Cidade dos Ossos - Vista por Outros Olhos escrita por Ann Wolf


Capítulo 18
A Missão


Notas iniciais do capítulo

Briana, Jace, Clary e Hodge desapareceram e Lauren têm a certeza de que o principal responsável é Valentine. Mas depois têm Alec, que se encontra entre a vida e a morte e só alguém poderoso o pode ajudar. Lauren tem agora que e decidir. Ou vai atrás dos amigos para acabar com Valentine ou então fica no Instituto para ajudar Alec e Isabelle. Que escolha tomará ela?



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Abato-me sobre o chão, com as lágrimas a provocarem-me um ardor horrível nos olhos. Parece que afinal eu nunca soube a verdade acerca de nada. Todos nós fomos enganados pelo Hodge e agora havia também a hipótese de tanto o Jace como a Briana serem filhos daquele monstro. Não consigo acreditar em tal coisa.

Os meus irmãos…filhos de uma besta como aquela…é algo inacreditável.

Tento conter a dor psicológica que estou agora a sentir e procuro levantar-me. Eu preciso de fazer alguma coisa mas sinto-me tão desamparada e confusa que nem sei como agir em primeiro lugar. Por isso, decido colocar prioridades, como o Alec, em primeiro lugar para depois ocupar-me do resto, em achar um plano para acabar com este show de marionetes.

Vou até ao telefone antiquado, da era industrial, e foco a minha visão em qual poderá ser o número de telefone do Magnus e logo de seguida, os números começam a surgir um por um, fazendo com que eu os disque com toda a força que tenho.

Ao princípio fico com receio de ter ligado para o número errado ou de ele, na pior das hipóteses, estar indisponível e não poder vir até aqui. Mas, felizmente, ouço a voz do feiticeiro do outro lado da linha, segundos depois.

— Espero que seja importante porque não estou com paciência para trabalhar tão perto da hora noturna. – Resmunga ele.

— Magnus. – Custa-me a falar e pareço estar preste a soluçar ao auscultador. – É a Lauren. A do grupo de Caçadores…

— A namorada do Raphael. – Diz ele, sem parecer muito incomodado. – Eu percebi que eras tu quando disseste o meu nome. Mas pareces mesmo agoniada “loirinha”.

Engulo em seco. É incrível como nem sequer a nova alcunha que ele me atribui, conseguiu fazer com que eu lhe respondesse mal. Esforço-me por pensar claramente e sem mostrar fraqueza.

— Ninguém te ligou antes de mim?

— Não. – Responde. – Até que têm sido uma noite bem calminha, até me ligares para saber se eu já tinha recebido alguma ligação.

— Peço desculpa, mas estamos numa situação complicada. – Explico, sem muitos detalhes e ainda mais aflita por saber que a Briana nem tempo conseguiu para avisar o Magnus. – O Alec foi ferido e não temos meio de o curar. Foi envenenado por um Superdemónio e as runas não têm efeito nenhum.

Ele solta algo parecido com um “hum-hum” de “entendi mas isso não me traz qualquer benefício” antes de eu ouvir o gato dele a miar bem alto, como se ele o tivesse acabado de pisar sem qualquer misericórdia.

— Esse Alec é o moreno de olhos azuis? – Respondo-lhe que “sim” e é quando sou surpreendida pela decisão dele. – Estou já a ir para aí.

O telefone fica ligado durante mais uns segundos antes de se seguirem constantes bips. A minha visão começa a ficar desfocada e acabo por só ser tempo de me agarrar á secretária antes de me deixar abater sobre os meus joelhos, recém-acabados de sarar, abrindo-lhe novas feridas por cima das cicatrizes.

Por quê? Por quê? Nem os meus amigos consigo salvar, por quê? Grito eu, dentro da minha mente, como se não houvesse um dia seguinte.

Sem me aperceber, começo a chorar, transbordando toda a minha mágoa, desespero e culpa. Nem forças consigo sequer para as secar quanto menos para me colocar em pé e tomar a atitude de ir chamar a Isabelle e avisar-lhe do sucedido.

Ouço a campainha a tocar e só então, arranjo modo de me levantar e ir até ao hall de entrada que começa a ficar mergulhado na escuridão da noite que está prestes a chegar. A entrada está fria e quando lá chego, a campainha continua a tocar desesperadamente e cada vez mais alto, embora isso nem me incomode como deveria.

