Amor e Amizade escrita por The Escapist


Capítulo 7
Capítulo 7




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Nas férias daquele ano, Daniel não voltou pra casa assim que acabaram as aulas, conseguiu convencer os pais a deixá-lo passar pelo menos duas semanas na casa de Camila. Ele e os irmãos dela se deram muito bem e foram as duas semanas mais divertidas da vida de Daniel; claro que Camila achava que ele só estava dizendo aquilo pra ser educado, por que não tinha nada demais na casa dela pra ser tão divertido, logo para alguém como Daniel que estava acostumado a passar as férias na Europa, ou talvez fosse exatamente isso; Daniel dizia que seu pai era sério demais, que sua mãe era cheia de “frescuras” e que seus irmãos eram legais, mas “nem tanto”, talvez fosse a bagunça da casa dela, o jeito todo espontâneo da família, a irritante mania de Rodrigo cortar as unhas dos pés na sala, de Caio comer vendo TV, de assistirem futebol juntos, talvez não existisse essas coisas na casa de Daniel.

─ Tu gosta de futebol, guri? – perguntou Rodrigo, imitando o sotaque de Daniel.

─ Não muito, eu não sou bom com esportes, então eu prefiro ver, mas nem sempre, na verdade eu só vejo os jogos do Grêmio e nem são todos.

─ Todo mundo na sua casa é gremista?

─ Não, só eu, na verdade, todos são colorados.

─ Nossa! Como vocês conseguem coexistir pacificamente?

─ É bem difícil mesmo.

─ Aqui todo mundo é fiel, sabe como é!

 Depois das duas semanas na casa de Camila, ele foi pra sua própria casa, mesmo que às vezes se sentisse estranho, sentia falta dos pais, e sentia falta do cachorro; já não sentia tanta falta dos irmãos, mesmo que os três sempre tenham se dado bem, Daniel não achava mais tão engraçadas as brincadeiras de Eduardo e Filipe, principalmente as que se referiam a sua sexualidade; e além de tudo, os dois estavam sempre querendo moldar de alguma forma a personalidade do irmão. Daniel sentia saudade de ficar em casa, do seu quarto, suas coisas, seu play station, que ele não podia levar para a escola. Como os pais resolveram não viajar nas férias, e nem Eduardo – que viajou com a namorada e Filipe com os amigos, lhe convidaram pra ir juntos – o que Daniel não se incomodou, ele passou bastante tempo em casa durante as férias. Ficava no quarto, no computador, conversando via internet, às vezes com Camila, às vezes com Fabio, seu segundo amigo, ou com algum amigo virtual que fazia através de sites de relacionamento.

Mas as poucas vezes que saiu de casa foram suficientes pra Daniel se apaixonar, pela primeira vez, de verdade, de uma maneira que ele nunca imaginou que se apaixonaria. Amanda era uma velha conhecida de Daniel, filha de um amigo do seu pai, e eles se conheciam desde criança, e tinham estudando juntos até a oitava série. Da maneira como Daniel tinha ido estudar fora, Amanda também tinha ido embora, morar com os avós na Alemanha, e eles não se viam há mais de dois anos. Agora Amanda estava mesmo muito linda, muito mais linda do que antes. Daniel convidou Amanda pra ir até sua casa tomar banho de piscina, e ela aceitou. Foi uma tarde e tanto pra ele, nunca tinha passado tanto tempo com uma garota – a não ser com Camila – se divertindo tanto. Eles começaram a namorar, e Daniel não demorou a estar muito apaixonado por Amanda, ele não sabia que estava mais apaixonado por ela do que ela por ele. Daniel era um namorado carinhoso, carinhoso ao extremo, tanto que às vezes deixava Amanda irritada com tanta demonstração de carinho e com as cobranças. Quando as férias acabaram e ele teve que voltar pra escola, estava arrasado de verdade; era como se preferisse morrer a deixar Amanda, então veio a maior decepção da vida dele: ela quis terminar o namoro. Não era por causa da distância, era por que ela não queria mesmo continuar com ele, era por que ela não gostava mesmo dele. Não foi fácil pra Daniel ouvir essas palavras da garota por quem estava loucamente apaixonado. Afinal, por que Amanda não gostava dele? Ele não era bonito, inteligente, sensível, engraçado? Enfim, não era tudo que qualquer garota queria? Então por que a Amanda não queria ficar com ele?

