Vollfeit - Diellors e ihenes escrita por Kaonashi


Capítulo 3
Capítulo 3




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Capítulo 3

Tolos

 

Mesmo com o barulho de metal sendo riscado e jogado em uma mesa ainda mais forte de aço, Neri não parecia despertar de seu mundo interior. Seus olhos estavam desfocados, sua alma parecia vaguear longe dali, longe de Vollfeit.

— Neri…? - alguém a chamava.

— Ela não vai te responder, Cahdo, pare de ser idiota.

Uma mulher, sentada atrás da larga fôrma de ferro, criava os ruídos metálicos ao moldar uma aparentemente adaga curvada. Sem tirar os olhos de suas ferramentas, sorria de lado ao saber que seu irmão a encarava com desprezo.

— Você está bem, Neri? - Cahdo a tocou levemente pelo braço.

— Ah, estou sim… - a garota finalmente respondeu, encarando-o por um instante e sorrindo.

— Não me contaram que você voltaria hoje - disse com um pouco de frieza, olhando para a mulher sentada. - Traria alguns bolos da Safira se soubesse.

— Não se preocupe, embora os bolos dela sejam sempre bem-vindos - respondeu amigavelmente, fazendo-o sorrir.

— Irei para o treino agora, fique bem.

Neri se despediu do rapaz um ano mais velho, que iria para o castelo completar seu treino diário antes de ir caçar com o pai. Entre os oito irmãos da forjadora de armas, Cahdo, de vinte anos, era o terceiro mais velho e o que mais conversava com a espiã. Sempre que voltava para entregar uma arma a Adastrea, o jovem lhe trazia bolos da padaria de sua irmã mais nova - o sabor quase se igualava aos doces de Aldith. Era uma pena, pensou, o lugar ainda não ser reconhecido, mantendo a família Nadeau numa corda bamba financeira.

Desviou o olhar para Adastrea, que ainda martelava sistematicamente a adaga. Seus olhos amendoados e castanhos escuros estavam sérios, como se domassem o metal em sua frente, e suas sobrancelhas grossas arqueadas se flexionavam hora ou outra.

— Não vai me perguntar o que fiz com a adaga?

— Não - respondeu rapidamente.

— Que alívio.

Então a mulher parou para dirigir um olhar rigoroso a espiã, que sorriu.

— Eu ia vendê-la em Okarios, mas o homem da ferraria disse que era muito ruim e nem uma criança iria pagar por ela - Neri contou. - Então ele a jogou no chão e pisou em cima - naquele ponto, Adastrea parecia prestes a se levantar e usar a adaga ainda inacabada, com alguns arranhões percorrendo a empunhadura. - Brincadeira, esqueci que a levava comigo e a entortei enquanto treinava… - sorriu.

— Não importa o quanto treine, só te dão missões de reconhecimento, não é? - mesmo com sua voz naturalmente aveludada, suas palavras saíram cortantes. Bufou. Apesar do que falava sabia, através de Cahdo, que Neri era mais forte do que aparentava. - Ou pare de perder tempo sendo uma criança sonhadora - deixou um sorriso irônico aparecer em sua face bronzeada. - E tente alcançar algo que realmente importa, como o dinheiro.

Neri apenas sorriu brevemente e voltou a observar, distraída, o local ao redor. Parecia uma pessoa diferente naquele dia.

 

(...)

 

O dia foi pesado - sempre era. Após o período matutino na ferraria, Adastrea saíra para seu turno numa oficina de roupas, na área noroeste de Ihene. Ao voltar para casa, o céu já apresentava uma coloração alaranjada, com nuvens se movimentando vivamente. Ainda teria que passar pela escola do bairro para encontrar Sarah e Roi, buscar arroz e devolver uma quantia de dinheiro que sua mãe pegara emprestado de um familiar próximo. Dobrou o pescoço, estalando-o levemente, e se distraiu com as pessoas enquanto caminhava até a escola dos irmãos mais novos.

Em poucos minutos começava a ouvir as conversas animadas dos pequenos alunos se encontrando com seus parentes, prontos para voltarem para casa. Adastrea parou em um canto mais calmo em frente à escola enquanto observava a saída das crianças. Acenou brevemente quando avistou dois pequeninos loiros como ela, trotando com pressa até as cercas do terreno. Antes que pudesse vê-los ao seu lado, um outro aluno, maior e mais volumoso que eles, aproximou-se num salto por trás da dupla. Sua postura era desengonçada, mas parecia intimidadora para os estudantes que se voltaram e o encararam. Então as mãos masculinas se colocaram no ombro de Sarah, que estava estática e encolhida. Roi pareceu falar algo para o garoto, mas seu corpo estava tão pequeno quanto o da irmã. Como efeito, foi jogado para o chão, usando toscamente as mãos para amortecer a queda. Adastrea continuava assistindo, mas suas mãos já haviam se fechado, criando fortes nós entre os dedos. Odiava pessoas dominadoras.