Abro a porta vagarosamente e observo o Feiticeiro Supremo de Brooklyn, com uma gabardinha azul escura com capuz, e os olhos amarelo de gato a brilharem como duas pedras preciosas. Ele não está nada contente, na verdade, parece até mesmo aborrecido comigo por não lhe ter aberto a porta mais cedo. No entanto, em vez de lançar um comentário qualquer devido ao olhar que ele me lança, afasto-me do caminho e permaneço com uma expressão vazia na cara.

Ele entra, agora com uma das sobrancelhas erguida e a outra a franzir o sobrolho e fita-me atentamente.

— Não sei se deveria perguntar isto mas… - Fecho a porta com força, e cerro os punhos para me transmitir a coragem que necessito para manter a cabeça erguida.

— Não há tempo. – Deixo claro. – O Alec pode morrer se não nos despacharmos.

— Tens toda a razão, “loirinha”. – Magnus recupera o seu humor glamoroso, mas mesmo assim, reparo na curiosidade que transmite em relação ao que se está a passar. – Estou mesmo atrás de ti.

Não digo nada, e caminho apressadamente até à enfermaria, concentrando-me no som dos meus passos a ser duplicado pelo feiticeiro. A minha cabeça parece estar a correr uma maratona e ainda estou a pensar no que devo dizer á Izzy quando a encontrar, à cabeça da cama do irmão, preocupada com ele e o resto dos integrantes da nossa família.

Assim que chegamos á enfermaria, abro as duas portas e deixo o Magnus passar há minha frente. Ele mostra-se surpreso e ao mesmo tempo, dececionado com os nossos meios de cura, as ervas que o Hodge utiliza para fazer poções e misturas, que guardamos nos armários.

— Vocês são tão antiquados. – Opina. – Hão-de morrer mais cedo se só usarem estes meios para se manterem vivos.

A Isabelle desperta da atenção que estava a transmitir ao irmão e desvia-a para nós os dois, com um brilho crescente nos olhos a alastrar-se por todo o rosto. Esse brilho consegue animar-me um pouco, mas não tanto quanto eu necessito. A minha cara contínua soturna e impassível, até mesmo quando o Magnus se aproxima do Alec e começa a utilizar um feitiço para examinar a ferida, soltando alguns suspiros vindos do Lightwood.

Nisto a Izzy afasta-se e vem na minha direção com um sorriso nos lábios que logo se desfaz quando começa a falar comigo.

— Ainda bem que conseguiram chamar o Magnus. – Diz ela, com um tom de alívio a fazer-se ouvir. – Mas onde estão os outros? E a Briana.

Baixo a cabeça e agarro no medalhão dela, mostrando-o à Isabelle, que o olha muito atentamente, sem dizer uma palavra. A morena abre os olhos e a boca várias vezes mas não deve estar a conseguir arranjar um modo de expressar o que está a pensar. E eu, por fim, consigo dizer-lhe o que ela não esta a compreender.

— Fomos armadilhados, Izzy, e pelo Hodge que está do lado do Valentine. – Digo, respirando fundo logo a seguir. – A Briana, a Clary e o Jace devem ter sido raptados por ele.

— Como é possível? – Pergunta ela, enquanto tapa a boca com uma das mãos. – O Hodge nunca faria uma coisa dessa. Ele é como família para nós. Foi ele quem nos ensinou tudo o que sabemos hoje.

— Família não trai para alcançar piedade dos castigos merecidos. – Respondo, com um azedo notável na voz. – Eu descobri que o Hodge contribuiu na captura dos meus pais e que também esperava que lhe entregássemos a Taça e o “filho” do Valentine para depois os entregar a este. Como vês, se ele fosse mesmo família, não faria algo assim.

Ela olha-me com um pouco de raiva a formar-se no rosto e percebo que ela ainda não está disposta a acreditar em mim.

— É impossível. Não pode ser! – A Lightwood grita alto mas o Magnus não desvia nem por um segundo a atenção do seu paciente. – O Hodge não faria tal coisa! Ele pode ter sido raptado também! Tu não sabes.

Quando ouço estas palavras é a gota de água. “Não sei”? Só se for uma piada de mau gosto. Eu sei mais do que aquilo que gostaria, muito mais. E não vou esperar que a Isabelle acredite nas minhas palavras que se seguirão mas eu, Lauren Ashblue, com ou sem ela, irei até ao Valentine para salvar a minha verdadeira família.