O fim do namoro foi uma decepção muito grande pra Daniel, e quando ele voltou pra escola e reencontrou Camila ela sabia que uma parte do jeito deprimido – ou emo – dele estava de volta. Mesmo arrasado como estava, Daniel demonstrou interesse por saber como tinham sido a parte das férias de Camila sem ele – e depois de ouvir tudo que ela tinha pra contar, desabafou com a única pessoa que seria capaz de entender o que ele estava sentindo. E Camila entendeu Daniel perfeitamente; também achava um absurdo que Amanda – e ela não fazia ideia de quem fosse Amanda – não gostasse de Daniel; e ouvir da amiga que era um cara muito bacana e um gato de verdade foi reconfortante pra Daniel. Ele não esqueceu Amanda, mas tratou te tocar a vida; alguma coisa dentro dele dizia que ele seria eternamente apaixonado por Amanda e teria que lutar por ela ainda; Camila achava sinceramente que ele estava exagerando – se ele fosse eternamente apaixonado por Amanda não teria ficado com outras garotas durante o ano – mas preferiu não falar nada a Daniel, com certeza ela não era a pessoa mais indicada pra dar conselhos amorosos ao amigo.

Ao contrário de Daniel, que, mesmo apaixonado por Amanda, passou a sair mais com garotas da escola, Camila não saía com ninguém; desde o namoro hiper fracassado com Frederico ela estava com medo de gostar do garoto errado de novo; às vezes até se interessava por alguém, mas não o suficiente pra querer ter um relacionamento sério. E além do medo de errar como errou com Frederico, ela também estava preocupada por que era o último ano do colégio e no fim teria o vestibular, sabia que precisava estudar mais que o normal pra conseguir entrar na faculdade de Medicina.

Daniel também estava preocupado com o vestibular; mas pra ele a preocupação maior não era se ia ou não passar – se não entrasse na federal poderia ir pra uma universidade paga – o problema maior seria contar aos pais – principalmente ao pai – que não queria estudar Administração de Empresas, nem Engenharia, nem Direito, ou qualquer coisa que o levasse a trabalhar na empresa da família; Daniel queria estudar Medicina e mesmo sendo uma das profissões mais escolhidas entre os jovens, ele duvidava sinceramente que seu pai entendesse que ele não queria trabalhar no negócio da família. Preferiu esperar o ano todo pra poder ter a temida conversa com os pais. Quando o ano letivo estava quase acabando e logo ele teria que encarar o vestibular, estava em casa para passar o fim de semana. Na hora do jantar, Alberto tocou no assunto “carreira” pela primeira vez de uma maneira direta com Daniel.

─ Você já escolheu qual faculdade de Administração vai cursar, Daniel? – Daniel sentiu um calafrio e uma reviravolta no estomago; não seria mais adequado se o pai perguntasse “qual faculdade” ele ia cursar, e não qual “faculdade de Administração”?

─ Bom, na verdade não.

─ Seria bom que você começasse a pensar, está muito perto. O que você acha da FGV?

─ Acho que é uma ótima universidade, papai, mas...

─ Mas o que Daniel? – Daniel encarou o pai por uns instantes e lembrou de todas as conversas que teve com ele durante a vida toda, nunca tinha coragem de dizer ao pai o que sentia de verdade, preferia dizer o que sabia que Alberto queria ouvir. – Daniel?

─ É que, eu, não quero... Bom, papai, eu não estava pensando em estudar Administração... – ele disse, lembrando dos conselhos de Camila, talvez fosse a hora de falar francamente com o pai e aguentar as consequências; mas baixou a cabeça pra não ter que encará-lo, ou qualquer outra pessoa. Marina, Eduardo e Filipe ficaram paralisados, não esperavam que Daniel dissesse isso, afinal ele tinha dezesseis anos e nunca tinha contrariado o pai antes. O próprio Alberto estava surpreso, mas não da maneira como Daniel imaginou que ele ficaria.

─ Bom, e o que você pretende estudar?

─ Eu...

─ Será que você pode falar olhando pra mim, Daniel. – não era uma pergunta, nem um pedido, Daniel sabia que o pai não gostava de falar com ninguém sem olhar diretamente para a pessoa; ele levantou a cabeça e se surpreendeu; a expressão do pai era a mais normal possível, e isso foi um alivio, talvez não fosse ser tão difícil quanto ele imaginou que seria, afinal. – Então você já decidiu o que quer estudar? – Daniel não conseguiu falar – Eu sei que isso é difícil, Daniel, mas fique tranqüilo meu filho, isso acontece com a maioria das pessoas, não é tão simples escolher o que fazer pelo resto da vida aos dezesseis anos; é muito fácil tomar a decisão errada. – finalmente Daniel saiu do estado de quase transe.

