Amor e Amizade escrita por The Escapist


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/72532/chapter/1

Camila tinha passado os últimos dois meses completamente imersa nos estudos; enquanto todas as amigas aproveitavam as férias, ela estudava. Tudo que ela queria naquele momento era passar na prova que a faria ganhar uma bolsa de estudos numa escola particular, e depois de estudar no Instituto Vidal, poder entrar na universidade. Às vezes, quando estava sozinha no pequeno quarto, estudando, ficava um pouco triste, afinal poderia estar na praia com os amigos, e ao imaginar que não estaria com eles no próximo ano, não podia deixar de sentir uma pontada de tristeza; chegava a pensar que seria melhor se não conseguisse a bolsa. Eu posso entrar na faculdade mesmo estudando em uma escola pública, pensava.

É claro que podia, mas a universidade não era a única coisa em jogo. E a chance de viver outra realidade, uma realidade totalmente diferente da sua? Conhecer novas pessoas, ter uma chance de melhorar de vida e consequentemente melhorar a vida da família também.

Mila — como era chamada por toda a família — soltou a caneta e fechou o livro de Química; tinha terminado de revisar a matéria, do mesmo modo que fez com Geografia, História, Biologia, Física, Português e Matemática, nas semanas anteriores; estava pronta para a prova. Tinha que estar!

Entrou na sala e encontrou os dois irmãos. Caio, o mais velho, estava sentado no sofá gasto, com a perna engessada, resultado de um acidente do trabalho como motoboy. Rodrigo, o irmão do meio, estava sentado no chão, numa atividade reprovada por Camila: cortando as unhas dos pés.

— Credo, Rodrigo, vai com esse chulé para outro lugar, cara! — brincou a irmã caçula; Rodrigo ergueu o pé no instante em que Mila sentou-se ao lado de Caio, de modo que o pé ficou bem próximo do nariz da moça. — Sai pra lá! — disse ela rindo e dando uma tapinha no pé do irmão; depois repetiu o gesto com a perna engessada de Caio, que soltou um exagerado grito de dor.

— Ai! Enlouqueceu, Mila?

— Desculpa.

— Então, doutora, tá pronta pra detonar na tal prova? — perguntou Rodrigo.

— Sim, acho que sim, bom, eu estudei bastante, acho que vai dar.

— Acha não, Camila! Tenha certeza! Você é a garota mais inteligente do mundo, claro que você vai passar! — animou Caio.

— Eu não sou tão inteligente assim, também.

— É sim, depois vai ficar toda metida a besta, estudando na escola dos riquinhos, doutora.

— Tá legal! O papai já chegou?

— Ainda não — Mila ergueu a sobrancelha, preocupada. — Você deveria confiar mais no velho!

— Eu não falei nada, Rodrigo.

— Mas tá aí toda desconfiada.

— Eu vou ajudar a mãe terminar de preparar o jantar — Mila preferiu desconversar e saiu.

Seu maior medo era que o pai voltasse a jogar; ele já tinha perdido tudo uma vez, inclusive a casa, e agora moravam de aluguel. Mila não queria que as coisas voltassem a ser como antes, não agora que tudo parecia estar tão bem. A mãe de Mila, Rosa, estava em frente ao fogão, terminando de preparar o jantar, e sorriu ao ver a filha, e ao lembrar que o dia da partida estava muito próximo o sorriso assumiu um tom mais entristecido.

— O que foi, mãe?

— Nada — disse Rosa e continuou sua tarefa com a ajuda da filha.

A ideia de ver Camila longe de casa deixava Rosa arrasada, não conseguia entender como a sua menininha poderia querer ir embora, mas fazia um esforço. Camila tinha sonhos e Rosa sabia que qualquer sacrifício seria recompensado quando a filha estivesse formada.

Rosa reparou o suspiro de alívio de Camila quando ouviu o pai bater a porta e falar alguma coisa com os dois rapazes que estavam na sala. Oito e quinze, apenas quinze minutos de atraso, não era o suficiente pra estar jogando era o que dizia o suspiro de Camila.