— Eu sei mais do que tu julgas, Izzy! – Respondo, num tom de voz mais elevado. – Eu ouvi tudo. Eu VI tudo. Eu ouvi o Hodge a falar com o Valentine e a combinarem o prazo para ele entregar a Taça. Eu ouvi o Hodge a falar sobre o meu dom secreto que apenas vocês sabiam. Eu mesma, falei com o Valentine na minha visão e ele revelou-me ter um espião no Instituto que o informava do que se estava a passar e que por isso já estávamos derrotados. Por isso, não venhas dizer-me que não sei de nada quando eu mesma, sei mais do que tu!

Ao meu redor, a única coisa que existe é o silêncio. A Isabele encontra-se surpreendida com as minhas palavras e o Magnus está a acabar de curar o Alec, abanando a cabeça enquanto o moreno solta alguns gemidos silenciosos. Ninguém consegue arranjar um modo de criticar as minhas palavras, de perguntar alguma coisa, e desse modo sei que estão todos a ter a mesma reação que eu quando descobri de tudo.

Não espero por resposta e viro-lhes as costas, preparando-me para sair da enfermaria e arranjar uma solução para chegar até à localização do Valentine o mais depressa possível. Mas antes que tenha tempo de o fazer, a Isabelle agarra-me pelo pulso e faz-me parar.

— Onde vais agora? – Pergunta-me, devolvendo-me o medalhão da Wayland.

— Arranjar uma maneira de salvar a nossa família. – Agarro no medalhão e coloco-o ao pescoço numa velocidade apressada. – Tenho de acabar com isto.

— Tem cuidado. – Diz-me ela, enquanto eu me começo a afastar.

Caminho até á biblioteca, onde começo a tentar colocar os acontecimentos de uma maneira lógica de modo a puder alcançar um plano sem falhas para poder acabar com esta palhaçada. Mas nem sei por onde devo começar a traçar a minha estratégia. A Briana é que é a experiente em planos, não eu.

Sinto-me completamente perdida nesta confusão mas não devo envolver mais ninguém nestes assuntos, a Izzy e  Magnus precisam de tratar do Alec e permanecer ao lado dele, e como o Jace e a Clary desapareceram, não tenho ninguém em quem me apoiar. Ninguém…

O colar da Briana faz-me sentir o frio do medalhão pouco acima da clavícula, relembrando-me que não posso ficar a lamentar-me enquanto ela está a correr risco na companhia do Valentine e os seus seguidores.

— Se eu fosse a Briana e estivesse com um cenários destes… - Replico. – Por onde iria começar para arranjar pistas num puzzle?

Com a minha capacidade apurada de visão, revisto a biblioteca de uma ponta á outra, ou pelo menos, em pé e no mesmo lugar para assim possuir um angulo de visão mais amplo e abrangente. Observo as escadas que levam ao segundo piso de estantes, o tapete e as poltronas ao lado da lareira, até mesmo as cortinas corridas que se encontram a cada canto da janela.

Quando já me encontro a desistir, olho para baixo e reparo numa coisa que tinha conseguido escapar por debaixo do meu nariz o tempo todo. Há duas pequenas manchas circulares no chão, uma delas, próxima de um dos cortinados, mas a outra, mais irregular e salpicada, encontra-se perto da secretária, mesmo ainda estando um pouco longe, e como se não bastasse, há pequenos pingos que continuam até á saída da biblioteca.

Ver o trilho de sangue, por incrível que pareça, e estranho, dá me esperanças de estar a alcançar alguma luz do meio deste túnel escuro. Sigo os pingos salpicados no chão até á entrada do Instituto, e depois até ao portão. Mas depois perco-lhe o rasto.

Tudo me leva a crer que com isto, alguém conseguiu sair do Instituto sem que nós soubéssemos e veio para exterior, embora eu não saiba quem foi ainda. A exclusão de partes deixa claro que não foi a Briana, porque ela nunca deixaria o medalhão para trás e caso tivesse tido tempo de escapar, com certeza retornava para ligar ao Magnus ou para nos avisar do sucedido. O Jace também deveria ser capaz de fazer o mesmo, pois como ele se cruzou com a irmã, já deveria estar a saber da ideia dela de pedir ajuda ao feiticeiro, logo não perderia tempo a ligar-lhe para este vir salvar o melhor amigo.

