — alcançou as mãos do senhor e apertou com carinho, deu um sorriso agradável em agradecimento e despedida. 

Logo saiu, deixando um rastro azul que parecia se apagar à medida que ela se afastava. O Sr. Havin Perko ficou preocupado e seu velho coração fraquejou, teve um mau pressentimento e lamentou pela partida urgente de Belle. Considerava como uma filha e tinha muito carinho por ela. Aquela situação o deixou muito angustiado, mas confiava no juízo da moça e depositou toda sua confiança nas Musas para que a protegesse de todo mal, seja lá o que estivesse acontecendo.

Belle deixou a biblioteca e dirigiu-se para a estação de trem. Não carregava malas ou bolsa, tinha um semblante preocupado e uma urgência em chegar rapidamente. Quando chegou próximo aos portões que davam acesso a estação encontrou-se com Lorde Meyne e não hesitou em ir correndo até ele.

— Lorde Meyne, preciso lhe falar! — disse ofegante.

— Olá Belle. Desculpe mas estou com muita pressa — falou enquanto se dirigia para a entrada. — Seja o que for, preciso que espere meu retorno.

— Lorde Meyne, escute-me, por favor! — segurou-o pela mão e ele estranhou aquele ato, ela parecia realmente aflita. — Se procura por Lady Hestea, não adianta procurá-la aqui.

— O que disse? — ficou surpreso por Belle saber quem ele procurava. — Como sabe sobre ela?

— Agora sou eu que peço urgência — falou fazendo um gesto para que ele a seguisse. — Venha comigo e lhe explicarei o que está acontecendo.

— Sabe onde ela está? Com Allegra?  — questionou enquanto ambos começavam a correr no sentido oposto à estação.

— Sim, em Boandis.

— Podemos intercepta-las no caminho!

— Não, ela já está lá. Usou de sua magia para se locomover rapidamente. Precisamos usar o mesmo método ou não chegaremos a tempo.

— Belle, eu não tenho poderes de teletransporte! — disse um pouco aflito. — Se me der certeza do que diz, há um portal em Bellephorte.

— Bellephorte está longe e perderemos muito tempo indo até lá — continuou quase correndo, mas diminuiu o ritmo, pois suas pernas fraquejavam devido ao esforço e nervosismo. — Não acredito que um Lorde Mago não possa se teletransportar!

— Isso não vem ao caso — franziu a testa ofendido. — Para onde estamos indo? — perguntou desconfiado.

— Para meu apartamento aqui perto.

— Belle! — parou e a segurou pelo braço fazendo-a encará-lo, tinha uma expressão severa. — Preciso encontrar Hestea e Allegra antes que ela faça algo irreparável!

— Eu digo o mesmo, meu bom lorde! Parece que a Imperatriz não lhe avisou do perigo iminente. Estamos sem tempo! — elevou sua voz e soltou-se bruscamente. — Preciso pegar algo que está no meu apartamento, não podemos enfrentar uma maldição nessas condições!

Ela voltou a correr e Lorde Meyne a seguiu. Algo em seu coração dizia que Belle sabia muito mais do que demonstrava. Logo estavam no apartamento da moça, onde entraram sem cerimônias. Belle dirigiu-se para o quarto enquanto Lorde Meyne parou na sala.

Não estava com tempo para observar nada em detalhes, mas não pode deixar de olhar a sua volta, os móveis eram todos em madeira polida e envernizada, brilhante e bonita. Os tapetes, almofadas, cortinas, papel de parede, enfeites, candelabros e bibelôs, eram todos em diferentes tons de azul.

Achou a decoração com excesso de azul e notou uma quantidade considerável de cartas abertas espalhadas sobre a mesa de centro, todas com uma caligrafia regular e muito bonita, certamente, escritas pela mesma pessoa e algumas pareciam poemas; era bem inusitado. Mas o que lhe chamou a atenção, realmente, era a aura mágica que pairava no local. Pela primeira vez ele percebeu que Belle possuía uma magia poderosa e muito semelhante a dos Lordes Magos.

Não teve muito tempo para pensar a respeito, logo ela estava de volta na sala e trazia consigo um livro de encantos. Entretanto, ele reconheceu que aquele não era um livro comum, e sim uma arma mítica, cujo encanto e atributos poderiam ser comparados com o de sua Órbita, talvez, até maior.

— Belle, esse livro... — iria questionar, mas foi interrompido.

— Explicarei em Boandis, estamos sem tempo e meus poderes estão restritos para certos feitos — abriu o livro e fez sua magia fluir em centelhas de um brilho azul, materializando na frente de ambos um portal, que levaria direto para o centro de Boandis.


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