Viajantes - O Príncipe de Âmbar escrita por Kath Gray


Capítulo 10
Capítulo IX


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora!
Eu tive um sério bloqueio com algumas cenas desse capítulo. Mesmo agora ainda não estou totalmente convencida de que ele está tão bom quanto poderia, mas acho que consegui tirar alguns dos problemas principais, então resolvi postar enquanto não encontro novos erros! Uma das minhas maiores dificuldades foi a quantidade de vezes que acabei precisando usar "menino", "menina" ou termos parecidos, motivo pelo qual eu trouxe uma palavra um pouco menos conhecida do que de costume dessa vez. Mas gostei dela! Acho que vou incorporar no meu vocabulário!
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Glossário:
— "petiz": garoto, menino, pequeno
— "espasmos hípnicos": é a sensação de queda (ou algo semelhante) que nos faz acordar subitamente enquanto dormimos. Também pode designar aqueles momentos em que nós acordamos durante a noite de repente, em choque ou assustados, mesmo sem nos lembrarmos de termos tido um pesadelo.



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Dean nunca soube como não derrubou o resto de sua comida enquanto cambaleava ao ser puxado pela manga da blusa em meio a um monte de pernas cruzadas, ou quando foi jogado de qualquer jeito no meio de um dos círculos de crianças.

— Hey! Podemos nos sentar com vocês? - perguntou Rowan.

— É claro! - respondeu Kath, alegremente, olhando para ela por sobre o ombro. - À vontade!

Rowan cruzou as pernas ao acomodar-se, sentando-se com muito mais tranquilidade do que havia permitido a Dean. Por um momento, ele lembrou-se de Will e sentiu uma ligeira tentação de puxar os pés da garota e fazê-la cair, mas calculou que não seria muito educado, então resolveu deixar a imagem no pensamento.

— Ei, esse é o garoto que quase se afogou? - perguntou um dos meninos, animado, inclinando-se em direção a Dean.

— Kie! - repreendeu Kath. Ela se virou para Dean, um pouco sem jeito. -  Desculpa por isso. Kie é muito direto, e não pensa muito antes de falar.

— Está tudo bem, não me ofendeu - afirmou ele, sincero. Virou-se para Kie. - Sim. Sou eu.

— Como é quase se afogar? - perguntou um outro garoto, ainda menor, de cabelos castanhos e olhos escuros bem abertos.

Uma das meninas maiores adiantou-se e deu-lhe um tapa rasante na cabeça, provocando um estalo que fez Dean se encolher internamente.

Ai! — exclamou o menino, em protesto, se encolhendo e levando as mãos à nuca. - Por que você fez isso?

— Você não pode simplesmente sair perguntando para as pessoas como é quase se afogar, bobo! - disse ela, com sua vozinha irritada de criança. - É falta de educação!

Katherine cobriu a boca com a mão, tentando disfarçar o riso. Ty não se deu ao trabalho.

Dean também não conseguiu deixar de achar graça da cena. Ele não tinha primos pequenos ou qualquer parente da idade de Simon ou mais novo, então não tinha muito contato com outras crianças, mas ainda se lembrava muito bem de quando seu caçula passara pela fase dos “porquês”. Suas perguntas malucas sempre entretinham e divertiam os irmãos mais velhos.

— Bom… - disse ele. -  eu diria que não é uma experiência muito boa. Não recomendo. - brincou.

Kie e mais algumas crianças riram da resposta. Até Katherine riu um pouco, ao que Rowan revirou os olhos.

Dean deu uma olhada rápida nos meninos. Kie não parecia ter mais que seis ou sete anos; seus cabelos eram de um loiro-caramelo singelamente desbotado e relativamente curtos, bagunçados como os de Ty. O outro menino tinha cabelos ainda mais curtos, quase rentes à sua cabeça bem redonda de criança, então eles acabavam naturalmente se alinhando, formando uma camada fina e lisa de castanho. A menina tinha cabelos mais claros, de um loiro denso, cortados na altura do queixo, e parecia ter cerca de nove anos.

— Ei, como é ser salvo pela mana Kath? - perguntou uma das outras pequenas, com os olhos brilhando.

Curiosamente, as outras crianças pareceram se animar com a indagação, e se inclinaram um pouco para frente, curiosas pela resposta.

Talvez fosse porque Dean não estava esperando essa pergunta, mas ele precisou de alguns segundos para processá-la. Uma visão de relance de Kath mostrou que a garota também não tinha previsto essa.