O que me deixa apenas a Clary como única testemunha e recurso para alcançar o Valentine a tempo.

Corro de volta para o interior do Instituto e, de lá, ligo para o número dela que tenho guardado do telemóvel. Espero que ela me atenda o mais depressa possível mas, no final, a chamada acaba por ir parar ao voice mail.

O meu nervosismo começa a aumentar cada vez mais, tanto que tenho as mãos a tremer e a suar, mas procuro respirar fundo para manter a mente vazia para desse modo me conseguir acalmar.

Volto a discar os números com a alguma dificuldade, porque os meus dedos insistem em carregar nos números errados, fazendo-me ter que os apagar vezes sem conta. Quando por fim consigo terminar de escrever o número, espero impacientemente que me atendam:

— Começo a achar que sentes a minha falta. – A voz do moreno irrita-me um pouco mas consigo não transparecer isso na minha voz.

— A Clary está contigo? – Pergunto, eufórica, enquanto ele faz uma pausa. – Simon, é urgente! A situação não está nada boa

— Não, ela não está comigo. A última vez que a vi ela estava a entrar no Instituto. – Diz ele com um pouco de tremor na voz. – E falei com ela há alguns minutos. Mas aconteceu alguma coisa com ela? O que se passou?

Não tenho a certeza de que se dizer a verdade para o Simon, estarei a agir corretamente, mas se ele tem todo o direito de saber o que aconteceu com a Clary e, uma vez que estamos sobre um acordo de tréguas e não estou disposta a esconder segredos como o Hodge fez durante o nosso, decido fazer o que acho mais correto de acordo com os meus valores.

— Ela desapareceu, Simon. – Digo, com um pouco de mais calma. – Ela, o Jace, a Briana e o Hodge. Embora eu saiba que o Hodge deve ter fugido com o rabinho entre as pernas depois de ter entregado a Taça ao Valentine.

— O quê!? – Grita ele. – A Clary está desaparecida? E o Hodge entregou a Taça ao Valentine?

— Sim. Por isso é que te liguei. Pensei que pudesses dar-me uma pista ou que ela poderia ter ido ter contigo porque, pela minha lógica, ela conseguiu fugir a tempo. Só não sei para onde ela foi.

— Para aqui ela não veio. E a única pessoa que me está a vir agora á mente não deve estar muito interessada em ajuda-la, e ela também não lhe pediria ajuda de qualquer forma.

A única pessoa com quem ela podia contar, para além da mãe…

— O Luke. – O homem que sempre esteve ao lado da Jocelyn nos piores momentos e que serviu de figura paterna para a Clary durante toda a vida dela. – Pelo Anjo, és um génio Simon Lewis.

— Eu sei que sou. Obrigada. – Diz ele, tomando uma voz presunçosa. – Mas sabes que eles estão chateados. O Luke disse que não queria saber dela e da…

— Nós, caçadores, quando queremos proteger alguém tomamos atitudes dessas. – Respondo, com pressa de terminar a conversa para poder ligar ao Luke. – Eu tenho de procurar por todos os lugares e já estou a demorar muito tempo a fazer isso.

Ele faz uma pequena pausa e ouço portas a bater, assim como o tilintar de chaves e alguns resmungos da parte dele.

— Simon? – Agora estou curiosa do que ele está a fazer e o por quê de não estar a dizer nada.

— Eu vou já para aí. – Ele fala num tom decidido que nem o reconheço. – Se aconteceu alguma coisa com a Clary eu quero saber. E serei mais útil aí do que sentado na minha cama à espera que me liguem.

— Mas eu devo sair para…

— Não interessa. Fico aí para o caso de quando vocês regressarem, eu possa falar com vocês. – O motor da carrinha começa a fazer um barulho ensurdecedor nos meus ouvidos, levando-me a afastar o telemóvel dos ouvidos. – Vou andando. Liga ao Luke.

— Não precisas de mo dizer. – Resmungo, desligando no mesmo momento logo a seguir.

Sinto agora que finalmente alguma coisa está a começar a fazer sentido e que estou cada vez mais perto de encontrar a Bri e o Jace. Isso coloca-me mais aliviada mas não completamente satisfeita com os resultados.

