It's just a trick escrita por KCWatson


Capítulo 15
Augustus Parte II




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Ambos, Holmes e Watson, não conversaram. Entre eles nenhuma palavra foi trocada, nem mesmo um gesto ou um olhar, não havia coragem e determinação para tanto.

Metade do dia, foi o tempo que levou observando John. Poderia dizer que fora uma incrível perda de tempo ficar deitado naquele sofá analisando cada movimento do outro que o ignorava, mas o detetive precisava disso. Com certeza precisava. O motivo que o levou a fazer isso não tinha nada a ver com uma dedução ou intuição, muito menos o tédio já que estava no meio de um caso, não, seu motivo era a desconfiança. Algo que antes não existia em relação ao amigo, mas que Sherlock fora obrigado a criar devido aos acontecimentos dos últimos dias.

            Era estranho não confiar em John Watson. Nunca passara pela sua cabeça a chance de vê-lo como um ser imprevisível, encoberto por dúvidas ou um forte candidato às suas deduções, mas agora – e muito inesperadamente – era exatamente com todas essas características que Sherlock o via. E isso lhe parecia errado. Há muito tempo não se esforçava para decifrar o amigo, na verdade nunca se esforçara de verdade porque o médico sempre fora muito transparente em tudo o que fazia e pensava. Era explosivo, familiar, emocional, leal, facilmente impressionável, agia bem sob pressão, possuía um irritante complexo de inferioridade e era completamente previsível.

            Bem... não mais. Porque tudo estava tão errado.

            O problema começou alguns dias antes quando Moriarty transformou o antigo apartamento do militar em um painel de recados e avisos. Lembrava-se de estar confuso sobre o que fazer primeiro, com medo de perder mais algum detalhe essencial e colocar tudo a perder, mas John parecia não ter a mesma dúvida. O que, obviamente, não era comum. Querer apagar tudo aquilo com água era condizente com o temperamento explosivo do médico, saber que a tinta saía facilmente e ter certeza que havia algo sob ela não.

            Era possível que o mesmo estivesse familiarizado demais com o que fora feito naquele apartamento? Aparentemente sim.

            Também não podia esquecer Moran. Sua insistência em uma chave e a negação verídica de John. Foi quando Sherlock teve certeza de que estava perdendo mais um detalhe, porque mesmo aquela negação sendo verídica, o olhar escurecido de John que surgiu com a menção de Moriarty não deveria ser ignorado.

            Então surgiu o próprio Moriarty... e foi mais do que suficiente para desmembrar todas as suas conclusões. Tudo estava errado porque não envolviam o consultor tão... diretamente. Em qualquer momento, em qualquer teoria, mesmo na mais bizarra e impossível... nenhuma tinha John Watson como traidor.

            Por que estava pensando em John mesmo? Ah, sim. Desconfiança.

            Não perca tempo com isso. Estamos em um caso! Pense nos detalhes que deixou passar!

            Sacudiu a cabeça e tentou seguir o próprio conselho. Fechou os olhos e se deixou afundar em seu próprio subconsciente.

            Inesperadamente o cenário ao seu redor não mudou e por alguns segundos imaginou que ainda estava preso à realidade. Alguns detalhes óbvios, como a organização bem feita do lugar, alertaram-no de que estava em alguma parte do seu Palácio Mental, mas por que sua mente o deixara ali? O que deveria encontrar se nem seus documentos estavam disponíveis?

            ― Sherlock?

            Virou-se abruptamente em direção a lareira, procurando a origem do som.

            ― John?

            O médico estava em pé, de costas para a lareira, mirando-o com curiosidade.

            ― O que você quer?

            ― Eu que deveria fazer essa pergunta ― Sherlock rebateu se aproximando do loiro. ― Você não é útil em deduções, muito menos em respostas. Saia da minha cabeça. Preciso de respostas, não de sentimentalismo.

            John sorriu, tão serenamente que fez Sherlock piscar confuso.

            ― Por que ainda somos amigos, Sherlock?

            Sherlock recuou, repentinamente tentado a abandonar aquele lugar ironicamente desconhecido do seu Palácio Mental.

            ― Eu disse sem sentimentalismo.

            ― Não se trata de sentimentalismo ― Mycroft surgiu ao seu lado. ― São fatos. John é mentalmente simples, praticamente inútil, lembra? É apenas um médico, comum e limitado como qualquer outro idiota que passou na sua vida. Por que esse se tornou seu amigo se deveria ter sido ignorado como os outros?