─ Bom, tem razão, papai, mas eu já, já escolhi o que eu quero estudar.

─ Mesmo?

─ Aham, sim, eu quero fazer Medicina.

─ Então eu vou ter um filho médico?! Que maravilha, Daniel. – disse Mariana; Filipe murmurou um palavrão, e Eduardo riu consigo mesmo, ambos imaginando o que teria acontecido, se ao invés de fazer o que o pai esperava que eles fizessem, tivessem mudado completamente de rumo. Daniel sorriu amarelo pra mãe, sabia desde sempre que qualquer coisa que ele resolvesse fazer seria o bastante pra ela, contando que ele voltasse a morar em casa! Com Mariana, esse sim seria o problema! Mas Daniel ainda esperava pela reação do pai.

─ Medicina? Você tem certeza disso?

─ Absoluta.

─ Bom, nesse caso, meus parabéns, senhor futuro médico! – Alberto abriu um sorriso, e isso significava mais que qualquer coisa pra Daniel – Só me prometa uma coisa, Daniel.

─ O que, papai?

─ Prometa que será o melhor médico que você puder ser.

─ Não se preocupe, eu serei o melhor médico que eu puder, sem dúvida nenhuma.

─ Ótimo, ótimo. Então, você deve está estudando muito, não é?

─ Ah, sim, bastante, bom, minha amiga Camila tem me ajudado um pouco, ela é ótima em Matemática, e eu a ajudo com Inglês, ela não é muito boa nessa matéria, alias é a única coisa em que a Camila não é incrivelmente boa.

─ Tem certeza de que a Camila não é a sua namorada? – perguntou Filipe com um sorriso sarcástico, depois de piscar pra Eduardo, que entendeu muito bem o recado; eles já sabiam que esse comentário deixava Daniel irritado, e esse era o momento perfeito pra deixar o irmão caçula irritado.

─ Boa pergunta, Filipe, essa Camila deve ser muito mais que uma amiga. Então, vocês dormem juntos e tudo o mais? – Daniel não respondeu, não caiu na armação dos irmãos, não ia ficar irritado, não quando estava tão feliz; apenas balançou a cabeça e murmurou um palavrão contra os irmãos (os palavrões eram proibidos na casa deles desde que eram crianças e sempre diziam aos sussurros, entre dentes) – Ah, Daniel, você ainda é virgem? Fala sério, você pretende entrar na universidade, virgem? – Daniel olhou pra Eduardo com verdadeira fúria.

─ Que mico pra nossa família, hein?

─ Eduardo, Filipe, vocês já estão bem grandinhos, não acham?

─ Acho que a idade mental deles não passa dos três anos. – provocou Daniel, recebeu uma careta dupla dos irmãos.

─ Bom, eu já terminei, e como eu estou longe de ser virtuoso como o Daniel, vou sair – Eduardo se levantou – Mãe, não vou dormir em casa hoje, então não se preocupa.

─ De novo, Eduardo? Onde você vai dormir?

─ Hum, no lugar de sempre, mamãe. Boa noite, família. – Eduardo saiu e depois de uns minutos Filipe também levantou-se da mesa.

─ Também vou sair.

─ Vai dormir fora também?

─ Não, mamãe, hoje não, eu não vou demorar. Boa noite. – Filipe saiu.

─ Seria melhor se eles não crescessem. – falou Mariana, pensativa.

─ Com certeza.

─ Ou pelo menos se casassem. – Daniel deixou os pais conversando, provavelmente planejando o futuro dos filhos, e foi para o quarto; estava se sentido tão feliz, a conversa que tanto temia ter com o pai tinha sido muito mais fácil do que ele algum dia poderia imaginar.

No dia seguinte, domingo, ele teria que voltar para a escola, mas só ia viajar a tarde; aproveitou a manhã pra dar uma volta com Legolas, e quando voltou ficou jogando vídeo game. Estava sozinho na sala, concentrado no jogo do Senhor dos Anéis, quando a dupla de irmãos entrou – ou iam zuar com a cara dele, de novo, ou iam brigar.

─ Medicina? – disse Filipe.

─ Você não tinha o direito de fazer uma traição dessas com a gente, Daniel. – disparou Eduardo; Daniel não entendeu nada.

─ Que filho da mãe você é, moleque.

─ Não estou entendo qual é a de vocês?

