Amor e Amizade escrita por The Escapist


Capítulo 13
Capítulo 13




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O dia da formatura de Daniel e Camila chegou; ela estava mais feliz que em qualquer outro momento da vida, ainda mais com Daniel ao seu lado. A família toda foi à festa, e tudo estava maravilhoso. Só ficou um pouco estranho quando a família de Daniel chegou; eles tinham feito as pazes, se é que podiam usar esse termo, pelo menos voltaram a falar com Daniel, embora o assunto casamento fosse um verdadeiro tabu. Camila sentiu-se mal; a afetividade com que era tratada pelos pais de Daniel parecia ter desaparecido e, principalmente Alberto foi extremamente frio com ela; até Daniel percebeu isso, mas como nenhum dos dois estava disposto a desperdiçar aquela noite tão maravilhosa, tentaram ao máximo esquecer o incomodo que a situação causava e se divertiram pra valer. Estavam com todos os amigos – Murilo, Gustavo, Bárbara, Vanessa, Ricardo, José Renato, Beatriz, Ana, Flavinha. O porre de Flavinha foi o momento mais hilário da festa, depois de Daniel e Camila dançando. “Aquilo foi terrível”, disseram depois. Mas a dança dos dois talvez não fosse ser a principal lembrança da turma, afinal como esquecer de Murilo dançando com o esqueleto? De Ana e Ricardo fazendo caretas pra tentar distrair José Renato, enquanto ele fazia seu discurso como orador da turma?

            Depois da formatura eles poderiam passar a se preocupar com o casamento; iam se casar em São Paulo, claro que esperavam a presença da família e dos amigos de Daniel, mas também havia a possibilidade disso não acontecer. A data estava marcada para o dia doze de dezembro e não havia mesmo muito tempo. Mas a medida que o dia se aproximava, Camila sentia a empolgação de Daniel diminuir, e vê-lo sofrendo era a coisa mais terrível do mundo. Camila sabia o motivo da angústia de Daniel – a não aprovação dos pais dele ao casamento. Daniel dava importância demais ao que eles pensavam e, embora tentasse disfarçar, Camila sabia que ele estava sofrendo com a situação; desde que ele tinha brigado com os pais não tinha voltado ao “normal” ainda. Na noite da formatura, Alberto tinha sugerido, oferecido a Daniel um curso de especialização no exterior. Foi a decisão mais difícil da vida de Camila, mas seria a melhor coisa a fazer por Daniel naquele momento, ele precisava de um tempo pra colocar as ideias em ordem, para tentar ter certeza do que queria no futuro.

─ Sabe o curso que o seu pai te ofereceu?

─ Por um momento eu achei que ele ia mesmo me oferecer uma viagem de lua-de-mel! Mas... – Daniel riu.

─ Acho que você deveria aceitar.

─ Hein?

─ É uma grande oportunidade, Dani, você pode aperfeiçoar-se.

─ Eu vou se você for comigo.

─ Pára eu tô falando sério.

─ Eu também, Camila, eu não quero ir a lugar nenhum sem você.

─ Daniel, você não acha que deveria pensar um pouco em você, e menos em mim?

─ Por que você tá dizendo isso?

─ Bom, eu acho que, é que, talvez você precise de tempo para resolver...

─ Eu não preciso resolver nada, Mila!

─ Acho que você só está tentando mostrar que é independente e pode fazer qualquer coisa. – Camila disse meio sem pensar, ou sem querer pensar no efeito que isso teria em Daniel.

─ Como é?

─ Acho que você só está querendo desafiar o seu pai.

─ Mila?!

─ Eu acho que... Esse não é o momento pra nós...

─ O que... Você está dizendo que... Mila, você está desistindo de se casar comigo?

─ Não, eu... Só acho que a gente pode esperar um pouco... Dar um tempo...

─ “Dar um tempo?” Ah, dá um tempo pra mim é eufemismo! Você não quer mais se casar comigo, por que?

─ Eu já disse, eu não acho que esse seja o momento...

─ E qual seria o momento?

─ Eu... Não, sei, quando você estiver mais... Quando você estiver bem com seus pais... Eu não quero que você fique assim com eles... Não quero que você fique magoado por minha causa, nem que você sofra pra não me fazer sofrer.

─ Para, para, Mila, por favor.