Volto a discar o numero do Luke e espero arduamente, concentrando-me em observar as colunas da entrada do Instituto. Permanecem impecáveis e brancas como cal, embora tenham as suas imperfeições, tais como qualquer pessoa têm por muito que tente esconder.

— Estou? Estou? – Sou despertada pela voz masculina do Luke ao meu telemóvel.

— Luke? É a Lauren.

Alguém do lado da chamada dele, sussurra algo e ele responde dizendo o meu nome. O meu peito contrai-se um pouco e sinto a minha pulsação a correr mais depressa. Com quem será que ele está que me possa conhecer?

— Lauren, tem calma e descontrai. – Ele fala-me calmamente mas não o bastante para que eu solte o ar que começo a conter. – Está tudo bem. A Clary está aqui comigo.

— Está? Ela está bem? – As perguntas surgem como uma rajada de vento e ouço os risos fracos dele do outro lado da linha. – Por favor, Luke. Eu estou preocupada com todos!

— Já percebi mas está tudo bem. – Diz. – Ou pelo menos, da minha parte. Já sei de tudo o que aconteceu aí com a Taça.

— Então já sabes que eu estou à procura de um modo de encontrar os meus amigos e o Valentine? – Foco-me em transmitir nas minhas palavras, toda a determinação que possuo a arder-me no peito. – Eu não vou deixar que ele lhes faça alguma coisa.

O som de mais uma pessoa surge e desta vez parece estar a perguntar por instruções ao Luke acerca de já terem chamado o resto do grupo e que este já se encontra a caminho do quartel para irem atrás do Valentine. O Luke responde com entusiasmo ao homem e volta a desviar a atenção para mim.

— Imagino isso. Vais-te juntar á caçada assim como nós.- Afirma. – Já tenho tudo preparado, a matilha já está pronta, e só nos falta partir.

— Matilha? – Fico surpreendida ao ouvir as palavras do livreiro.

Matilha? Mas ele agora virou lobo ou quê?

— Passa o telemóvel, Luke. – Ouço a voz da Clary do outro lado, e ela parece bastante séria. – Lauren, o Luke é um lobisomem e o Valentine saiu dai com o Jace e a Briana nos braços, assim como a Taça.

— Mas eles estão bem? E tu?

— Só tenho alguns arranhões por causa do Hugo mas nada de grave. – Responde-me, no meio da euforia que parece se seguir ao lado dela. – Mas o Jace estava inconsciente e a Briana quando o tentou ajudar levou uma pancada do Hodge.

Ótimo, mais uma coisa para acrescentar na lista: fazer a folha ao Hodge ou então arranjar uma forma da Briana se vingar dele.

Bato com o pé no chão com tanta força, que me fica a doer o calcanhar, pois a sola da bota é de madeira e com o impacto, quem sofreu mais foi a traseira da palma do pé. Solto um gemido de dor improvisado que sai mais como um suspiro.

— Ouve, Lou. – A voz da ruiva chama-me à atenção. – O Valentine usou um portal aí no Instituto que o levou diretamente a um outro em Nova Iorque: o hospital de Renwick na ilha de Rosevelt.

— Rosevelt? – As lembranças da minha visão que me custou a aferida no ombro sobem á superfície da minha mente como água e penso em como fui tão estupida ao ponto de nem ter pensado em ir logo para lá quando já sabia onde o Valentine estava desde aquela noite, depois da festa do Magnus, no entanto, não comento isso com a Clary. – Vocês já estão a ir para lá?

—Sim. – O ruído de uma porta a bater e de outros carros a travarem, bem como que começarem a funcionar. – Também vens?

 - Claro que vou. Achas que eu ia deixar a minha família nas mãos daquela besta?

— Bem me parecia mas nós estamos com pressa e não pudemos passar pelo Instituto. – Ela fala-me com um certo arrependimento na voz. – Lamento.

— Não te preocupes. – Acalmo à pressa. – Eu arranjo boleia num instante.

— Certo. – Diz ela. – Vou ter desligar. Encontramo-nos lá.

Não lhe respondo e deixo que ela termine a chamada. Ao menos agora, uma das minhas maiores preocupações, e pesos, às minhas costas já desapareceu mas ainda tenho trabalho pela frente. Embora tenha dito que conseguia arranjar boleia, não me estou a lembrar de ninguém suficientemente rápido para me levar até à ilha de Rosevelt antes da matilha do Luke e da Clary.