─ Ah, ele não está entendendo! Explica pra ele, Eduardo?

─ O papai disse ótimo, ótimo! E riu! Ele riu, Daniel!

─ Você não acha o bastante ser o filho preferido, ainda quer ser o orgulho da família? Ah, então eu vou ter um filho médico! Que maravilha, Daniel! – Filipe imitou o jeito da mãe. – Daniel mal podia acreditar, os irmãos estavam com ciúmes dele!

─ Não é bem assim, qual é, o papai tem orgulho de vocês, vocês trabalham na empresa com ele, vocês vão levar adiante o negócio da família, ele... Tem orgulho de vocês.

─ Claro que ele tem, mas você sabe o quanto eu tenho que engolir naquele escritório pra ser o orgulho do papai? Não, você não sabe, por que você não sabe nem mesmo a cor das paredes do escritório do papai!

─ A gente tem que ralar, tem que trabalhar feito louco pra ser melhor que qualquer pessoa naquele inferno, mas pra você foi muito fácil, você só falou que queria ser médico e ele ficou feliz!

─ Ah, merda, por que vocês estão dizendo isso?

─ Você não entende nada mesmo, não é Daniel? Você vai ser o que o papai não conseguiu ser.

─ O que? Como?

─ O papai largou a faculdade de Medicina no segundo semestre – Daniel abriu a boca. “Fala sério!” – primeiro por que ele não tinha grana pra bancar a faculdade e segundo por que ele teve que começar a trabalhar, por que a mamãe estava grávida, de mim! Mas o sonho dele era ser médico, o melhor médico que pudesse ser!

─ Por que vocês sabem disso, e eu não?

─ Por que o filho mais novo pôde ser poupado dos momentos mais difíceis da nossa família.

─ Tudo bem, isso não tem nada a ver com querer ser o filho preferido, eu, na verdade estava morrendo de medo que o papai ficasse magoado por eu não querer trabalhar com ele; desculpem, eu não quis, não tive a intenção de...

─ Merda, Daniel.

─ Você simplesmente conseguiu o que nós nunca conseguimos.

─ O que?

─ Dizer não ao papai.

─ E ainda deixá-lo orgulhoso e feliz.

─ Consegui?

─ E tudo isso com esse seu jeito afeminado.

─ Eu não sou afeminado, Filipe.

─ Me convença. Você não é mais virgem?

─ Isso não é da sua conta.

─ Qual é, Daniel, é só uma pergunta, mas não precisa responder, sua cara diz tudo, orgulho do papai. – Filipe apertou a bochecha do irmão e saiu.

─ Pelo menos a sua responsabilidade aumentou significativamente, orgulho do papai. – Eduardo também saiu; Daniel estava um pouco confuso com a atitude dos irmãos, ciúmes era uma coisa que nuca tinha acontecido entre eles; mas uma parte dele sabia que Eduardo e Filipe não estavam magoados de verdade, eles só queriam mesmo deixá-lo irritado, e é claro que ele, Daniel, não era o filho preferido!

À tarde Alberto foi levá-lo ao aeroporto e ele voltou pra escola; quando Camila se encontrou com ele, na segunda-feira mal pôde reconhecer o amigo.

─ Então o fim de semana foi bom?

─ Foi, foi o melhor fim de semana da minha vida, Mila. – “exagero”, pensou Camila.

─ Sério? Quem morreu? – Daniel olhou, incrédulo pra Camila. – Sei lá Daniel, você às vezes fica feliz por cada motivo estranho!

─ Hum, eu conversei com os meus pais sobre a faculdade;

─ Bom, e...?

─ E eu disse, com todas as letras que queria estudar Medicina. E ele disse, ótimo e riu! – Daniel falou com os olhos brilhando – Não é incrível?

─ Quer dizer que ficou tudo bem?

─ Tudo bem não, tudo ótimo! Meu pai ficou feliz por eu decidir ser médico; sabe, meu irmão me contou que ele queria ser médico, mas não pôde terminar a faculdade, foi incrível!

─ Que maravilha! Mas, Daniel, me diz uma coisa, por que é tão importante o fato de o seu pai rir?

─ Ah, ah, é que, bom, é que o meu pai não costuma mesmo ser sorridente, sabe, ele quase nunca ri, e quando isso acontece é por que ele está realmente feliz.

─ Ah, isso é bem estranho.

            O resto do ano foi muito mais puxado para Camila; praticamente ficou sem fim de semana livre por que estava muito preocupada com o vestibular.