            O detetive jogou sua atenção para o irmão. Como sempre impassível, inexpressivo e de queixo erguido, Mycroft parecia o portador de todas as suas respostas.

            ― Você disse que John não é simples, eu que não o conheço ― retorquiu interessado.

            ― Eu disse? ― Mycroft ergue as sobrancelhas e começou a se afastar, o guarda-chuva pendulando em sua mão. ― E por que eu disse isso?

         Sherlock arfou minimamente, finalmente tomando controle sobre seus pensamentos. Compreendendo o que estava acontecendo.

            ― Porque você sabe todos os segredos dele.

            ― E por que eu sei e você não?

            ― Porque você passa mais tempo com ele agora.

            Mycroft revirou os olhos.

            ― Por que, Sherlock? Por que? ― insistiu em tom mais grave. ― Você está apenas complementando a dúvida, eu quero um motivo!

            ― Ele não vai conseguir ― John comentou indiferente. ― Moran não foi suficiente.

            ― Tem que ser o suficiente, pense Sherlock!

            Sherlock intercalou seu olhar confuso de um para o outro, tentando continuar a linha de pensamento, compreender o que via e encontrar as peças que faltavam. Por que sua mente insistia em se focar nos dois? Por que logo John e Mycroft?

            Não se trata de sentimentalismo.

            ― É claro que se trata de sentimentalismo ― John retorquiu como se ouvisse seus pensamentos. ― Você sempre foi movido por isso.

            ― Nem sempre ― Mycroft se intrometeu. ― Ele já viveu muito tempo sem essas banalidades.

            ― Mas agora isso é impossível.

            ― Por quê? ― Sherlock os interrompeu mirando John, veridicamente interessado. ― Por que é impossível eu voltar a ignorar sentimentos? Por que sempre estamos juntos? Por que eu sou a mente e você o coração?

            ― Não ― John sorriu inesperadamente gentil. ― Porque eu sou a resposta.

            Sherlock franziu o cenho e de repente sentiu tudo ao seu redor parar, sua respiração, os ponteiros do relógio, o crepitar do fogo da lareira. Lembrou-se de Moriarty, dos pontos citados por este. Sabia que os casos estavam interligados, todos esses, mas o consultor criminal estaria certo? O ponto comum era John? Era possível?

Eu também me preocuparia com algumas atitudes novas dele. É impressão minha ou tudo nele está confuso? Parece... falso! Será que ele quebra como um crânio falso também?

Espantou a voz insistente de Moriarty de sua mente e olhou para o crânio sobre a lareira, um entre os muitos detalhes que diferenciavam a realidade do seu Palácio Mental. Sabia que aquele crânio, falso e bem-feito, havia se quebrado em dezenas de pedaços no dia em que discutira com Mycroft. A localização do original ainda era um enigma, assim como o real significado do evento. Então se voltou para John, ainda sem conseguir aceitar que este estava diretamente envolvido com os crimes.

            ― Como você pode ser a resposta? ― perguntou em um sussurro, tão baixo que seria fácil concluir que realmente não queria uma resposta.

            John se aproximou e entre o pouco espaço que os separava, ergueu um segundo crânio em suas mãos, semelhante demais ao original.

            ― Você vê, mas não observa, Sherlock.

            Abruptamente Sherlock se ergueu do sofá e, ofegante, encarou a lareira, o local vazio onde, por anos, havia um crânio. Esfregou o rosto com força, rosnando com impaciência, e avançou exasperado para a mesa, revirando papeis e livros, desesperado para encontrar o que guardara dos casos. A única certeza que tinha – e isso era graças a sua memória quase infalível – era que tinha as fotos da parede azul, com os nomes. Todos eles. No dia que fora ao hospital, analisar os corpos no consultório e os dois corações na mesa, voltara ao apartamento e imediatamente sentira falta de algumas fotos, mas ainda havia outras ali. Lembrava-se com clareza... pegara todas as fotos, incluindo as que estavam grudadas na parede, enfiara tudo em envelopes e os espalhara pelo 221 B.

Onde eles estavam agora?

― Sherlock? Está na hora de conversarmos sobre o que aconteceu.

― Vá embora ― Sherlock rosnou enfurecido enquanto revirava a bagunça em sua estante. Havia pelo menos dois envelopes ali, bem... não mais.

John respirou fundo e fechou a porta devagar, lamentando. Achava que já tinha fugido demais, estava pronto para conversar.