Reviro a minha mente em busca de respostas e começo a ouvir o Magnus a falar com a Isabelle, no corredor que leva á enfermaria.

— Porque é que tu podes andar com todos os habitantes do Mundo-à-Parte que te apetecem e eu não posso ficar levemente interessado em alguém como vocês. – O feiticeiro fala de um modo ofendido, como se tivesse acabado de ser ferido no seu ponto mais fraco. – O teu irmão é bastante giro.

 

— Para de dizer essas coisas do meu irmão. – Enquanto a Isabelle não está nada contente com o rumo da conversa que estão a ter. – Consegues ser pior que os vampiros às vezes.

Vampiros! É isso!

Sorrateiramente, caminho até á biblioteca. Procuro por uma folha em branco e vejo uma ao lado de outra com um número que, quando o examino com mais atenção, percebo ser o do Magnus.

O que está isto aqui a fazer? Penso. Terá sido a Briana, mas a Clary disse que eles nem tiveram tempo de pensar antes de serem atacados…

Guardo o papel no bolso traseiro das calças e começo a redigir a minha mensagem:

       

“Raphael, tenho um pedido a fazer-te e peço que o aceites, por favor. O Jace e a Briana foram raptados pelo Valentine e preciso de ir às ruínas de Renwick o mais depressa possível. Consegues arranjar uma maneira de eu chegar lá? Da Lauren”

Atilho mais o fogo na lareira com a runa do mesmo, e lanço o papel lá para dentro sem nem hesitar. Vejo as chamas a devora-lo em redemoinhos doirados e depois a subirem em espirais cinzentas pelo ar até começarem a dissipar-se por fim.

Sei que na maior parte das vezes, as mensagens deste meio não tardam a demorar a serem correspondidas mas o tempo que preciso de esperar por algum sinal é o suficiente para começar a pensar se devia ou não ter agido tão impulsivamente ao ponto de agora ter acabado de tentar envolver o meu namorado vampiro em problemas que ainda não são dele, e que eu espero que nunca se tornem pois temo pela vida que ele ainda possui caso o Valentine comece alguma caçada em Nova Iorque pelos habitantes do Mundo-à-Parte.

Só de pensar nisso, fico com os cabelos da nuca completamente arrepiados de medo e terror. Parece que nunca me senti tão presa e paralisada como num momento igual a este. É tal e qual como se estivesse presa no filme de horror do qual não consigo sair nem enfrentar e, o pior de tudo, é saber que eu não tenho qualquer puder nas minhas mãos para salvar os meus amigos sem a ajuda dos outros.

Sem me aperceber, uma brisa, forte o suficiente para fazer os meus cabelos balançarem ao vento, passa pela janela ainda aberta da biblioteca e, juntamente com ela, um papel embrulhado em oito partes. Ele cai mesmo em cima das minhas mãos e eu fico a observar o céu escuro e cinzento que agora nos cobre a cidade, colocando o clima mais sombrio. No entanto, com o papel agora nas minhas mãos, ignoro esse facto e apenas sorrio, feliz por ter recebido uma resposta, e que espero ser positiva.

Desdobro as partes do papel e sopro o pó que nele se encontrava. O pó sobe e rodopia em espirais, tal como na última vez e o papel que eu queimei, antes de começar a assumir a forma de um rapaz de ombros largos, com uma camisa vestida, e os cabelos encaracolados a moldarem-lhe o rosto.

A figura do rapaz possui um sorriso travesso no rosto e uma expressão irresistível no rosto eu faz com que eu comece a hiperventilar sem mesmo querer. Parecendo responder aos meus gestos, a mensagem começa.

Mi chica, já percebi que não te sentes bem. – Diz ele começando a adotar uma expressão séria que logo muda para uma gentil e compreensiva logo a seguir. – Mas escusas de ter esse tipo de formalidades comigo.

Rio-me um pouco. De facto, fui demasiado formal para um pedido de socorro ao namorado, mas ainda me custa habituar à ideia que ainda há uma semana ele nem conhecia a minha existência e agora, bem, agora é meu namorado.

— Vou-me lembrar disso na próxima vez. – Sei que ele não me está a ouvir, pois a mensagem é uma gravação mas, mesmo assim, ele ri-se logo após as minhas palavras.