─ Camila, vamos parar um pouco, olha, vamos pra festa da Alice, hoje a noite, ok? Todo mundo foi liberado pra ir a essa festa.

─ Bom, se você quiser ir a essa festa, vai, Daniel, eu não vou.

─ Mas a Alice te convidou, não foi?

─ Foi, mas, não vai dar pra mim.

─ Por quê?

─ Não é óbvio?

─ Você já estudou tanto que vai entrar em Harvard! Então, eu não vejo motivo pra não ir a festa, e ainda falta um tempinho pro vestibular. – Daniel sabia, tinha certeza que o motivo pra Camila não querer ir a festa não era apenas por que precisava estudar – Camila, isso é besteira.

─ Você diz isso por que todas as suas roupas são da Calvin Klein!

─ Na verdade eu prefiro Hugo Boss! Mas, enfim, a Alice te convidou pra festa, acho que ela não tá preocupada com que roupa você vai.

─ Não insiste, vai Daniel.

─ Tudo bem. Mas, se você mudar de ideia...

─ Eu não vou mudar. Eu vou pro dormitório, tchau.

─ Tchau.

Daniel acabou indo a festa sem Camila, e não foi tão divertido, ela percebeu assim que se encontrou com ele na manhã seguinte na mesa do café da manhã.

─ E a festa, foi legal?

─ Normal.

─ Pela sua cara, parece que foi mais um enterro.

─ Camila, me diz uma coisa, mas seja sincera, por favor.

─ Eu sempre sou sincera, Daniel.

─ Ótimo. Então, me diz, eu sou bonito? – Camila quis rir, mas percebeu que Daniel não estava de bom humor; olhou pra ele e lembrou-se de como ele era quando se conheceram, muito alto e magrelo, desajeito, mas tinha mudado bastante desde o primeiro ano; ficou um instante admirando os olhos castanhos de Daniel, a pele branca, o cabelo preto liso bem penteado, e o corpão! Daniel tinha mesmo adquirido um corpão maravilhoso, principalmente depois que começou a malhar! A resposta a pergunta dele só poderia ser uma.

─ Você é um gato, Daniel. Mas qual o problema?

─ Eu não sei, cara, eu só queria uma namorada, mas eu só levo toco atrás de toco.

─ Bom, essas coisas acontecem mesmo...

─ Merda. Eu pensei que ontem eu ia... – Daniel desistiu do que ia dizer.

─ O que foi Daniel?

─ Nada, esquece.

─ Não, você ia falar alguma coisa.

─ Deixa pra lá, esse não é o tipo de coisa que se fala com uma garota.

─ Ah, é coisa de homem!

─ É. – Camila deixou pra lá; eles terminaram o café da manhã e foram pra aula; a tarde depois das aulas foram estudar, mas como o dia estava quente ao invés de irem pra biblioteca, foram sentar embaixo de uma árvore no jardim dos fundos da escola. – Talvez o problema seja mesmo comigo! – Daniel disse de repente.

─ Qual problema?

─ Meus irmãos acham que eu sou gay.

─ Mas você não é, ou é?

─ Não, mas não sou... Bom, esquece, não é legal conversar isso com você.

─ Tudo bem, eu aguento. Você ainda é virgem? – Daniel apenas assentiu – E qual é o problema com isso?

─ O que você acha? Não existem muitos caras como eu por ai.

─ Você deveria ficar feliz por não ser igual a todo mundo. Mas, esse problema é muito fácil de resolver.

─ É mesmo? – Daniel disse irônico.

─ É, tem gente que faz por cinquentinha, ou menos até, dependendo do nível de exigência.

─ Você acha que eu pagaria por isso?

─ Não sei, mas é uma opção.

─ Não tô a fim de pagar; só tô cansado de ver meus irmãos fazendo piadinhas sem graça.

─ Tá, você quer fazer isso só por que seus irmãos ficam fazendo piadinhas a respeito? Qual é, foi você mesmo quem falou pra não fazer uma coisa só por que os outros fazem.

─ Mas eu sou diferente de você, eu sou homem.

─ Sério? Às vezes eu nem percebo isso. Fala sério, Daniel, você tá bancando o machista! Você só tem dezesseis anos, relaxa!

─ É talvez seja com a Amanda, nas férias, não precisa de pressa mesmo. – Camila fez uma careta, “será que o Daniel vai ficar apaixonado por aquela Amanda a vida toda?”

─ Você tá ficando maluco por causa dessa Amanda, fala sério.