Todos, com exceção de Caio, que recebeu o prato das mãos da mãe e ficou comendo na sala, sentaram-se à mesa para jantar. Depois do jantar, durante o qual a família conversou alegremente — uma atenção especial foi dada à Luana, namorada de Rodrigo, que todos queriam conhecer e o rapaz fazia verdadeiro mistério — Camila ajudou Rosa com a louça; depois de assistir um pouco de TV com o irmão Caio, foi dormir; o único pensamento era o exame de admissão no Instituto Vidal, que faria dali a dois dias.

Dois dias que pareciam se arrastar para Camila; já não conseguia estudar; abria um livro, mas o pensamento ia longe, e teve até pesadelos. Sonhou que estava na escola, suas roupas eram todas esfarrapadas, e os cabelos estavam desgrenhados, de uma forma que ela parecia uma mendiga, e os outros alunos, todos muito bem arrumados, chacoteavam de sua aparência. Mila acordou assustada. Será que aconteceria isso mesmo? Afinal o Instituto Vidal é uma escola de riquinhos, como diz o Rodrigo. Mas não poderia se preocupar com uma coisa tão fútil como essa; ela não tinha muitas roupas, é verdade, mas não era nenhuma mendiga, e além disso, ninguém iria se preocupar com a sua forma de se vestir.

No dia que faria a prova, uma quinta-feira, Mila acordou cedo, não tinha nem mesmo conseguido dormir; ajudou Rosa com o café-da-manhã, arrumou a casa e até lavou roupa, antes das nove da manhã. Deveria estar na escola às treze horas, e só se preocupou em se arrumar depois das onze e meia. Se vestiu, e olhou desconfiada para a calça e camiseta que usava, estavam mesmo meio surradas, mas não havia muito o que pudesse ser feito naquele momento e essa não era uma questão das mais importantes.

Rodrigo foi levá-la à escola de moto, sob os protesta de Rosa que já tinha “um dos filhos com uma perna quebrada por conta dessa droga de moto, não precisava que os outros fizessem a mesma coisa.”

Mila se despediu de Rodrigo — ele precisava voltar ao trabalho, então ela voltaria para casa de ônibus — e entrou no colégio. Vacilante, caminhou até o posto de segurança; depois de se identificar recebeu a informação de qual direção seguir naquele imenso colégio. Ela entrou em um saguão, parecia mais uma imensa sala de estar, com mesas e cadeiras bem arrumadas; de lado uma placa indicava BIBLIOTECA e Mila pôde perceber pela porta entreaberta que a biblioteca era enorme e não via a hora de ir até lá e ver quantos livros incríveis deveria ter! Havia outras placas, em outras portas, que Mila viu só de passagem, LABORATÓRIOS, SALA DOS PROFESSORES, DIRETORIA.

Começou a subir as escadas è sua frente; vozes e passos tornaram-se audíveis quando ela estava na metade da escada; quando pisou no último degrau deparou-se com um corredor enorme; de um lado havia várias portas, e do outro, Mila podia ver o pátio do colégio, e outros prédios, onde placas indicavam a finalidade de cada um deles: AUDITÓRIO, REFEITÓRIO e assim por diante.

Mila quase esbarrou numa moça alta, de cabelos castanhos, disciplinadamente presos num coque, que usava óculos de aro fino e um elegante tailleur azul marinho. Antes que Mila pudesse dizer qualquer coisa, a moça praticamente arrebatou — mas de um jeito educado — o cartão que a garota trazia na mão, analisou o cartão e sorriu ao dizer:

— Sala 2, querida, boa sorte! — a sala 2 era naturalmente a segunda no corredor; Mila caminhou até a porta, que já estava aberta, e entrou.

Um professor alto, moreno e simpático recebeu-a, analisou o cartão e indicou uma cadeira vazia no canto direito da sala, ao lado da janela. Mila não era a única a concorrer a uma bolsa de estudos naquela escola, ela sabia disso, mas não pôde deixar de ficar surpresa com a quantidade de pessoas. Vinte adolescentes estavam na sala, e ela logo imaginou que a situação era mesma nas outras salas. Poxa, isso vai ser como o vestibular! pensou.

Enquanto esperava pela prova, olhava distraidamente pela janela; era o lugar mais lindo em que Mila já tinha estado — além do shopping! Deve ser um sonho estudar num lugar desses! pensava consigo mesma lembrando que a escola onde estudava era muito diferente daquela.