— Aposto em como me deves ter respondido algo como “Fica anotado”. – Volto a sorrir-me. – Mas em resposta ao teu pedido desesperado, só precisas de esperar cinco minutos e estarei aí. Aconselho-te a vestires um casaco.

A imagem desaparece e eu nem espero por mais para ir em direção do meu quarto, para encontrar um dos meus melhores casacos de cabedal, para o qual transfiro a minha estela e as minhas lâminas seráficas recém-adquiridas que ainda não estriei. Observo o meu quarto e foco o meu olhar nas espadas do meu pai. Penso em deixa-las ali e utilizar o meu guisarme durante a luta para a qual me estou a preparar mas depois lembro-me da minha promessa.

Preciso de os libertar…

Quase que me esquecia que hoje, se tudo correr como eu espero, infelizmente, será o último dia em que estarei sob a presença dos meus pais, embora eles agora estejam em uma forma grotesca, continuam a ser os meus pais. Os que me criaram, me protegeram, acompanharam toda a minha infância até serem separados de mim por força. Repetindo as mesma palavras do dia em que descobri no que eles tinham sido transformados: preciso de os libertar da maldição que o Valentine colocou neles. E espero puder faze-lo com algo que já lhes pertenceu um dia.

Agarro em ambas as espadas, que ainda repousam na bainha das minhas calças que tirei quando passei no meu quarto antes de voltar para a biblioteca para recuperar pistas, e volto a coloca-las na minha cintura.

Espero que isto não incomode o Raphael.

Vampiros não possuem uma boa relação com a prata, mesmo gostando da cor, por isso é que fico um pouco indecisa quando penso que o Raph vai ter que aguentar a presença dela, mesmo estando dentro das bainhas o que impossibilita de o magoar.

O meu guisarme na forma de um pequeno rolo de metal repousa em cima da cama e não me consigo separar dele, nem mesmo agora, por isso, ponho-o no seu lugar habitual, o cano das minhas botas.

Desço pelo elevador e saio pelas grandes portas, em direção do portão. Realmente, fico contente do Raphael me ter aconselhado a levar um casaco pois, de facto, a temperatura está um pouco fria de mais e calculo que seja devido á chuva que caiu durante a tarde e que deixou o seu rasto de humidade no ar.

Ouço o som de um assobio e viro-me na direção deste. À frente do portão, talvez a uns três metros das grades, encostado a uma corpulenta mota prateada, encontra-se o Raphael, com uma camisa escura vestida tal como umas calças negras um pouco justas na cintura. Ele pisca-me o olho e bate no assento da moto enquanto me lança gestos.

Percebo o recado e vou na direção dele, nunca raciocinando como uma Caçadora das Sombras, que deve permanecer atenta em todos os passos que dá. Em vez disso, atiro-me aos braços dele, que me abraçam com enorme força e ternura. Afasto-me o suficiente para o poder beijar enquanto ele explora a região das minhas costas por debaixo do casaco, deixando-me sentir o frio do toque dele por cima da minha camisola. Arrepio-me um pouco com isso e ele ri-se, colocando um pouco de distância entre as nossas bocas mas colando a testa dele na minha.

— Por muito que adore estar assim. – Diz ele, com a voz rouca. – Sei que tens uma missão a cumprir.

Aceno-lhe afirmativamente.

— Tenho que ajudar os meus amigos. – Coloco as minhas mãos nas bochechas dele e acaricio-as. – Eles estiveram sempre ao meu lado quando eu precisei, agora é a minha vez.

— Eu sei. Mas não queres apoio? Podia chamar os meus companheiros.

— Não. – Penso no resultado de juntar lobisomens e vampiros no mesmo lugar, durante uma luta: o único resultado a eu chego é o caos. – Não estou a ver convivência entre vampiros e lobisomens.       

Ele franze o sobrolho, antes de me fazer uma pequena careta.

— Pediste ajuda aos filhos da noite? – Questiona ele, com um tom acusador. – Sabes que nós fomos atacados pela matilha de Brooklyn por causa de um casal de amigos teus?

Então foi isso que o menino Jace, o Simon e a menina Clary andaram a fazer o resto da noite. Anotado: raspanete para os três.

Sei que não preciso de me sentir culpada de nada porque nem fui eu que pedi a ajuda dos lobisomens mas, para não deixar o Raph de cara emburrada, despenteio-lhe o cabelo e ele olha para mim com os seus olhos ónix a demonstrarem desaprovação.