─ Eu tento esquecê-la, você tá vendo, eu saio, eu tento ficar com outras pessoas; pelo menos eu tento.

─ Eu não tenho ninguém pra esquecer, e não quero ficar com ninguém.

─ Não se preocupe, você vai ter sucesso no seu propósito; você anda tão mal humorada, Camila que eu tenho certeza que ninguém vai querer ficar com você. Fala sério!

─ Talvez a culpa do meu mau humor seja toda sua, afinal te aguentar é uma tarefa árdua. – eles ficaram cinco minutos sem se falar; em geral era assim que as brigas de Daniel e Camila terminavam, ficavam uns instantes sem se falar e depois voltavam a conversar.

            Mas a primeira vez de Daniel não foi com Amanda, como ele tanto queria. Foi em outra festa que ele foi sozinho, sem Camila, que mais uma vez usou a desculpa “tenho que estudar” pra ficar na escola, mas Daniel sabia que a verdade era “não tenho roupa”.

─ Então, como foi? – Camila perguntou logo que encontrou Daniel no dia seguinte. Ele olhou meio de lado e riu.

─ Sabe, quando eu digo que você não é muito feminina? É disso que eu tô falando!

─ é? Legal, mas como foi?

─ Bem estranho pra dizer a verdade. – admitiu Daniel.

─ Estranho não era a palavra que eu esperava. Foi abaixo ou acima das expectativas?

─ Vamos dizer que foi dentro do esperado.

─ Hum...

─ Sei o que você está pensando Camila, mas não é o tipo de sensação que eu possa descrever, você só vai saber quando experimentar. – Daniel sorriu sarcástico.

─ Vai pro inferno!

─ Não, eu vou fazer a inscrição no vestibular, amanhã.

─ Sua mãe não ia querer que você fosse estudar perto de casa?

─ Sim, mas eles me mandaram pra longe, eu me acostumei.

─ Ótimo argumento.

─ É. Está tão perto do vestibular, e se eu não passar?

─ De qualquer forma você sempre vai ter a opção de fazer uma faculdade particular; já eu...

─ Isso não importa, por que é inconcebível a ideia de você não passar no vestibular, Camila.

─ Espero que você esteja com a razão.

            Camila e Daniel fizeram a inscrição no vestibular para o mesmo curso – Medicina – na mesma universidade. Daniel foi passar os feriados do fim de ano em casa, e voltou pra fazer as provas. Só pra se garantir ele também se inscreveu na universidade em Porto Alegre, não que estivesse disposto a voltar pra casa, por que se não entrasse na USP poderia fazer outra faculdade.

            Depois das provas não havia muito o que fazer, Camila ficou em casa esperando pelo resultado do vestibular, rezando todos os dias pra conseguir entrar; claro que ia ser uma coisa realmente difícil, mas não era impossível. Ficou em casa, já imaginando como seria quando começassem as aulas, embora a confiança em passar não fosse tão grande sonhar não era nenhum pecado. Camila estava um pouco triste com Daniel, por que desde que as aulas tinham acabado ele tinha ido embora e mal dava notícia, mal respondia os e-mails, e quando foi fazer as provas eles mal se viram; talvez a amizade não fosse continuar a mesma no “mundo real”.

            Camila tentou não ficar nervosa, mas a proximidade do dia do resultado do vestibular deixava a moça à beira de um ataque de nervos; ela já tinha acabado as unhas das duas mãos e Rodrigo estava com medo que ela começasse a roer as dos pés. Não tem como explicar a sensação de Camila quando viu o próprio nome na lista de aprovados – não era apenas um nome na lista, era o primeiro nome da lista! Camila chorou de emoção e foi acompanhada no choro pela mãe, e ganhou tapinhas nas costas e muita zuação dos irmãos – Caio e Rodrigo queriam de todo jeito cortar os cabelos da irmã – e um abraço do pai que demorou vários minutos. Camila viu o nome de Daniel na lista, tinha que ser ele, não deveria haver mais de um Daniel Lemos Huberman na mesma cidade, e telefonou pra ele no mesmo dia, mas não conseguiu encontrá-lo, nem em casa, nem no celular – mau sinal; mandou um e-mail, mas não esperou resposta – Daniel já não respondia os e-mails há um tempão.