─ Daniel eu sei que você não está feliz, eu conheço você, lembra? Eu posso ver que você está sofrendo e isso é a pior coisa do mundo, eu não posso concordar que isso continue...

─ Você não pode terminar comigo, Mila.

─ Eu só quero dar um tempo.

─ Eu não posso viver sem você.

─ Você pode passar algum tempo sem mim...

─ Não...

─ Então, quando as coisas voltarem a ficar bem, nós vamos ficar juntos de novo.

─ Não é justo, Mila.

            Não tinha como não ser um fim. Para Daniel foi o fim de tudo. Era muito difícil para ele entender os motivos de Camila, embora ela tivesse sido bem clara. Um tempo. Ele não sabia quanto tempo poderia viver sem ela. Camila decidiu voltar pra casa, a faculdade tinha acabado e ela tinha um novo emprego, como assistente de um médico, um salário bem melhor e não havia mais “desculpa” para continuar no apartamento de Daniel. Teria sido mais fácil se ele entendesse que não era para sempre, que ela só queria que ele ficasse bem antes de dar um passo tão importante quanto o casamento; mas a despedida teve ares de adeus. Depois que ela foi embora, Daniel se sentiu acabado, desprezado, sem emprego, sem ninguém... Resolveu viajar para Porto Alegre de carro, se a Regis-Bittencourt não lhe matasse, talvez pudesse acalmar um pouco. Não tinha muito esperança de que melhorasse o estado de espírito quando estivesse em casa, mas também ficar ali e sentir a presença de Camila pelo apartamento inteiro não era de grande ajuda; precisava de alguém que entendesse o que ele estava sentindo, talvez Legolas...

             A notícia do rompimento do noivado de Daniel deixou Alberto e Mariana satisfeitos, talvez Daniel tivesse voltando ao normal; ma essa sensação logo passou a ser de preocupação. Ele estava em casa, mas não fazia nada. Não estava preocupado em procurar trabalho, nem em estudar no exterior, nem mesmo saía de dentro de casa, nem Legolas conseguia tirá-lo de dentro do quarto.

─ Daniel, meu filho você precisa sair desse quarto. – Mariana tentou, no quarto dia de Daniel trancado, sem comer direito.

─ Mãe, me deixa em paz, por favor. – ele colocou o travesseiro no rosto e não deu mais atenção a mãe; Mariana desistiu dessa vez, mas já estava a ponto de ir buscar Camila pessoalmente só pra não ter que ver o filho daquela maneira. Em um raro momento Daniel saiu do quarto e se juntou à família pra almoçar, e a alegria da grávida Verônica deixou-o enjoado.

─ Você não parece nada legal, Daniel. – falou Eduardo, que só tinha ficado sabendo do motivo da tristeza do irmão naquele dia.

─ Imagina! Eu tô ótimo! – Daniel não economizou sarcasmo.

─ Você não deveria ficar assim...

─ Ele vai superar isso, eu tenho certeza – disse Alberto.

─ O senhor sempre tem certeza de tudo!

─ Daniel...

─ Tudo bem, mãe, eu não vou falar nada.

─ Fala, Daniel, pode falar, se você quiser. Me diga, você acha que a Camila merece que você fique assim por causa dela? – Alberto perguntou.

─ Claro que ela merece – Daniel respondeu sem olhar o pai.

─ Se ela te amasse mesmo...

─ Não fala dela, tá legal?

─ Acontece que você precisa sair desse estado catatônico, você não pode continuar agindo como se estivesse morto, ninguém merece um sacrifício desses, Daniel.

─ O senhor não entende nada sobre amar alguém, pai!

─ Daniel...

─ Fique sabendo que eu prefiro morrer, a viver num mundo onde a Camila não existe; a minha vida não existe, não tem significado nenhum sem ela. E quer saber do que mais, eu vou acabar com isso, agora, por Deus, eu juro que eu vou acabar... Eu não vou viver sem a Mila, não vou viver sem a minha doutora... Nem mais um dia – Daniel parecia não perceber a presença dos outros e falava como se estivesse falando consigo mesmo; levantou da mesa e saiu rápido.