— Desculpa mas a Clary foi quem conseguiu descobrir o esconderijo do Valentine mais cedo. – Justifico. – Por isso é que só te pedi a ti para vires. Desculpa.

Dou-lhe um selinho na testa e ele descontrai um pouco os músculos. Com isso, consigo sentir-me mais contente por ele não estar zangado comigo.

— Eu desculpo mas para a próxima lembra-te que eu também existo. – Ele larga-me a cintura e sobe para cima da mota numa sequência de movimentos que me faz morder o lábio, para a seguir reprovar o gesto com a minha mente.

Concentra-te, Lauren. Precisas de salvar os teus amigos e depois pensas no Raph senão nasce o dia e tu a distraíres-te.

Segui-lhe os movimentos, e subo também para cima da mota prateada, tendo em conta o facto de o metal da mota se encontrar gelado sob as minhas pernas pouco agasalhadas pelas calças o que faz com que eu sinta um pouco de frio. Distraio-me nisso, enquanto o Raph, numa brincadeira idiota, dá um solavanco com a mota, fazendo com que eu faça uma curva com as minhas costas para depois bater nas costas dele.

— Ficavas mais segura se te agarrasses a mim. – Afirma, ao mesmo tempo que o ouço a rir das minhas figuras.

— E se eu não quiser? – Respondo apenas para provocar.

Ele gargalha baixinho e agarra no volante da mota, inclinando o corpo para baixo.

— Depois não digas que não avisei. – Percebo bem o que as palavras dele querem dizer e não hesito mais em rodear-lhe a cintura com ambos os braços.

O corpo dele parece pedra dura e não possui qualquer calor capaz de me aquecer mas, só o facto de poder estar assim com ele, podendo ser os meus últimos momentos, embora não queira pensar assim, já consegue aquecer o meu interior.

Observo-lhe os cabelos ao ar livre enquanto começamos a andar a uma velocidade excessiva pelas ruas de Nova Iorque que me coloca um pouco preocupada, enquanto os meus cabelos me fustigam a cara.

— Pronta para uma vista incrível? – Ele precisa de gritar por cima do zumbido e do ronronar da mota que dança nos meus ouvidos e eu aceno que sim, pois já tinha ouvido falar das capacidades das motas demoníacas pela boca do Alec. – Cá vamos nós!

A mota começa, lentamente, a deixar o solo da estrada e preciso de me agarrar com mais força ao Raphael para ter a certeza que não vou cair ao mínimo descuido. Ele apenas ri com a minha atitude mas isso não abala a adrenalina que estou a começar a sentir corroer-me as veias, por isso apenas encosto o meu rosto á camisa dele, ao mesmo tempo que observo os edifícios rodeados de luzes vindas dos mesmos, das ruas e anúncios e também dos carros. Parece mesmo um espetáculo de cores incrível.

O tempo parece passar mais devagar quando estou assim mas sei que ele não para e que em breve, serão as alturas das despedidas, sejam elas duradouras ou temporárias.

O Raph acelera mais e em poucos minutos, já nos encontramos a sobrevoar o East River, indo em direção da Ilha Rosevelt, onde um edifício, já muito desgastado e sombrio, permanece inteiro, ou pelo que parece, a alterar a paisagem para um cenário um tanto macabro que me transmite um mau pressentimento e faz com que eu ganhe borboletas no estomago.

E, pelo que parece, não sou a única a ficar mais tensa ao ver a estrutura de cimento e aço que se segue á nossa frente. O meu namorado também começa a adotar uma postura tensa e rígida, a qual eu não sei como acalmar pois sinto-me da mesma maneira.

Ele também não diz nada e apenas aproxima os pneus da mota do solo, um pouco á frente da entrada, mas afastado o suficiente para que não possamos ser incomodados mas consigamos observar o cenário que se estende até à cerca que rodeia o antigo hospital e que impede visitas, ou pelo menos, é o que pensam.

— Chegamos ao nosso destino. – A voz do Raphael soa tão sombria como o lugar ao nosso redor.

Estou a ficar seriamente preocupada com o rumo da situação.


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Notas finais do capítulo

Chegou a altura das despedidas. A batalha acaba de iniciar. Será este um adeus duradouro? Raphael irá manter-se afastado de Lauren? O que lhes espera no interior de Renwick?



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