            Por hora Camila preferiu não se preocupar com questões do tipo onde ia conseguir grana pra bancar a faculdade, como ia se locomover de casa pra universidade todos os dias – sabia que os pais não tinham condições de bancar tudo isso, mas deixou pra se preocupar mais tarde, por hora ia comemorar, e aproveitar as férias. Passou um fim de semana na praia com os irmãos e os amigos; um dia estava em casa, era a hora do almoço e a família estava toda comendo na cozinha, inclusive Luana, a namorada de Rodrigo, que finalmente tinha sido apresentada – e além de ser apresentada se mudou pra casa deles – quando a campanhia tocou. Camila correu pra abrir a porta; ainda estava rindo com as bobagens de Rodrigo quando a abriu e ficou paralisada. Era ele!

─ Daniel! – a garota não esperou que ele falasse, pulou no pescoço dele dando um abraço apertado; Daniel ficou um pouco sem graça, mas retribuiu o abraço. – Nós entramos!

─ É, isso aí, cdf!- Camila reparou que Daniel estava de boné, e ele não gostava de boné, então...

─ Ah meu Deus! – disse e teve que esticar o braço pra alcançar o boné de Daniel e tirá-lo da cabeça dele; Daniel estava com a cabeça raspada; Camila deu uma risada – ah, que legal!

─ Legal por que não foi o seu cabelinho! – ele disse puxando umas mechas do cabelo de Camila – Não vai me convidar pra entrar não?

─ Claro, entra, desculpa. Hum, a gente está almoçando... Eh... Você...

─ Claro. – Camila voltou pra cozinha acompanhada por Daniel.

─ Olha só quem apareceu!

─ Bah, quem é vivo sempre aparece, guri!

─ Eu já perdi o sotaque há algum tempo, Rodrigo. – a família de Camila ficou satisfeita com a presença de Daniel, ele aceitou o convite pra almoçar, embora não estivesse com fome. Depois do almoço Caio, Rodrigo e Luana não demoraram a voltar ao trabalho, Camila foi liberada da louça pra fazer companhia ao amigo.

─ Não liga para as brincadeiras do Rodrigo, tá? – Camila se referia ao fato de Rodrigo insistir que ela e Daniel eram namorados; Daniel riu meio irônico.

─ Ah, sem problemas.

─ Onde você se meteu? Você não respondeu meus e-mails, nem telefonou, eu liguei pra sua casa e para o seu celular e...

─ Hum, tá bancando a namorada chata! – eles riram – Desculpe, tem razão eu sumi; mas eu posso explicar tudo; primeiro eu perdi meu celular, e o seu número estava na memória, e você sabe que eu tenho uma memória terrível, então não consegui lembrar pra te ligar; eu não respondi os e-mails por que estava na fazenda dos sogros do meu irmão, e lá não tem internet, e mesmo que tivesse eu andei ocupado durante o tempo que estava lá, e isso explica por que não me encontrou em casa, meus pais estavam lá também e o Filipe está na Alemanha, então não tinha ninguém em casa. Ok?

─ Ok! Então, em que você estava ocupado?

─ É... É que, a Amanda...

─ Amanda?

─ Eu estive com ela por um tempo.

─ Vocês voltaram?

─ Digamos que sim.

─ Digamos que sim?

─ É que, ela tem ciúmes de... Você...

─ Ah, isso explica muita coisa.

─ Mas, eu não vou deixar de ser seu amigo por causa disso, relaxa.

─ Que bom; mas o que a Amanda estava fazendo na fazenda dos sogros do seu irmão? A propósito, seu irmão já se casou?

─ Não, ainda não; pra falar a verdade eu acho que o Eduardo está enrolando a Verônica; e a Amanda estava lá por que é prima da Verônica.

─ Aham; bom, e você já veio pra ficar? Aliás, onde você vai morar?

─ Eu ainda vou passar uns dias em POA, só volto quando as aulas estiverem perto de começar mesmo; e acho que o meu pai vai comprar um apartamento.

─ Vai ganhar um apartamento?

─ Ou ele vai alugar, não sei; se eu tiver que escolher entre um apartamento e um carro, vou escolher o carro.

─ Então você vai morar sozinho?

─ Parece, mas eu também não sei, por que a ideia me apavora mesmo! Sempre tem a possibilidade de morar em uma republica.

─ Qualquer coisa você pode morar aqui! – Camila falou e eles riram.

─ Pela comida da sua mãe eu faria isso, com certeza! E você, o que tem feito? Está saindo com alguém? – Camila balançou a cabeça negativamente – Camila, você tá parecendo eu mesmo, três anos atrás!

─ Como assim?

─ Você não faz nada, não se diverte...