─ Daniel! – nem ouviu o pai; entrou no quarto, pegou a carteira e os documentos e as chaves do carro; e correu pra implorar que Camila voltasse pra ele, nem que precisasse rastejar aos pés dela, tinha que tê-la de volta. E logo. Daniel passou correndo pela sala, Alberto ainda tentou falar alguma coisa, mas falou com o vento, por que Daniel saiu mais rápido que um raio, e o carro desapareceu no fim da rua.

            Daniel se arrependeu de não ter pegado um avião; dirigia o mais rápido que podia, fazendo ultrapassagens arriscadas, tentando falar com Camila pelo celular; consciente de que estava colocando a própria vida em risco, mas não conseguia controlar a ansiedade, sentia como se não houvesse tempo suficiente pra encontrar Camila e pedir, até implorar se fosse preciso pra que ela voltasse para ele, e faria isso, faria qualquer coisa pra que ela voltasse.

            Quando Camila finalmente resolveu atender ao telefone, Daniel não podia se conter tamanha a alegria em ouvir a voz dela, da garota que amava; ele sabia que era uma grande estupidez falar ao celular enquanto dirigia, mas era Camila que falava com ele.

─ Eu estou indo pra aí, Mila, eu amo você, garota, é só isso, você entende?

─ Daniel, o que... Não, não estou entendendo nada.

─ Então me espera, por que eu estou voltando para você, amor, e espero que você me aceite de volta. Camila?

─ Ham...

─ Eu já tive o tempo que precisava, eu já resolvi o que é mais importante na minha vida, e é você, nós... Não tem sentido nenhum viver sem você...

─ Daniel... Eu não estou te ouvindo direito... Que barulho é esse? Onde você está? – um segundo.  Camila ouviu um barulho estranho e de repente o telefone ficou mudou, e ela não ouvia mais nada do outro lado da linha – Daniel, Dani? Alô... Daniel?

─ Que foi Camila? – Luana estava ao lado de Camila e ficou preocupada. – Mila?

─ Não sei... O Daniel... Houve um barulho e de repente o telefone ficou mudo...

─ A ligação deve ter caído... Ele vai ligar de novo. Ele deve está louquinho de saudade! Eu não entendo por que vocês terminaram... – Luana falou pensativamente – Você ainda gosta dele! – não era uma pergunta.

─ Eu amo muito o Daniel.

─ Vocês deveriam ficar juntos.

─ É.

─ Oh, Camila, você está branca! Não fica assim, a ligação caiu foi só isso, menina!

─ Você, você tem razão, Luana... Eu sou uma boba mesmo.

            Camila foi para o quarto e tentou ficar calma; a verdade era que desde o fim sem ser fim do namoro ela estava sofrendo com a falta de Daniel. Ele não tinha telefonado nenhuma vez ainda desde que tinha ido pra Porto Alegre, por alguns momentos Camila chegou a pensar que ele tinha desistido e esquecido ela, talvez encontrado Amanda! E quando telefonou ela não conseguiu ouvir o que estava dizendo, o que aumentou ainda mais a angústia. Camila passou o dia inteiro com a sensação ruim, por mais que o telefonema de Daniel tivesse lhe dado alguma esperança, estava com um mau pressentimento.

            A ultima coisa que Daniel ouviu foi a voz de Camila pronunciar seu nome; depois o mundo ficou escuro à sua volta. O carro de Daniel se chocou com outro; ambos dirigiam acima do limite de velocidade; A Ranger Rover de Daniel agora era um monte de aço amassado no meio da estrada.

            Durante o dia não houve noticias de Daniel; Mariana estava preocupada, alguma coisa em seu coração dizia que seu filho não estava bem. As palavras de Daniel antes de sair feito louco tinham assustado a todos em casa; estavam com medo de que ele fizesse alguma bobagem. Era bastante tarde da noite quando o telefonema fatídico veio acordar a família de Daniel. Ele tinha sido levado pra um hospital em Florianópolis e estava gravemente ferido. Alberto e Eduardo foram pra providenciar a transferência pra Porto Alegre; Filipe ficou em casa pra acalmar a mãe.

            Apesar dos graves ferimentos, Daniel foi transferido na mesma noite do hospital público onde foi atendido pra uma clínica particular em Porto Alegre. Daniel teve a perna direita e três costelas quebradas e fraturas na cabeça, o estado, diziam os médicos era delicadíssimo e ele corria risco de morte. Durante três dias ele permaneceu na Unidade de Tratamento Intensivo, e ninguém poderia entrar pra vê-lo; no quarto dia foi transferido pra um quarto. O pensamento de todos era que Daniel tinha tentado se matar; talvez por causa do que ele disse antes de sair.