Finalmente o professor simpático entregou as provas e disse tinham três horas para respondê-la e Mila não perdeu tempo, afastou todos os pensamentos e se concentrou nas 100 questões. A prova não estava tão difícil quanto ela tinha imaginado e Mila se saiu bem — pelo menos foi a impressão que teve. A maior dificuldade foi com as questões de Química, e ela não pôde deixar de amaldiçoar o ex professor que ia para a escola bêbado. Terminou a prova dentro do tempo estipulado, e ao sair da sala se sentia bem mais leve. Tinha feito a sua parte, agora era esperar pelo resultado.

Voltou para casa e esperou.

Uma semana. Então a carta chegou, informando que Camila Cavalcante tinha sido aceita como aluna bolsista no Instituto Vidal; seguia a lista de documentos que ela deveria apresentar, em no máximo três dias, e as demais instruções.

Como o Instituto Vidal trabalhava com regime de internato, Mila teria que se mudar para a escola, isso era bom, afinal pouparia muitas viagens longas todos os dias. Mila sabia que ia sentir saudade de casa, dos pais, dos irmãos e até dos vizinhos, mas iria vê-los nos fins de semana e feriados, claro. Mas Rosa estava triste com a partida, e por mais que tentasse disfarçar, isso deixou Camila preocupada; sempre teve uma ligação muito forte com a mãe e nunca tinha ficado um tempo longo demais afastada dela.

X-X-X

Mila se despediu do pai e dos irmãos, e dessa vez foi acompanhada pela mãe para a escola. Quando Rose chegou ao colégio ficou impressionada; era um mundo bem diferente, seria uma mudança extrema na vida da filha, mas Mila estava feliz, e isso era o mais importante. Elas encontraram Judith, a mesma moça alta que Camila tinha conhecido no dia do exame; Judith foi novamente simpática, pediu que Rosa assinasse os documentos da matrícula de Camila, e entregou uma chave com a indicação DORMITÓRIO A — QUARTO 7.

— É a chave do seu quarto, Camila, tente não perder, sim? Você vai dividi-lo com três colegas, mas elas ainda não chegaram, aliás, a maioria só vai chegar amanhã e depois, então essa paz toda vai acabar! Bom, você deve ir até a loja e pegar seus uniformes e seu material, entregue isso a Diana e ela saberá o que fazer — Judith entregou um papel assinado por ela, autorizando Diana e entregar os objetos a Camila.

— Onde... Onde fica a loja?

— No fim do corredor, à direita.

Camila e Rosa fizeram o que Judith falou; a loja na verdade era uma sala pequena e cheia de prateleiras, e sobre as prateleiras havia sacolas e livros. Diana analisou Camila por uns instantes, depois pegou uma das sacolas e entregou a ela.

— Tamanho médio! Deve servir, se não, você volta aqui e nós daremos um jeito — Diana entregou uma pilha de livros a Camila, depois ela e Rosa foram até os dormitórios.

O dormitório era como o resto do colégio todo, extremamente sofisticado. Uma espaçosa sala de estar, com TV e aparelho de som, e uma escada dava acesso aos quartos. Mila subiu as escadas e procurou o Quarto 7. Era um quarto grande — Mila pensou que deveria ter três vezes o tamanho do seu próprio quarto — tinha quatro camas, e Mila escolheu a mais próxima da janela. Também tinha armários, e em relação às outras coisas, Mila achou-os bem pequenos!

Estava na hora de Rosa ir, e não pôde deixar de chorar; claro que não era uma despedida definitiva, claro que iam se ver sempre, mas mesmo assim era difícil.

Depois que a mãe foi embora, Mila ficou sozinha; as colegas de quarto ainda não tinham chegado. Ela provou as roupas, que ficaram boas, e depois deu uma lida no livrinho de regras da escola, que informava sobre todos os horários do colégio, sobre o que era e o que não era permitido. O resto do dia Mila aproveitou para conhecer a escola. Havia poucos alunos e Mila sentia como se fosse invisível diante deles, talvez a vida naquela escola não fosse ser fácil, afinal.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Amor e Amizade" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.