─ Eu me divirto!

─ Sério?

─ Qual foi a coisa mais divertida que você fez ultimamente?

─ Eu... Passei o fim de semana na praia, e foi muito divertido.

─ Beijou alguém?

─ Ah, Daniel, qual é, pra ser divertido não precisa beijar alguém.

─ Tá bom, mas você já está há um bom tempo sozinha, quer dizer...

─ Não se preocupe, Daniel.

─ Vai acabar ficando pra titia; a julgar pela animação do Rodrigo. Ele está mesmo morando com a namorada?

─ A Luana teve problemas, ela não está conseguindo pagar o aluguel, conversinha fiada pra mamãe deixar ela morar aqui, mas eles se gostam tanto.

─ Meu pai nunca deixaria isso acontecer; quer dizer, o Eduardo tem quase trinta anos e não tem permissão para dormir com a noiva em casa.

─ Hum, posso fazer uma pergunta bem íntima? – Daniel riu.

─ Eu já sei qual é a pergunta!

─ Não sabe não!

─ Pergunta então!

─ É... Você já... Já...

─ Ah, tudo bem, eu não falei que sabia? Já, com a Amanda, e foi, excedente das expectativas.

─ Ah! Que... Bom!

─ E você?

─ Eu o que? Ah, vai pro inferno! Você sabe que não!

─ Acho melhor a gente mudar de assunto.

─ Concordo.

            Daniel ficou hospedado na casa de Camila os dois dias seguintes; era incrível como ele se dava bem com todo mundo na casa de Mila. Até andou de moto com Caio, mesmo sabendo que se Mariana ao menos sonhasse com isso, ele ficaria de castigo até fazer dezoito anos! Depois viajou de volta pra Porto Alegre, principalmente por que a saudade de Amanda já estava começando a apertar. Camila e Daniel mantiveram contato durante o resto das férias, trocando e-mails quase todos os dias, e se falando pelo telefone pelo menos duas vezes por semana.

            As aulas estavam próximas de começar e Camila tinha que encarar agora a realidade – não tinha dinheiro. Sabia que tanto pai quanto os irmãos fariam o possível pra ajudar, mas talvez o possível deles não fosse suficiente; afinal, era preciso ser realista, medicina era um curso cara, eles viviam de aluguel e nenhum ganhava tão bem, sem falar que Rodrigo estava praticamente casado. Não seria nada fácil. A primeira coisa que Camila pensou foi em arrumar um emprego, mas como não tinha dezoito anos ainda, seus pais não concordaram, eles dariam um jeito, por enquanto – daria um jeito! Camila se preocupava com isso também, não queria nem pensar em qual jeito o pai estava pensando – agiotas?

            O problema de Daniel era outro. Não foi morar em uma república nem ganhou um apartamento pra morar sozinho, como esperava. Foi “obrigado” a morar com um casal de amigos do pai.

─ Por favor, Daniel.

─ Por favor, digo eu, papai, eu... Merda, eu não quero morar com aqueles velhos.

─ Em primeiro lugar, rapazinho, meça suas palavras quando falar comigo e sobre os meus amigos; e em segundo a Margarida e o Alfredo estão sendo muito prestativos em receber você na casa deles.

─ Ah, como se eu precisasse da presteza deles!

─ Você ainda é menor de idade, não tem autonomia pra morar sozinho.

─ Ah!

─ Não seja infantil, por favor. – Daniel bufou e foi para o quarto, telefonou para Camila e contou o que estava acontecendo.

─ Nossa, mas por que isso é assim tão ruim Dani? Você não queria mesmo morar sozinho...

─ É, mas eu não queria morar com a Margarida e o Alfredo. Não tá vendo o que o meu pai pretende?

─ O que?

─ Colocar vigias em cima de mim; espera um pouco Camila, eu já falo com você, a Amanda tá me ligando no celular, não desliga, ok?

─ Ok. – Daniel atendeu o celular e ficou conversando com a namorada; acabou esquecendo Camila no outro telefone; ela também não esperava que ele voltasse a falar com ela, mas não desligou, de qualquer forma era Daniel quem ia pagar a conta mesmo!

            Reclamando mais que quando foi para o colégio interno, Daniel se mudou pra casa dos amigos dos pais; ele conhecia Margarida e Alfredo desde criança; eles tinham morado em Porto Alegre antes e eram amigos da família há vários anos; o filho deles, Miguel também estudava na USP e pelo menos Daniel teria companhia e carona pra faculdade todos os dias.


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