─ Não acredito que o Daniel fez isso, meu Deus, por quê?! – Alberto disse ao ver o filho estendido no leito; a família toda estava no quarto vendo Daniel pela primeira vez, ele continuava desacordado. Mariana ainda estava transtornada e não conseguia dizer nada.

─ Nem eu acredito que o Daniel tenha jogado o carro na frente de outro de propósito. – disse Filipe. – Isso não é possível.

─ O Daniel sempre dirigiu com cuidado, e... Estava acima do limite... Que outra explicação você tem?

            Eles não puderam ficar muito tempo no quarto, cinco minutos depois a enfermeira pediu que eles saíssem.

─ Eduardo? – Alberto chamou e Eduardo se virou.

─ Sim?

─ Eu vou levar a sua mãe em casa, e...

─ É melhor o senhor ficar com ela, não se preocupe, eu cuido de tudo no escritório.

─ Obrigado, filho.

            Alberto e Mariana foram embora; Eduardo e Filipe voltaram juntos para o escritório.

─ Você acha mesmo que o Daniel tentou se matar?

─ Não sei, Filipe, não sei o que pensar. O Daniel sempre foi um pouco maluco não é?

─ Por que ele faria isso?

─ Por que? Não é obvio?

─ Óbvio?

─ Ele não quer viver num mundo sem a Camila!

─ Ele não... Isso é doentio! Você acha que ela deveria saber?

─ A questão é, será que ela quer saber? Foi ela quem deu o fora nele, afinal.

            Desde o telefonema que nunca teve um fim de Daniel, Camila passou dias imaginando o que ele queria dizer, por que não disse o que tinha acontecido, por que ele desligou de repente, será que teria desistido de tentar voltar. Cansada de esperar por uma resposta a tantas perguntas, ela resolveu telefonar pra Daniel; por diversas vezes tentou o celular, mas sempre dava como desligado ou fora de área, não era de admirar que ele tivesse perdido o celular, Camila já tinha perdido a conta de quantas vezes isso tinha acontecido. Então ela resolveu telefonar pra casa dele, embora isso fosse um incômodo terrível, por que imaginava que naquela casa não gostava tanto dela. Primeiro falou com Geisa depois ela passou o telefone para Mariana. A voz macia de Mariana parecia cansada no telefone.

─ O Daniel está no hospital, Camila – uma pontada do lado do coração. “Calma, Mila, ele deve está trabalhando, ele é médico, como você, lembra?”, tentou convencer a si mesma. – Ele sofreu um acidente.

─ Oh não! Quando, como isso aconteceu? Ele está bem, não está? Ele não corre risco...?

─ Agora ele está fora de risco.

─ Agora?! Quer dizer que ele correu o risco de morrer?

─ Sim.

─ Dona Mariana, quando foi esse acidente? Como aconteceu?

─ Ele estava sofrendo muito com o fim do namoro de vocês, e falava todo dia que não aguentaria viver num mundo onde não pudesse ver você... E...

─ Não! Ele não... – Camila não segurou o choro.

─ Sinto muito, Camila; eu preciso desligar.

─ Desculpe, dona Mariana, será que eu... Eu posso ir ver o Daniel? Por favor?

─ Claro que sim, Camila.

─ Obrigada. Até logo.

─ Até logo. – Camila mal desligou o telefone correu para o quarto a arrumar uma bolsa com algumas roupas, telefonou para o hospital e deu uma desculpa para faltar ao trabalho; explicou apressadamente os motivos da viagem em cima da hora à mãe e foi para o aeroporto e embarcou no primeiro vôo para Porto Alegre. Quando desembarcou em Porto Alegre, Camila se deu conta de que, no nervosismo, nem tinha pedido a Mariana o endereço da clínica onde Daniel estava internado. Telefonou pra casa dele e foi Filipe quem atendeu; ele disse que àquela hora não adiantava ela ir ao hospital por que não deixariam que ela visse Daniel fora do horário de visitas.

─ Ele só pode receber visitas de parentes.