Ty e Rowan, porém, exibiram sorrisos satisfeitos, como alguém que ouviu algo de que gostou. Dean ficou confuso.

— Hm? O que você quer dizer? - perguntou ele, sem entender.

— É que a gente sempre ouve as histórias da irmãzona, mas nunca conseguimos ver nada - respondeu um dos meninos, pendendo a cabeça para o lado de uma forma que lembrava um pequeno cachorrinho. - A gente fica curioso...

— Histórias?

Dean ainda não tinha entendido completamente a explicação, mas Katherine pareceu compreender. Depois de um instante de surpresa, sua expressão tornou-se subitamente suave. Seu rosto ficou um pouco mais corado e seus lábios se curvaram em uma linha graciosa, que logo se abriu em um largo sorriso.

— Awn, vocês são tão fofos!— exclamou, avançando na menina que fizera a pergunta e envolvendo-a em um abraço esmagador.

— Ei! Me larga! - gritou a menina, tentando manter uma expressão rabugenta, sem sucesso. - Você está me esmagando!

Depois de muito se debater, a garotinha se libertou, chorando de rir. Kath virou-se para o menino que respondera Dean.

— Vem cá você também! - chamou. Ele tentou fugir, mas ela foi mais rápida. Abraçando-o com ainda mais força, ela começou a bagunçar seus cabelos castanhos compulsivamente.

As risadas preencheram o ambiente. As crianças, Kath, Ty, Dean e até Rowan ria sem ressalvas. A agitação devia estar chamando a atenção, porque várias pessoas de fora se viravam para olhar a cena, curiosas.

Enquanto parava para recuperar o fôlego, Dean cutucou Ty com o ombro, discretamente.

— Ei, por que eles ficam chamando a Kath de 'irmãzona'? - perguntou. Naquela idade, a diferença era gritante, mas a garota certamente não era mais do que três ou quatro anos mais velha que alguns deles.

— Bom, ela tem mais da metade do tempo de vida deles a mais - respondeu Ty. - É meio natural eles chamarem ela de 'irmã mais velha'.

— Pera, o quê? - Dean se perguntou se não tinha se confundido por causa da frase um tanto incomum de Ty. Ele fez alguns cálculos rápidos mentalmente. - Quantos anos ela tem?

— Em um mês ela completa dezesseis - respondeu Ty, distraído, rindo quando duas das outras crianças se adiantaram para tentar ajudar o menino a se libertar. - Estamos até pensando em fazer uma comemoração especial.

Dean voltou os olhos para Kath, surpreso. Ela ainda bagunçava o cabelo do pequeno, e nem a força dos outros dois era páreo para seu abraço de urso, que a essa altura mais parecia um cabo-de-guerra.

Dezesseis?

Ele se virou novamente para Ty, abrindo a boca para falar, quando algo atingiu-o de repente na face.

A fruta rosada tinha o interior quase totalmente liquefeito. Quando estourou na cabeça de Dean, o suco escorreu por todo o seu rosto, pegando parte da camisa. Seus cabelos se aglutinaram no que parecia uma porção de mechas duras e bem-definidas, como se tivessem sido presas com uma mistura de cola e água.

Por um momento, todos se calaram. Então, um a um, todos recomeçaram a rir, com ainda mais gosto do que antes.

Ele voltou os olhos para Kath. A garota tentava segurar o riso, mas era óbvio quem tinha jogado a fruta.

Sem pensar, ele inclinou-se e pegou a fruta mais próxima - uma daquelas azuis que tinha comido mais cedo.

O projétil interrompeu a risada de Katherine, que soltou um arquejo surpreso.

Então, ela virou-se para Dean, com um olhar desafiador. Com a lateral da mão, ela limpou uma faixa de líquido na altura dos olhos.

— Ah... então é assim, é?

Antes que Dean percebesse o que tinha acabado de acontecer, uma das meninas pôs-se de pé em um salto e gritou em plenos pulmões:

É GUERRA!

O grito reverberou por todo o agrupamento. Cada vez mais crianças foram colocando-se de pé, ecoando o grito da primeira, até que apenas Dean permanecia sentado.

— O quê…? - ele começou a perguntar, aturdido, mas interrompeu-se quando Ty segurou seu pulso.

— Venha! - chamou ele, rindo, puxando-o e colocando-o de pé.