Sarah agora tentava acudir o irmão, mas as mãos que a seguravam haviam se fortificado, impedindo qualquer reação. Adastrea bufou cansada. O que aqueles adultos ainda faziam parados, ignorando a situação?

— Ei, o que está fazendo, garoto? - aproximou-se o suficiente para enxergar os poros do aluno.

— Quem é você?

Bufou outra vez. A teimosia na voz infantil a fazia querer chutar alguém.

— Deveria perguntar o que vai acontecer com um animal como você, e não meu nome - sem resposta, continuou. - O que ainda faz segurando ela? É tanto medo que precisa de uma menina pra ser seu escudo? - disse, arremessando sua mão direita na dele e separando-o de Sarah.

— Sua velha nojenta! - o garoto gritou e os seguiu quando o trio saiu pacificamente. - Morra!

Então uma lasca de terra se levantou do solo e viajou em direção à cabeça de Adastrea. Um baque ecoou pelo local quando o pedregulho atingiu uma caixa de ferro a metros dali. A mulher se virou e riu, enchendo os risos de maldade.

— Ótimo, só reze para que a caixa não seja vingativa com você! - gritou para alcançar o resto dos alunos, que ainda assistiam tudo. - Idiota - murmurou e voltou a guiar Sarah e Roi para a casa de seus tios-avós.

 

 

A devolução de dinheiro não demorou muito e logo chegavam em sua própria casa. O cheiro de carne assada saía para as ruas, atingindo-os e ativando sua fome quando se aproximaram da moradia. Os mais novos correram na frente e se jogaram pela porta entreaberta, causando um alvoroço que podia ser ouvido por Adastrea, ainda caminhando pela rua.

— Adastrea, o que aconteceu com Roi? - sua mãe a abordou assim que entrou em casa. Provavelmente encarava os arranhões sujos nas mãos do garoto.

A mulher não respondeu - não precisava, os irmãos não eram mudos. Andou até o sofá pequeno da sala e se jogou, tentando liberar toda a exaustão que seu corpo havia acumulado naquele dia. Fechou os olhos e tentou relaxar em meio ao barulho naquela casa, que apesar de pequena, precisava abrigar onze pessoas. Sua mãe conversava exaltada com Roi e Sarah; as panelas eram abertas e postas na mesa ali perto; seu pai, Cahdo e outros de seus irmãos iam chegando a cada minuto. Era um caos.

— Mãe, tentaram invadir Vollfeit outra vez. O pai te contou? - James, o filho de dezoito anos, retirava o colete de couro.

— Seu pai nunca conta essas coisas - respondeu um tanto chateada, andando de um lado para o outro até que a mesa estivesse cheia de pratos e talheres.

— Parece que ontem de noite um grupo foi pra Diellor, mas não teve sorte - sentou-se numa das cadeiras da extensa mesa de madeira bruta. Rapidamente outros se juntaram com agitação.

— Foram pegos, não é? - Cahdo entrou na conversa, embora não tirasse os olhos de um prato repleto de carne de pato.

James concordou com a cabeça.

— Devem estar no calabouço agora, talvez sendo torturados até contarem algo… - sua voz apresentava certo peso.

— Não fale coisas assim, James - a mãe o repreendeu, lançando um olhar de esguelha para as três crianças no cômodo.

— Ah, certo, certo… - desculpou-se com as mãos. - Ei, Adastrea, Neri não te contou nada? Ela trabalha no castelo, né? Deve saber algo, mais que esse aqui - apontou para Cahdo.

A mulher se levantou para tomar uma cadeira no jantar.

— Ela é só uma criada, como saberia? - respondeu indiferente. Como sempre.

— Tente tirar algo dela, tenho certeza de que sabe de pelo menos um detalhezinho— sorriu, sem se importar com a apatia da irmã.

— Fique quieto e coma, James - Cahdo chamou sua atenção.

— Querido irmão, você gosta da garota? Brincadeira, todos nós sabemos, não diga - abanou as mãos. - Até ela sabe - e piscou os olhos.

Adastrea riu internamente. Ver Cahdo, o irmão inocente e dócil, envergonhado por uma simples frase era ridículo. Ou teria ele imaginado coisas mais suspeitas ao ouvir aquilo? Deixou o canto de seus lábios se erguerem levemente, pensando que não seria surpresa caso fosse esta a situação - afinal, ele teria uma mente sórdida a quem puxar.


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