─ Eu sei, mas... Eu... Preciso ter certeza que ele está vivo.

─ Você pode vê-lo amanhã, Camila, hoje é impossível.

─ Está bem.

─ Camila, onde você está?

─ No aeroporto.

─ Está bem, fique onde está, eu vou te buscar, ok?

─ Não precisa se incomodar, Filipe.

─ Eu chego aí em vinte minutos. – antes que Camila pudesse dizer qualquer coisa, Filipe desligou o telefone. Como não tinha muitas opções, ela ficou sentada no saguão do aeroporto esperando. Filipe não demorou muito, e mesmo Camila não gostando muito da idéia de ficar na casa dos pais de Daniel, foi no carro de Filipe para lá; durante o caminho ele falou sobre a hipótese de Daniel ter tentado cometer suicídio, Camila se encolheu quando ele disse a palavra. – Eu não consigo acreditar que ele tenha feito isso, sabe? Mas... Ele andava falando muito em morrer, e no dia mesmo do acidente ele tinha dito que preferia está morto do que viver sem você.

─ Eu sei, sua mãe, me disse – “ e parece que todos estão fazendo questão de me lembrar isso.”, pensou. Filipe acabou se dando conta de que aquele papo não estava sendo agradável e não falou mais nada; os dois ficaram em silêncio até em casa.

            Na foi nada agradável para Camila encontrar os pais de Daniel; sempre tinha sentido uma vergonha enorme de ficar perto da elegante Mariana e do sério Alberto, e depois que eles se colocaram veementemente contra o casamento dela e Daniel, isso era ainda pior. Os dois pareciam ter envelhecido vinte anos desde o ultimo dia que Camila os tinha visto. Camila não esperava alegria, era impossível com Daniel no hospital; Mariana foi, como sempre, muito educada com ela, e até Alberto, apesar da frieza tratou-a bem. Ela não conseguiu dormir direito e a única coisa que queria era ver Daniel. No dia seguinte, Filipe acompanhou-a até o hospital. Daniel continuava desacordado. Camila ficou uns cinco minutos no quarto com ele. O rosto perfeito parecia tão calmo, adormecido; Camila não poderia acreditar que Daniel pudesse ter tentado se matar por sua causa; e se isso tivesse acontecido, como ela se perdoaria? Se queria apenas que ele ficasse feliz; se algum dia imaginasse que uma tragédia dessa aconteceria, nunca teria pedido tempo nenhum a Daniel. Quando ela saiu do quarto, Eduardo estava sentado na sala de espera; Camila sentou ao lado dele; entendia como todos estavam sofrendo, por que todos, assim como ela, amavam Daniel.

─ Ele vai ficar bom, não vai?

─ Me diga, você, a médica aqui é você. – Camila não reconheceu o tom amargurado de Eduardo. Talvez ele achasse que a culpa por Daniel está ali era dela, e talvez ele tivesse razão.

─ Sinto muito.

─ Sinta-se culpada, Camila, isso vai ajudar muito! – Camila suprimiu um soluço – Desculpe, Mila... Eu não quis ser grosso com você. O que eu quero dizer é que, não é sua culpa, e não vai ser de grande ajuda para o Daniel se você pensar que é!

─ De certa forma, acho que a culpa é minha, se ele não me conhecesse, ele não estaria aqui agora.