― Apenas me escute, por favor...

― Não! ― Sherlock o cortou exasperado. ― Dessa vez não quero ouvir nada de você! Mentiu pra mim e escondeu informações importantes!

― Sherlock... acalme-se... ― John pediu com cautela.

Imediatamente o detetive interrompeu sua busca e ergueu os olhos em direção ao outro, que engoliu em seco diante da raiva nítida e efervescente.

― Me acalmar? ― aproximou-se lentamente do médico, que recuou alguns passos. ― Você me traiu! Aliou-se ao inimigo, agiu pelas minhas costas, interferiu nos casos e ainda me pede calma?!

― O quê? ― John arregalou os olhos e se aproximou, começando a se desesperar. ― Não! Não... Sherlock, escuta, não trai você. Jamais faria isso! Sei o que parece e sei que parece muito ruim, mas precisa me deixar explicar.

O mais alto o fitou com seriedade, respirando com força, tentando controlar qualquer que fosse sua vontade nesse momento. Sua mente o puxava para diversas e distintas direções, fazendo sua cabeça latejar e um emaranhado de informações ocupar o lugar das informações certas e lógicas com as quais estava acostumado.

Era demais.

― Cansei das suas explicações ― rosnou entre dentes, antes de se virar para se afastar.

John o impediu, segurando seu braço. Em seguida segurou o rosto anguloso entre suas mãos e o forçou a encará-lo.

― Por favor, Sherlock... estou implorando ― ele pediu com os olhos úmidos e desesperados. ― Não sei o que Moriarty disse a você, mas ao menos me dê o direito da dúvida.

Sherlock se surpreendeu com a angustia na expressão do parceiro e o desconforto que a imagem o causou, logo a raiva era substituída pela melancolia. Antes que notasse o medo surgiu. Medo de seus pensamentos não serem tão errôneos e irreais, medo de Moriarty estar certo além da clara provocação, medo de ter perdido seu parceiro por um motivo que sequer conseguira descobrir.

Bem... ele não é mais seu.

― Eu já tenho dúvidas demais, John. 

― Então pergunte, pergunte qualquer coisa ― John propôs rapidamente. ― Só não me afaste sem me dar a chance de me defender.

Sherlock agarrou as mãos de John com firmeza, apreciando a sensação morna que lhe proporcionava, e as afastou sem a intenção de quebrar completamente o contato. Aquela sensação era novidade e demorou alguns segundos para perceber que John ainda o encarava, esperando por alguma pergunta. O detetive lamentou o maldito aperto em seu peito. Queria estar com raiva, queria e deveria estar abrindo uma distância segura entre os dois, queria estar enumerando perguntas técnicas e precisas sobre os casos, sobre os segredos, mas só uma pergunta insistia em chamar sua atenção.

― Por que ainda somos amigos, John?

John arregalou os olhos e Sherlock sentiu suas mãos tremerem levemente, assim como um pequeno recuo. A pergunta pegara o médico de surpresa.

― O quê? ― o loiro sussurrou fracamente.

― É uma pergunta simples ― Sherlock garantiu.

― Por que está perguntando isso?

John tentou se afastar, mas Sherlock segurou suas mãos sugestivamente, mantendo-o perto.

― Você não confia mais em mim ― o detetive concluiu, fazendo John arregalar ainda mais os olhos, dessa vez por indignação. ― Pense em tudo o que fez pelas minhas costas, John. Apenas pense. Posso não saber do que se trata, mas percebo que algo está acontecendo. Posso estar lento, mas não sou cego, nem estúpido. No entanto, quando a resposta não está visível, quando você tem sucesso em escondê-la tão bem, então minha mente vai procurar mais a fundo, em cada olhar e gesto seu, e até agora, com tudo o que vi e com o pouco que tenho... Eu não sei se ainda confio em você.

― O quê? Sherlock-

― Como posso confiar em alguém que se alia a Moriarty? ― completou elevando a voz. ― Que interfere propositalmente nos casos, que esconde fatos e que se envolve com meu irmão por motivos que desconheço. Como posso confiar em alguém que mente para mim com tanta facilidade?

― Eu não menti! ― John exclamou finalmente conseguindo separar suas mãos e se afastar.

― Não? ― Sherlock franziu o cenho, incrédulo. ― Disse que aquela parede azul no seu apartamento era uma distração e que não se lembrava da noite anterior, quando na verdade deve ser lembrar de cada detalhe. Na verdade, estou até confuso. Naquela noite se encontrou com Mycroft ou com Moriarty? No momento, ambos parecem respostas inesperadamente aceitáveis.