As meninas do grupo correram em disparada até onde as últimas comidas descansavam nas tigelas sobre o pano. Sem parar de correr, elas passaram do lado das pilhas e pegaram cada uma uma fruta em um único movimento preciso, e imediatamente seguiram em disparada para a floresta do outro lado do pátio, onde desapareceram uma a uma.

Percebendo a agitação, os jovens e adultos começaram a se afastar, formando uma trilha livre para as crianças passarem, como quem está acostumado com a situação. Pareciam estar achando a história toda muito divertida.

Antes que a última menina tivesse sumido em meio às árvores, os meninos dispararam atrás delas. Agora com o caminho já aberto, eles correram até as mesmas tigelas e se muniram com a  mesma velocidade das que os precediam.

No começo, Ty teve que puxar o confuso Dean atrás dos outros, até ele finalmente entender mais ou menos o que estava acontecendo e começar a correr sozinho. Quando passou do lado das tigelas e se abaixou para pegar uma das frutas, um dos meninos maiores estendeu-lhe outra igual.

— Geralmente cada pessoa só pode pegar uma, mas como você é novato pode levar duas - disse ele.

Dean achou engraçado ser chamado de “novato” por alguém que era muito menor que ele, mas aceitou a gentileza. Finalmente, os últimos meninos também sumiram em meio às árvores.

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Era engraçado quanta diferença fazia estar em um ou outro lugar daquela floresta. Apenas por ter entrado na vegetação do lado oposto do pátio já era como se estivesse em um mundo completamente diferente.

Ali, as árvores pareciam ter um padrão de estrutura diferente. Os troncos eram retorcidos, mas seu formato geral era mais reto e equilibrado, mais próximos dos das árvores com que estava familiarizado. Os galhos e ramificações começavam poucos metros acima da altura de Dean, e ele não conseguia ver as folhas com clareza, mas pelas sombras sutis que elas projetavam no chão ele imaginava que fossem bem pequenas e circulares, daquelas que pareciam tão frágeis quanto uma obra de arte refinada que se desmancharia se tocada. A constância maior das alturas das ramificações naquela região fazia da cobertura das copas uma superfície mais consistente, sem tornar o ambiente excessivamente escuro, mas ao mesmo tempo projetando no interior de toda a floresta uma sombra permanente e uniforme.

O chão daquelas partes também era diferente. Ele não havia percebido vendo de fora, mas ali dentro era claro; se continuasse indo na direção que percorriam agora, logo entrariam em um declive que tendia a se inclinar cada vez mais para baixo conforme se avançava, parando apenas antes de se tornar demasiado íngreme e formando uma espécie de vale.

Além disso, a altura das árvores e a distância entre elas parecia ser mais constante, tornando o campo de visão relativamente mais limpo, fazendo daquele o lugar perfeito para uma guerra de comida.

Conforme se aproximavam das crianças da frente da fila, Dean percebeu que elas estavam parando.

— O que aconteceu? - perguntou ele para o menino que lhe dera a segunda fruta. Porém, o petiz* apenas levou o dedo mindinho aos lábios, em um gesto que Dean imaginou ser o equivalente deles para o seu indicador, pedindo silêncio.

Somente então ele percebeu que as meninas tinham sumido.

— Fiquem atentos - sussurrou o menino, quando ele e Dean se aproximaram do resto dos garotos. - Elas não gostam de perder seus alvos de vista. Devem estar por perto.

Dean se pegou se perguntando se ele seria o líder do grupo ou algo do tipo. Talvez fosse por ele ser o mais velho, depois de Ty - algo perto dos dez, onze anos.

Ouvindo as instruções do maior, todos os meninos ficaram em silêncio absoluto.

Dean nunca teria imaginado que algum dia levaria uma guerra de brincadeira a sério, mas a ausência total de som logo começou a fazer pressão. Ele sempre preferira mil vezes um barulho constante do que o silêncio puro que surgia quando estava sozinho; quando tudo estava quieto, ele não conseguia deixar de pensar que algo ia acontecer - não algo trivial, como uma porta batendo, mas sim algo grande, que surgiria de repente e mudaria tudo em uma fração de segundos. Talvez isso fosse apenas um legado dos videogames, filmes de terror, pesadelos e espasmos hípnicos* de sua infância, mas saber sua origem não deixava as coisas mais fáceis.

E naqueles minutos de silêncio no meio da floresta, sem saber o que procurar, seu coração não demorou a acelerar. Poucos segundos depois ele já conseguia sentir suas pulsações por todo o corpo, do peito às pontas dos dedos, e em mais alguns instantes seu sangue martelava em seu ouvido. Cada batida era como um tambor ecoando através de seu corpo.