─ Se ele não te conhecesse ele nem existiria! Eu lembro do Daniel antes de você aparecer na vida dele, Camila, acredite, ele está melhor que antes... É muito difícil pra nós, sabe? Faz mais de uma semana que ele está daquele jeito... É tão ruim não poder fazer nada. Essa não é a primeira experiência de quase morte do Daniel... – Camila arregalou os olhos, assustada – Quando ele tinha cinco anos ele foi atropelado, ele nunca te contou? – Camila negou com a cabeça – Bom, por muito tempo eu achei que tinha sido minha culpa; nossos pais nunca deixavam a gente brincar na rua, mas um dia, eu e o Filipe insistimos tanto que eles cederam e nós fomos jogar bola, a mamãe disse pra gente ficar só perto de casa, mas... Sabe como era difícil? Eu e o Filipe a gente vivia dentro de casa, do portão para dentro, e quando a gente via aqueles garotos no semáforo fazendo malabarismos era incrível, a gente morria de curiosidade de saber como eles faziam aquilo; naquele dia que a mamãe deixou a gente jogar na rua, era a nossa chance de fugir de casa por um tempinho, por assim dizer; a gente só ia dar uma volta e depois voltava e dizia que estávamos jogando bola em frente de casa; o Daniel era muito apegado a mim, mas ele era muito pequeno ainda, e não acompanhava o nosso ritmo, só que se a gente deixasse o Daniel para trás, ele ia correr e contar a mamãe que eu e o Filipe tínhamos saído; resumindo, o Daniel foi com a gente, e resultado, ele foi atropelado; ele ficou dias no hospital, tadinho, era tão magrelo. Sabe, a mamãe não conseguiu botar a culpa em mim, ela dizia que era dela a culpa, enfim, depois disso, todos ficamos muito protetores em relação ao Daniel, sempre querendo proteger ele de tudo... Ficar vendo ele assim, sem poder fazer nada, é uma sensação de impotência quase insuportável.

─ Ele vai ficar bom, palavra de médica. – Eduardo sorriu um pouco.

─ Ele vai ficar feliz em te ver aqui quando acordar.

            A primeira pessoa que Daniel viu quando acordou foi a mãe; Mariana chorou de felicidade ao vê-lo acordado depois de quinze dias no hospital. Quando viu Camila, ainda seminconsciente, Daniel queria levantar daquela cama e abraçá-la.

            Mais uma semana e ele estava voltando a falar a até se levantar e ficar sentado na cama. Camila ficava o máximo de tempo possível ao lado dele no hospital.

─ Eu fui muito idiota, me desculpa, Mila.

─ Daniel você não tem que me pedir desculpas por nada.

─ Eu não entendi os seus motivos...

─ Já passou, esquece isso. E descansa, você não está curado ainda.

─ Sim, doutora!

            Embora eles estivessem bem agora, a ideia de que Daniel teria tentado cometer suicídio ainda era uma preocupação; depois que teve certeza de que ele não corria mais riscos, Camila voltou pra casa, pra tentar salvar o emprego, depois voltaria a Porto Alegre pra ficar com Daniel, o mais rápido possível; os pais e os irmãos acreditavam que ele não estava tão equilibrado emocionalmente, e poderia ter uma recaída a qualquer momento e talvez precisasse de um tratamento psicológico, mas a idéia pareceu absurda a Daniel, agora bem melhor e próximo a ter alta do hospital.

─ Daniel, o que aconteceu foi muito sério... Filho, você pode está bem agora, mas, nós achamos que você precisa de ajuda profissional.

─ Um psiquiatra?

─ Talvez um psicólogo.

─ Eu não sou louco, pai.

─ Eu sei, filho.

─ Ótimo, esquece o psiquiatra, então.

─ Daniel, o que você fez não é coisa de gente normal! – Eduardo disse, impaciente.

─ Calma, Eduardo.

─ Eu sei que é insano, mas...

─ Mas nada, o primeiro passo é admitir o problema, você tem um problema e precisa de tratamento.

─ E qual é o meu problema?

─ Você joga o seu carro em cima de outro e não sabe qual é o problema? De-pres-são!

─ Eu não tô com depressão, e eu não joguei meu carro em cima de outro, eu só... Ah, merda, vocês estão achando que eu tentei me matar! – não era uma pergunta – Eu não tentei me matar, não de propósito, eu só estava, gente eu só estava correndo pra ver a Mila, eu queria voar, eu... Não tentei me matar... Eu sei que falar no celular dirigindo é insano, mas eu não preciso de tratamento psicológico por causa disso.

─ Tem razão, você precisa de uma multa, e perder a carteira de habilitação.

─ Desculpe, Daniel, mas do jeito que você vinha se comportando, nós... Ficamos muito preocupados.

─ Sinto muito, pai, eu não queria causar problemas para vocês.

─ O importante é que agora você está bem; descanse um pouco.

            Daniel voltou pra casa ainda com a perna enfaixada e sentindo dores nas costelas, mas estava feliz, por que tinha voltado a ficar com Camila e ela estava lá quando ele saiu do hospital. Infelizmente eles teriam que esperar pela recuperação completa de Daniel pra retomar os planos de casamento, dessa vez com o consentimento dos pais dele.


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