― Isso é... ridículo! ― John protestou ofendido. ― Está me transformando em um traidor.

― E o que você é?

John paralisou, respirando com dificuldade. Sherlock aproveitou a situação e copiou o gesto dele, aproximando-se e segurando o rosto quente entre suas mãos. Então encarou os orbes azuis com o máximo de concentração que conseguiu reunir, porque precisava ter certeza.

― Por muito tempo você foi o homem em quem eu mais confiei e por isso mudei, melhor, mudei naturalmente. Apesar da raiva, dos surtos impacientes, da vontade de me acertar com um soco, você nunca exigiu que eu fosse alguém diferente, talvez melhor, mas nunca diferente. Sempre esteve ao meu lado, tentando me mostrar o certo e o errado mesmo que, na minha cabeça, exista apenas a lógica e a irracionalidade... E por tudo o que fez por mim, eu ainda não desisti, ainda não desisti do meu parceiro ― voltou a perguntar em um sussurro. ― Então o que você é, John? Um amigo ou um traidor? Um parceiro? Alguém em quem posso confiar cegamente?

O médico engoliu em seco, suas pupilas se dilatando enquanto sua boca se abria minimamente para alguma resposta. Sherlock não tinha certeza sobre o que fazer... ou se deveria fazer, apenas conseguia enxergar, naqueles olhos que tanto queria decifrar, uma emoção que não compreendia.

― O que você quer que eu seja? ― John retorquiu no mesmo tom. 

Sherlock não respondeu. Não sabia como ou o que dizer. Uma parte da sua mente o puxava para o caso. O que deveria descobrir, como John estava envolvido, como solucioná-lo. Mas uma grande parte estava sendo irracional, almejando e focando-se apenas em John, unicamente nele, desconsiderando fatos e desconfiança, recordando sentimentos e sensações.

O que eu quero?

O que você quer?

Era demais. Dúvidas demais, sensações demais, desejos demais.

O que deveria fazer?

Uma de suas mãos deslizou lentamente até o pescoço de John e sem perceber, inclinou-se na direção dele. A parte irracional de sua mente, mais intensa e insistente, mandava-o agir, arriscar. Mas qual era o seu problema, afinal? Devia estar interrogando John naquele instante, questionando sua amizade e lealdade, desconfiando de absolutamente tudo o que acontecera desde que voltaram a morar juntos. Então por que não conseguia ignorar seus desejos absurdos? Preocupava-se, verdadeiramente, apenas com a confusão de sensações que o inundava sem autorização e com sua falha em controlar seu coração quase retumbante.

Repentina e impulsivamente, atravessando a linha fraca e imaginária que demarcava um limite com o qual não se importava no momento, Sherlock ignorou todos os gritos de sua mente e o beijou. Internamente esperava menos, menos sensações, menos arrepios, afinal, era uma simples questão física, não?

Mas assim que seus lábios se tocaram, sentiu algo quente e novo se espalhar em seu peito. Não se moveu, como queria, em vez disso esperou John se afastar ou empurrá-lo, o que também não aconteceu. Em segundos as mãos de John foram parar em sua cintura, aproximando-os, e o que era calmo se tornou desesperado. Entreabriu a boca e se permitiu aprofundar o beijo, contendo um gemido ao sentir as mãos do médico o apertarem com mais força. Logo Sherlock queria mais e como se fosse possível ficarem mais próximos, puxou John pela nuca, fazendo-o ofegar entre o beijo e em seguida recebê-lo com mais intensidade, quase querendo arrancar seus lábios fora. Não foi tímido, nem proposital e muito menos controlado, foi puro desejo e o detetive sequer pensava em negar.       

Ele não é mais seu!

Sherlock ofegou quase sem quebrar o contato. O que era para ser um ato incerto, tornou-se impudico. Qualquer dúvida se transformou em línguas desesperadas, que se entrelaçavam como se fosse a última vez, e lábios inchados que não desistiam em sugar e umedecer um ao outro.

Era demais.

Porque eu sou a resposta.

Abruptamente, Sherlock quebrou o beijo e se afastou ofegante, desacreditando em seus próprios atos e pensamentos. Como podia estar desconsiderando informações tão sólidas contra John?

― Estou sendo irracional ― murmurou com dificuldade sem conseguir fitá-lo.