Cada. Uma. Delas.

E então, uma exclamação.

 

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O arquejo mudo do pequeno fez o coração instável de Dean parar por um instante.

Ao som da batida, todos se viraram a tempo de ver o menino desabar de costas no chão com a força do impacto da fruta.

Por um momento, Dean entrou em pânico; o garoto ainda era muito pequeno e a fruta não era das mais leves, então sua primeira preocupação foi ver se ele estava bem. Porém, antes que pudesse dar um passo em sua direção, o menino caído sentou-se sem qualquer hesitação, e logo estava de pé.

Emboscada! — Dean ouviu alguém gritar.

Não houve tempo para reagir. Frutas rosas e vermelhas voaram, uma delas acertando em cheio o rosto de Ty. Quando Dean fez menção de correr em sua direção, um súbito impacto em suas costas jogou-o no chão com força, a ponto de doer. Uma mão segurou sua cabeça abaixada.

— Peguei um! - ele ouviu a voz de Rowan sobre si, com um tom triunfante, como um caçador comemorando a caçada bem-sucedida.

— Desculpe, Ty. - disse Katherine, risonha, em algum lugar à sua esquerda.

Não houve resistência. A “batalha” toda - que nem chegava a merecer essa denominação - não durara mais do que uns seis segundos.

— Taki, vocês se rendem? - inquiriu uma das garotas mais velhas, em uma voz pronunciada.

Pelo canto dos olhos, Dean viu o menino líder, o único ainda de pé, imobilizado, com o pescoço preso pelo braço de uma das garotas. Depois de um suspiro curto e resignado, ele deu de ombros.

— Nós nos rendemos.

Katherine deu um sorriso torto.

— Acho que isso totaliza sete a três para nós! - comemorou.

Por todo o “campo de batalha”, breves exclamações e celebrações ecoaram por parte das vencedoras. Dean sentiu o peso aliviar-se em suas costas quando Rowan levantou-se.

— Aqui. - ela estendeu-lhe a mão, ajudando-o a levantar.

— Obrigado. - respondeu Dean automaticamente. Assim que o disse, porém, começou a duvidar se essa era mesmo a melhor resposta.

— Vocês deviam aprender mais com seus erros. - comentou Kath, colocando Ty de pé com um único puxão. - Não adianta ficar atento se todas as pessoas olham para o mesmo lado. É muito fácil chegar por trás.

— Droga…! - praguejou Taki, dando um soco no ar. Sua expressão misturava a raiva da derrota e um sorriso torto de quem diz “eu devia ter imaginado...”

— Vocês fazem isso com muita frequência? - perguntou Dean, curioso, entortando-se para massagear as costas doloridas.

— Quase sempre que estamos aqui - respondeu Ty, rindo, enxugando parte do suco do rosto.

— … E o que fazemos com isso? - ele indicou a fruta que deixara cair, ainda inteira.

Ty olhou para ela por um segundo, pensativo.

— Coma, se quiser. - respondeu, por fim. - Mal não vai fazer.

O caminho de volta foi ligeiramente mais cansativo do que o da ida, já que dessa vez a rampa era desfavorável. Porém, a adrenalina ainda em seu sangue fez com que a caminhada parecesse relativamente leve. Ele sabia por experiência própria que seu pulso continuaria latejando por mais vários minutos.

Ele, Ty, Kath e Rowan estavam perto do fim do grupo, e foram alguns dos últimos a sair da floresta.

Quando finalmente Katherine entrou na luz um passo antes dele, algo no céu pareceu chamar sua atenção.

— Ora! - disse ela. - Parece que temos companhia.

 


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Notas finais do capítulo

A quem interessar possa, esses dias eu comecei um diário de sonhos com minha amiga, Mel Sbragia! Se chama Yume - Diário de Sonhos! Se algum de vocês gostar desse tipo de coisa, passe lá para dar uma olhada depois!
Enfim, espero que tenham gostado do capítulo! Até o próximo! o/
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(Crianças fofas! >,<)
(Ah, eu sei que sempre uso muito "pareceu", "ouviu" e "imaginou" nessa fic, mas é porque, como é narrada principalmente do ponto de vista de Dean, nem tudo fica totalmente claro de imediato, então algumas coisas realmente vão ser narradas como impressões. Espero que isso não seja um incômodo!)