― Não, Sherlock, não faz isso... Isso não é irracional ― John tentou argumentar se aproximando, mas o detetive recuou um passo. Deixando claro que queria distância.

Sherlock finalmente o olhou, descrente e analítico, inevitavelmente confuso com tudo o que acabara de sentir. Observou o rosto corado de John e os olhos escurecidos, arriscando-se a concluir que não estava muito diferente dele, seu coração ainda martelava contra seu peito e seu rosto estava quente.

― Isso foi completamente irracional ― insistiu com mais convicção, afastando-se ainda mais. ― Não posso fazer isso, John.

― Não... Co-como assim? Não pode? ― John gaguejou confuso. ― Sherlock espera. Espera! Nós pelo menos...

Mas Sherlock já se afastava e não lhe dava ouvidos. Arrependia-se pelo o que tinha feito, jamais deveria ter cedido a qualquer desejo que fosse, carnal ou não, muito menos naquele momento. Como era capaz de beijar John depois de tudo o que Moriarty disse? Como era capaz de se manter indiferente a tudo o que ouviu? Nem com os piores criminosos ignorava informações como aquelas.

― Não vai fazer isso ― John o interrompeu, segurando seu braço. ― Não vou deixar você agir como se tudo fosse um erro.

― Mas é ― Sherlock garantiu desviando o olhar da porta do seu quarto. ― Nunca deveria ter acontecido e nunca mais vai acontecer.

― Por que não podemos...sei lá, pelo menos tentar?

Sherlock ergueu as sobrancelhas como se estivesse ouvindo um extremo absurdo.

― Tentar um relacionamento? Tentar fazer dá certo?

― Sim ― John respondeu incerto. ― Mais ou menos isso... não sei, vamos conversar direito. O que custa?

Houve o silêncio, porque Sherlock pensou em tantas respostas diferentes que sequer conseguia escolher uma para começar. Como John podia expor aquela possibilidade? Um relacionamento? Sherlock não era um homem de relacionamento, nunca fora e nunca seria, não importava o quanto tentasse. Era grosseiro, insensível, desinteressado, não se importava com as pessoas e com nada além do seu próprio trabalho. Não fazia diferença se John era uma exceção em sua vida desde o primeiro dia de trabalho em conjunto, Sherlock nunca seria capaz de arriscar ter tanta mudança em sua vida por uma simples pessoa, seria? Além disso, que bem faria a John? Provavelmente só o magoaria e o afastaria com mais insistência do que fazia atualmente.

  ― O que custa? Por que não tentar? Arriscar? ― John insistiu com mais veemência.

O detetive lamentou profundamente ver aquela esperança brilhando nos olhos dele. Tinha que tomar uma decisão e seria muito melhor se fosse uma decisão permanente.

― Porque eu não sei se confio em você o suficiente arriscar tanto.

Foi incerto, mas ao se soltar e entrar em seu quarto, Sherlock sabia que aquela frase seria o suficiente para manter John longe.

Não era o que queria, mas o que precisava.

Então por que se sentiu tão mal ao dar as costas para John? Estava fazendo o certo, colocando prioridade no que devia e empurrando os sentimentos para o canto, como sempre fazia. E a prioridade era descobrir a verdade, sobre tudo.

Escutou a porta de entrada bater com força e soube que John havia saído do apartamento. Então era sua vez de sair do quarto.

Atirar na parede era melhor que ficar se lamentando por uma situação que nunca mudaria. Nunca deveria mudar.

***

John respirou fundo, sentindo a culpa pesar em seus ombros. Não podia dizer que não queria estar ali, pois queria, mas também queria estar no 221 B esmurrando a porta de Sherlock até que a mesma caísse. Ainda sentia o gosto do parceiro, a sensação de estar tão perto e conectado, o cheiro do outro que parecia impregnado ao seu corpo. No entanto, sabia que o parceiro estava certo. O beijo fora um erro e que grande estupidez insistir no contrário. Nunca deveria ter deixado acontecer, não ali, não naquele momento.

Respirou fundo novamente, munindo-se de uma pouco de confiança, e pegou a chave em seu bolso. Não a mesma que copiou da casa de Mycroft, mas uma dourada, presente de Moriarty após a captura de Moran.

No final das contas, Moran estava certo. Só estava um pouco adiantado e precipitado quanto a função da chave.

John quase riu, mas estava um pouco nervoso demais com o que estava prestes a acontecer.

Um pouco trêmulo levou a chave até a fechadura da porta e a abriu. Segundos depois, provavelmente menos, braços quentes e familiares o apertaram sem pena em um abraço há muito adiado.

― Também senti sua falta, Harry ― murmurou com a voz abafada.

Harriet se separou do irmão com os olhos úmidos e tentou lhe lançar um olhar bravo, sem tanto sucesso.

― Seu grande idiota, quando vai dizer o que está acontecendo? Onde está seu amigo detetive? Por que tivemos que ficar aqui? E, pelo amor de Deus, o que estava fazendo com aquele pinguim que tem um sorriso psicopata?

― Fique calma ― John pediu fechando a porta. ― Prometo que vou explicar tudo, mas primeiro... como vocês estão?

O sorriso de Harry se abriu ainda mais e ela finalmente se livrou das lágrimas.

― Clara está no banho e Julie assistindo televisão. Estamos bem.

― Elas se assustaram?

― Um pouco, claro. Você entrando daquele jeito em casa, parecia que uma guerra havia começado.

― Desculpe ― John pediu com sinceridade, sentindo-se um pouco culpado. ― Eu precisava ser rápido ou Moriarty usaria vocês contra mim.

Harry pensou por um momento e arregalou os olhos em seguida.

― Espera, Moriarty é o engomadinho com sorriso de psicopata? É ele que está nos protegendo? Como-

― Por favor, fique calma. É mais complicado do que parece, mas vou explicar ok? Antes quero que vocês façam as malas.

― De novo? Mas não podemos sair daqui, lembra?

― Moriarty finalmente me deu a chave, então vocês estão livres. Mas vou ter que me desculpar de novo, porque não vão voltar pra casa ainda.

― John... ― Harry alertou desconfiada.

― Não posso arriscar, Harry, não mesmo. Se algo acontecer a vocês, nunca vou me perdoar.

A mulher de castanhos ponderou por um tempo, abraçando a si mesma e acenou com a cabeça, concordando.

― Tudo bem, não temos outra escolha mesmo e eu odiaria atrapalhar seja lá qual for seu plano... parece importante e perigoso demais.

― Obrigado, de verdade. Prometo recompensar por tudo o que estão passando.

― Anda prometendo muito, John. E não precisa disso.

John maneou a cabeça, relembrando que falara algo semelhante para Sherlock alguns meses antes.

― Falou com Edward? ― Harry perguntou de repente. ― Ele me ligou há algumas semanas, perguntando sobre você.

― Acho que ele ligou pra você apenas para saber se eu ainda estava vivo ― ele riu suavemente. ― Concordamos em não manter qualquer tipo de contato por enquanto, a menos que seja uma emergência.

― Tio John?

A voz doce e infantil chamou sua atenção, fazendo-o se agachar imediatamente e esperar a menina de cabelos loiros se aproximar para mais um abraço.

― Como você está, Julie? ― perguntou depois.

― Com fome ― a criança respondeu, fazendo-o rir.

― Como sempre, hum?

― Não tio, às vezes eu tenho sono.

― Oh, isso pode ser herança de família ― John brincou olhando rapidamente para Harriet, que ria. ― Mas então, você cumpriu a missão com sucesso?

― Sim, senhor ― Julie garantiu escondendo um sorriso e o puxando pela mão. ― Vem, está no meu quarto.

John se levantou e se deixou ser levado até o quarto da menina. Assim que entrou, ela correu até a cama, agachou-se e pegou a caixa que estava embaixo.

― Aqui, tio.

O médico se aproximou e abriu a caixa, certificando-se que o objeto estava intacto.

― Muito bem, soldado. Missão cumprida, parabéns.

Julie sorriu orgulhosa de si mesma.

― Ainda não entendo o motivo de tanto cuidado com essa coisa ― Harry comentou encostada à porta. ― Ela cuidou disso como se fosse uma boneca de porcelana por mais de uma semana até eu convencê-la de que seria mais seguro dentro da caixa ― ela cruzou os braços e se aproximou, completando. ― E afinal, por que esse crânio é tão importante?

― É uma lembrança ― John respondeu pegando o crânio manchado e o erguendo a altura dos olhos. ― E um cofre improvisado.

― Então é útil? Considerando o buraco que tem embaixo, não sei servirá tão bem como cofre.

― Espero que seja o último o suficiente ― desejou voltando a guardar o crânio e voltando a se levantar. ― Então? Prontas para uma nova casa?


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